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  • Epidemia de execuções: PM catarinense mata 85% a mais no isolamento social

    Epidemia de execuções: PM catarinense mata 85% a mais no isolamento social

    Texto de Míriam Santini de Abreu, Paula Guimarães, Priscila dos Anjos e Fábio Bispo.

    A reportagem “Epidemia de execuções: PM catarinense mata 85% mais no isolamento social” foi realizada colaborativamente entre Portal Catarinas, CatarinaLAB e Folha da Cidade.

     

    Ilustração: Hadna Abreu

    Guilherme da Silva dos Santos, 21 anos; Matheus Cauling dos Santos, 17 anos; Derick da Luz Waltrik, 17; Walace Índio Farias, 18; Wellinton Jonatan da Silva, 21; Shilaver da Silva Lopes, 22; Yure Esquivel da Rosa, 17; Lucas Pereira da Silva, 21; Everton da Rosa Luz, 22; Leonardo Leite Arruda Alves, 18; Marlon Leite Arruda Alves, 15; e Jonatan Cristhof do Nascimento, 24.

    Os tempos são de pandemia, mas as 12 cruzes fincadas no canteiro central da rua Silva Jardim, na entrada do Morro do Mocotó, no Centro de Florianópolis, não prestam homenagens aos mortos da covid-19 como milhares idênticas espalhadas em memoriais pelo país. A epidemia que sobe o morro na calada da noite, que caça alvos em uma suposta lista e sentencia ali, no calor do momento, é outra, e teve início há muitos anos. Só não inventaram ainda vacina capaz de contê-la: as mortes de jovens negros e favelados pela polícia.

    A polícia catarinense matou uma pessoa a cada três dias em 2020. São 60 mortes até 29 de junho. Na pandemia, a partir de 16 de março, a letalidade cresceu 85%. Os gatilhos puxados por policiais catarinenses mataram 35 pessoas. Em 2019 foram 19 mortos nas ações policiais neste período.

    Em Florianópolis, este ano, as intervenções policiais mataram pelo menos 11 jovens entre 20 de janeiro e 1º de junho. O mais novo tinha 15 anos; o mais velho, 24. Uma a cada quatro mortes violentas na cidade, este ano, foi pelas mãos da polícia. Em cinco anos já são 64 vítimas fatais nessas ações.

    As famílias contestam as versões policiais, falam em execução, alterações das cenas dos crimes e negligência no atendimento. “Onde está a gravação deles que mostra que os guris os enfrentaram, como informaram no B.O.? Que eu saiba eles usam uma câmera na camisa, eu gostaria de ver, onde está?”, questiona a empregada doméstica Raquel Leite Arruda, mãe dos irmãos Marlon e Leonardo, mortos no domingo de Páscoa,

    As versões conflitam com as afirmações do comandante do 4º Batalhão, coronel Dhiogo Cidral de Lima: “Todas as ocorrências foram legítimas, as pessoas envolvidas nesse enfrentamento tinham uma extensa ficha criminal”, disse o tenente-coronel, por telefone.

    Um relatório de investigação conduzido pela Polícia Militar, nomeado de “Relatório Técnico Operacional” e obtido pela reportagem, elaborado pelo 4º Batalhão de Florianópolis em 2018, listou 55 pessoas na comunidade do Mocotó como  envolvidos com o tráfico de drogas. Desses, quatro foram mortos em “confrontos”.

    O documento virou inquérito policial, mas não foi diligenciado pela Polícia Civil. O Ministério Público chegou a alertar que investigação da PM não teria elementos para afirmar existência de uma facção.A Justiça chegou a prender parte dos citados.

    “E uma verdadeira reprodução do que já havia sido apurado pela Polícia Militar, sem acrescentar nenhuma nova informação ou alargar as investigações”, relatou o promotor Luiz Fernando F. Pacheco. O inquérito tramita desde 2018 sem oferecimento de denúncia. E apesar de ter como base uma investigação da PM, nenhuma informação referente as mortes foi apresentada no inquérito. Em alguns casos, foi juntada certidão de óbito, mas sem explicações das circunstâncias das mortes.

    As vidas perdidas desses jovens, que também já tinham chorado a morte de outros amigos, dizem sobre a intensificação de uma guerra sem data para terminar. Para entender o contexto da ausência de trégua, justamente quando há uma luta global para sobreviver à pandemia do novo coronavírus, investigamos algumas dessas mortes, ouvimos moradoras das comunidades, pesquisadoras, além da própria polícia e outras fontes oficiais.

    Os dados desta reportagem estão no Anuário Brasileiro de Segurança Pública e nos relatórios da Secretaria de Segurança Pública de SC. A informações referentes às mortes em ações policiais em Florianópolis no ano de 2019 só contabilizam casos até o mês de junho daquele ano. A informação foi requisitada à SSP por meio de assessoria de imprensa e via LAI, mas ainda não foi disponibilizada pelo órgão.

    Em consulta ao sistema do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a reportagem verificou que dos 12 mortos pela PM na região do Mocotó e listados na abertura desta reportagem, apenas um tinha condenação, por roubo, e quatro estavam relacionados no relatório que apura tráfico de drogas na comunidade. Os demais não respondiam qualquer ação penal na Justiça catarinense.

    Sobre a investigação da PM, que alega ter como mote a existência de uma facção criminosa instalada no Mocotó, o Ministério Público apontou que os elementos são frágeis para tal afirmação, mas que constituem indicativos para prosseguimento das investigações.

    Levantamento da reportagem apurou que das 64 mortes em ações policiais em Florianópolis desde 2016,  cinco casos foram distribuídos para a Vara do Tribunal do Júri. Ou seja, apenas 7% das mortes em operações policiais serão analisadas na Justiça.

    Para a professora do Departamento de Antropologia  da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Flavia Medeiros, casos de violações de direitos, que envolvem tortura, tentativa de morte e morte, mostram que as instituições policiais estão mais preocupadas com o uso da força e manutenção de uma ordem hierárquica e desigual na sociedade, do que necessariamente com a proteção dos cidadãos. “É papel do MP [Ministério Público] o controle externo do uso da força, tanto MP quanto judiciário são omissos neste controle. E essa omissão é forma de corroborar com a ação policial”.

    :.Leia a entrevista completa com a pesquisadora em gestão de mortes Flavia Medeiros  (mais…)

  • Nós por nós, sempre!

    Nós por nós, sempre!

    Por Lúcia Perez, de 16 anos, drogada à força, estuprada e empalada tomamos as ruas. Erguemos nossos cartazes por Beatriz, também de 16 anos, que foi estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro. Gritamos numa só voz por Rayzza, militante feminista queimada viva, em Cabo Frio no Rio de Janeiro. Unimo-nos por Cláudia Silva Ferreira, arrastada por um carro da Polícia Militar por 350 metros. Abraçamo-nos pela garota de 16 anos – que não cometeu crime algum – presa numa cela com 30 homens e foi abusada durante 20 dias. Choramos pelas meninas de 7 anos da República Centro-Africana que eram obrigadas a fazer sexo oral em soldados da ONU em troca de água e bolachas de água e sal. No desespero de ver um bebê de dois anos morrer abusado pelo padrasto, vimos que precisávamos agir.
    Mesmo embaixo de chuva continuamos na luta contra a violência masculina que nos humilha, destrói, machuca, estupra e mata todos os dias. Ocupamos espaços que nos são negados e nos posicionamos contra o sistema patriarcal que nos oprime todos os dias.

    Fotos: Emergente

    Diariamente nos vemos abaladas por práticas machistas e misóginas, como o caso da garota de 13 anos que engravidou após ter sido estuprada por seu responsável, e teve que foi questionada por um juiz se havia “tentado fechar a genitália” durante o estupro. Desesperamo-nos com o caso do Coronel da Polícia Militar que foi encontrado em um carro com uma criança de 2 anos nua. Percebemo-nos alvos quando acontecem 5 espancamentos a cada dois minutos, 179 relatos de agressão por dia, 1 estupro a cada 11 minutos – totalizando 133 mulheres estupradas por dia, e 1 feminicídio a cada 90 minutos, somente no Brasil. Resistimos quando percebemos que estupros não tem relação com tesão ou prazer, e sim com dominação.
    Revoltamo-nos contra todos os tipos de violência – física, sexual, psicológica, patrimonial e moral – e contra a leveza das penas de nossos agressores e assassinos. Lutando para que nós, mulheres, sejamos vistas como humanas. Pela autonomia de nossas vidas e corpos.

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    Na Argentina, no Peru, Brasil, Venezuela, Chile, Equador, Costa Rica, Paraguai, Uruguai, Bolívia e em diversos países do mundo todo! Pelas meninas judias e cristãs sequestradas para serem escravas sexuais, pelas vítimas da mutilação genital na África, pelas mulheres ao nosso redor que sofrem com assédios, agressões e violações. Pelas que nos apoiam e pelas que não nos apoiam. Por todas elas. Por todas nós. Seguiremos até que todas sejamos livres!
    Somos nós por nós, sempre!

  • #NãoAcabou #TemQueAcabar #QueroOFim #DaPolíciaMilitar

    #NãoAcabou #TemQueAcabar #QueroOFim #DaPolíciaMilitar

    Nova chacina em São Paulo expõe uma política de extermínio que tem aval da população

    Quando um político, executivo, jornalista, apresentador de televisão ou qualquer outra pessoa da sociedade, num país com mais de 50 mil assassinatos por ano, enche a boca pra dizer que “bandido bom é bandido morto”, elx está apoiando uma política que se não é oficial, é pelo menos aceita tacitamente pelos governantes. De outro modo, como é impossível entender e aceitar o homicídio de ao menos 18 pessoas em menos de 3 horas na periferia da maior região metropolitana da América do Sul? Imagine, apenas imagine, a comoção nacional que o homicídio simultâneo de quase duas dezenas de pessoas desencadearia, por exemplo, na Inglaterra. O que aconteceria se quase todos os mortos fossem negros e pobres nos EUA? Quanto tempo um governador ou um secretário de segurança permaneceria no cargo se isso tivesse acontecido na Alemanha? Mas não, na São Paulo governada há mais de 20 anos pelo PSDB (não que seja muito diferente no Rio do PMDB ou na Bahia do PT) isso é rotina. Uma triste rotina.

    Débora Silva e outras Mães de Maio no dia das mães de 2015, seu aniversário e aniversário da morte de seu filho, Rogério, um gari, assassinado em 2006

    A mais recente chacina, nas cidades de Osasco e Barueri, é a 11ª ocorrida na Grande São Paulo esse ano. Ao todo, são ao menos 72 mortos, como mostra a reportagem da Ponte (em http://ponte.org/72-foram-mortos-em-chacinas-neste-ano-na-regiao-metropolitana-de-sp/). Apesar de contabilizar há anos quedas consecutivas nos homicídios, o estado vem registrando também aumentos constantes nos índices de letalidade policial. Oficialmente, no primeiro trimestre de 2015, cerca de 18% das mortes à bala no estado são oficialmente de responsabilidade de agentes de segurança (http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/plantrim/2015-01.htm), ou seja, um homicídio a cada 12 horas. E isso não inclui chacinas por autores não identificados.

    Há quase 10 anos, mais de 500 jovens, negrxs e periféricxs, foram mortos em duas semanas nos chamados Crimes de Maio, logo após os ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital — PCC a agentes da lei, deixando também dezenas de cadáveres. Os crimes, de um lado e de outro, nunca foram devidamente esclarecidos, assim como não são cerca de 92% dos homicídios no Brasil. No caso dos cidadãos comuns, o modus operandi das chacinas, invariavelmente apontadas imediatamente pelas autoridades como prováveis “disputas por pontos de drogas”, é sempre muito parecido: após a morte de um policial carros com vidros escuros e motos rodam as periferias próximas com encapuzados assassinando aleatoriamente 10 pessoas. Não por acaso, semana passada foram mortos um PM e um Guarda Civil Metropolitano na mesma região dos crimes de quinta-feira. Obviamente pode ser apenas uma coincidência, mas deveria ao menos acender uma luz amarela.

    E a coisa não vai ter solução tão cedo. Afinal, enquanto os governos estaduais investem cada vez mais em presídios e repressão, os setores de investigação e de defensoria pública são relegados a vigésimo plano. Por isso, desde 2006, o Movimento Mães de Maio, de familiares de vítimas da violência policial, tenta a federalização da investigação, que obviamente não vai chegar a lugar nenhum em São Paulo. Mas, diferente do caso da bomba na porta do Instituto Lula (que em nenhum momento pode ser menosprezado por sua importância simbólica da escalada da violência política atual), o pedido de transferência da competência da investigação para a Polícia Federal infelizmente vai seguir aguardando calado em alguma gaveta burocrática.

    “Precisamos de uma lava-jato para violência policial”, reclama Débora Maria Silva, coordenadora das Mães de Maio. “Para investigar corrupção na Petrobras, tem dinheiro, pessoal, aviões, prisão preventiva, capas de revista à vontade. Mas para descobrir e punir quem está matando nossos filhos e mostrar a responsabilidade do Estado terrorista, sempre faltam recursos. Até hoje não foi feita sequer a perícia nas balas que mataram meu filho!”. Enquanto isso, grupos de indignados com as “intenções bolivarianas” do governo federal preparam novas manifestações onde tirarão selfies com Bolsonaros, PMs e coronéis de pijama que se orgulham de ter torturado “comunistas” durante a Ditadura e só se arrependem de não ter matado todos. E se você acha que uma coisa não tem nada a ver com a outra, pense novamente.