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  • É hora de comprometer os candidatos com impostos mais justos

    É hora de comprometer os candidatos com impostos mais justos

    Discutir e entender de impostos e tributos, certamente, não está entre as tarefas mais agradáveis para a maioria de nós. O estrago, entretanto, que um sistema tributário defeituoso pode fazer no tecido social tem levado cada vez gente, especialmente aqueles que lutam por um país mais justo, a discutir alternativas e buscar compromisso dos políticos para reformar o sistema tributário brasileiro atual.

    O que é progressividade?

    A reforma desejada, contudo, não trata apenas de simplificar e manter o sistema injusto: “A Reforma Tributária deve avançar no sentido de promover a sua progressividade pela redução da participação da tributação indireta que incide sobre o consumo”, afirma Eduardo Fagnani, organizador do livro A Reforma Tributária Necessária.

    O critério da progressividade, fixado pela Constituição, significa que o cidadão que ganha mais ou que tem mais posses deve contribuir mais para o financiamento das funções do Estado. Desse modo, os impostos devem incidir sobre rendas e posses maiores com percentuais maiores. Mas o que acontece no Brasil é exatamente o oposto.

    Metade do que é arrecadado no Brasil vem do consumo, igualando ricos e pobres

    Consideremos que 49,6% da arrecadação de impostos no Brasil, ou seja, praticamente metade de tudo que é arrecadado, provem de impostos indiretos cobrados sobre o consumo. A injustiça é evidente: uma pessoa pobre e uma pessoa rica pagam o mesmo imposto sobre um botijão de gás, sobre um pacote de arroz, sobre um litro de gasolina ou de leite. Imaginemos o alívio para os mais pobres se conseguíssemos reduzir a carga de imposto indiretos sobre o consumo para o mesmo nível dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

    A média de arrecadação de impostos indiretos dos países da OCDE representa 32% do total. Colocado de outro modo, de cada 100 dólares arrecadados pelo Estado brasileiro, praticamente 50 dólares saem de bolsos de ricos e pobres indistintamente. Enquanto isso, nos países que compõem a OCDE 32 dólares provêm do consumo. Proporcionalmente, os mais pobres no Brasil, além de terem renda muito menor do que a renda dos mais pobres da OCDE, pagam 56% a mais de impostos indiretos no consumo.

    O resultado dessa cobrança injusta de imposto é que “estudos feitos com base em pesquisas domiciliares revelam que o Brasil é o ‘10o. país mais desigual do mundo, num ranking de mais de 140 países’”.

    O “leão” do imposto de renda deixa isento mais de 60% das rendas mais altas

    Vamos aprofundar mais um degrau na compreensão do sistema tributário brasileiro? Analisemos esse gráfico elaborado com dados da Receita Federal por membros do Instituto Justiça Fiscal para o artigo “Tributação sobre a Renda da Pessoa Física”, no mesmo livro já citado.

    As barras azul-claras representam o quanto da renda das pessoas físicas é efetivamente tributado. Vejamos que conforme a renda sobe o percentual da renda que é tributado diminui:
    i. As pessoas que recebem entre 1 e 5 salários mínimos pagam impostos sobre mais de 60% da renda.
    ii. Nas faixas entre 5 e 30 salários mínimos mais de 50% é tributado.
    iii. A partir da renda de 30 salários mínimos a parcela que é tributada cai rapidamente (repare como caem as barras azul-claras).
    iv. As pessoas com renda declarada acima de 320 salários mínimos por mês pagam imposto sobre 7,7% da renda total, o menor percentual entre todas as faixas de renda.

    As barras azul-escuras representam a parcela da renda das pessoas físicas que não é tributada, ou seja, que é isenta do pagamento de imposto de renda. Reparemos no gráfico que o “leão” não morde grande parte das rendas mais altas: de cada 100 reais de renda o “leão” deixa escapar mais de 65 reais das três faixas de renda mais alta.

    Os autores do artigo reforçam que a causa principal dessa distorção foi uma lei proposta e aprovada por FHC (PSDB), que isentou lucros e dividendos, em 1995: “A redução da base de cálculo proporcionalmente à renda total decorre, fundamentalmente, da isenção sobre lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas, vigente a partir de 1996. Esta isenção alcançou, inclusive, os rendimentos remetidos para o exterior, aos sócios e acionistas estrangeiros, independentemente de serem pessoas físicas ou jurídicas”.

    Imposto de renda é regressivo acima do 40 salários mínimos

    Esse outro gráfico nos mostra o quanto da renda que entra nos bolsos de cada faixa de renda efetivamente sai para o Estado, em forma de imposto de renda. A faixa de renda entre 30 e 40 salários mínimos paga, efetivamente, 11,8% de sua renda em imposto. Note-se, pelo gráfico, que é essa faixa é a que paga o maior percentual de sua renda como imposto. A partir daí, e caminhando pelo gráfico até as rendas mais altas, acima de 320 salário mínimo, o percentual só diminui.

    Os endinheirados da faixa de renda acima de 320 salários mínimos pagam 5,1% de sua renda em impostos, enquanto que aqueles que ganham entre 7 e 10 salários mínimos pagam 5,32%. Como afirmam os autores do estudo: “o IRPF [Imposto de Renda das Pessoas Físicas] é progressivo apenas até a faixa de 30 a 40 SM mensais, tornando-se regressivo a partir deste ponto”.

    Concorda que é preciso fazer nossos candidatos, ao Executivo e ao Legislativo, comprometerem-se com uma Reforma Tributária Solidária?

    Notas

    1 A Reforma Tributária Necessária: diagnóstico e premissas. Iniciativa de ANFIP – Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil e de FENAFISCO – Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital. Eduardo Fagnani (organizador). Brasília: ANFIP: FENAFISCO: São Paulo: Plataforma Política Social, 2018. 804 p.

    2 Para baixar a versão digital completa do livro A Reforma Tributária Necessária: Diagnóstico e Premissas: http://plataformapoliticasocial.com.br/a-reforma-tributaria-necessaria/.

    3 O artigo Tributação sobre a Renda da Pessoa Física: Isonomia como Princípio Fundamental de Justiça Fiscal foi elaborado por Paulo Gil Hölck Introíni, Dão Real Pereira dos Santos, Marcelo Lettieri Siqueira, Rosa Angela Chieza, Wilson Torrente, João Carlos Loebens, Fátima Maria Gondim Bezerra Farias e Clair Hickmann, membros do Instituto Justiça Fiscal, http://ijf.org.br/.

    4 Para mais informações veja o site da Anfip – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil: https://www.anfip.org.br/https://www.anfip.org.br/noticia.php?id_noticia=23360

    5 Para mais informações veja o site da Fenafisco – Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital: http://www.fenafisco.org.br/noticias-fenafisco/item-2/item/2523-fisco-lanca-publicacao-com-alternativas-para-aprimorar-a-estrutura-tributaria-brasileira

    6 Para mais informações veja o site da Plataforma Política Social: http://plataformapoliticasocial.com.br/

    7 Veja a conversa de Charles Alcântara (Fenafisco – Federação Nacional do Fisco) e Floriano de Sá Neto (Anfip – Associação Nacional dos Auditores Fiscais), no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, com blogueiros e mídias alternativas:

     

  • A “crise” da Previdência é mais uma balela

    A “crise” da Previdência é mais uma balela

    A maioria de nós, quando imagina o que é a Previdência Social, pensa em uma caixa ou em um fundo de investimentos, onde é guardado nosso dinheiro, que recolhemos enquanto estamos na ativa como trabalhadores, para quando estivermos mais velhos podermos recebê-lo de volta na forma de aposentadoria.

    Alguns também acreditam que a Previdência Social é como uma seguradora, em que muitos pagam para garantir o “seguro” ou a aposentadoria daqueles que já atingiram certo tempo de contribuição ou certa idade.

    Dentro dessas ideias está embutida a noção de que é preciso contribuir para formar uma “poupança” para ter direito a receber no futuro. Mais ainda, está implícito que se a “poupança” for insuficiente haverá uma “crise”, pois não será possível pagar de volta os trabalhadores que se aposentam. A não ser que o governo resolva assumir “deficits” astronômicos para sustentar os velhos.

    E cá estamos nós diante da “crise” que demanda uma reforma da previdência, não é mesmo?

    Bem, nessa altura é preciso saber que esses conceitos acima sobre a Previdência estão errados. A Previdência não é um fundo de investimentos, não guarda a contribuição dos trabalhadores, não é uma seguradora e não é uma poupança.

    Em certo momento da história do capitalismo, tomou-se a decisão política de proteger a velhice, de “transferir” alguma renda para aqueles que não podiam mais ser produtivos, que não conseguiam mais participar do mercado de trabalho.

    Essa transferência de renda precisava ser financiada de algum modo. Precisava ser criado um ou mais “impostos” para custear essa “transferência”. Ressaltemos, aqui, que é exatamente isso que a Previdência é: uma cobrança de impostos seguida de uma transferência para aqueles que a sociedade politicamente decidiu que tinham direito a recebê-la.

    Mas a Previdência não guarda meu dinheiro para quando eu me aposentar?

    Não. Sua contribuição é como qualquer imposto que entra no caixa do governo e sai para pagar as despesas, nesse caso as aposentadorias. E não é só a sua contribuição que compõe esse montante para pagar os aposentados. Além da contribuição dos trabalhadores que estão na ativa, agregam-se as contribuições das empresas e alguns impostos, como a COFINS, que é uma sigla para Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social e a CSLL, sigla da Contribuição Sobre Lucro Líquido.

    Aliás, a COFINS e a CSLL foram criadas porque houve a decisão política que o governo, na condição de empregador dos funcionários públicos, também deveria contribuir para que os brasileiros tivessem alguma renda na velhice.

    A Previdência tem deficits enormes que, no futuro, serão insustentáveis, não é verdade?

    Bem, essa questão do deficit da Previdência precisa ser entendida de uma vez: quando se soma as contribuições dos trabalhadores com a contribuição das empresas e os impostos (contribuições) criados para financiar a seguridade social não há deficit. Acontece que os sucessivos governos, desde Collor, resolveram chamar essa contribuição do governo, que é custeada pela Cofins, CSLL e outros impostos, de deficit.

    Há inúmeros economistas que reafirmam que o “deficit” divulgado pelo governo e pelos meios de comunicação não passam de um mecanismo para convencer a população a, não só não reivindicar mais benefícios, como aceitar cortes de direitos.

    Os próprios auditores fiscais, reunidos na ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, concordam que o governo só considera as contribuições dos trabalhadores e das empresas para o cálculo do resultado da Previdência. Veja o que diz o presidente da ANFIP, Vílson Romero: “É preciso ser considerada também a arrecadação de outras contribuições sociais, como por exemplo a Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)”.

    Então a previdência não está e não estará em “crise” no futuro?

    “Uma vez aceita a verdadeira natureza previdenciária de cobrança, contemporânea, de imposto, e transferência via pagamento de benefício, a ideia de uma “quebra da previdência” perde seu sentido lógico. Afinal, isso só seria possível caso houvesse uma acumulação de ativos que deveria fazer frente a compromissos fixos de remuneração futura e uma incompatibilidade atuarial entre tais ativos e compromissos explicitaria tal ‘‘quebra’’,” apontam Bastos e Oliveira (2017).

    A verdade é que estamos sendo ameaçados por uma “crise” que só existe na cabeça de quem quer retirar direitos dos trabalhadores e voltar ao nível civilizatório de séculos passados. A expressão “crise” não é adequada para descrever uma decisão política, tomada pela sociedade, de tributar uma parcela da sociedade, empresas e trabalhadores na ativa, para transferir como renda para aposentados e pensionistas.

    O que se pode e se deve é rever essa decisão, de tempos em tempos, para adequar essa repartição. Para isso, é preciso levar em conta o perfil populacional, a maior longevidade da população como temos ouvido, mas também outras variáveis econômicas como a produção do país por habitante (produto per capita), o nível de emprego, o salário real, dentre outras.

    As decisões devem ser tomadas a partir do impacto social que terão entre aqueles que pagam e aqueles que recebem. Decisões tomadas às pressas, sob a espada de uma “crise” inexistente, não levarão em conta todos os aspectos necessários para alcançar maior justiça social.

    Não estamos retirando da sociedade recursos que poderiam virar investimentos?

    Aqui é preciso compreender que o mecanismo de tributação-transferência devolve os recursos para a sociedade. Os aposentados e pensionistas, ao receberem suas pensões, irão gastá-las, possivelmente a totalidade, em consumo para suas subsistências e de suas famílias.

    Nas palavras de Bastos e Oliveira, a redistribuição de renda tem o efeito de, ao aumentar o consumo, tornar os investimentos mais atraentes: “… a redistribuição de renda decorrente, possivelmente elevaria a propensão a consumir da economia, o que, tendo o PDE [Princípio da Demanda Efetiva] como válido, estimularia o investimento e, com isso, o emprego, o crescimento da produtividade e a renda per capita”.

    Em resumo

    “Se por um lado o envelhecimento populacional é um fato em diversos países, isso não implica que a contrapartida deva ser no sentido de restringir os benefícios previdenciários. A equação financeira do sistema pode e deve ser mantida pela perseguição de políticas de pleno emprego que garantam elevadas taxas de crescimento do produto, aumentando a base de tributação.” (Bastos e Oliveira)

    Notas

    1 Esse texto se apoiou no estudo A verdadeira natureza macroeconômica do sistema

    público de contribuição da previdência social, de Carlos Pinkusfeld Bastos e Bruno Rodas Oliveira, ambos do Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, disponível em: http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2017/tdie0152017bastosoliveira.pdf

    2 O site da ANFIP tem muitas informações e uma longa apresentação sobre a Previdência Social: www.anfip.org.br