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  • EXCLUSIVO! PSDB consegue na (in)Justiça o direito de descartar como lixo os cadáveres de 1.600 pessoas

    EXCLUSIVO! PSDB consegue na (in)Justiça o direito de descartar como lixo os cadáveres de 1.600 pessoas

    Que a Prefeitura de São Paulo está movendo mundos e fundos para privatizar os 22 cemitérios públicos da cidade, as 15 agências funerárias, as 118 salas de velórios e o crematório municipal da Vila Alpina, já se sabe desde a posse de João Doria, em 1º de janeiro de 2017. O negócio é milionário. A Prefeitura de São Paulo possui 350 mil jazigos públicos, realiza mais de 45 mil sepultamentos e 10 mil cremações por ano na cidade. Passar isso nos cobres, cobrando da população pelo que hoje é gratuito, além de uma taxa anual pelas sepulturas (tipo IPTU), é o que está na mira dos tucanos e dos investidores interessados. Para tornar o negócio mais atraente aos compradores, entretanto, a Prefeitura precisa lidar com um passivo desconcertante… Os milhares de mortos indigentes ou que não foram nunca localizados pelas famílias. Miséria post mortem existe também. Sem famílias, quem pagaria pelo descanso eterno desses corpos? A Prefeitura precisa se livrar desses pobres, expulsá-los da terra urbana escassa, a fim de que mortos pagantes tomem-lhes o lugar.

    Como?

    Em abril, a Prefeitura conseguiu que o Tribunal de Contas do Município levantasse o embargo à privatização dos cemitérios públicos. Então, iniciou-se imediatamente o processo visando ao despejo dos mortos inconvenientes. No último dia 13 de junho, a Prefeitura obteve autorização judicial para começar a destruir 1.600 ossadas sem identificação, provenientes de exumações realizadas entre os anos de 1941 e 2000 no Cemitério da Quarta Parada, o cemitério do Brás, fundado em 1893, sendo um dos mais antigos na cidade de São Paulo com mais de 122 anos.

    Ocupando área de 183 mil metros quadrados e “dormitório” de cerca de 400 mil pessoas, que ali estão sepultadas, o cemitério da Quarta Parada é uma espécie de “jóia da coroa” entre as necrópoles paulistanas, porque tem milhares de túmulos de famílias de classe média. Mas Doria e seu sucessor, Bruno Covas (PSDB), querem que entre mais gente endinheirada e por isso precisam despejar os pobres. É algo muito parecido com o que acontece quando se expulsam os pobres de uma região da cidade para em seu lugar instalar a classe média pagante. Chama-se de “gentrificação”. Agora, os pobres e miseráveis não terão nem um lugar para cair mortos. Literalmente.

    No total, a cidade de São Paulo tem mais de 50.000 corpos assim, que serão destruídos, descartados como lixo. Entre eles, estão pessoas oficialmente reclamadas como desaparecidas por suas famílias ou conhecidos, e que foram enterradas como indigentes, sem que seus familiares tenham sido avisados da localização do corpo.

    É gravíssimo.

    São famílias, amigos e conhecidos que sofrem diariamente a angústia de nunca mais saber de um ente querido desaparecido, que vivem um luto sem fim por absoluta incúria do poder público. O Ministério Público do Estado de São Paulo apurou que pessoas oficialmente reclamadas como desaparecidas, muitas vezes portando seus próprios documentos, são enterradas como indigentes, sem que os seus familiares sejam informados. É o que se chama de “redesaparecimento”.

    Também devem se encontrar entre esses corpos que a Prefeitura pretende destruir as ossadas de opositores da Ditadura Militar que vigorou no país entre 1964 e 1985. Já se localizaram as ossadas de presos políticos desaparecidos, que foram enterrados como indigentes no Cemitério de Perus e é razoável supor que haja mais porque centenas desses opositores seguem figurando nas estatísticas de “desaparecidos” políticos.

    Ativista dos Direitos Humanos e ex-presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, Adriano Diogo foi o descobridor da decisão tomada em 4 de junho de 2018 pela juíza Renata Pinto Lima Zanetta, autorizando a destruição das 1.600 ossadas do Cemitério da Quarta Parada. Segundo ele, trata-se de um grave erro, um atentado à memória, à Justiça e aos direitos fundamentais das famílias de desaparecidos, uma vez que nessas ossadas reside a possibilidade de um reencontro.

    “A destruição das ossadas, que serão cremadas, vai acontecer em todos os cemitérios. Começa na Quarta Parada, atingirá todos os cemitérios mais tradicionais, cercados pelos bairros mais ricos. Depois chegará à Vila Formosa, Guaianazes, Itaquera”, explica Adriano. “A morte e o luto não poderiam nunca ser transformados em objeto de lucro, entregues a empresas de papa-defuntos”.

    A promotora Eliana Faleiros Vendramini Carneiro, que atua no Plid (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos), do Ministério Público, calcula que só no ano de 2013, 23.194 pessoas foram dadas como desaparecidas no Estado de São Paulo. Muitas delas desaparecem por muitos anos ou para sempre, a exemplo das 7.501 crianças do Estado de São Paulo, que nunca foram localizadas.

    Boa parte dessas desaparições, entretanto, ocorrem por falha do serviço público. Dimas Ferreira Campos Júnior, então com 42 anos, desapareceu no dia 3 de junho de 2015. Ele saiu de casa, foi a uma lan house e sumiu. A família dele providenciou um boletim de ocorrência de desaparecimento. Mas Dimas havia morrido em decorrência de um infarto fulminante, que aconteceu no meio da rua, no próprio dia de seu desaparecimento. Sem identificação, o corpo foi periciado pelo Instituto Médico Legal que em quatro dias obteve sua identificação pelo exame das impressões digitais. Mesmo assim, o IML não procurou saber se havia familiares em busca do “desaparecido” e mandou enterrá-lo como indigente. Bastava ter cruzado os dados do boletim de ocorrência de desaparecimento com o boletim de ocorrência da morte. Mas isso não foi feito. Os pais de Dimas só foram avisados da localização do corpo mais de um mês depois, porque a equipe da doutora Eliana Vendramini fez o que a polícia e os órgãos públicos que cuidam da morte não fizeram.

    “Essas pessoas desapareceram, apareceram e o Estado redesapareceu com elas. Em absoluto desrespeito ao sofrimento das famílias e à memória do morto”, diz ela, que coleciona casos tristíssimos de longas e incansáveis buscas de familiares por seus entes queridos, como Dimas Ferreira Campos Júnior. As famílias querem o corpo. Porque querem saber o motivo da morte. Porque precisam viver o luto para reencontrar a vida”, diz a promotora Eliana.

    Há ainda a questão da Justiça. Contabilizam-se milhares de crimes sem solução (inclusive muitos da Ditadura) no Estado de São Paulo.

    “Para evitar a apuração de seus crimes, uma das medidas adotadas pelo regime militar foi desaparecer com os corpos de suas vítimas. Essa prática de desaparecimentos continuou durante a democracia, com a militarização da segurança pública, com a noção de inimigo interno, as execuções extrajudiciais. Por causa disso, é importantíssimo identificar os corpos em vez de tentar sumir com eles, destruindo-os, apagando provas de crimes e a possibilidade de Justiça”, diz o advogado Pádua Fernandes.

    Tem mais.

    Corpos identificados, enterrados como indigentes, recebem etiquetas escritas a caneta. E são empilhados em piscinas de corpos e ossos. Resultado: as etiquetas misturam-se, a tinta borra e então esses corpos se tornam de fato inidentificáveis por incúria do poder público. É o tal “redesaparecimento”, de que fala a doutora Eliana, promovido pela omissão do poder público.

    Adriano Diogo localizou nos cemitérios da Quarta Parada e da Vila Formosa duas dessas piscinas de ossos, “que são caixas de concreto cheias até a borda de sacos de ossos, a maioria sem identificação, socados, um em cima do outro, cheias de água, cheia de bichos, em total desrespeito.”

    “Eugenia, higienização dos cemitérios, é o que se fará agora, visando a liberar espaço para comercialização de novas sepulturas, novas tumbas, novas caixas. É a barbárie”, diz Adriano.

    A juíza que autorizou o descarte dos ossos de 1.600 pessoas registra essa aberração como se fosse um acidente natural: “O Serviço Funerário atestou a impossibilidade de identificar os ossos em correlação aos assentamentos de óbitos, em razão do tempo decorrido, da perda das inscrições nas etiquetas e, em alguns casos, das próprias etiqueta”. Ou seja, o poder público não cuida e a forma de resolver isso é “jogando fora”, fazendo desaparecer mais uma vez –agora para sempre.

     

    “Neoliberalismo implica negação dos Direitos Humanos. São imigrantes engaiolados como animais, favelados sendo fuzilados por helicópteros e os mortos sendo transformados em lixo descartável. Não sobrou mais nada!”, revolta-se o padre Julio Lancellotti, membro da Pastoral do Povo de Rua e pároco da Igreja São Miguel Arcanjo no bairro da Mooca. O padre tem vários parentes enterrados no cemitério ,da Quarta Parada, que fica a 1,8 km de sua paróquia.

    Em vez da dignidade de ossários bem organizados, o que se pretende é incinerar a história da vida e da morte dos pobres. Deletar-lhe a existência. “Isso é mais um sintoma da Aporofobia, doença social que implica ódio aos pobres”, diz o padre Julio. Deles, nem a memória restará.

    É um jeito de acabar com a pobreza, não resta dúvida.

  • De esperança em esperança!

    De esperança em esperança!

    Reunimos aqui alguns trechos de artigos que compõem o livro Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns: Pastor das periferias, dos pobres e da justiça.

    O Cardeal que salvou minha vida – Adriano Diogo

    Eu conheci D. Paulo quando estava preso no presídio do Hipódromo. Dom Paulo foi nos visitar dentro da cela, ele estava acompanhado de Hélio Bicudo, e nós entregamos a eles documentos sobre a tortura. Eu me lembro deles os esconderem por debaixo da roupa. Estávamos cercadíssimos, mas conseguimos passar as preciosas informações.

    Munido desses papéis, e de outros documentos que retirou no presídio Tiradentes, Dom Paulo fez uma denúncia a entidades internacionais e divulgou a tortura que era realizada no Brasil para o mundo inteiro.

    Isso foi em agosto de 1973. Eu não sabia, mas D. Paulo já havia salvado a minha vida.

    Um Cardeal amigo da inteligência e dos pobres – Leonardo Boff

    A sociedade brasileira lhe deve [a D. Paulo] uma contribuição inestimável com o livro “Brasil nunca mais”, relato de torturas a partir de fontes oficiais dos tribunais militares. Corroborou assim a desmantelar o regime e acelerar a volta à democracia.

    Uma bomba em casa – Ana Flora Anderson

    Ainda durante a ditadura militar Leonel Brizola pediu uma entrevista e foi atendido por Dom Paulo […] Enquanto eles conversavam uma das irmãs chamou Dom Paulo ao telefone. Era um militar que queria entrar na propriedade em vista de uma ameaça recebida sobre uma bomba. Dom Paulo respondeu que só tinha uma bomba na casa – Brizola!

    O Franciscano que antecedeu Francisco – Padre Ticão e Professor Waldir

    “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças.” [palavras proferidas pelo Papa Francisco]

    Paradoxalmente podemos dizer: “Dom Paulo entendeu e atendeu o chamado do bispo de Roma”. Dizemos paradoxalmente porque falamos de períodos opostos. Francisco inicia seu Pontificado 15 anos depois que Dom Paulo tornara-se Arcebispo Emérito. Como pode, então, ao que veio antes, atender o chamado do que veio depois?

    A Vizinha da Cúria Arquidiocesana – Ana Flora Anderson

    A Cúria, situada na Avenida Higienópolis, tinha como vizinha na época a Secretária Estadual de Segurança que se interessava muito pelas atividades da Igreja. Numa dessas reuniões, Maria Ângela BBorsoi, secretária de Dom Paulo, estranhou a presença de um senhor desconhecido, sentado perto da porta com um gravador. Ela disse a Dom Paulo que achava que era um espião do DOPS e que queria avisar frei Gorgulho e Ana Flora a tomarem cuidado na apresentação dos textos litúrgicos.

    Dom Paulo reagiu prontamente dizendo que Ana Flora e frei Gorgulho deviam falar tudo o que tinham no coração. Afinal, os agentes do DOPS tinham poucas chances para ouvir o Evangelho.

    Dois Gritos – Dom Pedro Casaldáliga

    Têm dois gritos da rebelião profética de D. Paulo que sintetizam toda a sua vida:

    “De Esperança em Esperança” e “Nunca mais”.

    Insubstituível – Henri Sobel

    Nesses tempos de incerteza, de crescimento da intolerância e do fundamentalismo em todas as religiões, eu me lamento pela falta que D. Paulo faz. Mas, por outro lado, aproveito para transformar esse lamento em uma nova injeção de ânimo. É preciso formar não um, mas dez, cem, mil Paulos Evaristos, homens comprometidos com o destino do seu rebanho e de todos os rebanhos do Deus que é um só.

    Dom Paulo e a construção da cidadania na periferia de São Paulo – Luíza Erundina de Sousa

    Em 1973, três anos após tornar-se Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo resolveu trocar a residência oficial das Arquidiocese, transferindo-a do Palácio Episcopal Pio XII, imponente imóvel no Bairro Paraíso, para uma casa simples no Sumaré.

    Com os cinco milhões de dólares resultantes da venda do imóvel, ele determinou a construção de 1.200 imóveis, na periferia da cidade, para sediar centros comunitários, onde a população passou a se reunir para discutir só problemas dos seus bairros e organizar a luta por creches, escolas, postos de saúde, moradia, asfalto, transporte, enfim, por direitos sociais e políticas públicas.

    Dom Paulo Evaristo Arns – Recordações – Frei Betto

    A história é implacável e jamais esquece. Ela cobra da igreja católica seu silêncio perante o genocídio indígena no Brasil (com honrosas exceções, como Anchieta e Vieira), a servidão escrava dos negros (sem exceções) e o holocausto dos judeus. Mas não há como deixar de ressaltar o papel de considerável parcela da Igreja ao regime militar.

    (…)

    Para alguns, a ditadura acabou, a democracia voltou, a luta terminou. Dom Paulo, “a luta continua”, pois seu ideal evangélico ainda não foi alcançado: o direito dos pobres e o fim da desigualdade social.

    O Franciscano que antecedeu Francisco – Padre Ticão e Professor Waldir

    A “irrestrita solidariedade” assumida por Dom Paulo, se manifesta abertamente tempos depois. Em 17 de março de 1973. O estudante de Geologia da USP, Alexandre Vannucchi Leme, com 22 anos de idade, é assassinado sob torturamos cárceres da ditadura.

    (…)

    Diante das declarações mentirosas apresentadas [de que Alexandre teria se suicidado], numa clara manifestação de total desrespeito a qualquer direito da pessoa, estudantes da USP decidem procurar o Arcebispo de São Paulo e pedir-lhe a celebração de uma missa em memória do colega assassinado. A missa é marcada para 30 de março de 1973.

    Diante de mais de cinco mil pessoas e mesmo sob pressão dos órgãos de repressão para que o ato não acontecesse, Dom Paulo realiza a celebração. A partir daquele evento, entidades civis que até então permaneciam caladas, começaram a se manifestar contra a ditadura. O ato realizado após a missa transformou-se na primeira grande manifestação pública de oposição ao regime.

    Até que enfim entenderam! – Ana Flora Anderson

    O pai de Frei Betto era Juiz Militar e o responsável pela prisão [de Frei Betto] o chamou para conversar. Mostrou-lhe a Bíblia de Frei Betto com muitos textos sublinhados. O pai entendeu que era assim que Betto mandava mensagens aos outros presos. Mas, o militar bateu a Bíblia na mesa e exclamou: Todo esse livro é subversivo!

    Dom Paulo escutou toda a história e respondeu: “Até que enfim eles entenderam!”

    Nota

    Os trechos acima foram extraídos do livro Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns: Pastor das periferias, dos pobres e da justiça. Organizadores: Professor Waldir Augusti e Padre Ticão. São Paulo, Casa da Terceira Idade Tereza Bugolim, 2015. 479 p.

  • Juliana, um sonho, uma utopia

    Juliana, um sonho, uma utopia

    Fui assistir às falas do Mujica e do Lula em São Bernardo no último sábado. Foram magníficas. E muito esclarecedoras. A determinada altura, Lula disse para o Mujica: “Você quer legalizar a maconha no Brasil, Pepe?”. A plateia foi abaixo, deu muita risada. E ele continuou: “Aqui o conservadorismo é tão grande que, para se votar a questão de gênero e diversidade nos planos municipais de educação, tem que conversar com todo mundo nas câmaras e, mesmo assim, não aprova.” A pleteia ficou em silencio, mas Lula parecia que estava na sala da casa dele, muito à vontade. “O pior é que temos de convencer os nossos, porque no ano que vem tem eleição e nem os nossos querem votar o plano. Só pensam na eleição. E você pensa que vamos legalizar o plantio…. A educação é a base de tudo. É lá que devemos investir.” A plateia ficou perplexa, num silencio arrebatador. E eu pensei que ele tinha razão mais uma vez.

    Nos últimos meses aconteceu uma briga feia na câmara municipal de São Paulo sobre as questões de gênero e diversidade e combate ao racismo no plano municipal de educação. A vereadora Juliana Cardoso, líder da bancada do PT, defendia um plano mais moderno, inclusivo, de combate ao racismo, ao machismo, de inclusão da discussão de gênero e diversidade sexual na pauta escolar. Tudo isso para diminuir o bullying, o preconceito e o ódio entre pessoas, algo que tem de começar na infância. Para a vereadora Juliana Cardoso, que tem dois filhos pequenos, a família é, sobretudo, amor. Com essas ideias, Juliana não segue apenas as diretrizes do Ministério da Educação e do governo federal. Ela segue o próprio coração.

    Do outro lado, uma ideia antiga, de que família seria constituída apenas pela mãe, o pai e os filhos. De que conversar sobre sexo, sexualidade ou orientação sexual na escola pode influir negativamente na vida das pessoas — isso, quando todos sabemos que é exatamente o contrário. Que conversar sobre a diversidade sexual e sobre o machismo diminui o preconceito e o sofrimento das pessoas.

    O vereador Ricardo Nunes, do PMDB, parece capitanear os que defendem essa ideia antiquada e tão preconceituosa na câmara. Ultra-religioso e maçom, ele tem o apoio, entre muitos outros, de Benjamin Ribeiro da Silva, um empresário da educação e líder no Sindicato da Escolas Particulares do Estado, que comanda a ONG Sobei. A Sobei cresceu muito nos últimos anos abrindo creches, escolas e centros para idosos e jovens em Interlagos. É uma instituição de caridade, mas vive basicamente dos convênios firmados com a prefeitura. Com ele, votaram todos os vereadores da bancada do PT — menos Juliana, a única mulher do partido na câmara.

    É tão interessante, para não dizer óbvio, pensar que é exatamente um homem quem vai liderar, e vencer, a briga contra uma vereadora que luta para que o respeito às mulheres seja ensinado na escola, como parte de um Plano Municipal inclusivo e tolerante. Enquanto escrevia, lembrei de uma música de minha juventude, “Domingo no parque”, de Gilberto Gil primeiro por causa da coincidência de nomes, a Juliana vereadora e a Juliana da música. Depois, fui lembrando da letra, da história e do ritmo crescente da canção.

    José trabalhava na feira e era o rei da brincadeira. João, capoeirista, trabalhava na construção e era o rei da confusão. Juliana foi ao parque de diversões com João. José viu os dois na roda gigante, tomando sorvete e se divertindo. Ficou com ciúmes e matou os dois, Juliana e João, com uma faca. É uma história terrível, a da música.

    A Juliana, cantada por Gilberto Gil, foi vítima de uma briga de ciúmes. João também morreu por causa do machismo. E José teve a vida destruída: na segunda-feira, não tem mais feira, não tem mais construção. José aprendeu com o machismo que um homem enciumado podia matar o amigo e a mulher que amava.

    Nesses últimos meses, a Juliana Cardoso brigou para que a escola pudesse ensinar os meninos, desde pequenos, a respeitarem as meninas, suas namoradas, amigas ou mulheres. A construir uma igualdade respeitosa entre os gêneros. A viver a experiência do respeito à individualidade e à sexualidade.

    O machismo, o silêncio, o preconceito e o ódio matam. Evitar esses assuntos é perpetuar uma lógica perversa que destrói famílias. Era disso que falava Lula para Pepe. E mais uma vez ele tinha razão.