Uma das categorias mais importantes entre os profissionais de saúde em um momento de pandemia mortal, enfermeir@s e atendentes de enfermagem, também está, em Cuiabá, sob um foco extra de pressão: a própria prefeitura. Na semana passada, os armários desses profissionais, em sua maioria negros e negras, no Hospital de Referência para a Covid-19 na capital de Mato Grosso foram violados a título de vistoria. Além da invasão de privacidade, houve acusações sem provas de furto de Equipamentos Individuais de Proteção, o que se configura como assédio moral. O fato levou a uma manifestação d@s profissionais no último sábado, como foi publicado aqui nos Jornalistas Livres, mas o caso não parou por aí.
Na própria segunda-feira, @s profissionais ficaram sabendo que havia uma lista feita na véspera, um domingo, com nomes para substituir quem havia se manifestado. Assim, ontem a categoria voltou à porta do antigo Pronto Socorro Municipal de Cuiabá para mais um ato chamado pelo do sindicato de enfermagem e pelo enfermeiro Dejamir Soares, repudiando a demissão de contratados, inclusive infectados em serviço pelo novo coronavírus, e o afastamento de outros enfermeiros estatutários como represália à sua presença no ato de sábado passado.
Soares diz ser inaceitável esta situação em meio à pandemia. Além disso, até que as novas contratações sejam efetivadas, o hospital, com mais de 97% dos leitos ocupados, terá menos gente para tratar dos doentes, o que vai sobrecarregar ainda mais quem não foi demitido. Ontem o sindicato conseguiu dois advogados para gratuitamente representarem os demitidos e tentar reverter a situação. Mas até o fechamento dessa matéria ainda não havia uma posição oficial da prefeitura sobre isso.
Vejam abaixo os depoimentos de quem está sofrendo para salvar vidas (vídeos de Francisco Alves):
No momento em que o Brasil ultrapassa um milhão de pessoas oficialmente infectadas pela Covid-19 e o número de mortos chega a 50 mil, Mato Grosso é um dos estados em que a curva sobe de maneira mais acentuada. Segundo a Secretaria de saúde, nesse 20 de junho os casos confirmados somam 9.262 e os óbitos 341, com epicentro em Cuiabá, Várzea Grande e Rondonópolis. Foram mais 19 mortes nas últimas 24 horas.
Mas além de enfrentar a pandemia, se desgastar em longos plantões e ficar a mercê do perigo de contágio que já atingiu dezenas de profissionais e ceifou algumas vidas, enfermeiros e enfermeiras de Cuiabá ainda têm que lutar contra o assédio moral da prefeitura que, a pretexto de vistoria, violou armários individuais e acusou sem provas a ocorrência de furtos de Equipamentos de Proteção Individual – EPIs. O fato exigiu desses profissionais mais um desafio: enfrentar a contaminação em manifestação de rua para proteger sua honra contra factóides fascistas.
Profissionais da saúde fazem manifestação contra o assédio moral da prefeitura de Cuiabá em frente ao hospital de referência para a Covid-19. Foto: http://www.mediaquatro.com
Não é de hoje o descaso do governo com enfermeiros e enfermeiras, como já denunciado pelos Jornalistas Livres. Para tratar dos doentes que já ocupam mais de 80% dos leitos disponíveis na capital, muitas vezes os profissionais têm que trazer EPIs de casa. Dos mais de 340 mortos pela Covid-19 no estado, 142 perderam a vida nos hospitais de Cuiabá, sendo 88 residentes na cidade e mais 54 de outras localidades, conforme reportagem da Gazeta Digital.
Profissionais da saúde fazem manifestação contra o assédio moral da prefeitura de Cuiabá em frente ao hospital de referência para a Covid-19. Foto: http://www.mediaquatro.com
No hospital de referência para a Covid-19 no estado, o antigo Pronto Socorro da cidade, que foi reformado e ganhou leitos específicos para o tratamento do novo coronavírus, a ocupação já é de 97,5%. Foi na frente dessa unidade que a Frente Popular em Defesa do Serviço Público e de Solidariedade ao Enfrentamento à Covid-19 realizou sua manifestação e distribuiu nota de repúdio (veja abaixo).
Mesmo assim, o comércio continua aberto em Cuiabá, que apenas decretou toque de recolher entre 22:30 e 5:00 para evitar festas e aglomerações em bares na madrugada. Somente na segunda-feira, 22 de junho, os prefeitos de Várzea Grande e da capital, cidades separadas pelo Rio Cuiabá mas ligadas por três pontes de grande movimento, devem decidir sobre a implantação ou não de um lockdown para tentar diminuir a velocidade da transmissão do vírus na região metropolitana, como já faz Rondonópolis nos finais de semana a partir de hoje.
NOTA DE REPÚDIO – A Frente Popular em Defesa do Serviço Público e de Solidariedade ao Enfrentamento à Covid-19 manifesta seu mais profundo repúdio à ação difamatória e de assédio moral coletivo da Prefeitura de Cuiabá que, a pretexto de realizar vistoria, violou os armários dos trabalhadores no Hospital de Referência para Covid-19 e os expôs a situação vexatória com acusações não comprovadas de retenção de EPI e extravio de forma ilícita, de forma vertical aplicando penalidades.
Agindo dessa forma, a gestão municipal reproduz a prática bolsonarista de caluniar as/os trabalhadores da saúde, perseguir e tentar silenciar as denúncias de descaso para com suas condições de trabalho num momento em que o sistema de saúde já está além de seu limite como consequência do relaxamento das políticas de garantia de isolamento social digno a toda a população.
Escola Municipal Oswaldo dos Reis, em Itapema, de onde professor foi demitido por discutir texto sobre tortura, classificado como crime hediondo e inafiançável. (Foto: Arquivo da Prefeitura de Itapema)
Era a Semana do 55° aniversário da Ditadura Militar brasileira. A quadra de Educação Física da Escola Municipal de Educação Básica Oswaldo dos Reis estava perigosa com as reformas inacabadas. O professor da disciplina, Willian Meister, se viu levado a desenvolver um conteúdo pedagógico em sala com os alunos do sétimo ano. Decidiu apresentar um texto poético sobre a ditadura para discussão dentro do projeto de incentivo à leitura que integra todas as disciplinas. O texto escolhido foi o do poeta paraibano Alex Polari, preso e torturado pelos militares aos 20 anos, suplício que inspirou um conjunto de poemas sobre os porões da ditadura. Polari tornou-se célebre também pelas cartas que escreveu à estilista Zuzu Angel, revelando-lhe ter testemunhado o assassinato, sob violenta tortura, do filho Stuart Angel Jones, desaparecido político que ela procurava obstinadamente há quatro anos. Na carta, Polari descreve os requintes de crueldade sofridos pelo jovem até o último suspiro, calvário de horror que ele conseguiu espiar por um buraco na parede do cárcere.
As cartas e poemas sobre a tortura na obra de Polari, hoje seguidor do Santo Daime, fazem parte indelével da literatura memorial sobre o Golpe de 64. Já foram inclusive objeto de encenação em especial da rede Globo sobre Zuzu Angel. Embora esses fatos sejam de amplo conhecimento público, a aula provocou a ira de um pai de aluno, o radialista e ex-militar do Exército, Marcelo Fidêncio, que compareceu ao gabinete da prefeita Nilza Simas (PSL) para prestar queixa contra o conteúdo da leitura. Foi o pretexto para Willian Diógenes Meister receber uma advertência por conduta inadequada da direção da escola pública, localizada no bairro Várzea, no município de Itapema, Litoral Norte de Santa Catarina. Na terça-feira, véspera do Dia do Trabalhador, quando deveria renovar o seu contrato como professor Admitido em Caráter Temporário (ACT), a secretária municipal de Educação, Alessandra Simas Ghiotto, irmã da prefeita e ambas aliadas do Governo Bolsonaro, comunicou-o da dispensa do posto que ocupava de forma intermitente desde 2012 através de concurso público. O último contrato se referia ao seletivo do final de 2017, quando ficou em segundo lugar na sua área para escolha de vagas nos dois anos seguintes.
Professor Willian Meister, ao lada da esposa, também professora: livros em vez de armas. (Foto: arquivo pessoal)
Em linguagem de ACT, não renovar o contrato significa demissão. Casado com a também professora Alessandra Silva, dois filhos e desempregado, o professor não pensou um momento sequer em se curvar à arbitrariedade. No mesmo dia, entrou com representação no Ministério Público de Santa Catarina – MPSC denunciando a direção da EMEB Oswaldo dos Reis e a Secretaria de Educação da prefeitura por improbidade administrativa, assédio moral e violação da liberdade de cátedra.
DESEMPREGADO NO PRIMEIRO DE MAIO
Formado em Educação Física e dedicado à pedagogia, Willian Meister declarou em entrevista aos Jornalistas Livres que o caso dos poemas sobre tortura, classificado como crime hediondo, foi o ápice de um longo processo de perseguição político-ideológica. Assessorado pelo advogado Luiz Fernando Ozawa, ele explica o teor do documento jurídico: “Nossa representação ao MP contra a minha demissão denuncia vários indícios de assédio moral, com farta documentação, ocorridos desde o início do ano, que levaram a gestão da escola a cometer crime de improbidade administrativa”, afirma ele, que atua como militante social nas áreas de direitos humanos, políticas públicas e meio ambiente, hoje não mais filiado a nenhum partido.
Marcelo Fidêncio, ex-militar do Exército que denunciou professor por abordar tema da tortura. (Foto do perfil do Facebook)
A representação argumenta que a demissão fere o princípio da legalidade porque está baseada em uma advertência irregular, amparada unicamente na queixa do pai contra a discussão de um texto sobre a ditadura. No dia 14/04 último, coincidentemente data do 43° assassinato de Zuzu Angel, a reprimenda foi formalizada pelo diretor da escola sem direito à defesa, como pressupõe a lei, segundo afirma o professor: “Não fui ouvido, ninguém mais foi ouvido, não houve direito ao contraditório”, afirma, lembrando que os textos foram contextualizados e discutidos com os alunos para que levassem a uma compreensão histórica do período da ditadura. Acusado pelo pai de ministrar um conteúdo inapropriado para a disciplina, afirmou que o incentivo à leitura está previsto no projeto pedagógico interdisciplinar da escola.
O advogado alega também quebra do princípio da impessoalidade, sustentado no fato de que a dispensa se caracteriza como punição a adversário político. Explica-se: em 2012, Willian Meister se candidatou a prefeito de Itapema pelo PSoL e, novamente em 2016, quando fez oposição à chapa vencedora do PSD, encabeçada por Nílza Simas. Eleita, a prefeita nomeou sua irmã Alessandra, também do PSD, ao cargo de secretária municipal de Educação e ambas se engajaram na campanha pela eleição de Bolsonaro (PSL), alinhadas com o diretor da escola, Emílio César da Silva (também presidente do Conselho Municipal de Educação de Itapema).
Dois dias antes de receber a advertência, Meister soube pelo diretor que havia uma denúncia anônima de um pai “youtuber” à prefeita Nilza Simas por questões político-partidárias. Por conta disso, a secretária de Educação, irmã da prefeita, solicitou ao diretor e à supervisora que gerassem um relatório para apresentar ao “pai-denunciante”, mas não houve consulta ao denunciado. Desde a sua chegada à escola, em 2018, começaram os desentendimentos com Emílio que, segundo a representação, começou a deixar claro que a sua presença era indesejável na instituição. “No início, com divergências de ideias, metodologias e práticas, em discussões dentro dos limites do processo educacional. Porém, a partir do início do ano letivo de 2019, o diretor passou a intensificar suas ações no sentido de expulsar Meister de ‘sua’ escola, usando da burocracia para constranger o professor, seus alunos e suas práticas de ensino”.
O professor demitido garante que não vai se submeter à sanção sem recorrer à justiça porque tem muito respeito e afeto pelos alunos e pela instituição, tanto é que escolheu a mesma escola onde trabalhou no período da seleção anterior, em 2016. “Quero levantar a cabeça e retornar à sala de aula. Acho importante passar essa mensagem à comunidade escolar de que o poder político cometeu excessos contra o professor, mas isso depende da interpretação do judiciário. Vou aguardar confiante”. Ainda que o tema seja forte, considera necessário conscientizar adolescentes e jovens sobre a tortura como crime contra a humanidade, considerado hediondo, inafiançável, imprescritível e não suscetível à anistia pelo Art. 5º, inciso XLIII da Constituição Federal.
ESCOLA SEM TORTURA
Governada por um militar reformado, o comandante Carlos Moisés, Santa Catarina tem sido cenário de assédios constantes de partidários do Projeto Escola Sem Partido a escolas e professores, como ressalta também a representação ao MP/SC. Deputada Ana Caroline Campagnolo (PSL), que se declara antifeminista e uma das baluartes desse projeto, embora sua inconstitucionalidade já tenha sido atestada pelo STF por violar a liberdade de ensino, estabeleceu sua base na região do Litoral Norte, à qual pertence o município de Itapema.
Foto de Otávio Magalhães (O Globo), que comprova o assassinato de Zuzu Angel pelo coronel Perdigão (de branco, encostado no poste)
Há 43 anos, fortemente impactada pela carta do poeta Alex Polari, Zuzu Angel deslanchou sua campanha nacional e internacional contra as atrocidades da ditadura militar e o assassinato do seu filho, cujo corpo nunca foi devolvido pelos militares. Só se calou ao morrer no dia 14 de abril de 1976, num sinistro acidente na Estrada da Gávea (Rio de Janeiro), na saída do túnel que hoje leva seu nome. O acidente é atribuído a uma sabotagem criminosa no seu Karmann Ghia executada pelo coronel do Exército Freddie Perdigão, identificado como torturador por vários presos políticos no governo Geisel. Além de vários outros indícios, ele foi flagrado numa foto jornalística ao lado do carro capotado, revelada somente em 2014, pelo ex-agente de repressão Cláudio Guerra.
Em depoimento para a Comissão Nacional da Verdade, o advogado José Bezerra da Silva, outra testemunha da morte de Stuart, relatou que assistiu, no dia 14 de junho de 1971, à sessão de suplício final em que o jovem foi amarrado pela boca ao cano de descarga do jipe de um oficial militar e arrastado. Bezerra, que era soldado da Aeronáutica na época, reclamou da covardia e em resposta foi levado para a guarda e torturado. Por conta do espancamento, sofreu uma hemorragia no tórax e passou por uma cirurgia e ainda em recuperação foi arrancado da cama pelo tenente, seu chefe, para nova sessão de tortura. Parece que a prática de eliminar do cenário mães, poetas, militantes, jornalistas, professores e até militares que insistem em dar o testemunho das crueldades indecorosas do regime autoritário às futuras gerações voltou à cena nessa marcha-ré da história brasileira.
Canção para ‘Paulo’ (A Stuart Angel)
Por Alex Polari
Poesia de Alex Polari denuncia a própria tortura e a de outros jovens nos porões da ditadura. (Foto: Socialista Morena)
Eles costuraram tua boca com o silêncio e trespassaram teu corpo com uma corrente. Eles te arrastaram em um carro e te encheram de gases, eles cobriram teus gritos com chacotas.
Um vento gelado soprava lá fora e os gemidos tinham a cadência dos passos dos sentinelas no pátio. Nele, os sentimentos não tinham eco nele, as baionetas eram de aço nele, os sentimentos e as baionetas se calaram.
Um sentido totalmente diferente de existir se descobre ali, naquela sala. Um sentido totalmente diferente de morrer se morre ali, naquela vala.
Eles queimaram nossa carne com os fios e ligaram nosso destino à mesma eletricidade. Igualmente vimos nossos rostos invertidos e eu testemunhei quando levaram teu corpo envolto em um tapete.
Então houve o percurso sem volta houve a chuva que não molhou a noite que não era escura o tempo que não era tempo o amor que não era mais amor a coisa que não era mais coisa nenhuma.
Entregue a perplexidades como estas, meus cabelos foram se embranquecendo e os dias foram se passando.
Abaixo, cenas do especial da Globo sobre Zuzu Angel, no qual sua filha, Hildegard, fala do impacto da mãe ao receber a carta de Alex Polari, em maio de 1975, dando detalhes sobre a tortura e a morte de seu filho Stuart:
O professor Willian Meister, de Itapema, apresentou ontem no MP uma denúncia de perseguição político-ideológica praticada, segundo ele, pela direção da escola onde trabalhava e pela secretária de Educação da prefeitura de Itapema. Na terça-feira, Willian não teve o contrato de trabalho temporário renovado porque, segundo a secretaria, aplicou conteúdos inadequados. O professor havia lido com os alunos um texto-poema sobre tortura na ditadura militar.
Willian dava aulas de educação Física na escola Básica Municipal Oswaldo Reis, na Várzea. Há cerca de 10 dias, como estava chovendo, a quadra estava em reforma e a última aula integrava um projeto de incentivo à leitura dos alunos, ele apresentou a uma turma da sétima série a coletânea de textos “A Tortura na Poesia de Alex Polari”.
O poeta paraibano Alex Polari foi um dos muitos presos políticos do Brasil e foi quem, por exemplo, alertou a socialite e estilista Zuzu Angel que o filho Stuart havia sido preso, torturado e assassinado pela ditadura. Zuzu, na busca pelo filho, também foi assassinada pela ditadura. O professor diz que recebeu uma advertência sobre isso, mas sequer lhe apontaram detalhes de uma suposta denúncia de pai e que não teve direito à defesa.
A Secretaria de Educação confirmou que a não renovação do contrato de trabalho de Willian tem a ver com o caso. “As denúncias foram realizadas por pais dos alunos referentes a prática e conteúdos abordados que não estavam de acordo com o planejamento pedagógico da disciplina de educação física”, informou a nota.
Na representação contra a prefeitura e a direção da escola, Willian pede à promotoria que saia em defesa ao chamado direito de cátedra, que permite ao professor conduzir as aulas sob seu ponto de vista. Também pede a abertura de um inquérito civil para apurar crime de improbidade administrativa. “Esses ataques à educação, à liberdade de cátedra e à atuação do professor não são normais e não podem ser aceitos dentro de um estado democrático de direito”, argumenta.
A coletânea de texto de Alex Polari, usada pelo professor, pode ser lida no link: encurtador.com.br/vKQY3
Pai que denunciou professor é ex-militar
O trabalho em sala de aula despertou a ira do ex-militar Marcelo Fidêncio, pai de um aluno de 12 anos. Foi ele quem, por duas vezes, procurou a escola e a secretaria de Educação para reclamar do professor.
Marcelo sabe do programa de incentivo à leitura. Mas não concorda com o conteúdo do texto apresentado por Willian. “O texto dizia palavrões, que as crianças que ficavam enfileiradas para cantar o hino nacional eram retardadas e endemonhados”, diz o pai, que também não gostou do fato do professor ter citado que um prefeito de Balneário Camboriú (Higino Pio) chegou a ser torturado pela ditadura.
“Ele é professor de educação e poderia ter dado texto sobre o Pelé ou sobre qualquer coisa”, entende o pai, que ainda acusa o professor de ter feito uma pressão generalizada nos alunos quando descobriu a denúncia e mesmo sem saber quem era o autor o chamou de “covarde” em sala de aula.
Pesquisador demitido da Embrapa depois de longo processo de perseguição iniciado ao término de sua gestão na presidência do Sindicato
Menos de um mês depois de ser condenada em trânsito julgado por assédio moral contra seus empregados, a Embrapa demitiu, na quarta-feira (28/02), o líder sindicalista Vicente Eduardo Soares Almeida, ex-presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agrário (SINPAF), um expoente na pesquisa do uso de agrotóxicos e seus impactos para a saúde no Brasil. A demissão, “por justa causa”, vem no bojo da perseguição aos cientistas e pesquisadores brasileiros como retaliação às denúncias que o sindicalista vem fazendo desde que assumiu a direção nacional do Sindicato de 2013, conforme deixa claro nota emitida pela própria empresa. Essas denúncias se referem ao desvio de recursos em esquema de caixa 2, improbidade administrativa na gestão da empresa, assédio moral e uso indevido de agrotóxicos causando o adoecimento de empregados. Sobretudo, Vicente é um crítico expressivo da política de pesquisa e desenvolvimento da empresa, que tenta submeter os especialistas aos interesses e exigências do agronegócio, promotores do uso indiscriminado de herbicidas e agrotóxicos no Brasil.
É a segunda demissão neste ano. Em setembro de 2017, Zander Navarro, pesquisador de renome, foi demitido por criticar publicamente as politicas de P&DI (Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação) da Embrapa. Ele recorreu, foi reintegrado em 9 de janeiro e demitido novamente. Voltou a recorrer e, por decisão do juiz da 17ª Vara do Trabalho de Brasília, no dia 19/2, Marcelo Alberto dos Reis, acaba de voltar para o órgão. Quem comanda a Embrapa é Mauricio Lopes, do PMDB, ligado ao agronegócio.
(Em anexo, os documentos mostram as acusações da empresa e a defesa de Vicente Almeida.
Mestre em impacto ambiental, ligado à agricultura familiar e agroecologia, Vicente entrou na empresa em 2005 por concurso público, no setor de Hortalícias, em Brasília. Autor de vários trabalhos publicados em revistas científicas, no dia 14 de setembro de 2017, participou de uma mesa-redonda sobre o uso de agrotóxicos no país e seus impactos na saúde do consumidor e no meio ambiente, a convite do Ministério Público Federal (MPF/DF). Conduzido pelas procuradoras da República Carolina Martins e Eliana Pires Rocha, o evento teve com o objetivo colher informações em decorrência das denúncias frequentes relatando um alto grau de toxicidade em substâncias que compõem os herbicidas aplicados na produção agrícola nacional. Durante a reunião, as procuradoras relataram que há apurações de denúncias judiciais e extrajudiciais em andamento para investigar a utilização dos produtos que possuem efeitos potencialmente nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.
Cena do documentário “A vida não é experimento”, produzido em 2013, quando Vicente Almeida ainda estava à frente do Sinfap. Iracino retornou ao trabalho no término da licença
Um dos questionamentos feitos pelas procuradoras aos especialistas foi se, após a introdução de sementes transgênicas tolerantes a herbicidas, houve crescimento ou diminuição na utilização das substâncias nas lavouras brasileiras, conforme relato publicado na página oficial do Ministério Público Federal/DF. A resposta do pesquisador Vicente Almeida, representando a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), foi de que, em relação à soja, por exemplo, houve um aumento global de 311%. “O consumo de agrotóxicos no Brasil cresceu 162%, sendo 124% o aumento do consumo individual. Há um descompasso entre a população brasileira, a produtividade e o aumento do uso de agrotóxico”, enfatizou o pesquisador, que participou da reunião junto com especialistas representantes de diversos órgãos do país, como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Advocacia Geral da União (AGU), Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), sempre segundo o site do MPF/DF. http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/noticias-df/mpf-df-reune-especialistas-para-coletar-informacoes-sobre-agrotoxicos-e-ogms-tolerantes-a-herbicidas
O uso de herbicidas aumentou em mais de 300% no Brasil, sem nenhum efeito comprovado no aumento da produtividade, informou o pesquisador ao MPF. Foto ilustrativa
À frente do Sinpaf de 2010 a 2013, Vicente coordenou a elaboração de um vídeo marcante, intitulado “A vida não é um experimento”, reunindo testemunhos de diversos empregados relatando casos de maus tratos, humilhações e condições degradantes de trabalho impostas por supervisores da Embrapa Hortaliças, além de adoecimento por uso de substâncias tóxicas sem a devida proteção, conforme o documentário mostra com largas provas. Desde aí, ele e outros especialistas vêm denunciando a política permissiva e descriteriosa do uso de agrotóxicos.
Como consequência dessa luta, no dia 2 de fevereiro, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmou o Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10) e manteve a condenação da Embrapa em R$ 100 mil por permitir a prática de assédio moral em seu meio ambiente de trabalho. O caso, investigado pelo Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF), apresentou provas da prática cometida pela supervisora de Setor de Patrimônio e Material da Embrapa Hortaliças.
Denúncias de assédio moral e adoecimento de trabalhadores por uso indevido de agrotóxicos resultou na condenação da empresa. Foto ilustrativa (Agência/Embrapa)
Após o Acórdão do TST, a Embrapa opôs sete recursos e embargos de declaração contra a decisão, todos negados. O processo iniciou em 2009, quando Vicente ingressou na Direção Nacional do Sinpaf e passou a respaldar denúncias de assédio moral de nove trabalhadores contra a supervisora da Embrapa Hortaliças. Em seus depoimentos, todos confirmaram o tratamento agressivo. Alguns chegaram a pedir remoção do setor, por considerar “insuportável” a convivência. Os relatos constantes nos depoimentos demonstram “não só as práticas assediadoras, mas a inércia da Embrapa diante dos fatos, preferindo a empresa a opção de afastar os assediados a tomar uma providência”, conforme palavras da própria procuradora autora da ação, Mônica de Macedo Guedes Lemos Ferreira, reproduzidas pela página oficial do Ministério Público do Trabalho.
Ao votar pela manutenção da condenação por dano moral, o relator do processo no TST, ministro João Oreste Dalazen, destacou que “extrapolam a razoabilidade as atitudes inadequadas e perseguições perpetradas pela supervisora da empresa aos empregados do setor”, sempre de acordo com o relato do MPT. Uma comissão de sindicância interna, criada para analisar o fato, confirmou a utilização de palavras agressivas, a ridicularização e a inferiorização de forma acintosa, com ofensas como “burro e “lerdo”. (http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt+noticias/bac4051a-c9aa-4197-bef1-70dcd62e9bc3)
Diretoria Nacional do SINPAF repudia mais uma demissão arbitrária da Embrapa
Em nota em sua página oficial, a Diretoria Nacional do SINPAF declarou que a demissão desmedida de qualquer trabalhador deve ser combatida veementemente. “Jamais pode ocorrer sem que haja garantia ao direito de ampla defesa do trabalhador”. Em mensagem por e-mail, Vicente afirma “Como se depreende no memorando da empresa, a denúncia que fundamenta a decisão parte de agentes subordinados ao presidente da Embrapa, denunciado por mim como cúmplice, por omissão, da prática de caixa dois na empresa, identificado em processo de sindicância interna e investigado pelo MPF, PF, TCU e Corregedoria Geral da União”.
“A VIDA NÃO É EXPERIMENTO”
Documentário produzido pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF) na gestão do presidente Vicente Almeida.
Denuncia violações de direitos trabalhistas, submissão de empregados a doenças pelo mau uso de agrotóxico e assédio moral praticados por empresas públicas brasileiras, sobretudo pela Embrapa.
NOTA DE DESAGRAVO AO PESQUISADOR E MILITANTE SINDICAL DA EMBRAPA VICENTE ALMEIDA
1. Vicente Almeida é Engenheiro Agrônomo e Mestre em Impactos ambientais, Pesquisador concursado da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA na área de Impactos Ambientais e exercendo suas funções na empresa desde de o ano 2005;
2. Tem se destacado em sua atuação como pesquisador, desenvolvendo e coordenando pesquisas sobre políticas públicas para Transição Agroecológica, Saúde Ambiental no campo e impacto socioambiental dos agrotóxicos na agricultura, compondo ainda diversos grupos multidisciplinares de pesquisa no país sobre o tema;
3. Destacou-se ainda na empresa por ser um combativo dirigente sindical, denunciando abusos e defendendo de maneira incisiva o direto dos trabalhadores da Embrapa e empresa de desenvolvimento, chegando a promover um documentário chamado ” A vida não é experimento”, onde denuncia as práticas de assédio moral, assédio científico, trabalho degradante e perseguição a dirigentes sindicais na Embrapa (https://www.youtube.com/watch?v=76diwm1ScV8) sendo, já nesse momento, ameaçado formalmente e criminalizado pela direção da Embrapa em caso de divulgação do mesmo (http://www.viomundo.com.br/denuncias/sindicato-rebate-acusacoes-de-nota-da-embrapa.html)
6. Assim, no dia 28/02 foi comunicado de sua demissão onde as acusações são feitas pelos superiores denunciados por ele envolvidos em irregularidades e práticas de assédio moral, sem o uso do adequado Processo Administrativo Disciplinar – PAD, e a garantia da ampla defesa e o direito ao contraditório;
7. Os gestores denunciados acusam Vicente Almeida de descumprimento de dispositivos do “Código de Conduta e Código de Ética da Embrapa”. Tal violação estaria impondo desgaste a imagem da empresa por denunciar as autoridades competentes, desvios e irregularidades trabalhistas, ambientais, financeiras e administrativas, muitas delas com farto material probatório como fotos, vídeos, gravações e processos judiciais já transitado em julgado, como a recente decisão do TST sobre assédio moral na empresa;
8. Na denuncia dos gestores da empresa, são consideradas ainda como “mal comportamento” do pesquisador, previsto no Código de Conduta da Embrapa, o mero uso da lei de acesso a informação 12.527/2013; a requisição de realização de audiência púbica sobre a situação dos trabalhadores da empresa e o assédio moral existente, junto aos gabinetes de Deputados Federai e Distritais(http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/549428-COMISSAO-DISCUTE-DENUNCIAS-DE-PERSEGUICOES-NA-EMBRAPA.html); e ainda as petições formalizadas por Vicente Almeida nas Comissões de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF e da Câmara Federal, dentre outros.
9. Alega ainda os gestores denunciados que a “produtividade” do pesquisador estaria aquém de suas expectativas, mas a verdade é que o mesmo tem denunciado formalmente o cerceamento no desenvolvimento de suas atividades de pesquisa em parceria com várias instituições tais, como: Fundação Osvaldo Cruz, Instituto Nacional do Câncer, Universidade de Brasília, dentre outras, tendo inclusive feito diversas publicações em sua área em 2017, destacando-se importante artigo científico, desvelando a associação entre o aumento no consumo de agrotóxicos e os transgênicos no Brasil e participando de reuniões técnicas de assessoramento científico de órgãos como o Ministério Público Federal;
10. Dessa forma, pelo histórico autoritário da gestão da empresa, fartamente denunciado nos jornais, e pelos elementos constantes nesse caso, estamos diante de mais um grave caso de arbítrio promovido por setores interessados em cercear o conhecimento científico em desfavor da sociedade e limitar o exercício da cidadania, da liberdade sindical e da defesa dos direitos dos trabalhadores; (http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,demissao-de-24-servidores-custa-r-65-milhoes-a-embrapa,70002162423);
11. Nesse sentido, repudiamos a demissão arbitrária do pesquisador e liderança sindical, e exigimos sua imediata reintegração aos quadros da empresa, com ampla liberdade de atuação científica e sindical em favor de uma Embrapa transparente, pública e verdadeiramente democrática voltada ao atendimento do povo Brasileiro. Readmissão já!
Cumpri-me o dever de comunicá-lo sobre a demissão por justa causa de forma arbitrária contra mim promovida por gestores investigados por irregularidades administrativas na Embrapa, envolvendo membros da diretoria local e nacional da empresa.
Como é de conhecimento de vossa senhoria, denuncias de assédio moral e perseguição, de forte viés autoritário, tem sido recorrentes devido a prática de maus gestores.
Tal prática condenável, tem afetado sobremaneira o labor e a saúde de vários trabalhadores que merecem o atendimento pronto e eficaz de seu sindicato, a fim de sustar e inibir tais ações e garantir o mínimo de dignidade para seus filiados e filiadas.
Como se depreende no memorando em anexo, a denuncia que fundamenta a decisão parte de agentes subordinados ao presidente da Embrapa, denunciado por mim como cúmplice, por omissão, da prática de caixa dois na empresa, identificado em processo de sindicância interna e investigado pelo MPF, PF, TCU e Corregedoria Geral da União.
A Chefe administrativa e o Chefe Geral, que atuam diretamente contra mim nessa demissão, afrontam a lei 9784, por estarem impedidos de atuar no mesmo, bem como o chefe de pesquisa, denunciado por mim da comissão de ética da empresa há mais de 7 meses.
Acusam-me de forma descabida de procurar meus direitos na justiça trabalhista; de requerer informações pela lei de acesso a informações; de buscar a realização de audiência pública para discutir o assédio moral na unidade; de denunciar os abusos e irregularidades perante autoridades legalmente constituídas, etc.
Após mais de dois anos de cerceamento e impedimento do registro de minhas atividades de pesquisa nos sistemas internos de avaliação, buscam ainda artificialmente alegar falta de produtividade, quando na verdade tenho produzido diversos trabalhos e artigos científicos sobre o tema de minha responsabilidade editalícia, reconhecidos nacionalmente e internacionalmente.
Medidas protetivas requeridas pela lei 13.303 foram solicitadas junto ao conselho de administração da empresa a mais de oito meses, mas até o momento ignoradas, conforme me comunica o nosso representante no conselho, ao qual também copio.
Desta feita, amparado no Art. 5, I do Estatuto do SINPAF, bem como o Art. 7, Parágrafo II, cominado com Art. 8, III do referido termo, solicito providências no sentido de denunciar no site e rede de emails do sindicato tal arbitrariedade, bem como a minha readmissão, pelo completo descumprimento descabimentos dos termos e procedimento adotados na tentativa de embasar tal decisão.