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  • Lei Emergencial da Cultura: um país sem cultura é um país sem história

    Lei Emergencial da Cultura: um país sem cultura é um país sem história

    Valmir Assunção¹

    Marcos Rezende²

    O setor cultural foi o primeiro a suspender suas atividades em virtude da pandemia e será o último a retomá-las. Assim sendo, é preciso garantir a sobrevivência de trabalhadores e espaços que vivem da arte e da cultura. Para além do sentido simbólico que é preservar a cultura na figura de seus agentes, que envolve preservar nossa identidade cultural, nossos modos de ser, fazer e estar no mundo, é necessário agir para garantir o aspecto social e econômico do setor cultural.

    Dados apontam que 5 milhões de pessoas trabalham no setor cultural em nosso país. A cultura como um todo é responsável por cerca de 2,64% do PIB (produto interno bruto) brasileiro, economia que está sendo afetada com a crise mundial que vivemos, gerando perdas de receitas no setor cultural da ordem de R$ 46,5 bilhões, com uma redução de 24% em sua participação no PIB, o bolo da produção econômica nacional.

    O cenário da cultura é ainda mais urgente quando pensamos que as relaçõess trabalhistas são quase totalmente informais e temporárias, com estudos revelando que 44% dos trabalhadores da cultura se encontram na condição de autônomos. Nesse cenário é preciso garantir que as trabalhadoras e trabalhadores da cultura não morram de fome em um contexto de pandemia no qual aglomerações de pessoas têm de ser evitadas, pois o ofício do artista é o público.

    Nações como a França e o Reino Unido tomaram medidas para garantir a continuidade dos fomentos culturais através de ações que promovessem a chegada de recursos financeiros nas mãos dos agentes culturais. Sem o auxílio do Estado, perderemos um setor produtivo inteiro, deixando à míngua e à própria sorte milhares de famílias brasileiras. É dever do poder público garantir a segurança e a vida das pessoas do setor cultural, além de impulsionar a geração de empregos e renda através de subsídios para as instituições culturais. Profissionais da cultura não são menos profissionais.

    A Câmara dos Deputados vem debatendo a forma mais justa e real de salvar o campo da cultura no Brasil. E o Projeto de Lei n.1075/2020 traz soluções fundamentais para garantir isso. Esse PL propõe o valor de R$ 3,6 bilhões destinados a ações emergenciais, para todo o país, descentralizando recursos para Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de renda emergencial aos trabalhadores da cultura; subsídios para manutenção física de espaços artísticos e culturais, empresas, cooperativas, instituições e organizações culturais que tiveram as suas atividades interrompidas pelo isolamento social; assim como prevê a existência de editais, a aquisição de bens e serviços relacionados ao setor cultural, a produção e transmissão de bens culturais através das plataformas digitais e garante a prorrogação de prazos de editais já em andamento, propondo, nesse conjunto de ações, a manutenção das redes que compõem a economia da cultura.

    É importante destacar que o PL prevê que os recursos da Lei de Emergência Cultural virão do superávit do Fundo Nacional de Cultura, avaliado em R$ 2,9 bilhões. Uma parcela bem inferior, R$ 700 milhões, viriam de dotações orçamentárias da União, observados os termos da chamada PEC da Guerra. O PL 1075 também segue os critérios econômicos e sociais do público-alvo utilizados para a Lei do Auxílio Emergencial.

    Se existem recursos destinado a manutenção da Cultura, esse é o momento de usá-los.
    Dessa forma, faço um apelo aos meus colegas deputados, deputadas, senadores e senadoras, para que eles e elas não se anulem de apoiar um projeto de lei que vai salvar a cultura de nosso país: VOTEM A FAVOR DO PL 1075 DE 2020!

    Um país sem cultura é uma país sem história!

    E um país sem conhecimento é uma nação sem futuro!

     

    Valmir Assunção é deputado federal pela Bahia, coordenador da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados e militante do MST (Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadores Rurais Sem-Terra)

    Marcos Rezende é historiador, mestre em gestão e desenvolvimento social pela Faculdade de Administração da UFBA, fundador do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e Ogan de Ewá e OjuObá do Ilê Oxumarê Asè Araká Ogodô.

     

    [youtube https://www.youtube.com/watch?v=8kAfF3n3DnE]

  • Cuiabá na primeira semana de reabertura da comércio

    Cuiabá na primeira semana de reabertura da comércio

    Por: Beatriz Passos e Marcos Salesse para o com_texto

    Lojas abertas, ponto de ônibus lotados, ruas engarrafadas e filas em frente aos bancos marcaram a primeira semana da volta parcial das atividades econômicas de Cuiabá. Com o Decreto Municipal n° 7.886, comerciantes e consumidores buscavam adotar “medidas temporárias visando à compatibilização da prevenção e enfrentamento da propagação do novo coronavírus com a manutenção da economia”, como define o documento publicado no dia 20 de abril de 2020. Infelizmente, essas medidas na prática foram esquecidas por parte da população que foi às ruas.

    Não era difícil encontrar alguém sem máscara, com máscara pendurada no pescoço, guardada no bolso, ou carregando nas mãos pronta para ser usada caso o pedestre identificasse algum risco. Em contrapartida, existiam os que utilizavam o objeto de proteção. Mas estes se sentiram tão protegidos que abandonaram a ideia de distanciamento e eliminação de contato físico, andando em grupos e carregando sacolas de compras.

    Para quem estava ansioso pela rotina de consumo, o comércio não decepcionou. Às 10h em ponto a reabertura aconteceu. Já às 16h, horário do fim do expediente temporário, o ponteiro do relógio de algumas lojas atrasou, provocando uma demora de 15 a 20 minutos do encerramento.

    A volta para casa também foi motivo de aglomeração. O fato de haver um grande número de pessoas nas ruas, aliado à diminuição de ônibus em circulação, causou concentração de usuários nos pontos de parada do transporte público, alguns improvisados ao lado das estações de ônibus fechadas, como a Estação Alencastro.

    FISCALIZAÇÃO ALERTA COMERCIANTES

    Na terça-feira, 28 de abril, segundo dia de retomada das atividades, o Procon MT, Polícia Militar, Secretaria Estadual de Saúde e a Vigilância Sanitária iniciaram a operação de fiscalização nos estabelecimentos em funcionamento. Na ação, equipes orientavam os comerciantes sobre as medidas de proteção que devem ser tomadas pelos estabelecimentos. No primeiro dia de fiscalização foram orientadas 70 empresas.

    A operação que seguiu até segunda-feira, 4 de maio, por todo o estado, buscava explicar aos empresários sobre as diretrizes do Decreto Estadual nº 465. No qual consta a obrigatoriedade do uso de máscara por funcionários, colaboradores e clientes das empresas, além da necessidade de informativos em relação às medidas de prevenção e legislação acerca do Covid-19.

    Em coletiva de imprensa o coordenador de fiscalização do Procon MT, Ivo Vinicius Firmino afirmou que as medidas tomadas têm caráter de proteção à vida do cidadão. Portanto, segundo ele, “a lei não tem sentido arrecadatório, por isso a multa que é de 80 reais por cidadão sem máscara, será destinada para coletas de cestas básicas em cada município que houver infração”, explicou o coordenador.

    COM PERMISSÃO, COMÉRCIO ABRE AS PORTAS

    Desde 23 de março estava proibida a abertura de quaisquer estabelecimentos comerciais não essenciais pelo Decreto Municipal nº 7.849. Provocando mudanças na vida de empresários que atuam na região central, a decisão da prefeitura causou reações diversas, levando comerciantes a se manifestarem por meio de cartazes nas fachadas das lojas, com dizeres como “queremos trabalhar”.

    Embora Cuiabá tenha adotado as medidas de isolamento por metade do tempo mínimo considerado eficaz por especialistas, que é de dois meses, para a comerciante Regina Campos um mês de isolamento foi o tempo suficiente.

    “A volta do comércio é muito importante e como ela está sendo feita também. Porque tivemos o tempo necessário de quarentena e agora é importante fazer a economia funcionar, para que as pessoas que trabalham dentro do comércio tenham condições de dar continuidade ao seu trabalho e ganhar seu pão de cada dia”, declarou a comerciante.

    Regina contou que precisou fazer algumas mudanças na administração para se adequar ao cenário da pandemia.“Eu tenho mais funcionários que trabalham na loja comigo. Alguns que são de grupo de risco estão de licença. A loja física também se adequou ao horário de funcionamento, das 10h às 16h, e os outros que estão trabalhando em casa fazem o serviço de venda através da internet”, explicou.

    A comerciante garantiu que sempre usa máscaras, faz a higiene das mãos e do ambiente com álcool em gel, por acreditar que esse seja o caminho para o combate ao Coronavírus.

    “É necessário a conscientização da população de que não é uma coisa de enfeite para ser usada e retirada simplesmente porque não está acostumado. É claro que nosso clima é quente, a gente não está habituado, mas tudo tem que ser adequado às nossas condições. Então, a gente tem que se acostumar por ser uma coisa importante e necessária para a nossa saúde e a do próximo”, disse.

    Mayra Freitas, outra comerciante, também considera bom o cenário de abertura do comércio. De acordo com ela, “a volta do funcionamento do comércio é importante para o comerciante que não tem um capital guardado. Eu mesma não tenho! E aí tenho que pagar aluguel, água, luz… Sem as vendas, eu não consigo. Por isso é importante, até porque as contas não param né? As contas continuam, a gente precisa das vendas”, revelou.

    Ambas, Regina Campos e Mayara Freitas, declararam que pretendem realizar promoções para atrair os clientes e aproveitar o retorno, principalmente na próxima temporada de vendas do Dia das Mães.

    “A gente já está preparando uma grande promoção para o Dia das Mães para atrair as pessoas para virem comprar os presentes para a mamãe. Apesar de toda essa crise e de todo esse problema, não podemos esquecer a importância que é essa data e a mamães nas nossas vidas”, declarou Regina Campos.

    COSTURANDO ALTERNATIVAS

    Mesmo estabelecida a proibição da circulação de vendedores ambulantes no decreto assinado pelo prefeito Emanuel Pinheiro, a presença destes trabalhadores era nítida em muitas regiões do centro.

    Com a venda de óculos, meias e máscaras, a necessidade de garantir uma renda mínima guiava as ações destas pessoas. Este é o caso da costureira Maria Elisa, que viu na venda de máscaras uma oportunidade de recuperar parte da remuneração que ganhava trabalhando para uma fábrica.

    “Trabalhava antes para uma fábrica, costurando, mas essa fábrica não está mais mandando mercadoria para mim, por conta da pandemia. Como acabei ficando desempregada, pensei em começar a vender máscara”, disse a autônoma.

    O encontro com Maria se deu próximo a uma lanchonete, onde negociava algumas peças com possíveis compradoras. Acompanhada de sua filha mais velha, a trabalhadora demonstrou ter consciência do perigo de estar na rua em tempos de pandemia.

    “Me preocupo muito. Toda hora eu vou até algum lugar para passar álcool em gel na mão. Às vezes dou uma limpada. Tem um lugar ali em cima, no teatro, que dá para lavar a mão, aí vou lá e lavo”, contou.

    Por ser trabalhadora autônoma, Elisa disse ter se cadastrado para receber o Auxílio Emergencial, amparo financeiro destinado a uma gama da população que perdeu parte da sua renda mensal por conta das consequências do novo coronavírus, entretanto, teve seu pedido negado. Com uma filha de 11 anos e sustentando todas as despesas familiares sozinha, o dinheiro pode ter sido negado por ela ainda não ter se separado legalmente.

    “Ainda não consegui, aparece em análise até hoje. Porque assim, eu me separei tem nove anos, mas eu nunca me divorciei. Então como eu tenho uma filha de 11 anos, fiz para receber R$ 1.200,00 mas não consegui. Eles acabaram não aprovando esse primeiro, acho que por eu ainda não ser divorciada”, revelou.

    Dentre as opções de recebimento do amparo, mulheres consideradas ‘chefes de família’ possuem direito de receber o benefício em dobro, ou seja, R$ 1.200,00. Em desacordo com a realidade de mães e trabalhadoras autônomas, o recebimento do Auxílio segue como um dos grandes problemas desde o início do cadastramento, até a primeira semana de pagamentos em espécie.

    AS FILAS DO AUXÍLIO ‘NÃO EMERGENCIAL’

    Na semana marcada pela reabertura do comércio na capital mato-grossense, outro movimento também chamou atenção de quem passava pelo centro, ou visualizava tudo pela internet. Com a liberação do saque em espécie do Auxílio Emergencial, filas contornavam quarteirões e tomaram as calçadas do entorno de uma das agências da Caixa Econômica Federal, localizada na rua Barão de Melgaço.

    Nossa equipe visitou o local na segunda-feira, dia 27 de abril, e quinta-feira, 30 de abril. Nos dois dias a cena se mantinha a mesma: um fila extensa, com pessoas aglomeradas e muitas sem máscaras de proteção individual.

    Entre a ansiedade de conseguir sacar o dinheiro e o medo de se contaminar, a angústia e o estresse eram sentimentos compartilhados por grande parte dos que ali aguardavam. Foi o que disse Emerson Saldanha, 46, que chegou na fila às 8h30 da manhã, na expectativa de ser atendido rapidamente. Ao lado da esposa, Emerson mostrava o relógio marcando 11h40, enquanto relatava sua insatisfação em ver a entrada da agência ainda muito distante.

    “Eu vim para sacar o auxílio ‘não emergencial’. Cheguei umas 8h30, porque eu sou nascido em fevereiro, e hoje está programado para a gente fazer o saque. Tá muito mal organizado, não tem nem o espaçamento, ninguém está respeitando. Tem gente de máscara, mas tem muitos sem e isso me preocupa”, disse.

    Mesmo com a tentativa de evitar aglomeração, separando os pagamentos pelos meses de nascimento, o que se viu foi uma prova de que a comunicação entre as ações do governo federal e a população seguem desalinhadas. Outra prova deste desalinhamento também se concentra nas inúmeras dificuldades relatadas pela população que tentava acessar os aplicativos do banco.

    Na segunda-feira, os problemas se encontravam no aplicativo Caixa Tem, utilizado para gerar o código de acesso ao saque do auxílio. As pessoas que enfrentaram a fila relataram dificuldades na hora de gerar o código, já que o aplicativo não carregava a página que o número era disponibilizado.

    Este foi o caso da trabalhadora autônoma Bruna Alves Figueiredo, 24, que acompanhou a avó de 80 anos para fazer o saque. “Eu já entrei na agência, mas quando cheguei lá um menino me disse que o meu código tinha vencido. Fiquei quatro horas tentando gerar um código, quando consegui, cheguei para sacar e já estava vencido. O problema é que o aplicativo não abre e não consigo gerar um novo código, ou seja, estou quatro horas na fila para nada”, desabafou.

    Com validade de apenas duas horas, muitas pessoas perdiam as senhas ainda na fila, e com a lentidão do aplicativo, ficavam impossibilitadas de fazer o saque. Segundo a autônoma, o sentimento era de extrema tristeza.

    “É bem complicado. Eu trabalho como autônoma e meu marido também. Então nem eu e nem ele conseguimos o auxílio. Aí, quando minha avó consegue temos que ficar aqui implorando por 600 reais, porque é isso que estamos fazendo, praticamente implorando por essa miséria”, concluiu. Tanto Bruna, quanto sua avó, vieram do Distrito da Guia, localizado a 35 quilômetros de Cuiabá, viajando aproximadamente 40 minutos apenas para realizar o saque do benefício.

    Toda esta insatisfação também estava visível no rosto dos profissionais que tentavam organizar a fila. Em ambos os dias, foi possível ver cerca de três ou quatro funcionários do banco tentando agilizar o atendimento, entretanto, o esforço era insuficiente.

    Diante do cenário caótico, o presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários e do Ramo Financeiro de Mato Grosso (SEEB-MT), Clodoaldo Barbosa, observava o movimento enquanto filmava a enorme fila. Em um dado momento, nossa equipe se aproximou para entrevista e o tom era de preocupação e revolta.

    Para Clodoaldo, um dos principais problemas estava na concentração dos pagamentos em um único banco. “Existe a cobrança que vem sendo feita no Governo Federal para descentralizar esse pagamentos. Não podemos deixar todos eles centralizados na Caixa Econômica, temos que dividir para os demais bancos e assim dar vazão para toda esta demanda”, afirmou.

    Segundo o presidente, descentralizar pode ser uma das maneiras de não sobrecarregar os funcionários que estão na linha de frente do atendimento. “Os trabalhadores estão expostos, trabalhando acima do seu limite, essa é a revolta do nosso sindicato e dos empregados. Não é justo centralizar toda essa demanda nas costas da Caixa Econômica Federal”, desabafou.

    Questionado sobre as tentativas de diálogo com o Governo Federal, para estabelecer esta descentralização, Barbosa contou que existe pressão sendo feita por alguns sindicatos, por meio do Comando Nacional dos Bancários em contato direto com a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), mas a resposta ainda é incerta. “Infelizmente não estamos percebendo do lado do Governo Federal nenhuma boa vontade em resolver este problema. Eles não se sensibilizam e continuam permitindo que as pessoas fiquem expostas. O que queremos é que o Governo Federal faça alguma coisa, rápido”, concluiu.

    Mesmo com a pressão dos sindicatos, nenhuma resposta quanto a possibilidade de descentralização foi dada pelo Governo Federal. Esta realidade de aglomeração e filas extensas foi vista em outras agências da Caixa, espalhadas por todo país.

    Até esta segunda-feira (4), o estado registrou 344 casos confirmados da Covid-19, sendo 145 casos apenas em Cuiabá, município com maior número. Foram 7 novos casos confirmados em 24 horas, e os óbitos já somam 13 pessoas desde o início da pandemia em território mato-grossense. Para entender melhor os números, leia a última nota informativa divulgada pela Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES-MT), clicando aqui.

    Veja a matéria original em: https://com-texto.wixsite.com/comtexto/post/como-se-comportou-a-capital-mato-grossense-na-primeira-semana-de-reabertura

  • Bar da Rosinha socorre mais de 400 famílias que o governo federal ignora 

    Bar da Rosinha socorre mais de 400 famílias que o governo federal ignora 

    Segunda-feira, 10 horas da manhã. No Bar da Rosinha, que fica bairro Jardim Monte Cristo, na periferia de Campinas (SP), alguns usam máscaras de proteção. Para tocar o pequeno comércio, a líder comunitária conta com Orlando, seu marido, e ambos moram na casa dos fundos. Caixas de cervejas ficam empilhadas ao lado da sala.

    O casal vive ali há 23 anos. Seu Orlando participou da ocupação do complexo Monte Cristo/Oziel/Gleba B desde o início. Naqueles cerca de 1.500.000 m2 antes sem função social e em dívidas com o governo hoje residem mais de 6 mil famílias, cerca de 60 mil pessoas, segundo dados da Prefeitura de  Campinas. O território é símbolo de uma batalha fundiária encampada de forma maciça nos anos 1990 por movimentos sem terra e sem teto e foi considerado uma das maiores ocupações da América Latina.

    Cestas básicas com orgânicos em parceria com o MST  (Foto: Fabiana Ribeiro)

    O Bar da Rosinha é “point” antigo. Ali, moradores comemoram aniversários e o local faz vezes de “buffet”. É Rosinha mesmo quem faz o bolo por encomenda. O local também é ponto de encontro de lideranças da luta por moradia. Mesmo pequeno, em torno de 3×5 metros, o bar acolhe todo mundo. 

    Por volta das 10h30, uma caminhonete simples, de modelo antigo e com pequenos amassados na lataria, estaciona silenciosamente na porta do bar. Não existem ali carros de luxo, buzinas, gritos e ninguém se fantasia de verde e amarelo com camiseta de CBF. É tudo silencioso, sereno e focado.

    Gilmar e Tiririca mal saem do veículo e já encontram com o homem de cerca de 60 anos, vestido com a jaqueta de petroleiro. Outros ali paramentados com luvas e máscaras começam a retirar as 90 sacolas da carroceria lotada. São cestas básicas destinadas às famílias que precisam, e muito, daquelas doações. Em estado de vulnerabilidade social e impactadas pela crise da pandemia do novo coronavírus, aguardam pelos alimentos.

    ALIMENTOS ORGÂNICOS DO MST

    As cestas que trazem alface, chicória, mandioca, limão, mamão, abacate  e limão são frutos da parceria do Sindicato dos Petroleiros de Campinas com a ocupação. Segundo o representante do sindicato, a categoria se cotizou para comprar alimentos orgânicos numa parceria com o assentamento do MST Milton Santos, em Americana (SP).

    A ação é realizada pela Central Única das Favela (CUFA) de Campinas que desenvolve dois projetos: CUFA contra o Vírus e Mães da Periferia. A ponte com a ocupação foi feita pela filha do casal Rosinha e Orlando, a ativista de movimentos culturais e sociais Andrea Mendes. Nesse momento em que a pandemia avança pelas periferias, ela é mais uma voluntária na luta contra o desdém do poder público e em busca de políticas públicas.

    No Monte Cristo não há creches suficientes nem transporte. Falta programa de moradia e de segurança capaz de atender minimamente a população. Falta água, programa de moradia e de segurança. E vale ressaltar: ali a movimentação de pessoas é grande.

    FAMÍLIAS INTEIRAS EM DOIS CÔMODOS

    Boa parte dos trabalhadores atuam nos serviços essenciais em atividade. São motoboys, motoristas do transporte coletivo, equipes de limpeza, operadores de caixas em mercados. Ou seja, além de estarem inseridos num quadro de alta vulnerabilidade social – pela falta de água,  alimentação precária -, estão suscetíveis a serem vetores de transmissão do coronavírus dentro da comunidade.

    Há também os que foram dispensados e se somam aos desempregados, como terceirizados de funções variadas, balconistas de pequenos comércios, manicures, diaristas e informais que não estava inscritos em programas sociais. Historicamente segregados, com a pandemia, suas vulnerabilidades ficaram ainda mais agravadas.

    Fora isso, na maioria das casas é impossível manter ou fazer qualquer tipo de isolamento em caso de alguém estar contaminado. Famílias inteiras residem em apenas dois cômodos.

    Cristiane recebe de Andrea, filha de Rosinha, cesta básica e leite doados pela CUFA: na região, moradores lindam com a falta de moradia, saneamento básico, água, emprego, comida, acesso à informação e, claro, a celular com app para solicitar o moroso auxílio emergencial de R$ 600 (Foto: Fabiana Ribeiro)

    Por conhecer e vivenciar essa realidade, em sua busca por ajuda Andrea encontrou com o presidente da CUFA Campinas, Henry Paulino,  que levou para o território o projeto Mães da Favela com o acréscimo da distribuição de cestas básicas e kits de limpeza.

    A iniciativa atende 480 famílias na região e a ação faz parte das atividades nacionais da CUFA que, até abril, já distribuiu mais de 461.000 cestas pelo Brasil. No estado de São Paulo, foram cerca de 81.000, além de 8.400 “vales-mãe”, ou seja, a assistência imediata de R$ 120 para complementos das cestas básicas. Em geral, o dinheiro é gasto com gás e remédios.

    QUEM SÃO OS ESQUECIDOS?

    As mais 6 mil famílias da região Monte Cristo – Parque Oziel – Gleba B estão inseridas entre os 13,6 milhões de pessoas que moram em comunidades periféricas e movimentam cerca de R$ 119,8 bilhões por ano. Essa população, que á base da pirâmide social, forma a massa trabalhadora que dá a sustentação aos serviços considerados fundamentais e que permanecem funcionando durante o isolamento social da pandemia da covid-19. 

    Favelas movimentam um volume de renda maior que 20 dos 27 Estados do Brasil. Os dados são da pesquisa “Economia das Favelas – Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”, desenvolvida pelos institutos Data Favela e Locomotiva e encomendada pela Comunidade Door.  

    Desse imenso contigente, 50% é formado por trabalhadores informais, que não têm renda nenhuma nesse momento. Historicamente segregados e apartados de seus direitos sociais, com a pandemia, suas vulnerabilidades ficaram ainda mais explícitas e agravas.

    Isolamento Coronavirus abril 2020 Foto: Fabiana Ribeiro

    FOMENTO À ECONOMIA LOCAL

    Existem duas modalidades de cestas e ambas são entregues duas vezes na semana. Às segundas-feiras, a comunidade recebe  hortifrutis. Às quintas, macarrão, arroz, feijão, café, farinha, bolacha, óleo, molho de tomate, pacote de papel higiênico, água sanitária e sabão em pó.

    Em Campinas, pensando também no fortalecimento da economia local, a CUFA estabeleceu parceria com um supermercado da região  – o Generoso – que fica localizado no bairro. Facilidade para os doadores, que podem acertar o pagamento da doação diretamente com o estabelecimento, faz o dinheiro circular na comunidade.

    “ESTADO DE MISÉRIA” 

    Naquela segunda-feira, após descarregar as cestas da caminhonete, a equipe de voluntários recheou o carro de Andrea. O golzinho branco, com mais de 20 anos de rodagem, teve seu encosto do banco traseiro retirado para comportar as cestas das famílias. De tão lotado, sobrou só a vaga da motorista e de um voluntário. Frutas, verduras e legumes orgânicos, além de leite e alimentos, seguiram para a distribuição.

    O primeiro destino foi a Gleba B, na rua José Fidélis Filho, estreita e sem asfalto. Cerca de 50 das 300 famílias moradoras “estavam em estado de miséria”. A confidência vem de Néia, liderança comunitária local que sabe o destino de cada cesta e conhece a história de cada família mapeada e cadastrada por voluntários no começo do projeto.

    “São pintores, pedreiros que estão sem trabalho”, conta ela. Ou seja, são aqueles que estão 40% da população do Brasil em 21 Estados, cujo trabalho informal é a principal ocupação e fonte de renda, como apontam dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de fevereiro de 2020.

    “Agradeço muito a doação, porque aqui sou eu sozinha e Deus fazendo como dá”, diz Néia que, na prática, testemunha outro dado importante: em 2019, houve o aumento da informalidade, que atingiu 41,1%, seu maior nível desde 2016, e bateu recorde em 19 estados e no Distrito Federal

    ƒESTADO SEM ROSTO OU SORRISO

    Diante da casa número 1853, são levadas três cestas: uma  básicas e duas orgânicas. Da fachada de cimento e portão com ferrugem sai uma jovem de 20 e poucos anos. Gabriela, grávida, atende com um sorriso. Troca algumas palavras, recebe as doações e conta que o marido não está porque saiu em busca de um “bico”.

    Mais à frente na rua de terra, em outra casa no cimento e partes inacabadas da construção, uma senhora, Maria Aparecida, de cerca de 70 anos e cabelos grisalhos presos em um coque, também sorri aos voluntários. “Muito agradecida”, disse ao receber a doação.

    De volta ao carro, outra mulher aguarda Andrea, que a reconhece de outro encontro, antes da pandemia, quando a recomendou ir ao Posto de Saúde diante da reclamação sobre fraqueza e cansaço. “Lá no Postinho disseram que a dor no estômago era da alimentação, que eu precisava comer mais”, conta, já com a cesta recebida em mãos. E assim segue o dia…

    Rua José Fidélis Filho

    Interessante lembrar que o poder público costuma não ter rosto. A atuação, na maioria das vezes, ocorre a partir de contatos afastados e impessoais. Se muito, a relação  é “terceirizada” via  ONG’s, uma vez que essas entidades  fazem a ponte entre população e Estado – acarretado um total distanciamento entre as gestões públicas e as populações das periferias. Essa política de Apartheid, no fundo, nega direitos e discrimina. A pandemia do coronavírus só deixou tudo muito mais evidente. 

    Quando o gol branco segue para outra região da Gleba B, uma ladeira abrupta marca o ponto de entrega para outras famílias. Diante de um barraco feito de madeira e coberto com lonas, está Seu Oscar. Na casa, vive com a filha Cristiane, que participa do projeto “Mães da Periferia”, e o neto de  2 anos. A moça tenta, no celular emprestado da vizinha, fazer o cadastramento do pai para recebimento do auxílio emergencial de R$ 600 do governo. Ela e Seu Oscar estão desempregados e não tem celular para fazer o cadastro. “Meu pai arrumou um bico mas até ontem estava parado”.

    A inscrição no projeto “Mães de Família“ foi bem mais simples. Bastou um dos voluntários da ação pegar seu nome, endereço, o número do CPF e fazer uma foto dela. Os dados foram enviados para a central da CUFA e logo depois o recurso de R$ 120 reais foi liberado.

    “MÃES DA FAVELA” ANTES DA PREFEITURA

    Para chegar à casa com três cômodos onde vive o casal  Gleiciane e Marcio com seus sete filhos é preciso fazer o  trajeto a pé. Carros não conseguem acessar o terreno íngreme e sem asfalto. Com a sacola de alimentos e as pranchetas, os voluntários descem a ladeira esburacada com cuidado para não tropeçar entre as pedras.

    Gleiciane e seu marido são trabalhadores informais que vivem de pequenos serviços temporários e não possuem renda fixa. Contam que o custo de vida aumentou porque, com o isolamento social, as crianças não estão indo à escola municipal desde o dia 23 de março. A merenda faz falta, é preciso mais comida na mesa. As dificuldades não param por ai. Como acompanhar aula “on line”? A família só tem um celular “que está  no conserto”, lembra Gleiciane.

    Custo de vida aumentou com as crianças em casa e o programa municipal ainda não redirecionou a merenda escolar para a família de Gleiciane (Foto: Fabiana Ribeiro)

    Campinas lançou o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional, “NutrirCampinas”, mas noticiou a distribuição a partir do dia 17 de abril. A família de Gleiciane ainda não foi contemplada e, antes disso, ela foi incluída no “Mães da Favela”.

    “SOMOS ESQUECIDOS”

    Seguindo pela comunidade, os voluntários acessaram um outro grupo de famílias aglomeradas em barracos de madeiras. Para chegar até lá, passaram por becos tão estreitos que uma única pessoa é capaz de passar por vez. Ali não há saneamento básico, energia elétrica individual, água encanada e muito menos acesso às mídias digitais para se cadastrar nos programas sociais ou fazer o cadastro do auxílio do governo. O índice de instrução é mínimo – alguns só assinam o nome – e a dificuldade de acesso à tecnologias é uma enorme muralha.

    Becos estreitos: passagem para apenas uma pessoa por vez (Foto: Fabiana Ribeiro)

    Adriana, de cerca de 30 anos, afirma que naquele canto estão os esquecidos por todos. “As famílias estão passando fome. Minha vizinha está amamentando e não tinha nada para comer. Eu tinha um pouco de arroz e dei à ela”. O programa de cestas básicas é questão de sobrevivência. Depois de improvisar uma cesta de hortifruti e leite, os voluntários solicitaram a ela uma lista das pessoas necessitadas naquela área.

    Antônio já estava na lista. Trabalhava como pedreiro em uma construção de mais um barraco na viela estreita, mas redobrado em cuidados. Fez questão de manter a distância entre pessoas e deixou claro que cuida de sua saúde e do próximo. “Eu tenho que pensar no outro porque não estamos sozinhos no mundo. E temos que fazer o certo para todos.” O pagamento de R$ 400, ele contou, só iria receber daqui  a 30 dias. “Mas o importava é estar trabalhando.” Antônio também não está inscrito em nenhum programa social.”

     

     

    Seu Antônio: importância do distanciamento e de não estar sozinho no mundo (Foto: Fabiana Ribeiro)

    Para colaborar:
    Acesse a CUFA Campinas ou o projeto ReExistência é Viver, focado no auxílio complementar de doação de kits de higiene e máscaras para 100 famílias de uma das comunidades da região, a favela da Matinha, além de painéis informativos sobre como evitar a exposição ao coronavírus. #Mãesdefavela #cufacontraovirus #cufa
     

     

    Fotos: Fabiana Ribeiro