Da Colônia à República, o Brasil sempre reconheceu o direito dos povos indígenas ocuparem seus territórios imemoriais. O Alvará Régio de 1680, a Lei de Terras de 1850 e a Lei de Terras dos Índios de 1928 (que regularizou a situação dos índios nascidos em território nacional) revelam uma relação estável do Estado com as populações indígenas ao longo de séculos. A Carta Régia de 1655 reconhecia o direito dos índios aos seus territórios tradicionais, mas também dizia que eles podiam ser capturados ou mortos nas chamadas “guerras justas”.
O que acontecia nas terras da Colônia era bem diferente do que previam os legisladores. Quase nada dessas leis chegava à distante, vasta e esquecida Amazônia, mas elas demonstram que o Brasil sempre reconheceu algum direito aos povos indígenas. O direito às terras não impediu as “guerras de pacificação” na Amazônia e em outras regiões onde o índio surgia como entrave ao avanço colonialista.
A Constituição de 1934 (artigo 129) conferiu maior segurança a esse direito es- sencial dos índios, seguida pelas demais Constituições (1937, 1946, 1967), que reconheceram aos povos indígenas o direito à posse de suas terras tradicionais e imemoriais. A Constituição de 1988, que ampliou os direitos individuais, tem um capítulo inteiro sobre direitos indígenas, reforçando o direito às terras (artigo 231).
A presença do índio no debate sobre a construção do Brasil tem sido constante. No século XX avançamos em direção a uma política indigenista eficaz. O movimento indígena nos anos 80, avança de forma organizada na defesa do direito do índio e na luta pelas demarcações dos territórios tradicionais. Nos anos 90, o primeiro povo indígena a ganhar na justiça o direito de retornar ao seu território tradicional, recebeu um documentário dirigido por Aurelio Michiles. Os Panará representavam o ápice da conquista indígena em um mundo de não-indígenas.
O que assistimos hoje não é apenas um retrocesso, é a negação, por parte do Estado, do direito do índio, direito esse anterior à colonização. O que presenciamos hoje é a explícita tentativa de destruir as conquistas dos povos indígenas no Brasil. Um Estado omisso e criminoso que aparelha grupos interessados em desarticular o movimento indígena. Um Brasil ausente, que enterra todos os dias corpos indígenas silenciosamente.
Adelino Mendez – Antropólogo doutorando no programa de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ – HCTE). Mestre em Antropologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP). Graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Humanidades do IUPERJ (IUPERJ)
por Tássia Aguiar, do Maranhão, exclusivo para os Jornalistas Livres
As flechas nas mãos dos Guardiões da Floresta, na entrada da aldeia Ka’apor Turizinho, na Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, marca o clima de tensão entre indígenas e exploradores ilegais de recursos naturais na região.
Com mais de 530 mil hectares, a Terra Indígena Alto Turiaçu, localizada na região norte do estado, possui o maior ativo florestal com bioma amazônico do Maranhão e abriga uma população de mais de 1500 indígenas, entre eles, povos Ka’apor e Awá.
Na última semana, lideranças Ka’apor daquela TI iniciaram uma mobilização para chamar atenção das autoridades federais e estaduais para as ameaças às vidas e às florestas. Diversas serrarias cercam a região limítrofe da zona urbana do município de Zé Doca com a aldeia Turizinho e, segundo caciques da região, dezenas de caminhões com toras de madeira circulam em suas terras diariamente. Eles relatam, ainda, que inúmeros confrontos já foram travados desde o início do ano e as ameaças se intensificaram nos últimos meses.
Para conter as invasões e a exploração ilegal das florestas, caciques das terras vizinhas Alto Turiaçu, Awá, Caru e Rio Pindaré fizeram uma aliança para proteger os limites de seus territórios. De forma colaborativa, o monitoramento é feito por GPS e veículos cedidos por meio de projetos da sociedade civil organizada para os Guardiões da Floresta. Eles percorrem diariamente os limites entre as TIs e, em muitos casos, o confronto com os invasores é inevitável.
A pouco mais de 100 km dali, na aldeia Ka’apor Ywyahuenda, o Tuxatapamé, concelho de lideranças que substitui o cacicado de nove aldeias da região também desenvolve estratégias de proteção coletiva à TI Alto Turiaçu. Mas, além da escassez de recursos para o monitoramento do território, ambos os grupos temem ainda o ataque à mulheres, crianças e idosos que permanecem nas aldeias quando os guardiões partem para a patrulha mata adentro.
No último mês, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular – Sedihpop, solicitou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, providências para proteção do Povo Gavião, cujas mulheres e crianças vinham sofrendo ameaças constantes com a ausência dos homens nas aldeias para realizar a guarda das florestas.
Os esforços dos povos indígenas para proteger suas vidas e territórios não têm sido suficientes para combater as ameaças do que o secretário de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular, Francisco Gonçalves, chama de crime organizado nas Terras Indígenas. Segundo ele, os desmontes em série do Governo Federal nas políticas públicas para os povos indígenas têm legitimado a prática ilegal madeireiros, garimpeiros e posseiros.
Secretário de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular, Francisco Gonçalves.
“Estamos enfrentando duas situações graves no Brasil: de um lado, o desmonte das políticas públicas de promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas no país; e do outro, o ataque agressivo de autoridades públicas federais, sobretudo aos povos indígenas da Amazônia. Diante dessa situação, o Governo do Estado adota dois posicionamentos: a firme defesa dos direitos fundamentais; e a colaboração com os órgãos federais na promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas, ou seja, assumimos nossa responsabilidade, mas apelamos para que o Governo Federal também assuma suas responsabilidades constitucionais em Terras Indígenas”, pontuou o secretário.
Proteção à Vida
As constantes ameaças aos indígenas no Maranhão resultaram na inclusão de 21 lideranças no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, coordenado pela Sedihpop. Destes, três são Ka’apor e compõem o conselho tuxatapamé.
O programa visa a garantir a continuidade do trabalho de lideranças que estejam sendo ameaçadas e atuem em defesa de tema ligados aos Direitos Humanos. O denominado “defensor de direitos humanos” ameaçado é, em regra, encorajado a permanecer em seu local de militância a partir das ações realizadas pela equipe técnica do programa que, no Maranhão, é executada pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH.
Não, general!!! A ditadura militar cometeu crimes contra a humanidade!!!
Após Bolsonaro dizer que “deveriam comemorar” golpe militar de 1964 (e a ditadura que matou e fez desaparecer centenas de pessoas), os generais se sentiram à vontade para convocar a “família militar” para comemoração que ocorrerá amanhã (29).
Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) criticaram a “determinação” de Bolsonaro.
A autenticidade do convite, que circula nas redes sociais desde a noite de ontem, foi conformada pela assessoria do Exército em Brasília.
Segundo Genaro Ieno, no último sábado dia 07 de abril à tarde, no Memorial das Ligas e Lutas Camponesas da Paraíba, na comunidade Barra de Antas, Sapé, Paraíba. Celebração pelos mártires da luta pela terra, no 56 anos do assassinato de João Pedro Teixeira, o Cabra Marcado para Morrer. No enterro de João Pedro Teixeira, em 1962, Raimundo Asfora, deputado estadual na PB, falou: “Não estamos enterrando este homem. O estamos plantando. Assim foi.
Elizabeth Teixeira, companheira de João Pedro, mulher em destaque na foto acima, está com 94 anos. Mulher marcada para viver.
Hoje prenderam Lula. Haveremos de semeá-lo. Assim será.
PESADELO DE KAFKA: Proscrito da universidade, cercado por calúnias de todos os lados, o reitor não viu chances de provar sua inocência e foi levado ao óbito
Completados hoje dois meses da tragédia que consternou o país, a União, a Polícia, a Justiça e o Ministério Público Federal continuam ignorando os notórios abusos e excessos de poder que levaram ao linchamento moral e à morte do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, já amplamente denunciados por renomados juristas. No entanto, uma atitude corajosa e mantida até agora no anonimato, pode mudar o curso dessa história de horror e impunidade. Enquanto as associações corporativistas dos juízes federais do Brasil e de Santa Catarina; dos procuradores da república e dos delegados da Polícia Federal emitia uma nota oficial isentando esses agentes de qualquer falha na condução da “Operação Ouvidos Moucos”, silenciosamente, uma médica do trabalho do Hospital Universitário notificou a morte de Cancellier ao Ministério da Saúde como fruto de assédio, humilhação e constrangimento moral relacionados ao trabalho. Com a notificação, o suicídio do reitor fica tipificado como acidente do trabalho e passar a constituir um importante instrumento para responsabilizar o Estado brasileiro pela sua morte.
Antes de se aposentar por tempo de contribuição, a médica Edna Maria Niero, 55 anos, coordenadora da equipe do Ambulatório de Saúde do Trabalhador do hospital da UFSC, cumpriu o que havia prometido a si mesma e aos colegas de profissão de todo o país no dia da morte de Cancellier. A profissional conta que só esperou passar um pouco a forte comoção causada pela tragédia para poder fazer as investigações necessárias e levantar os dados pessoais do professor junto à Reitoria, ao setor do Pessoal da UFSC e ao prontuário médico. E no dia 24 de outubro, depois de preencher o minucioso formulário do Sistema Nacional de Agravos de Notificação com os seus dados e as condições do óbito, a médica atestou que o nexo causal da morte do reitor foi sofrimento no trabalho: “Não tive nenhuma dúvida”, afirma ela. “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”. O abalo emocional que ele sofreu está incluído na lista de doenças de notificação compulsória do MS e integra agora as estatísticas epidemiológicas de morte do trabalhador.
“Em todo o Brasil ficou claríssimo para os profissionais da área: foi acidente do trabalho” (Edna Maria Niero)
A proibição de se aproximar da universidade onde realizou a maior parte de sua trajetória de vida e a humilhação que sofreu levaram-no à decisão do suicídio, afirma Edna. Segundo ela, as circunstâncias da morte do reitor tiveram imediata repercussão entre os profissionais que integram a área da saúde do trabalhador, entre médicos, psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, assistentes sociais, antropólogos etc. “Nós discutimos o caso amplamente em congressos, reuniões e fóruns virtuais da área. Para o conjunto de técnicos no Brasil ficou claríssimo que se tratava de acidente do trabalho: um transtorno mental que levou ao óbito”. Quem atua nessa área compreende que na nossa sociedade o trabalho é a identidade da pessoa e se confunde com a sua própria vida, explica. “Tirar o trabalho de alguém é, portanto, tirar a sua vida. E nós sabemos que a universidade era a vida do reitor”, pontua a médica que, como Cancellier, fez toda sua formação e carreira profissional na UFSC, desde que saiu do município de Tubarão, no Sul de Santa Catarina, aos 16 anos. Graduada em Medicina em 1986, fez mestrado em Ergonomia e Doutorado em Engenharia de Produção na mesma instituição, buscando preencher o aspecto interdisciplinar da sua especialidade.
Embora conterrânea do professor Cancellier, Edna só o conheceu antes da sua eleição para reitor, quando foi chamada a contribuir com o processo de implantação de uma equipe de Saúde do Trabalhador. “O ambulatório de ST do Hospital Universitário foi criado por iniciativa e incentivo de sua gestão”, reconhece, lembrando que o reitor era entusiasta de projetos que fortalecessem o cuidado com as condições do ambiente do trabalho a fim de evitar casos de doenças psíquicas e emocionais ligadas ao estresse e à depressão. “Ele sempre dizia a nossa equipe da Reitoria: trabalhem, mas preservem sua alegria. O trabalho não pode gerar sofrimento”, conta Maria de Lourdes Borges, secretária de Cultura e Artes da UFSC.
A médica responsável pela notificação (na ponta à direita), ao lado dos gestores da UFSC na assinatura de acordo para implantação do Ambulatório de Saúde do Trabalhador no HU. Foto: Agecom/ UFSC
Com o nexo causal atestado pela autoridade médica, o suicídio do reitor entra para os dados epidemiológicos do Ministério da Saúde como morte provocada por abalo emocional resultante de assédio moral insuportável. Embora já fosse conhecida nos fóruns restritos ao campo da medicina do trabalho, a iniciativa da servidora manteve-se no anonimato até há pouco. Na véspera da realização da “Aula Pública Resistência ao Abuso de Poder e ao Fascismo”, realizada na Universidade Federal de Santa Catarina no dia 27 de novembro, tomei conhecimento da notificação através da assistente social do Fórum da Justiça da Trindade, Maris Tonon, integrante, como eu, do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção. No dia seguinte, ao discursar em nome do Coletivo que promovia o evento, revelei a atitude da médica, que não estava na plateia, mas foi muito aplaudida pelo auditório lotado do Garapuvu, em Florianópolis. Assista ao vivo https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/643048125819068/
Hoje, ao completar dois meses do falecimento de Cancellier, contatei Edna por telefone na cidade de Joinville, onde ministra um curso na área de saúde. Em uma longa conversa, a médica se disse feliz pelo acolhimento de sua iniciativa e desejou que ela se desdobre em outras ações capazes de restabelecer a justiça e a verdade para o professor. Lembrou que as consequências jurídicas ou penais da notificação competem a outras instâncias, mas a tipificação do óbito para que sejam tomadas providências no sentido de evitar novos casos são de sua atribuição. “Ainda que isso não devolva a vida do reitor, é meu dever fazê-lo”.
Como profissional da área, esclarece que agiu em nome da sua obrigação ética e profissional de trazer as causas do óbito à luz dos órgãos públicos responsáveis pela saúde do trabalhador. “São as estatísticas que monitoram as ações na área e geram intervenções capazes de prevenir outros acidentes de trabalho dessa natureza”, explica. Hoje, a cada dez trabalhadores atendidos pelo Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor na UFSC, sete apresentam sintomas de depressão ligados ao falecimento trágico do reitor, segundo informação também da assistente social Maris Tonon. Outros cinco casos de suicídio ocorreram na UFSC após a tragédia, dois deles de estudantes, mas não se pode afirmar que haja relação com a morte de Cancellier porque as circunstâncias e causas ainda estão sendo estudadas.
Responsável também pelas pesquisas em torno dos danos à saúde do trabalhador catarinense provocados pelo Amianto, que determinaram a proibição do seu uso em Santa Catarina, a médica diz que não cabe a ela entrar no mérito da culpa. Revela, contudo, que ficou chocada com a manifestação das associações corporativistas de juízes e delegados ao defenderem a normalidade dos procedimentos abusivos da delegada e da juíza “sem sequer citaram o suicídio como consequência da operação”.
Ao saber pelos Jornalistas Livres da decisão concretizada pela médica, o irmão mais velho do reitor, o professor aposentado do INPE, Antônio Aciolli Cancellier de Olivo, disse que atitudes como a dela confortam a família e encorajam a sua luta por justiça. Afirmou ainda que o nexo causal do óbito relativo ao trabalho é confirmado pelo bilhete encontrado junto ao cadáver do irmão com os dizeres: “Minha morte foi decretada no dia em que fui banido da universidade”. Para o irmão mais novo, o jornalista Júlio Cancellier, a atitude de notificar o óbito como relacionado ao trabalho “é mais um elemento importante para confirmar que Cau foi vítima de atos ilegais, desumanos e cruéis”. E acrescentou: “Já se passaram dois meses de sua morte e nada do que fopi alegado para prendê-lo e bani-lo da universidade foi comprovado”.
Da esquerda para a direita: o irmão Júlio, o filho Mikhail, o irmão mais velho Acioli e o reitor: perda irreparável. Foto: acervo pessoal
Uma fonte da reitoria, que prefere não se identificar, assegura que antes de tomar a decisão de pôr fim à vida, Cancellier recebeu, por canais indiretos, informação do Ministério Público Federal de que seu retorno ao cargo de reitor não seria mais autorizado. Como professor de direito administrativo, nesse momento ele teria compreendido também que não havia condições morais de retornar ao exercício em sala de aula quando era acusado pela massa ignara de um desvio de verbas que sequer ocorrera na sua gestão. Cercado de todos os lados pela mídia, pela Polícia, pela Justiça Federal, o reitor não viu chances para provar sua inocência no pesadelo, digno de um romance de Kafka, no qual fora enredado pelo corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado.
Sem provar nada contra seus indiciados, sem retificar as informações distorcidas que inflamaram o ódio na opinião pública e midiática, sem pedir desculpas aos familiares pela perda traumática de um irmão e de um pai inocente, a “hollywoodiana” operação Ouvidos Moucos conseguiu apenas arrancar do reitor o único bem que ele tinha, além de um apartamento de classe média: seu trabalho e sua vida.
DELEGADA ERIKA MARENA: PROCESSADA E PROMOVIDA
Delegada foi promovida ao cargo de superintendente da Polícia Federal de Sergipe, uma “premiação” ambígua, típica dos aparatos de repressão brasileiros historicamente negados ao reconhecimento dos seus crimes
A notificação do suicídio do reitor como acidente do trabalho traz um instrumento jurídico fundamental para os processos futuros ou vigentes de responsabilização da União por essa morte e pelos danos irreparáveis causados pela perda à família e à comunidade universitária. Exemplo disso é a denúncia apresentada no dia 31 de outubro pela família ao Ministério da Justiça contra a delegada federal Érika Mialik Marena requerendo a instauração de inquérito para apurar sua responsabilização administrativa, cível e criminal pelos episódios de abuso de poder que levaram ao suicídio do reitor, conforme anunciado com exclusividade pelos Jornalistas Livres. https://jornalistaslivres.org/2017/11/dossie-exclusivo-2-postagens-inveridicas-que-levaram-ao-linchamento-publico-do-reitor-da-ufsc-continuam-nas-paginas-oficiais-da-pf/
Entregue ao ministro Torquato Jardim, a denúncia também alega violação da lei do sigilo de operações policiais antes da sua conclusão, argumentando que ao convocar a mídia para cobrir a prisão, a delegada feriu o dever de proteção à imagem de um cidadão que não era sequer investigado ou citado no processo e jamais havia respondido a um processo administrativo em sua carreira. Conforme a carta-denúncia, a delegada descumpriu a própria determinação da juíza Janaína Cassol, que autorizou o pedido de prisão sob a condição de que a imagem da universidade e dos envolvidos fosse resguardada e que o sigilo da operação fosse mantido até a sua conclusão.
Aula Pública na UFSC reúne mais de mil pessoas contra o Estado de Exceção no dia 27/11. Foto: Henrique Almeida Agecom/UFSC
Até agora, o irmão Acioli Cancellier, que assina a representação, bem como os advogados da família, não receberam resposta do Ministério da Justiça. Ao contrário, no dia 28 último, a ex-coordenadora da Lava-Jato em Curitiba foi nomeada ao cargo de superintendente da Polícia Federal do Estado do Sergipe pelo novo diretor geral da PF, Fernando Segóvia, o que configura uma “premiação” ambígua, típica dos aparatos de repressão brasileiros historicamente negados ao reconhecimento dos seus erros e crimes perante as vítimas.
“Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade”, afirmou Aciolli Cancellier em carta enviada aos Jornalistas Livres, na qual considerou um deboche a nomeação da delegada ao cargo de superintendente do Sergipe. “Que eu saiba, servidores públicos que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida”. (Ver a respeito artigo do Regime Jurídico Único que rege a questão no funcionalismo público: Decreto nº 59.310 de 23 de Setembro de 1966). Júlio Cancellier afirmou que apesar da nomeação de Érika Marena, o caso não vai cair no esquecimento. “O Ministério da Justiça já mandou investigar a operação”. Os advogados que apoiam a família também estudam outras ações, segundo ele. Além do requerimento para apurar sua responsabilidade no Ministério da Justiça, a delegada é alvo de investigação na Corregedoria da Polícia Federal.
Ao mesmo tempo em que recebe uma “promoção”, a delegada também é afastada do foco do escândalo na Superintendência da PF em Santa Catarina, onde os desastres de sua atuação conseguem ser unanimidade entre os setores de esquerda e os que apoiaram o impeachment de Dilma. É o caso do procurador geral do Estado, João dos Passos Martins, que condenou a prisão do reitor como uma afronta ao Estado de Direito, e emitiu nota pública se manifestando pela punição dos agentes responsáveis. “Limitar o poder é condição básica da democracia e do direito”, afirmou durante a Aula Pública.
Atualização: No dia seguinte ao fechamento desta edição, o Estadão publicou, em reportagem que cita o trabalho dos Jornalistas Livres no caso, informação de que a “petição foi processada e tramita na forma de processo administrativo, atualmente na Polícia Federal”. O repórter Luiz Maklouf Carvalho acrescenta ainda: “Na PF, segundo o Ministério da Justiça, a corregedoria abriu procedimento para verificar a notícia-crime descrita na petição da família. O procedimento está sendo analisado pelo Núcleo de Polícia Judiciária. Ao fim da análise, que está em fase de execução, haverá um parecer sobre a existência do crime. A depender do que diga o parecer, abre-se um inquérito sobre a delegada”.
Presidente da Associação Kantiana Brasileira, Maria Borges: “A prisão do reitor com requintes de crueldade pode ser analisada à luz do mal no direito”. Foto: Raquel Wandelli
REQUINTES DE CRUELDADE
A violência de Estado contra o reitor pode ser analisada sob a ótica do mal no Direito, argumentou a filósofa Maria de Lourdes Borges, ao falar sobre seus projetos futuros de investigação durante a defesa do seu Memorial para o cargo de professora titular do Curso de Filosofia da UFSC, no dia 29 de novembro. Presidente da Associação Brasileira de Filosofia Kantiana e especialista em Hegel, a professora afirmou que podem ser vistos como requintes de crueldade a prisão espetacularizada por mais de cem agentes da Polícia Federal; o fato de um cidadão desarmado e sem antecedentes criminais ter sido algemado nas mãos e acorrentados nos pés, submetido a revista íntima, despido e humilhado durante duas horas em frente aos outros presos e encarcerado num presídio de segurança máxima, sem a constituição de denúncia e sem o direito à defesa. Esses fatos abusivos indicam, segundo ela, o exercício do mal pelos aparatos policiais e pelo sistema jurídico como um todo. https://www.facebook.com/raquelwandelli/videos/1556866457739067/
Agasalhando sem nenhum cuidado acusações de que estava atrapalhando as investigações imputadas pelo corregedor Hickel do Prado (que, ao contrário do seu acusado, apresentava antecedentes por crime de calúnia e difamação), a Polícia e a Justiça Federal trataram um homem de ficha limpa como prisioneiro de guerra. Essa figura analisada pela filosofia do direito refere-se ao sujeito animalizado e judaizado diante da opinião pública, cegada e incitada ao ódio pelo poder. Em nome da necessidade do coliseu de satisfazer sua fome de violência, toda injúria física e tortura psicológica contra o prisioneiro pode ser legitimada. Não apenas a supressão dos seus direitos, mas a violação do seu corpo e da sua dignidade.
Nota do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção
Pela apuração imediata das responsabilidades civis e criminais: há dois meses morria o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, vítima de abuso de poder!
Mais de dois meses depois da espetaculosa operação “Ouvidos moucos”, protagonizada pelos agentes públicos Polícia Federal e Ministério Público Federal, sob a chancela da Justiça Federal, e precisamente 60 dias após a morte do professor Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, um silêncio cúmplice e profundo das autoridades públicas do estado se faz sentir, na comunidade universitária e sociedade em geral.
Prevalece até aqui a impunidade e nenhuma ação concreta de apuração e investigação de responsabilidades foi instaurada contra os agentes do fascismo. Ademais, outros cinco professores e um técnico-administrativo continuam banidos da UFSC: Marcos Baptista Lopez Dalmau, Gilberto de Oliveira Moritz, Rogério da Silva Nunes, Eduardo Lobo e Marcio Santos (professores); Roberto Moritz da Nova (funcionário da FAPEU). Todos tiveram suas vidas expostas e foram julgados e condenados pelo tribunal da mídia tradicional, parceira e cúmplice, desde as primeiras horas da manhã, da PF, MPF e Justiça Federal.
O Coletivo Floripa contra o Estado de Exceção vem à público exigir que as autoridades constituídas de Santa Catarina, a saber o governo estadual e os deputados estaduais, ajam no sentido de instaurar o devido processo legal de apuração de responsabilidades das autoridades envolvidas no flagrante abuso de autoridade e ruptura do Estado Democrático de Direito.
Na Sessão Solene fúnebre do Conselho Universitário da UFSC do dia 03 de outubro, o governador em exercício, Eduardo Pinho Moreira, assumiu como posição oficial a nota emitida pelo Procurador Geral do Estado, João Martins dos Passos Neto: “Por isso, respeitado o devido processo legal, é indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas”.
Em recente Sessão na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), em homenagem ao reitor morto, o desembargador e professor da UFSC, Lédio Rosa de Andrade, também cobrou uma posição do Executivo estadual e do próprio parlamento catarinense. É preciso investigar quem autorizou a transferência do reitor e dos demais presos da Superintendência da Polícia Federal para o Presídio de Florianópolis, no qual foram submetidos a toda sorte de humilhações. Qual autoridade autorizou a entrada do professor Cancellier e dos demais presos no sistema prisional de SC? É sempre bom lembrar: a “espetacular” e desastrada operação mobilizou 105 policiais para prender seis professores e um técnico-administrativo da UFSC. A PF os chamou, leviana e irresponsavelmente, de “quadrilha”, que havia “desviado R$ 80 milhões do programa de ensino à distância”. Uma mentira que o site da Polícia Federal mantinha no ar, até dias atrás, porque na verdade esse era o montante do programa em mais de 10 anos. O suposto desvio, ainda sob investigação, teria sido, algo entre R$ 300 a R$ 500 mil, em período anterior à gestão de Cancellier.
Enquanto a comunidade universitária e a sociedade aguardam providências concretas do governo de SC e da Assembleia Legislativa, num gesto de escárnio, a delegada responsável pela tal operação é “severamente promovida” para o cargo de Superintendente da Polícia Federal, no estado de Sergipe. É mais uma agressão vil aos familiares, amigos, colegas de profissão que continuam a luta em defesa da Autonomia Universitária e do Estado Democrático de Direito.
Contra todo tipo de golpe e perda de direitos!
Pela aprovação urgente da Lei Cancellier de Abuso de Autoridade na Câmara Federal!
Pelo absoluto respeito aos Direitos Individuais e Coletivos assegurados na Constituição!
Em defesa da UFSC, da Autonomia Universitária, da Soberania Nacional e do Estado Democrático de Direito!
Não ao Estado de Exceção!
Florianópolis (SC), 02 de dezembro de 2017.
Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção
Aula Pública na UFSC “Resistência ao Aubso de Poder e ao Fascismo” marcou os dois meses de morte trágica do reitor. Foto: Henrique Almeida da Agecom/UFSC
O primeiro ano de gestão do prefeito Marcelo Crivella (PRB), não tem sido fácil para a Cultura e nem para os LGBTs do Rio de Janeiro. A sociedade tem acompanhado a um verdadeiro desmonte destas duas áreas. Nos últimos meses, informações veiculadas pela imprensa deram o alerta aos cariocas e os Jornalistas Livres coloca sete delas em debate. Relembre:
Inviabilizou a parada LGBT
Com alegação de falta de recursos, a Prefeitura do Rio cortou a verba para a parada LGBT de Copacabana, um dos cinco maiores eventos da cidade, e inviabilizou a sua realização. Organizadores seguem tentando conseguir outras formas para garantir a realização da parada ainda este ano.
Cortou a verba do Carnaval
Após não ir na abertura do Carnaval na Sapucaí, Crivella manda tirar 1 milhão de cada escola de samba do grupo especial. A atitude inviabilizaria a realização do maior espetáculo da terra e atingiria às agremiações culturais em seu funcionamento. O desfile deste ano está garantido graças aos repasses do Governo Federal.
Esvaziamento da CEDS
Em sua gestão, o prefeito Marcelo Crivella impõe um esvaziamento da Coordenadoria Especial para Diversidade Sexual. Com uma estrutura mínima, a equipe de gestores da pasta trabalha com poucos recursos e verba quase inexistente.
Cancelou ensaios técnicos
Como uma das consequências da retirada de mais de R$ 13 Milhões que eram destinados para as escolas de samba, Crivella inviabilizou os ensaios técnicos das agremiações. O evento conhecido como “desfile do povo” deixa de acontecer esse ano após décadas de realização.
Menos blocos de rua
De forma extraoficial, já foi informado aos organizadores de blocos de rua do Rio, que o número de autorizados para desfilar será reduzido. Eles seguem em negociação com a Riotur e acreditam que o posicionamento do prefeito tem a ver as suas convicções religiosas.
Veto ao Queermuseu
“Só se for no fundo do mar”, foi essa a frase falada pelo prefeito Marcelo Crivella para dizer não à vinda da exposição “Queermuseu – Cartografias da diferença da Arte Brasileira”, que foi acusa de apologia a pedofilia por grupos conservadores e defendida por cerca de 70 diretores de centros culturais do Brasil em carta aberta.
Inviabilizou a Parada LGBT de Madureira
A segunda maior mobilização do movimento LGBT do Rio, a Parada de Madureira, iria ser realizada ainda este mês e foi adiada por falta de apoio da Prefeitura do Rio para a sua realização. Os organizadores publicaram esclarecimento oficial nas redes cobrando apoio da gestão municipal