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  • As injustiças do ENEM 2020. Conversamos ao vivo com a UNE e UNEAFRO sobre o tema

    As injustiças do ENEM 2020. Conversamos ao vivo com a UNE e UNEAFRO sobre o tema

    #Aovivo AS INJUSTIÇAS DO ENEM 2020.

    Com Iago Montalvão (UNE) e Wellington Lopes (UNEAFROBRASIL)

    Quem aí não tem como estudar para o Enem?

    Quem aí sequer tem plano de dados para estudar qualquer coisa durante a pandemia? Vamos entender o que dá para ser feito para que o ENEM seja adiado

    Assista:

  • “As humanidades são apresentadas como a parcela mais dispensável” entrevista com Luis Felipe Miguel

    “As humanidades são apresentadas como a parcela mais dispensável” entrevista com Luis Felipe Miguel

    Mesmo em meio a pandemia do coronavírus (COVID19) o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mantém seus ataques contra a educação e pesquisa no Brasil. Desde que assumiu, em 2019, Bolsonaro não apresentou nenhum plano para a educação, além de sua destruição. Nas últimas semanas, seguiu com seu plano em dois ataques claros às ciências humanas: dificultou o acesso para bolsas de Iniciação Científica (IC) e vetou projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador. Para entender melhor o cenário de ataques à ciência e as humanidades, em especial, conversamos com o professor Luis Felipe Miguel.

    O MEC (Ministério da Educação) já teve dois ministros que, ao lado de Bolsonaro, já identificaram as humanidades como problemas ou inúteis em diversas falas. Mas, além da pasta da educação, o ataque agora vem por meio do órgão federal responsável por financiar as pesquisas no país, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). No dia 23 de abril o CNPq divulgou que irá selecionar áreas “prioritárias do MCTIC” nas quais são listados eixos: Tecnologias Estratégicas, Tecnologias Habilitadoras, Tecnologias de Produção, Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável e Tecnologias para Qualidade de Vida, para bolsas de Iniciação Científica (IC), nas graduações. A divulgação menciona as “humanidades e ciências sociais” que “contribuam, em algum grau, para o desenvolvimento das Áreas de Tecnologias Prioritárias do MCTIC”.

    Os reitores das três maiores universidades do país – USP, Unicamp e Unesp – soltaram nota conjunta sobre a divulgação, na qual se dizem preocupados com a possibilidade de que, ao estipular essas prioridades, o “CNPq exclui do programa de bolsas uma parcela significativa e importante da pesquisa nacional, a saber, todas as pesquisas, básicas ou aplicadas, que não tenham por foco as áreas elencadas na portaria, o que inclui também a absoluta maioria das pesquisas em artes e humanidades”, e ressaltam que, com a medida, “o CNPq contribuirá para uma drástica redução dos projetos de pós-graduação nessas áreas e, a longo prazo, da própria pesquisa”.

    Para o professor isso se dá por conta

    do modelo econômico do bolsonarismo. Esse modelo quer a projeção de um país absolutamente dependente e exportador de commodities. Um país, que na visão deles, não precisa produzir ciência, já que nosso posição no mercado internacional é a de consumir tecnologia, assim investir em ciência é um desperdício. Uma visão de país colonizada

    Em seguida, no dia 27 de abril, Bolsonaro vetou integralmente o Projeto de Lei (PL) 368/2009 que regulamenta a profissão de historiador. O projeto, proposto em 2009, pelo senador Paulo Paim (PT-RS) só precisava ser sancionado pelo presidente para regularizar a profissão dos historiadores. Agora cabe ao congresso conjuntamente decidir se o veto será derrubado ou não. Estava estipulado no projeto que as atribuições da profissão seriam: magistério da disciplina de História nos estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior; planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica; elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos e que seria necessário diplomação de instituições reconhecidas pelo MEC.

    Miguel entende que o

    veto diz que o governo não julga esse conhecimento e formação sejam relevantes. A não regulamentação também abre espaço para redução dos custos na educação. Isso vem desde a reforma do Temer, onde se reduz a exigência de especialização nas áreas, e abre a brecha para suprir as necessidades das escolas com profissionais menos capacitados e mais baratos

    O veto se deu pela interpretação, do planalto, de que a regulamentação ofenderia “o direito fundamental previsto no art. 5º, XIII da Constituição da República, por restringir o livre exercício profissional” e configura censura, segundo teriam se manifestado o Advogado da União e o Ministério da Economia. A Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH) disse em nota que o veto “não nos surpreende” uma vez que “lidamos com frases e ações diárias de um governo que fere os princípios mais básicos do direito à vida, à informação e à cultura. Além disso, seu principal projeto é o aparelhamento de estruturas autônomas de uma sociedade democrática. A ciência, a história, a justiça, o parlamento só têm valor para este governo se servem aos seus interesses particulares e muitas vezes obscuros”.

    Para apontar mais significados e consequências dessas ações o professor Luis Felipe Miguel, que é titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê) discutiu com os Jornalistas Livres.

    Veja a entrevista completa abaixo:

    Jornalistas Livres – Miguel, esse ataques recentes de Bolsonaro contra as ciências humanas se colocam em um cenário maior, no qual o presidente é um negacionista de qualquer ciência, mas em especial das humanidades. Ele já atacou verbas e institutos de pesquisa, como você entende essas ações?

    Luis Felipe Miguel – Temos um governo, no Brasil, que tem uma grande dificuldade de aceitar a ciência. Um governo que mantém sob constante ataque até mesmo as ciências duras, que têm mais prestígio social. Vemos isso com muita clareza durante a pandemia, esse desprezo pelas recomendações dos cientistas e epidemiologistas ou profissionais de saúde. Mas já vimos isto em diversos momentos, como foi o caso do monitoramento da devastação ambiental com o INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais]. Para esse governo, qualquer verdade inconveniente tende a ser rechaçada como furto de algum interesse político adversário. Como a ciência frequentemente apresenta verdades inconvenientes, ela se torna alvo. Além de ser um governo que se apoia, como tem acontecido na extrema-direita mundial, em teorias bizarras da conspiração, terraplanismo, negacionismo da teoria da evolução.

    JL – O negacionismo científico é um dos pilares dessa nova direita mundial?

    LF – Exatamente. E não é por acaso. O conhecimento científico sempre se afirma contestando o senso comum. E o que essa extrema direita quer é que os preconceitos arraigados no senso comum, se tornem cada vez mais reforçados, por isso eles [extrema-direita] tem uma ojeriza ao conhecimento científico.

    JL – E como isso funciona no Brasil?

    No caso do Brasil o ataque às ciências, qualquer que seja a disciplina, vem do modelo econômico do bolsonarismo. Esse modelo quer a projeção de um país absolutamente dependente e exportador de commodities. Um país, que na visão deles, não precisa produzir ciência, já que nosso posição no mercado internacional é a de consumir tecnologia, assim investir em ciência é um desperdício. Uma visão de país colonizada. Mas existe uma diferença com as ciências humanas. Nós das ciências humanas temos sempre uma dificuldade para justificar socialmente a nossa existência, uma vez que os frutos do nosso trabalho tendem a ser menos autoevidentes. Isso vale para nós e também para a área de pesquisa básica das ciências naturais, ou seja, aquelas que não são voltadas para a obtenção de um benefício imediato. A matemática, a física teórica, a astronomia, por exemplo. Estas que podem entregar um instrumental para prover avanços tecnológicos, mas são, em sua maior parte, motivadas pelo desejo de conhecer.

    O caso das humanidades é agravado pelo fato do nosso papel, enquanto conhecimento científico produzido, ser o de desnaturalizar a vida social. Dizer que a sociedade é fruto de processos históricos e as instituições que vemos como naturais, não são necessariamente naturais, que as relações não se dão naturalmente. Ou seja, é um conhecimento que desestabiliza essa reprodução automática do mundo social. E, quando bem utilizado, é uma ferramenta na mão de grupos que buscam a emancipação social. Isso incomoda. Por exemplo, onde estão concentrados muitos dos ataques nas Humanidades? Nas questões sobre gênero. Porque os conhecimentos produzidos nas ciências humanas sobre questão de gênero, servem para desnaturalizar hierarquias, para colocar em xeque relações que se mostram opressivas. É claro que um projeto político que tem como ponto central a reprodução dessas opressões vai ter problemas com as humanidades.

    JL – Sobre os cortes nas bolsas de pesquisas, essa última comunicação do CNPq, como ela afeta as humanidades?

    LF – Existe uma política do governo, de redução geral no financiamento das pesquisas, isso também vem desde o governo Temer. Tem relação com a visão de que a pesquisa é desnecessária para um país nas condições do Brasil. O investimento em pesquisa científica, normalmente, está vinculado a uma noção de soberania nacional. A crise do coronavírus mostra isso. Ficamos em uma situação muito vulnerável se não temos nossa própria pesquisa, nossos próprios cientistas, nossos próprios laboratórios para produzir nossas respostas. Ficamos reféns de outros países que vão nos colocar em segundo plano, porque a prioridade vai ser defender a si próprio primeiro. A gente tinha investimento, sobretudo centralizado pela fundação Oswaldo Cruz, que apontava para uma autossuficiência brasileira para a produção de medicamentos, mas foi tudo desfeito. A intervenção contra a Oswaldo cruz já foi forte no governo Temer e no Rio [de Janeiro] temos o Witzel [governador do estado] propondo privatizar Universidades. O Bolsonaro é só a vocalização mais radical de um projeto, que parece atravessar o campo direito todo. Então, o subfinanciamento das pesquisas é geral, mas as humanidades são apresentadas como a parcela mais dispensável e, de forma aberta nesse governo, como desperdício de recursos.

    No mundo todo a pesquisa é profundamente dependente do financiamento estatal e as humanidades mais ainda. Sem esse investimento vamos ter um refluxo muito grande, daquilo que já conseguimos construir em termos de sistema de ciência no Brasil, e nas ciências humanas em particular. estão cortando bolsas de mestrado e doutorado que são fundamentais para que as pessoas se dediquem pelas pesquisas na pós-graduação, onde se tem a formação dos pesquisadores. As bolsas têm valor bem reduzido, que bate por volta de um salário mínimo e meio, no mestrado. Mas são fundamentais para que possam se dedicar. Para alguns é impossível trabalhar e realizar o mestrado, e o corte atrapalha a vida de alguns e impede o seguimento do curso de outros. Muitos desse pós graduandos das bolsas, muitas vezes devolvem dando aulas. Teremos uma retração nas pós. E agora cortaram todas as bolsas de iniciação científica para a áreas de humanas e pesquisa básica. A bolsa de IC é fundamental porque pega o estudante, na graduação, que mostra algum interesse ou potencial para a pesquisa e ele, então, verifica se esse interesse é sólido. em essa entrada, uma boa parte do talento para a pesquisa no Brasil vão ser desperdiçados, sem poder se familiarizar e testar o seu interesse pelo trabalho científico. O que temos é um impacto imediato, uma vez que essas bolsas são fundamentais para o andamento das pesquisas. As iCs tendem a ser a principal fonte de remuneração para assistentes de pesquisa. Mas o impacto maior vai ser no futuro, já que vamos perder uma geração com o corte das ICs. Lembrando que uma bolsa de IC é de cerca de quatrocentos reais, com um dia do socorro do [ministro da economia, Paulo] Guedes aos bancos no começo da crise teríamos dez ano de ICs, chutando.

    JL – Sobre o veto presidencial à regularização da profissão de historiador, entra no conjunto dos ataques. Qual é a importância dessa regularização?

    LF – A regulamentação significa o reconhecimento, a validação pelo Estado, do conjunto que a formação universitária dá às pessoas. Ela não implica em uma censura, só significa o reconhecimento da capacidade de desempenhar uma atividade profissional para quem teve a formação naquela especialidade. Muitas vezes o que acontece é um desprezo pelos nossos conhecimentos específicos. Todo mundo fala sobre política e tem direito sobre falar sobre política, não quero negar esse direito para ninguém. No entanto, quem tem uma formação em ciência política vai ter um conjunto de ferramentas para aprofundar sua investigação sobre fenômenos políticos que pessoas sem essa formação não tem. Com os historiadores é a mesma coisa. Todos podemos contar as histórias, como as da nossa família, mas o historiador profissional é aquele que foi capacitado com um conjunto de ferramentas para fazer a investigação histórica em um patamar diferente de um simples leigo. Cabe ao estado brasileiro reconhecer isso, uma vez que esse leigo vai poder publicar seus livros ou o que quiser, mas quando quisermos a contratação de um historiadores, para formar outras pessoas ou que vai produzir um trabalho especializado, vamos reconhecer que existe uma diferença entre quem teve uma formação específica e quem não teve. É a validação dos conhecimento específicos que uma ciência humana, no caso a história, fornece a quem a cura. O veto diz que o governo não julga esse conhecimento e formação sejam relevantes. A não regulamentação também abre espaço para redução dos custos na educação. Isso vem desde a reforma do Temer, onde se reduz a exigência de especialização nas áreas, e abre a brecha para suprir as necessidades das escolas com profissionais menos capacitados e mais baratos.

    JL – Sobre a possibilidade de mensurar a capacidade de efeitos das ciências sociais, isso se deve a falta de comunicadores das ciências humanas?

    LF – Acho que falta. É uma série de questões envolvidas. Embora as universidades sejam, evidentemente, uma instituição central para produção de pensamento crítico e da pesquisa, mas temos uma série de incentivos para o isolamento da universidade. A gente têm incentivo para que as pesquisas fiquem entre pares, que se use um vocabular excludente. Os esforços para a divulgação e diálogo com a sociedade não são valorizados. Temos uma dificuldade de mostrar o que fazemos. Toda a arquitetura do mundo social é permeada pelos conhecimentos produzidos pelas ciências sociais. Em sociedades tão complexas, como são as sociedades contemporâneas, a nossa vida, sem os aportes que as humanidades fornecem, seria muito difícil. Em momentos de crise, como este que estamos vivendo, as respostas estão fundadas nos conhecimentos das ciências médicas, mas a gestão social da crise depende do aporte das humanidades.

    JL – Qual o papel das grande empresas de comunicação na divulgação de pesquisas e ciências, em geral, e sobre humanidades?

    LF – Os meios de comunicação de massa, no Brasil, são desinteressados dessa pauta de maneira geral e em relação às ciências humanas, de maneira particular. É curioso, uma vez que frequentemente especialistas são chamados para, simplesmente dar uma posição de autoridade sobre determinadas questões, mas não existe atenção para o que está se fazendo como pesquisa, produção de conhecimento, sobre o mundo social. É um jornalismo mais factual, ao meu ver, baseado no dia a dia mais imediato e celebridades de opinião. Então pautas que fujam disso tendem a ficar em segundo plano. Não sabemos até que ponto as coisas permanecem depois que a crise passa, mas acho que nesse momento, com essa irracionalidade galopante no combate ao coronavírus, percebo em vários setores, como na impressa, que acendemos um sinal de alerta quanto a essa absoluta incapacidade de uma grande parcela da população de lavar em conta o conhecimento científico.

    JL – Você citou o caso do diretor do INPE, que foi colocado pelo presidente como um adversário depois que divulgou dos dados do desmatamento e colocou seu, então, diretor como autoridade, sendo chamado para um papel de destaque. Esse episódio pode ser repetido ou melhorado depois do coronavírus?

    LF – Da parte do governo a gente vê a manutenção desse mesmo tipo de procedimento. Não se criou uma resposta social suficientemente forte para inibir esse tipo de ação interessada de agentes da extrema-direita. Hoje, o debate sobre a cloroquina serve de exemplo. Existe uma politização do debate científico, mas uma politização no sentido mais rasteiro, em que você fica contra ou a favor, torce para um lado ou para outro. O que, na estratégia discursiva da direita foi muito inteligente, porque parece que a esquerda está torcendo contra a cura. E na verdade, o que se tem é que, todos os setores que mantém a racionalidade, não estão torcendo contra a cura, mas afirmando que qualquer cura tem que ser comprovada cientificamente e não só basta a vontade de ter uma cura. E isso se torna um debate de uma irracionalidade absurda, com os atores da extrema-direita com uma relação quase que mística com a cloroquina. Isso também é um problema, que aponta para as dificuldade que as escolas têm para universalizar um determinado patamar mínimo de conhecimentos. Como o analfabetismo científico, na grande maioria das pessoas, que não conhecem o método científico. Não entendem como esse método tem que ser aplicado. Não são capazes de entender um gráfico ou estatística simples, para entender o que significa a pandemia. É o tipo de conhecimento, que para uma pessoa se situar no mundo moderno, ela precisa dominar. A gente precisa ver, todo dia no Brasil, como isso falta para uma parcela gigantesca da população.

    JL – Sobre educação. Muitas das formações de Humanidades, nas universidades brasileiras, são voltadas para o magistério, para preparar o professor. Existe uma correlação, entre esse papel das humanidades da formação dos professores, com descrédito das ciências humanas, uma vez que os professores viraram inimigos do governo?

    LF – Sim. Tivemos, ao longo dos anos, o aumento do pseudomovimento, de caráter obscurantista, que é o Escola Sem Partido (ESP) que prega a destruição de tudo que, na instituição escolar, pode servir para fornecer instrumentos para uma apreciação crítica do mundo. Isso já vinha da reforma do período Temer e se agrava no governo Bolsonaro. Com esse palhaço no MEC [o ministro Abraham Weintraub], mas isso é a doutrina do ESP, que é a ideia de que o papel da escola é: prover as pessoas de habilidades básicas, para que sejam empregadas. Não existe o interesse para oferecer instrumentos para o pensamento crítico. Corta-se as disciplinas ligadas a esse pensamento, todas as Humanidades. Corta-se a Sociologia, História, Filosofia e Literatura. Mas mesmo as outras ciências são deixadas em segundo plano. Só é importante que a pessoa faça as quatro operações e saiba ler e escrever, para ser mão de obra pouco qualificada. Afinal, o projeto de país deles é um país atrasado, exportador de matéria prima e essas são as vagas de trabalho que vão surgir. A gente viu isso em conjunto com a ideia de que a escola corrompia as crianças, por aumentar a capacidade delas de pensar autonomamente. Isso leva a uma situação de muita tensão nas instituições de ensino. Vamos ver se, com as escolas fechadas e as crianças em casa, os pais valorizam um pouco mais a existência da escola. Mas consolidou-se, em uma grande parcela da população, a ideia de que os pais têm autoridade absoluta sobre os filhos e que a escola não pode apresentar nenhum conteúdo que os pais não aprovarem. Porém, é importante ressaltar isso, uma das funções das escolas é contribuir para emancipar os filhos de seus pais. Fazer com que esse indivíduo, essa criança, entenda que ele vive em um mundo maior que sua própria família, no qual vai ter que conviver com diferenças, outras crenças e visões de mundo e aprender a respeitar. Assim, a função da escola, é fazer com que as crianças possam, elas próprias, escolher seus próprios caminhos.

    JL – Como as universidades e as humanidades poderiam mudar esse cenário?

    LF – Não tenho um resposta. Tenho uma percepção. Estamos sob ataque faz muito tempo e muitas vezes a tendência tem sido reagir fingindo que mantemos uma certa normalidade e julgando que esse teatro da manutenção da normalidade vai trazer, de alguma maneira esse normalidade de volta. Você faz apelos aos ministro da educação para que ele reconheça a importância das humanidades ou trata vários ataques como sendo fruto de falta de informação. e não é nada disso e temos que parar. Estamos diante de um governo que quer destruir a universidade. Não quer simplesmente controlar ou subfinanciar. É um governo que tem ódio do conhecimento. Temos que entender que a batalha, sem querer ser dramático, de vida ou morte. Não vão ser apelos ao bom senso que vão resolver a questão. Precisamos, nesse momento, fortalecer o apoio disseminado na sociedade para aquilo que fazemos e sensibilizar atores importantes fora do governo para se juntarem a nós na defesa do patrimônio que é a ciência e a universidade no Brasil.

  • O MINISTÉRIO ANTI-EDUCAÇÃO DE BOLSONARO

    O MINISTÉRIO ANTI-EDUCAÇÃO DE BOLSONARO

    Com cinco meses de governo, dois ministros na conta do Ministério da Educação (MEC), e um número muito maior de polêmicas e ataques contra a própria pasta, Bolsonaro é, sem dúvida, o presidente brasileiro recordista quando o tema é absurdos. O ministro, por enquanto, é Abraham Wentraub, que substituiu o colombiano, sem talento para a pasta, Ricardo Vélez Rodríguez.

    As investidas contra o Brasil continuam sem precedentes. Em pouco mais de cinco meses os dois ministros já somam cortes desde o ensino básico até no campo da pesquisa de doutores. Com tantas mazelas, está claro que o “critério” para sentar-se na cadeira mais alta do Ministério da Educação é ter ódio contra a ciência, escolas, professores e alunos.

    Bolsonaro tem um verdadeiro time de pessoas bizarras, desajeitadas travestidas com a capa de anti-ministros. No Ministério das Mulheres e dos Direitos Humanos, o país tem Damares Alves, no Itamaraty: Ernesto Araújo, no Meio Ambiente, uma posse grilada de Ricardo Salles, na Justiça, Moro, e na Economia, Guedes. Todos dispensam apresentações. Todos já são figuras muito bem conhecidas dos ricos e decadentes noticiários dos veículos de comunicação que não conseguem de nenhuma forma, esconder as atrapalhadas e absurdos permeados pela inabilidade de cada um desses verdadeiros personagens de uma novela de quinta categoria. Não é possível sequer adjetivar a turma que Bolsonaro colocou nesses ministérios. É de dar vergonha. Mas o capitão, claro, nos extremos de sua estupidez mórbida, tem apoiado seus escolhidos.

    O atual dono da cadeira da educação, Wentraub foi mais longe e caracterizou todos os universitários como praticantes de balburdia.

    Isso tudo, depois de meses com Vélez achincalhando a pasta e comprometendo a possibilidade de se realizar o Enem. O Colombiano não tinha ideia se o Exame Nacional do Ensino Médio custaria aos cofres 500 mil reais ou, de repente, 500 milhões. Wentraub permanece na mesma, também não sabe ou no mínimo, não sabe ainda informar. Deve ser porque acabou de chegar.

    Enquanto isso a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) cortou, pelo menos, três mil bolsas de pesquisa. A promessa de Wentraub para Universidades Federias e Institutos Federais é de um contingenciamento de bilhões nas despesas discricionárias (gastos com luz, água e limpeza).

    Mas os estudantes, pesquisadores e professores passaram as últimas semanas em movimento e marcaram para esta quarta, 15 de maio, um dia nacional de paralização, confirmado na maior parte das universidades federias e estaduais, além de Institutos Federais e diversas Escolas públicas. Algumas faculdades privadas, como a PUC-SP, e colégios privados também aderiram.

    Para compreender um pouco melhor o que se passa no Ministério da Educação e Cultura conversamos com Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, doutorando na Faculdade de Educação da USP e ex-candidato ao senado em São Paulo, pelo PSOL.

     

    Jornalistas Livres: Dois ministros já passaram pela pasta. O Vélez foi um descalabro. A coisa começou como se não houvesse projeto, agora parece que existe um projeto. Um projeto de oposição contra tudo que foi construído nos últimos anos. Como você definiria essa nova etapa do MEC, com o ministro Abraham Weintraub?

    Daniel Cara: Em primeiro lugar, é importante ressaltar, toda a questão começa a partir do processo de impeachment [da presidenta Dilma Rousself], momento em que emergiram ao poder, uma vez que elas já existiam, uma aliança ultraliberal e ultrarreacionária. Temer foi um presidente ultraliberal em aliança com os ultrareacionários. Na eleição, como o ultraliberalismo é muito ruim de voto e não possui a capacidade de conquistar setores majoritários da população, pois a população sabe da necessidade de serviços públicos e não quer a redução do Estado, o Bolsonaro foi representante de uma aliança remodelada: ultrareacionários com a condução do governo, ancorados nos ultraliberais. Uma vez que os ultrareacionários não têm agenda pública nasce uma agenda pública do governo Bolsonaro a partir do Paulo Guedes, o “superministro”, com uma agenda ultraliberal. Moro é o responsável pelo ultraliberalismo jurídico, que domina o liberalismo econômico do Paulo Guedes. Mas Moro não tem tido capacidade de implementar uma agenda: o pacote anticrime, que é a grande iniciativa dele, não anda. No caso da educação, Vélez Rodriguez [primeiro ministro da Educação, do governo Bolsorano] era de fato um ultraconservador e não chegava a ser um ultrareacionário – é importante distinguir. Acaba acontecendo o rompimento dele com Olavo de Carvalho, uma vez que Vélez era, essencialmente, apoiado pelos militares… até porque ele é professor emérito da Escola Superior de Guerra e, por ser ultraconservador, como se já fosse pouco, é uma pessoa alheia à área. Ele acabou caindo e entra Abraham Wentraub, que é de fato uma pessoa ultrareacionária.  Vélez paralisou a máquina do Ministério da Educação por incompetência. Ele não teve a capacidade de manejar o olavismo, que tinha grandes expectativas e, mais do que isso, não consegue agradar os militares. Ele perdeu os dois esteios de poder. O fato é que o Ministério da Educação representou o primeiro revés dos militares no governo. Quando cai Vélez e entra Abraham ele retira os militares do MEC, que passa a ser agora a imagem mais seca do governo Bolsonaro. Com o Vélez o MEC era exclusivamente ultraconservador e agora, com Abraham Weintraub, é dominado pelo ultrareacionarismo.

    JL: Quais as diferenças entre os polos ideológicos do governo Bolsonaro?

    DC: Ultrareacionarismo e ultraliberalismo são duas estratégias de freio, de contenção, da democratização da sociedade brasileira que começa, efetivamente, nas lutas pela superação da ditadura, na Diretas Já, e se materializa na Constituição de 88. Os ultrarreacionários buscam constituir um freio para a agenda dos direitos civis e dos direitos políticos. A meta do movimento ultrarreacionário é limitar os direitos civis e os direitos políticos. O que é a limitação dos direitos civis, por exemplo: toda a pauta regressiva contra população LGBT, contra as mulheres, contra os negros, contra os trabalhadores. É restringir aqueles que ainda lutam pela sua inclusão real na sociedade brasileira, uma vez que ela não veio ela não existe. A sociedade continua sendo machista, homofóbica, sexista. Toda a agenda de segurança pública nega, essencialmente, o fato de que o Brasil é um país que pratica genocídio contra a população jovem, negra e masculina. Também agridem direitos políticos: como a liberdade de associação, agride as reivindicações associativas, agride ações coletivas do MTST, por exemplo. Ou seja, é uma tentativa de retornar a um passado anterior da Constituição de 88. É o freio e uma introdução de uma política de retrocesso. O governo é ultrarreacionário e tem voto, porque setores da sociedade brasileira que se ressentem com a expansão dos direitos civis e políticos pós Constituição de 88. O problema do governo é que ele não tem pauta econômica, o ultrarreacionaríssimo não tem pauta econômica, ele se circunscreve na tentativa de limitar os direitos civis e direitos políticos, que não é só uma questão moral. Porque muitas vezes as pessoas falavam que é agenda moral e aí o partido Novo, por exemplo, percebendo essa dificuldade pode ser extremamente liberal e conseguir atingir o eleitorado dizendo ‘somos liberais na economia e conservador nos costumes’, isso não é costume! É direito, é direito civil, direito político! E a ideia de direitos agride o ultrareacionarismo. O direito sempre tem a função de expansão da sociedade. A afirmação do direito significa, essencialmente, atribuição cidadania. E quanto mais expandida é a cidadania no Brasil, mais o tensionamento nos espaços de elite. O que acontece no Brasil hoje? Hoje os homens brancos, heterossexuais, de classe média morrem de medo de qualquer transformação para ele não perder o seu lugar de privilégio. É inegável que a forma machista da sociedade brasileira privilegia o homem branco heterossexual. O machismo privilegia todos os homens brancos, héteros sexuais. Isso é um fato. Você é beneficiado. A questão é se você tem a decência ética de considerar isso justo ou não e luta contra esses privilégios. Isso que diferencia os lados do jogo. Os ultrareacionários são contra isso. Esse é o elemento estrutural desse polo, já os ultraliberais querem a redução do Estado, mas a redução do Estado é totalmente antipática para a sociedade brasileira. Porque as pessoas sabem que é preciso ter escola pública, universidade pública… até porque, sem salário, sem emprego, ela sequer tem condição de pagar por esse serviço. Então esse é o nó do bolsonarismo: como ele não tem pauta econômica ele acaba pegando emprestada a pauta econômica dos seus aliados liberais. Mas ele tem aí um limite, uma vez que se ele absorver toda a agenda liberal, ele não vai conseguir vencer eleições.

    JL: Esse apelo que foi usado na eleição, é uma das formas que Bolsonaro encontrou para se sustentar e acaba usando uma espécie de “cruzada contra o esquerdismo”, que se configura no que você está analisando. Esse ataque ideológico pode ser entendido como uma agenda principal do governo?

    DC: O que acontece no Brasil, é que a luta contra os direitos civis e direitos políticos tem apelo eleitoral. Porque a sociedade brasileira é tradicionalmente conservadora. Você vai ver uma série de mulheres ou mesmo uma série de pessoas inclusive do movimento negro defendendo as falas do bolsonarismo. Os ultraliberais atacam os direitos sociais. Nisso entra a reforma da Previdência, o financiamento da educação pública, expansão de uma ação redistributivas do Estado. Ação distributiva vinha andando lentamente com Fernando Henrique Cardoso, quase como um consentimento autorizado das elites. Já no governo Lula começa o processo mais acelerado de distribuição a partir do bolsa família, mas essencialmente, pelo elemento estruturante que é a política de valorização do salário mínimo. O que foi estrutural, pensando em médio e longo prazo, é a política de expansão da universidade. E, se conseguirmos manter a política de democratização da universidade, a sociedade brasileira vai ser outra em vinte ou trinta anos. Por conta da própria dinâmica e extensão da Constituição de 88, de caracterizar o que é a comunidade política, o que é sufrágio universal do voto, o sufrágio dos analfabetos… a preocupação em colocar a educação como o primeiro direito social, listado no artigo sexto da Constituição, reconhecimento de diversos direitos sociais. É uma constituição que não reconhece como deveria, mas segue as teses do Anísio Teixeira, do Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e do Paulo Freire em termos da composição constitucional. É uma constituição que, no capítulo da educação, é especialmente dedicada a democratização da sociedade. A escola pública é tratada, na Constituição Federal… aí nesse caso tenho uma crítica a construção, que não é feita de forma direta como deveria ser tratada, mas de uma forma consistente ainda assim… como uma instituição tanto da República como a Democracia. É uma constituição democratizante, com efeito democratizador. E a sociedade brasileira vinha se democratizando efetivamente. Conseguimos a aprovação da Lei das cotas, caminhávamos para a democratização do ensino superior, conseguimos o Plano Nacional de Educação, o sistema atual do Fundeb, incluindo as creches. Teve uma expansão, e eu acho que essa foi a grande medida do governo Lula, das universidades públicas federais, não o ProUni ou o Fies. O ProUni e o Fies são pautas relevantes pelo sentido de urgência. Mas o fato é que o ReUni, que na minha opinião, foi a grande medida na história de vida do Haddad e ele dá pouco valor. O ProUni e o Fies têm mais apelo eleitoral, mas não apelo estratégico. Mas a expansão das Federais e dos Institutos Federais foi a grande questão estratégica da democratização da sociedade brasileira, por meio da educação. Faltou, em todo o período democrático, isso incluindo Lula e Dilma, a capacidade de apresentar um projeto de educação que ficasse além da expansão de ensino. Mesmo sendo essa expansão um processo revolucionário, em termo de democratização. Mas só expansão do ensino, sem o projeto educacional, resulta efetivamente numa capacidade democratizadora, limitada, com mais dificuldade de articulação, que tem encontrado dificuldade para implementar uma agenda democratizadora da sociedade. Com isso não é possível garantir o preceito liberal de igualdade de condições na realização da vida.

    JL: E como ficam esses ataques do Bolsonarismo e do Olavismo que identificam a universidade como um espaço de esquerda. O que é isso?

    DC: Isso é uma besteira enorme. Eu sou doutorando na USP, sou do conselho da Unifesp e já estou com mais de vinte e quatro anos de escolarização. Posso te dizer com toda clareza que a universidade está distante de ser um espaço da esquerda. O que acontece é que – e esse é um elemento que gera muito ressentimento do bolsonarismo e de todos os movimentos ultrareacionários – os intelectuais de esquerda por uma contingência da luta social, como eles remendam contra a corrente, eles têm que ter uma melhor formação. Eu me ressinto de não ter, na área de educação, por exemplo, pessoas de direita que tenham uma boa formação e que tragam boas ideias para o debate. O fato do Olavo de Carvalho ser o maior expoente deles, porque teve mais leitura – até estou fazendo um reconhecimento ao fato de que o Olavo de Carvalho é uma pessoa que lê mais, muito mais. Ele é uma exceção, dentro do campo ultrarreacionário. Mas é sempre bom lembrar: a esquerda e centro-esquerda procuram ou humanizar o sistema capitalista ou elas procuram superar o sistema capitalista. Só que o sistema capitalista é a estrutura Econômica, ele é muito maior. Então você tem que ter melhor formação para poder responder a este desafio programático: de como superar ou humanizar algo que é que se impõe e que é um sistema reprodutor de desigualdades. E é um sistema que tem muita legitimação social porque conta com enormes canais de propaganda.

    JL: Os últimos ataques e cortes, anunciados nas últimas semanas, contra a educação pública, desde o fundamental até programas de pós-doutorado, anunciado pelo ministro da Educação, a criação da CPI das três estaduais (USP, Unicamp e Unesp) na Assembleia Legislativa de SP e o ataque do Bolsonaro nominando as Ciências Humanas, Filosofia e Sociologia em especial, parecem ter sido a manifestação prática desse discurso de demonização das Humanidades e, agora, de toda a ciência. Como isso se articula no governo Bolsonaro e aliados, como, por exemplo, Doria?

    DC: Os ultraliberais querem reduzir o custo da educação pública. E parte do curso de educação pública, que não é a maior: a cada um real investido em educação no Brasil, pelos esforços da União, dos Estados e dos Municípios 82 centavos vão para Educação Básica e 18 ensino superior. O hoje, inclusive, o governo federal tranfere muita mais do que trabsferia no passado, graças ao Fundeb atual. Fundeb que foi fruto de luta da sociedade civil, não era pauta nem do governo Lula fazer essa transferência toda. Isso é pra dessacralizar o governo Lula, no que trata da educação, mas naquele momento existia uma interlocução positiva em favor da área. Mas tinha luta e disputa. Várias vezes ganhamos do ministério da educação ou da fazenda. Mas havia espaço para uma interação positiva. O governo [Lula] não era contra a pauta da educação como é esse governo e como foi o anterior [Temer]. Ele era favorável, mas tinha outros constrangimentos econômicos, com outras áreas… ele não podia só beneficiar a educação…, mas a gente fazia a luta. Mas voltado aos cortes. A educação não é uma agenda positiva para o Bolsonaro, em si. O direito à educação não é uma agenda positiva para esse governo. O que ele aproveita da educação, o que traz ganhos para ele, é a idea de que a educação é uma ferramenta de propaganda ultrarreacionária. Isso é: O Escola Sem Partido, a defesa da educação domiciliar, a desqualificação da escola como espaço de cidadania. A educação, para o bolsonarismo, serve como uma política de controle, por isso ele defende a militarização de escolas. A educação é a expressão da agenda ultrarreacionária, em termos de valores. Ela serve para exprimir agenda ultrarreacionária pelos valores, disseminar e implementar esses valores. Mas, para fazer isso, ele tem que escolher os adversários, que são: a pedagogia, que é o oposto do que ele considera prioritário, como a disciplina autoritária. O outro adversário: a escola, que ele considera um espaço de desvirtuamento. Quando você coloca o teu filho na escola eles dizem que ele “vai sofrer uma doutrinação marxista e uma doutrinação de ordem sexual, desconstruindo as identidades de gênero”. E as universidades também são inimigas, uma vez que elas também são irradiadoras de valores. Elas têm o potencial de formação dos professores. O problema é que ele fazendo todo esse enfrentamento, ele ajuda muito a necessidade de corte dos ultraliberais. Porque, se as escolas e as universidades são espaços tão ruins e a prática pedagógica é algo tão condenável, então para que tem essa política? Então vamos cortar! Aí saem com uma proposta, absurda, de corte linear de 30% nas universidades. O que é inconstitucional, uma vez que são despesas obrigatórias. Não podem cortar 30% sem uma ampla justificativa porque isso vai significar a necessidade de demissão de pessoas, que têm estabilidade. É nessa hora que os ultraliberais encontram nos ultrarreacionários uma justificativa social para os cortes que querem implementar.

    JL: Desse encontro é possível, como já voltaram a circular comentários, que se tenha as cobranças de mensalidades? Uma secretaria de Doria já mencionou, é um tema que vai e volta em discussões. Isso pode virar realidade?

    DC: A cobrança de mensalidade vai ter muita resistência, por parte de quem é responsável, no debate universitário. hoje o aluno cotista já sofre um enorme problema, sendo considerado um aluno de segundo grau. Isso sem contar todas as dificuldades de permanência. Mas tem outro aspecto, que é tão perverso… se começarem a cobrar mensalidade, com nossa cultura política, que é uma cultura política pautada na Casa Grande e Senzala, os alunos pagadores vão se considerar com mais direitos ou os únicos com direito àquele espaço. Agora que se começou a democratizar o ambiente O Brasil não pode criar, dentro do ambiente universitário, mais um fator de segregação.

    JL: Com relação a votação do Supremo Tribunal Federal que tratava da cobrança de mensalidade, como vê o resultado que limitou a cobrança para cursos de extensão?

    DC: O sinal que o STF deu é ruim. Ele tá dizendo que a universidade pode cobrar. Que a universidade pública e gratuita pode cobrar por alguns cursos. A questão é que dentro do ambiente universitário, existia muita pressão em favor disso, porque os orçamentos das universidades já eram baixos. Essa virou uma estratégia de captação de recursos. Não é grave, mas traz um princípio ruim.

    JL: E quais são as possibilidades e estratégias possíveis para resguardar a educação?

    DC: Todo o estado brasileiro e os ditames constitucionais estão tensionados. Temos que fazer da constituição um freio e, ao mesmo tempo, um ponto de partida para retoma dos processos democratizantes da sociedade, que agora estão em questão. É sempre bom lembrar, isso começa, em termo de hegemonia política, com o impeachment da Dilma e ascensão do Temer. O Temer é a introdução disso tudo. Ele ataca o Ensino Médio que é, exatamente, a política educacional que cabe sob o teto dos gastos públicos, da emenda constitucional 95. É uma política educacional de baixo custo. A educação profissional se assemelha muito mais com cursinho de educação profissional do que ao sistema de educação profissional como os que temos nos Institutos Federais ou no Centro Paula Souza, em são Paulo. A política do Temer para o Ensino Médio foi um acerto educacional para o arranjo constitucional que ele construiu: o Teto dos Gatos Públicos e a reforma trabalhista. Funciona assim: o profissional que se formar pela reforma do ensino médio vai ser um profissional que tem uma pior qualidade de educação. Ele vai ser mais dócil ao mercado de trabalho desregulamentado. E pra quem vem da periferia, ainda hoje, encontra nas escolas técnicas uma facilidade de ingresso nas universidades. É um início de uma inserção qualificada ao ambiente escolar.

    JL: Parece contraditório piorar, inclusive os institutos de formação técnica, como os Institutos Federais ou o Centro Paula Souza, com o intuito de formar trabalhadores que recebam, nas palavras do próprio presidente, retorno imediato. Esses cursos profissionalizantes não deveriam se tornar prioridade?

    DC: Isso se dá por conta da natureza dos nossos ultraliberais. O ultraliberal brasileiro é um liberal sem substância. Ele não quer toda a agenda liberal, ele só quer a redução do Estado, porque essa redução busca conter a democratização da sociedade. É o encontro, de novo, do ultraliberal, com o ultrarreacionário. O Jessé Souza, com muita propriedade, falou que o Bolsonaro agride as universidades e a educação, junto com o Abraham Weintraub, por serem os dois, pessoas que não tiveram a capacidade de se integrar ao ambiente da educação formal. Eles são ressentidos porque não tiveram capacidade de pertencer nesses espaços.

    JL: Esse ressentimento pode ser uma janela a ser explorada?

    DC: O primeiro ponto para atacar o bolsonarismo, enquanto projeto político, é mudar a nossa forma de agir. Entrar nas polêmicas, de maneira franca e aberta e com as mesmas estratégias de lacração do Bolsonaro só tem ajudado o próprio Bolsonaro, gerando mais fluxo e alcance para as loucuras dele. É uma questão de modus operandi da esquerda. Tem uma questão concreta: precisamos ter, novamente, um projeto articulador. E acredito que o ponto de partida é a própria constituição, que tem que ser utilizada como instrumento para impor freios aos arroubos autoritários e ultraliberalizantes, no sentido estrito de diminuição do Estado e de direitos civis. Infelizmente não temos os liberais defendo os direitos civis, como poderiam fazer. E precisamos, de maneira muito clara, ter a capacidade, no caso da educação, de retomar os debatas sobre a implementação do plano nacional de educação. A pergunta que fica é: o plano nacional de educação, que completa agora cinco anos de descumprimento, vai ser cumprido? Provavelmente ele não vai ser realizado no conjunto de suas metas e estratégias, mas abandonar o plano como ferramenta política significa abandonar algo que foi fortemente construído pela sociedade e que precisa ter sentido político. E ele baliza o processo de democratização ao acesso para a escola e universidade e, fundamentalmente, a qualidade da educação básica.

    JL: É possível utilizar a educação, como ferramenta ideológica e retórica da forma como eles utilizam?

    DC: O bolsonarismo conseguiu descobrir qual é o papel da educação para ele. Submetendo a educação a uma propagando ultrareacionária e a disseminação de valores ultrarreacionários, ele pode tirar algo dela. Propaganda nunca é só divulgação. É também uma divulgação massificada que determina um conjunto de valores. O bolsonarismo tem sido muito hábil nesse sentido. E o campo da educação tem sido pouco articulado em torno do direito à educação. Hoje, os movimentos, institutos e fundações empresariais têm como pergunta, não “como defender a educação?”, mas sim como conseguir convencer o bolsonarismo a implementar a agenda deles. E não vai implementar. A agenda dos movimentos empresariais, na área de educação, não é de redução estrita da ação do Estado, é de se apropriar do orçamento da educação. Só que esse orçamento está sendo reduzido.

    JL: As Organizações Sociais podem crescer muito nesse período? Elas se articulam nesse sentido de absorver e gerenciar os espaços públicos.

    DC: Sim. A ideia de, por exemplo, creches conveniadas, universidades conveniadas, etc…

    JL: Isso afeta a própria autonomia de cátedra?

    DC: Exato. A ideia de dar a gestão de equipamentos públicos para o setor privado é uma ideia que está viva. Só que ela é uma ideia que está viva dentro de um contexto em que, cada vez mais, o bolsonarismo reduz recursos. Quem visa lucro não vai querer assumir uma universidade, uma escola, uma vez que o valor por aluno/ano é muito baixo. Mesmo das universidades. O problema é que movimentos, fundações e institutos empresariais são tão sedentos por influenciar que perdem o sentido lógico. O sentido prático de que a política de educação, no geral, está sendo submetida a uma estratégia de propaganda. A pauta orientadora tem que ser a – pauta do Direito à educação. Expansão da qualidade, expansão do acesso. Em um primeiro momento isso é um freio ao açodamento bolsonarista de se apropriar da área para fazer dela um instrumento de propaganda. Em um primeiro momento vai ser um freio. Em um segundo momento ela tem quer ser o próprio programa articulador.

    JL: Nessa defesa um personagem de destaque é o professor, tanto como alvo de ataques quanto no protagonismo do dia a dia da educação?

    DC: Os professores são inimigos por não existir nenhuma outra categoria como eles. São alguns fatores, na minha opinião, dois deles são peculiares da educação e um terceiro fator político real. Para quem é educador, para todos nós que somos educadores, resistir é cotidiano, não palavra de ordem. Você vai ver um monte de gente reivindicando a questão da resistência, mas a resistência para o professor acontece no dia a dia, quando ele acorda na segunda-feira, no início da semana, vai para uma escola precarizada sem nenhuma condição de trabalho, sala de aula super lotada, salário ruim e assim faz o seu trabalho. A resistência é um meio de vida, faz parte da ética profissional. É claro que outras profissões públicas vivem a mesma situação, mas não de maneira tão radical quanto os professores, que são as maiores vítimas de problemas de doenças de saúde mental, problemas psiquiátricos e isso é evidente em todas as pesquisas. Essa é a primeira questão. Os professores são atacados porque eles sabem resistir, eles têm toda uma vida de resistência. O segundo ponto é a própria pedagogia brasileira, que por mérito de todo um projeto educacional, que é mundial, mas que tem muita força no Brasil a partir do manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e, posteriormente, nas figuras do Florestam [Fernandes, sociólogo brasileiro] e do Paulo Freire (o Florestam é um ponto de encontro entre o Paulo Freire e Escola Nova). A partir disso são criadas propostas mais avançadas, especialmente pelo Paulo Freire. Nesse projeto tem uma contribuição brasileira para a pedagogia mundial que a ideia de que a própria educação é um instrumento essencialmente democratizador da sociedade. A educação é libertadora, é emancipadora e democratizadora. E esse projeto está nos professores e eles acabam passando isso na sala. O terceiro ponto é que, como categoria política, os professores são a categoria que mais consegue se mobilizar contra os ataques do bolsonarismo, até porque tiveram uma formação melhor. Não que todos os professores sejam progressistas, defendam a democracia ou sejam contra a privatização, mas as lideranças do professorado e boa parte da base comungam desses valores e tem capacidade de mobilização. Eles têm a capacidade de fazer a leitura do processo. Por exemplo, eu convivi com professores que defendiam, lá no começo, o Escola Sem Partido. Eles estavam muito desgastados como petismo, com as baixas condições de trabalho e colocavam a culpa disso no governo federal, mas reencontrei eles e, hoje, são contra o projeto e contra o bolsonarismo. Existe um quarto fator, para esses ataques. Os professores são a principal cadeia de transmissão do Estado com a sociedade e com o futuro da sociedade. E na relação professor/aluno existe uma potência democratizadora. Quando o Escola Sem Partido, que utiliza a mesma estratégia do Alternativa Para Amanhã que é um partido nazista alemão atual, ou do Vox, da Espanha. Essa estratégia de gravar os professores, constranger, vai estimulando a quebra de relação entre o professor e o aluno. E esse potencial democratizador, que existe no exercício cotidiano da profissão docente vai sendo corroída.

    JL: Os estudantes, que também estão nessa ponta da relação, tem sido uma das categorias mais mobilizadas nos últimos anos, principalmente os secundaristas com as ocupações. O que podemos esperar deles?

    DC: Esse é um ponto importantíssimo. O que representou a ocupação das escolas? Uma reivindicação dos estudantes pelas teses da Escola Nova, do Anísio Teixeira, dos Pioneiros da Educação e do Paulo Freire, sem saber que pediam e defendiam essas teses. Eles queriam uma outra pedagogia, para uma outra escola, para uma outra formação e queriam o fortalecimento dos professores. Eles não tratavam o professore como inimigo. Pelo contrário, o professor era um aliado. O professor podia estar implementando uma política pedagógica ruim e, em muitos casos havia críticas aos professores, mas os estudantes viam uma possibilidade do professor mudar, se tivesse mais condições de trabalho como também viam a disposição dos professores em colaborar com os estudantes. Essa união é muito potente, pode mudar um país. E acho que um bom caminho seria o Brasil retomar e reler o que foi escrito no manifesto dos Pioneiros da educação, pelo próprio Anísio Teixeira, Florestan Fernades, Darcy Ribeiro e o Paulo Freire.

    JL: E como potencializar os estudantes secundaristas ou universitários?

    DC: Eu acho que eles já são potentes. O que é a potência? Ela tem duas características: ela é um devir, enquanto possibilidade de se realizar, ou ela já é um fato. A potência dos alunos está escondida, mascarada, pelo contexto político. É preciso colocar essa potência em movimento. E isso pode ser feito de diversas formas. Por meio de intervenções em escolas, trabalhos em escolas. Por meio da utilização da cultura, como um projeto pedagógico. Eu era estudante, na periferia de São Paulo, durante a prefeitura da Luiza Erundina e teve um projeto chamado RAPensando a educação que levava o RAP para a escola. Se discutia a educação a partir do cotidiano dos estudantes, que era o próprio RAP. Não existe nada mais freiriano do que isso. O cotidiano dos educandos que por meio de uma manifestação cultural, gerava uma conscientização e isso era utilizado pela própria escola. Isso era algo emergente que a escola fazia. Essa é uma questão que precisa ser retomada. O Bolsonaro tem dois ataques sistemáticos: a educação e a cultura. Mais do que muitos militantes de esquerda e de centro-esquerda, o Bolsonaro tem consciência de que se essas duas Políticas se encontram, ele não consegue sobreviver. Esse encontro gera conscientização, gera mobilização e mudança da hegemonia política. A potência dos estudantes não vai ser materializada pelos instrumentos tradicionais. Seria preciso ser mais ‘Ocupacionista’, usando essa experiencia das ocupações das escolas. Fazer um novo debate nas escolas, mobilizar as escolas para aquilo que importa aos estudantes. Perguntado para os estudantes. E como temos uma concorrência difícil, contra as redes sociais, a cultura é um dos melhores instrumentos pedagógicos.