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  • Mourão, Onyx e Weintraub são intimados pela Câmara de São Leopoldo

    Mourão, Onyx e Weintraub são intimados pela Câmara de São Leopoldo

    Por HENRI FIGUEIREDO*

    O vice-presidente da República Hamilton Mourão (PRTB), o ministro da Cidadania Onyx Lorenzoni (DEM) e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que atualmente é um dos diretores-executivos do Banco Mundial, em Washington (EUA), foram intimados a depor, como testemunhas, em processo que tramita na Câmara de Vereadores de São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre.

    A situação inusitada se deu a partir do Requerimento 127/2020 proposto pelos vereadores Perci Pereira e David dos Santos (ambos do PP), para a cassação do mandato do colega Marcelo Buz (DEM). Buz é acusado de utilizar-se de uma “licença de interesse particular”, expedida pela Câmara Municipal em janeiro de 2019, para ocupar a presidência do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) – uma autarquia federal ligada à Casa Civil da Presidência da República, em Brasília (DF). Com a exoneração de Buz do ITI, em junho, ele retornou às sessões virtuais da Câmara de São Leopoldo. Com isso, o vereador Perci Pereira (PP), que era suplente e tinha assumido a vaga em 2019, perdeu a cadeira na Câmara.

    Uma das acusações é de que o vereador Marcelo Buz (DEM) teria desrespeitado a Lei Orgânica do Município de São Leopoldo que define que vereadores só podem licenciar-se para ocupar outros cargos políticos em âmbito municipal. O requerimento está em tramitação desde o dia 15 de junho de 2020. A Câmara de Vereadores definiu, por sorteio, a instalação de uma Comissão Processante que é presidida pela vereadora Iara Cardoso (PDT) e composta pelos vereadores Armando Motta (PRB) e Nestor Schwertner (PT) – que é o relator do processo.WhatsApp Image 2020-08-24 at 17.24.35

    MARCELO BUZ (DEM) EX-PRESIDENTE DO ITI, QUE REASSUMIU O CARGO DE VEREADOR

    Tudo isso acontece no município de São Leopoldo, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre que tinha, de acordo com o IBGE, 236 mil habitantes em 2019. E 164 mil eleitores, segundo os dados mais atualizados do TRE-RS. A Câmara Municipal de São Leopoldo tem 13 vagas de vereador(a).

    COM OS CORREIOS EM GREVE, INTIMAÇÕES FORAM VIA CARTÓRIO DE NOTAS DO DF

    De acordo com a presidente da Comissão Processante, Iara Cardoso (PDT), a intimação do vice-presidente e do ministro da Cidadania se deu via Cartório de Notas de jurisdição do Palácio do Planalto. O amparo legal, segundo Iara, é a utilização do Código de Processo Penal (CPP) de forma subsidiária ao Decreto n. 201/67. “Entretanto, mesmo com o trâmite mais burocrático e lento das intimações pelo rito do CPP, o prazo mais importante da comissão é o prazo final do término dos trabalhos, que não pode ultrapassar o dia de 11 de outubro”, explica a vereadora.

    A intimação de Weintraub, por sua vez, se deu de forma eletrônica, pelo e-mail de cada testemunha fornecido pela defesa do vereador Marcelo Buz (DEM), já que ele hoje é um dos diretores-executivos do Banco Mundial e reside em Washington, capital dos EUA.WhatsApp Image 2020-08-24 at 17.20.58

    VEREADORA IARA CARDOSO (PDT) É A PRESIDENTE DA COMISSÃO PROCESSANTE

    A Comissão Processante ampliou o prazo para oitivas das testemunhas até 17 de setembro. A vereadora Iara Cardoso reforça: “Todas as testemunhas arroladas são da defesa, assim, já foi informado para a defesa, em mais de uma oportunidade, que esse é o prazo derradeiro para a oitiva das testemunhas. Assim, deve haver contrapartida da defesa em conduzir as testemunhas até a sala virtual em que ocorrem as reuniões, ou seja, se as testemunhas arroladas não têm caráter apenas protelatório, a defesa trabalhará no sentido de ouvi-las, como já mostrou interesse. Como as reuniões são virtuais, as testemunhas podem participar de qualquer lugar do Brasil ou do mundo, desde que tenham acesso à internet”.

    Após essa data limite de 17 de setembro, abre-se o prazo de cinco dias para o denunciado apresentar suas razões escritas. “Após o recebimento das razões do denunciado a comissão emite parecer final pela procedência ou improcedência da denúncia, solicitando ao Presidente da Câmara que marque a Sessão de Julgamento”, detalha a vereadora que preside a Comissão Processante.

    O QUE A DIZ A BANCADA DO PP, AUTORA DO REQUERIMENTO DE CASSAÇÃO

    Segundo o suplente de vereador Perci Pereira que, com o atual vereador David Santos, formou a bancada do Partido Progressista (PP) na Câmara Municipal de São Leopoldo até junho, a expectativa é a de que a Comissão Processante atue “para restaurar a legalidade”. Afastado do cargo com o retorno de Marcelo Buz (DEM) a São Leopoldo, Perci Pereira é incisivo: “O ex-presidente do ITI sabe que incorreu em conduta expressamente vedada pela Lei Orgânica e legislação correlata”. De acordo com Perci, “a tentativa dos defensores de Buz é criar ocasião para que a comissão incorra em nulidade, utilizar-se do judiciário e forçar a perda do objeto. Em síntese, o Marcelo Buz conta com a impunidade, sua única aliada”, diz Perci Pereira.WhatsApp Image 2020-08-24 at 17.16.53

    EX-VEREADOR E SUPLENTE PERCI PEREIRA, DO PP, QUE REQUEREU A CASSAÇÃO DE BUZ

    Sobre o fato de o vereador Marcelo Buz ter arrolado testemunhas que são figuras proeminentes da República, Perci Pereira afirma que “não lhe cabe fazer juízo de valor a respeito”. “Apenas vejo que, na ausência de argumento real capaz de enfrentar no âmbito da legalidade a questão, se busca desvirtuar o tema. A lei impõe noventa dias e nada mais para a resolução da controvérsia pela Comissão Processante. Está absolutamente claro que o mandato pertence legalmente a nós. Aguardamos celeridade e justiça na decisão da Câmara de Vereadores’, conclui.

    DEFESA DE BUZ AFIRMA QUE PROCESSO É REPLETO DE NULIDADES

    A reportagem entrou em contato com o vereador Marcelo Buz (DEM) que, por sua vez, encaminhou o Whataspp de seu advogado Marcelo de La Torres Dias. Em breve nota, Torres Dias registrou: “Processo de cassação eivado de vícios e nulidades. Deverá ser arquivado já na via administrativa, visto não possuir sequer objeto. Caso optem por tentarem cassar o mandato de forma política e sem materialidade jurídica, iremos ao judiciário para assegurar o direito do vereador Marcelo Buz em exercer seu mandato”. O vereador e a defesa preferiram não comentar sobre o arrolamento do vice-presidente Hamilton Mourão, do ministro da Cidadania Onyx Lorenzoni e do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub como suas testemunhas no processo.

    CONHEÇA A ÍNTEGRA DO REQUERIMENTO E DO PROCESSO DO VEREADOR MARCELO BUZ (DEM), DE SÃO LEOPOLDO, NESTE LINK: https://legis.camarasaoleopoldo.rs.gov.br/?sec=proposicao&id=8056

    Fotos dos vereadores e da vereadora: FONTE | SITE DA CÃMARA MUNICIPAL DE SÃO LEOPOLDO

    *Henri Figueiredo é jornalista profissional | MtB 12.085

  • ENEM: Bolsonaro quer destruir os sonhos da juventude pobre do Brasil

    ENEM: Bolsonaro quer destruir os sonhos da juventude pobre do Brasil

    Por Ricardo Melo*

    Um belo dia, o finado político Abraham Weintraub saiu-se mais ou menos assim ao ser perguntado se haveria adiamento do ENEM. A transcrição é livre: “Não há motivo. Quem não assiste aulas presenciais pode recorrer ao celular e ao computador. Todos estão nas mesmas condições”. Só um pré-símio, um escroque de carteirinha poderia falar algo parecido.

    O resto da história (mas não o fim) diz tudo. O disparate era tamanho que Weintraub virou o “Vaitarde”. À moda Bolsonaro, claro.

    Usando dos poderes presidenciais, o capitão deu um jeito de manipular datas de demissão em documentos oficiais para blindar o envio do entulho para a matriz em Miami a salvo das leis de imigração americanas.

    Logo depois, o “Vaitarde” posa comendo franguinho empanado num fast-food americano. Como se estivesse se deliciando com a carne do povo brasileiro, dos jovens que ralam tentando combinar o sustento de suas famílias com o desejo de conquistar melhores condições de vida.

    Vale reproduzir alguns depoimentos:

    “No cursinho Florestan Fernandes, em São Paulo, havia 800 alunos no início de 2020 – três meses depois, restam apenas 40. “A evasão é normal, mas não nessa proporção. Nossos estudantes não têm um acesso de qualidade à internet. Mais de 60% deles só usam celular, com pacote de dados bem limitado”, afirma o coordenador Bruno Sampaio, de 23 anos.

    “Essa situação gera também uma fragilidade emocional. Os alunos têm demonstrado ansiedade e preocupação. Eles são da periferia, precisam ajudar em casa, cuidam dos irmãos, vão trabalhar. Não conseguem mais estudar”, completa.

    O cursinho é gratuito e funciona aos sábados, em parceria com a faculdade de história da Universidade de São Paulo (USP). Como a instituição está fechada, as aulas passaram a ocorrer de forma virtual – os 50 professores, todos voluntários, montam slides com a matéria, organizam encontros por uma plataforma on-line e dão aulas gravadas ou ao vivo.

    Aqueles que estão conseguindo participar das atividades remotas enfrentam dificuldades. Lucas Fernandes, de 20 anos, aluno do Florestan, divide o notebook com seus cinco irmãos em casa – todos eles têm aulas virtuais e precisam do equipamento. “Não consigo dedicar muito tempo aos estudos. Tento usar o celular, mas a tela é pequena e os aplicativos de atividade são muito instáveis. Preciso ficar em um ponto específico da casa, para ter sinal de internet”, diz.

    “Mas não sou só eu: a maioria dos jovens periféricos convive com esses problemas. Meus amigos precisam trabalhar, é isso ou passam fome. Nossa esperança de conseguir uma vaga na universidade pública fica menor. A gente já matava um leão por dia, agora são dez”, afirma Lucas.

    Ou então:

    “Gleicy Souza, de 18 anos, está no ensino médio de uma escola pública em São Paulo (SP) e, aos sábados, estuda no cursinho popular Mafalda. Ela usava apenas o celular para se preparar para o Enem.

    “A conexão do wifi caía a todo momento, era impossível ter um dia normal de aula. A tela é pequena, então fico com os olhos cansados, e não dá para ler os slides dos professores. Também não consigo usar algumas funções que eu teria no computador, como editar um arquivo”, conta.

    Ou ainda:

    “Naomi Neves, de 17 anos, procurou o cursinho popular Mafalda para compensar a baixa qualidade de ensino da escola pública onde estuda, em São Paulo. “A gente não aprende muita coisa, ainda mais para o vestibular. Eu não teria condições de passar em um vestibular assim. Queria me dedicar ao cursinho, mas estou sem cabeça. Meu pai é pintor e está desempregado; estamos sem o Bolsa Família. Eu trabalho, mas nossa renda é baixa”, diz.

    A preocupação com a crise financeira levou Roberta Martins, de 36 anos, a desistir do Enem. Ela é uma mulher transexual, que sonha, desde 2003, em entrar na faculdade. Neste ano, descobriu um cursinho popular gratuito – o Conceição Evaristo, em Belo Horizonte (MG).”

    Todos estes depoimentos estão à disposição no site “notícias concursos” https://noticiasconcursos.com.br/educacao/pandemia-alunos-de-baixa-renda-desistem-do-enem-e-abandonam-cursinhos-populares/. Como não sou um Decotelli da vida, faço questão de citar as fontes.

    Por esses depoimentos e outros tantos que lotam a internet percebe-se o tamanho da destruição que está em curso no Brasil. A falácia de que “todo mundo tem acesso aos meios digitais” não passa disso. Uma falácia. Boa parte dos celulares espalhados país afora não passa de “chinglings”, vendidos a preços ao alcance do bolso dos mais pobres.

    Tente estudar por um celular desses e vc verá o que é. Depois, a qualidade de sua rede e download de dados custam dinheiro. Quantos podem custear uma conexão razoável num momento como esse, devastado pelo desemprego das famílias? Quantos podem dispor de um desktop ou notebook que permitam um mínimo de visibilidade ao que está sendo dito do outro lado?

    Assim como a saúde, a educação no Brasil foi jogada às traças. A coisa está tão feia que até um direitista como Renato Feder, privatista de ofício, sentiu o cheiro (sem trocadilho) de desastre, optou por esnobar Bolsonaro e continuar fazendo o trabalho sujo como secretário no Paraná.

    A juventude sempre foi a esperança do futuro. Dos jovens emerge a energia para mudanças, muitas vezes independentemente da classe social. Sempre foi assim na história.

    Não à toa esse governo fraudulento, “eleito” a bordo de trapaças expostas a olho nu, ataca estudantes, escolas, universidades, entregadores e suas famílias. Quer ter a certeza de matar o “mal pela raiz”. Literalmente. Trata-se de um governo representativo dos genocidas do Planalto e do Leblon e de uma milícia internacional, que une Trump, Bolsonaro, FBI, Moro e seus procuradores, um Judiciário castrado, militares comprados com privilégios salariais e um Legislativo sedento de prebendas para manter as coisas como estão.

    Enquanto isso, “Vaitarde” ri à toa em Miami com direito a um salário de R$ 100 mil por mês.

     

     

    *Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

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  • “Nomeação de militar sem experiência com educação é novo desrespeito”

    “Nomeação de militar sem experiência com educação é novo desrespeito”

    Protesto de estudantes secundaristas em São Paulo contra Reforma do Ensino Médio Foto: Tuane Fernandes

    Indicado pela cúpula militar, por sugestão dos almirantes do governo, Carlos Alberto Decotelli é oficial da reserva da Marinha, o primeiro ministro negro do governo Bolsonaro e o terceiro a ocupar a pasta em um ano e meio. Economista e entendedor da área financeira militar, recebe o apoio de Paulo Guedes, ministro da Economia e foi nomeado nesta quinta, 25, à tarde, depois da fuga de Abraham Weintraub para o exterior, mesmo respondendo a inquérito do Supremo Tribunal Federal sobre a disseminação de Fake News e sobre ter evocado a prisão dos ministros do STF, a quem chamou de “vagabundos” em reunião do Governo Bolsonaro.

    O novo ministro da Educação já chega envolto na nuvem de uma suspeita   licitação montada durante sua presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. A licitação tinha como objetivo adquirir, ao preço de R$ 3 bilhões, uma quantidade de computadores muitas vezes maior do que o número de alunos de escolas públicas que pretendiam beneficiar.

    A quantidade a ser comprada superava em muito o número de crianças nas salas de aulas de 355 escolas, conforme o jornalista Marcelo Auler. A Escola Municipal Laura Queiroz, do município de Itabirito/MG, com apenas 255 alunos, receberia 30.030 laptops, o que equivaleria a 117,76 equipamentos para cada aluno, ainda segundo o jornalista. Em setembro passado, a licitação foi suspensa, sem que até hoje ninguém esclarecesse o seu descalabro.

     

    Nota das entidades estudantis sobre a indicação de Carlos Decotelli para o MEC

    O governo anunciou o senhor Carlos Alberto Decotelli da Silva como novo ministro da Educação, o terceiro em menos de 1 ano e meio de governo, o que, por si, já demonstra a falta de compromisso com essa área fundamental. Ele assume após a fuga de Abraham Weintraub, o pior ministro da história do MEC, o que lhe traz certo conforto comparativo para iniciar seu trabalho.

    Embora possua trajetória acadêmica e possa vir a representar um deslocamento do grupo olavista na gestão, o novo ministro não tem experiência vinculada à educação, mas sim nas áreas financeira e militar, o que é sempre motivo de preocupação. A educação não pode ser tutelada nem por grupelhos ideológicos estar a serviço dos interesses do mercado financeiro.

    Os estudantes conduziram grandes mobilizações em defesa da educação durante o governo Bolsonaro e permanecerão mobilizados e atentos contra qualquer tipo de ataque. É preciso superar a lógica que elegeu a educação e a ciência como inimigas, frear o projeto de desmonte das áreas e adotar o caminho de investimentos robustos para assegurar que estas possam cumprir suas missões diante da profunda crise de saúde pública e econômica que o país atravessa.

    Entendemos que o próprio governo Bolsonaro é uma limitação para um projeto de fato compromissado com a educação e com os estudantes brasileiros. Mas reafirmamos nossa luta para que o MEC assuma uma agenda fundamental para o momento, que envolve pautas como: a aprovação urgente do novo FUNDEB permanente; saídas para a educação básica durante a pandemia; realização do Enem de maneira segura e no tempo adequado; garantia de auxílio aos estudantes das universidades privadas para pagar as mensalidades; investimentos emergenciais na ciência e nas universidades públicas para permanência estudantil; valorização e investimento na pós-graduação; e todos os esforços de combate ao COVID-19.

     

    UNE – União Nacional dos Estudantes

    UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
    ANPG – Associação Nacional dos Pós-graduandos

  • Bolsonaro contra o bolsonarismo

    Bolsonaro contra o bolsonarismo

    ARTIGO

    Daniel Pinha, professor do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
    Na última semana assistimos à queda de dois personagens importantes da cena política brasileira. Na mesma quinta-feira, 18 de junho, Abraham Weintraub era demitido do Ministério da Educação e Fabrício Queiroz, amigo e empregado da família Bolsonaro, preso. Cada um ao seu modo, representam faces do bolsonarismo: o lunático-antidemocrático-clássico (Weintraub) e seu discurso de ódio à democracia; o miliciano (Queiroz), em sua prática violenta de controle territorial urbano utilizando-se da inserção no aparelho estatal.
    A derrocada deles abre caminho para colocar Bolsonaro contra o bolsonarismo. E não porque o “bolsorista-raiz” tenha se decepcionado com a incompetência de Weintraub ou os diversos crimes cometidos por Queiroz. A queda dos dois revela as profundas dificuldades de Bolsonaro em cumprir a utopia autoritária que tanto promete a seus seguidores. O bolsonarismo é um fenômeno político e cultural que não se resume à figura de Jair Bolsonaro. Tal fenômeno carrega traços de duração mais longa, remetendo a uma cultura política autoritária formada ao longo da nossa experiência republicana, intensificada no contexto da Ditadura Militar brasileira. Ao mesmo tempo, dá vazão a sentimentos antidemocráticos que remetem à experiência da crise democrática contemporânea.
    Bolsonaro deu voz e coesão a segmentos sociais que converteram a tendência anti-sistêmica de uma crise representativa em sentimento antidemocrático. Em junho de 2013 o problema central era o sistema representativo e não a democracia. A necessidade de alargamento democrático por meio de melhor funcionamento dos serviços do Estado (“padrão FIFA”), maior participação da sociedade civil nas decisões políticas e combate à corrupção, bandeiras mestras em 2013, não atacavam diretamente princípios democráticos.
    Em 2020, o bolsonarismo manifestado nas redes e ruas desloca o problema, da representação ao próprio sistema democrático. O combate é ao Congresso e ao STF enquanto instituições, criando um clima de ameaça constante de golpe. O objetivo é dar super-poderes a quem já é Chefe do Estado, isto é, o presidente da República. Ou ainda, restaurar o projeto de 64, com os militares no poder, Bolsonaro à frente. Em um caso e no outro, o maior objeto de desejo dos bolsonaristas é canalizar a representação em um (um sujeito ou uma corporação), realizando o sonho autoritário de um governo livre das diferenças. Somente assim, seria possível realizar a outra parte da utopia autoritária: o saneamento moral da política brasileira, em nome do fim da corrupção e restauração do ordenamento moral da família tradicional.
    As quedas de Weintraub e Queiroz tornam essa utopia muito mais distante. Estes casos colocam o bolsonarista na incômoda condição de ver sua principal liderança negociar no interior deste sistema democrático, que é o atual. Uma negociação nada virtuosa, diga-se de passagem. Weintraub é uma figura popular entre os bolsonaristas não por suas realizações à frente do Ministério da Educação. Nem mesmo um projeto de desmonte do modelo atual ele conseguir desenvolver. Em sua última ação, revogou cotas para negros e indígenas na pós-graduação, medida já suspensa pelo próprio MEC. Nesta e em outras ações ele gritou, mais do que agiu – para a sorte da educação no país. Mesmo assim, entre os apoiadores de Bolsonaro, Weintraub saiu do governo sendo considerado um ícone, por suas polêmicas, movimentação debochada na conta do Twitter, pela declaração que se tornou pública na reunião ministerial, de que “prenderia todo mundo, a começar pelo STF”.
    O bolsonarista identificava em Weintraub um igual a ele: governando com um celular na mão, mais ocupado em denunciar e destruir “o sistema” do que em edificar algo. Ainda assim, foi demitido. Foi demitido como qualquer eleitor radical bolsonarista seria. E por quais motivos? Porque Bolsonaro cedeu às pressões do Congresso e do STF. Porque Bolsonaro utilizou cargos do Ministério da Educação para negociar com os deputados do “Centrão”, em busca de uma base parlamentar mínima para se manter no governo. Porque Bolsonaro não quis se indispor com o STF por Weintraub, como o fez na proteção de seus filhos, assumindo uma queda de braço com Moro. A fidelidade ideológica de Weintraub não foi suficiente para deixá-lo no cargo, tampouco sua disposição para o combate. A utopia autoritária manifestada na voz de Weintraub se mostrou uma quimera, uma fantasia irrealizável.
    No caso de Queiroz, a situação é ainda mais delicada. Ele encarna a presença das práticas corruptas no interior da família Bolsonaro. O bolsonarista-raiz costuma se vangloriar de que não há escândalos de corrupção no governo, entendendo corrupção em sentido estrito, isto é, práticas de enriquecimento ilícito pelo ato de roubar dinheiro público. Incentivar o ódio e a violência na política não é um problema. Aparelhar Polícia Federal para proteção de filhos, não é problema. Incentivar invasão a hospitais em meio a uma pandemia, com mais de mil mortes por dia, também não é problema. Problema é “roubar”. Com Queiroz, este sentido estrito de “roubo” fica evidente.
    Escancarado
    A imprensa trata o Caso Queiroz como “escândalo das rachadinhas”, isto é, repasse obrigatório de parte do salário dos assessores parlamentares ao partido, de modo que o mandato possa se manter forte em suas bases eleitorais. Uma prática corrupta, que se torna ainda mais grave quando as investigações indicam o destino do dinheiro. O dinheiro das “rachadinhas”, segundo denúncia do Ministério Público, pagou mensalidade escolar e plano de saúde das filhas de Flávio Bolsonaro. E isto para citar apenas um exemplo, sem detalhar o quanto estes recursos serviram para fortalecer a atuação das milícias nas bases eleitorais dos Bolsonaros. Estamos falando, portanto, da prática corrupta circunscrita aos limites do entendimento de corrupção definidos pelo próprio bolsonarismo. Para completar a situação: Queiroz foi encontrado na casa do advogado de Flávio e Jair Bolsonaro. Ainda vem muita coisa por ai.
    O caso Queiroz expõe a inviabilidade do projeto de saneamento moral anticorrupção por meio do governo Bolsonaro. E coloca em xeque, ainda, a situação dos militares no governo: por que os militares apoiariam um golpe para fortalecer Bolsonaro no poder, em meio ao escândalo do caso Queiroz? Ao contrário do caso Moro, que fez os generais do governo se unirem em torno do governo – já que também eles estavam implicados em prática criminosa, tendo que assegurar a versão do presidente para salvar a própria pele – o caso Queiroz isola a família Bolsonaro e seus vínculos com as milícias. O avanço das investigações tornará ainda mais insustentável a retórica de saneamento moral anticorrupção endossada pelos militares.
    Estarão os militares dispostos a levar até o limite o apoio a um governo corrupto e clara vinculação com milicianos? Se este quadro acarretará em perda de apoio ao presidente, ainda é impossível prever. O recuo de um bolsonarista-raiz demandaria revisão de práticas que lhe conferem não apenas uma identidade política, mas também, pessoal; uma identidade que lhes constitui enquanto sujeito no mundo. Este é um movimento possível, mas lento e gradual.
    O saldo, entretanto, é negativo para o presidente. E estamos só no começo. A queda de Weintraub e a prisão de Queiroz coloca o Bolsonaro contra o bolsonarismo, deixando ainda mais evidente que ele é incapaz de realizar o projeto de futuro que desperta em seus seguidores, a utopia autoritária que sustenta sua retórica antidemocrática no presente.
  • Bolsonaro facilita fuga de Abraham Weintraub para os Estados Unidos

    Bolsonaro facilita fuga de Abraham Weintraub para os Estados Unidos

    Por Dacio Malta*

     

    A fuga de Abraham Weintraub para os Estados Unidos é um escárnio com a Justiça brasileira e, em particular, com os “vagabundos” do Supremo.

    O ministro — sim, ele continua ganhando seu salário e manteve a imunidade — está sendo protegido pelo presidente da República que, se comporta, verdadeiramente, como um chefe miliciano, oferecendo proteção, ajudando na fuga e no esconderijo de seu militante extremista.

    Durante o tempo em que esteve no ministério, Weintraub nada fez pela Educação, a não ser atacar reitores, professores, alunos e, no seu último ato, as minorias. Participou de manifestações ridículas como explicar, com 100 bombons, o contingenciamento de 30% do orçamento de seu ministério. Como péssimo contador que é, não conseguiu esclarecer absolutamente nada, e ainda perdeu seus bombons para o capitão, que se deliciou em público. Dançou com um guarda-chuva, ridicularizou e atacou os chineses e, se comportou sempre não como autoridade, mas sim como militante — condição que ele mesmo confessou na fatídica reunião do dia 22 de abril.

    Além do processo que responderá pelas fakenews, Weintraub é recordista de processos na comissão de ética da presidência da República, responde a outras 20 interpelações judiciais em Brasília e em São Paulo, tem de responder ou se retratar quanto à acusação de “vagabundos” do STF que deveriam “estar presos”, está em dívida com o governo do Distrito Federal por não usar a máscara contra a Covid 19 e, no momento, se encontra na mesma situação que estava Fabrício Queiroz até quinta-feira passada: escondido.

    É possível que antes da posse no Banco Mundial — se é que ela se concretizará — poderá passar a condição de foragido.

    Sua fuga para Miami, de onde postou um Twitter, ainda precisa ser explicada.

    Como entrou nos EUA? Estava usando passaporte diplomático? Viajou em avião comercial ou em um jatinho? Quem pagou a viagem? Os EUA o aceitaram como se estivesse em missão? Como turista ele não poderia entrar em território americano. Se usou a desculpa do Banco Mundial, precisaria ter um visto específico para trabalhar em Washington.

     

    Weintraub dá aviso à tigrada e aos gatos angorás: "Tô fugindo!"
    Weintraub dá aviso à tigrada e aos gatos angorás: “Tô fugindo!”

     

    o chefe do Governo tem de explicar por que demorou a oficializar a demissão de Weintraub que, sexta-feira, anunciou a fuga:
    “Aviso à tigrada e aos gatos angorás (gov bem docinho). Estou saindo do Brasil o mais rápido possível (poucos dias). NÃO QUERO BRIGAR! Quero ficar quieto, me deixem em paz, porém, não me provoquem!”.

    O presidente sabia da fuga para Miami. Ele já avisou que sua rede de informantes é mais eficiente que a dos órgãos oficiais.

    Bolsonaro sabe onde Weintraub está escondido, assim como sabia onde estava Queiroz.

     

    *Dacio Malta trabalhou nos três principais jornais do Rio – O Globo, Jornal do Brasil e O Dia – e na revista Veja.

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  • MÍDIA, MENTIRAS E INTERVENÇÃO MILITAR

    MÍDIA, MENTIRAS E INTERVENÇÃO MILITAR

    ARTIGO

    Angela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

     

    O Queiroz finalmente foi preso. Estava em Atibaia, na Grande São Paulo, em uma residência, disfarçada como escritório, de propriedade do advogado do senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente da República.
    A prisão aconteceu nesta quinta-feira (18/6) depois de um fim de semana marcado por atos antidemocráticos, que tentaram colocar em xeque a autoridade do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, exigiam intervenção militar e a volta da ditadura.
    Em qualquer país do mundo, que se pretenda minimamente democrático, atos assim são considerados terroristas e tratados como tal. O agravante, no caso brasileiro, é que esses atentados foram cometidos por apoiadores do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e, pior ainda, estimulados por declarações que ele vem fazendo em meio ao caos econômico e à pandemia de covid-19.
    No domingo (14/6), um dos acusados de soltar rojões em frente ao STF, em Brasília, Renan Sena também foi preso. Seu celular será periciado, mas já se sabe que o teor das trocas de mensagens é bombástico, porque demonstra sua ligação com figuras de peso do governo federal.

    Nesse mesmo dia, o agora ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, aquele que durante reunião ministerial disse que “tinha que botar todos os vagabundos na cadeia, começando pelo STF”, não só estava entre os manifestantes, como se encontrava em lugar público sem máscara para proteção contra o covid-19. Em função do cargo que ocupa, não foi preso, mas terá que pagar multa. Sua permanência na equipe de Bolsonaro, que já era muito complicada, tornou-se quase impossível.
    No dia anterior, um grupo de 78 militares reformados (entre os signatários estão 12 brigadeiros, cinco almirantes e três generais) havia lançado manifesto contra o ministro do STF, Celso de Melo, relator das investigações que apuram as acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro de que Bolsonaro estaria interferindo politicamente na Polícia Federal. O manifesto, com pesadas críticas a Celso de Melo, parece ter garantido ânimo aos manifestantes.

    O repúdio de setores dos militares reformados começou depois que o ministro do STF disse que os generais que ocupam cargos no Palácio do Planalto deveriam depor como testemunhas no inquérito. Caso não comparecessem, poderiam ser conduzidos “debaixo de vara”, termo jurídico que significa serem obrigados a comparecer. A tentativa de intimidação dos militares reformados não surtiu efeito. Entre segunda e terça-feira, a Polícia Federal prendeu seis pessoas e cumpriu 21 mandados de busca e apreensão solicitados pela Procuradoria-Geral da República e autorizados pelo ministro do STF, Alexandre de Morais. Entre os presos estão a militante de extrema-direita, Sara Giromini, que usa o pseudônimo de Sara Winter em homenagem a uma espiã nazista.
    Já entre os alvos de busca, apreensão e quebra de sigilo bancário estão além de 11 parlamentares (dez deputados e um senador), blogueiros e youtubers, o publicitário Sérgio
    Lima e o empresário Luís Felipe Belmonte, ligados ao Aliança pelo Brasil, partido que o
    presidente da República pretende fundar, desde sua saída do PSL, no final do ano passado.
    Todos são bolsonaristas de carteirinha. Possuem fotos e imagens ao lado do “Mito” e estão
    sendo acusados de financiamento e/ou envolvimento com redes de fake news.

    Na noite de terça-feira, através de uma sequência de tweets, Bolsonaro postou que irá tomar “todas as medidas legais” para proteger seus aliados investigados pelo Supremo. Ele frisou também que não vai “assistir calado” enquanto “direitos são violados e ideias são
    perseguidas”. Na manhã de ontem (17/06), respondendo a pergunta de uma apoiadora no
    jardim do Palácio da Alvorada, disse que houve abuso na operação autorizada pelo STF contra
    seus aliados e que “está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”.
    Não por acaso, o governo Bolsonaro foi o único num total de 132 países de todo o mundo que
    não aderiu a uma iniciativa para estabelecer o compromisso de não difundir desinformação
    em meio à pandemia de covid-19. Até aliados de Bolsonaro como Israel, Hungria e Estados
    Unidos assinaram. Na América do Sul, só o Brasil ficou de fora desse compromisso.
    Enquanto a temperatura entre Bolsonaro e os demais Poderes sobe, a popularidade do
    presidente derrete de forma acelerada. A soma dos que consideram seu governo ruim ou
    péssimo já está em torno de 50%, ao mesmo tempo em que piora acentuadamente a
    expectativa para o restante do seu mandato.

    O caos em que Bolsonaro e seus apoiadores transformaram o Brasil não aparece como tal na mídia corporativa, também autodenominada grande mídia, mas tem sido alvo de frequentes reportagens e comentários em jornais, revistas e TVs de todo o mundo. Com exceção de veículos do Grupo Globo, os demais têm feito de tudo para transmitir a imagem de que “as instituições estão funcionando”, e que os problemas, quando não há como sonegá-los da população, são atribuídos aos “inimigos do Brasil”, aos que querem atrapalhar o governo, enfim aos “esquerdistas e comunistas”.
    Depois de 18 meses à frente do Palácio do Planalto, Bolsonaro não tem nada, mas exatamente nada, para apresentar como obra ou ação de seu governo a não ser criar todo tipo de problema interno (com mulheres, negros, índios, LGBTs, ambientalistas, professores, estudantes, cientistas, aposentados, pequenos e médios empresários, artistas) e externamente transformar o Brasil, de um protagonista respeitado, em pária mundial.
    Sem qualquer explicação a não ser o alinhamento e a subserviência aos interesses dos Estados Unidos, o governo Bolsonaro passou a hostilizar a Argentina, quase declara guerra à Venezuela, criticou a França, Alemanha e Noruega e não tem medido estocadas contra a China. Detalhe: China e Argentina são, respectivamente, o primeiro e o terceiro parceiros
    econômicos do Brasil.

    Ao contrário do que tenta argumentar o ministro da Economia, Paulo Guedes, não foi a
    pandemia que criou o caos em que o país se encontra. O caos já estava instalado. O Brasil
    fechou 2019 – o quarto ano após a deposição de Dilma Rousseff – com recordes históricos
    negativos: quase 12 milhões de desempregados, cerca de 40 milhões de pessoas trabalhando
    na informalidade, a doença e a fome voltando a se instalar entre os mais pobres e os novos
    pobres.
    O Brasil não quebrou ainda, devido às reservas de 390 bilhões de dólares deixadas pelos
    governos de Lula e Dilma. Reservas que Guedes e a própria mídia reconhecem como sendo a
    âncora do país. Só que tanto Guedes quanto a mídia se esquecem de acrescentar que elas
    foram fruto dos governos petistas, aqueles que, segundo essa mesma mídia, “quebraram o
    Brasil”.
    Há três meses, o covid-19 fazia sua primeira vítima fatal e de lá para cá o Brasil já se aproxima das 50 mil mortes e de um milhão de infectados. Isso, segundo dados oficiais. Como há uma enorme subnotificação, os números reais são muito maiores, podendo ser multiplicados por no mínimo seis. Em outras palavras, o Brasil já superou os Estados Unidos, transformando-se no epicentro mundial da pandemia e não há sinal de que a curva esteja prestes a começar a descer.
    Em plena pandemia, no entanto, o Brasil continua sem ministro da Saúde. O ocupante interino do cargo, cuja interinidade parece que será permanente, Eduardo Pazuello, é um general com especialização em logística. Os outros 22 militares que passaram a atuar na Pasta também não são do ramo. Os dois ministros que o antecederam nesse governo, ambos médicos, saíram, por discordâncias com Bolsonaro querer “receitar” cloraquina – uma droga no mínimo controvertida – para os tratamentos contra a covid-19, e ameaçar prefeitos e governadores que defendem o isolamento social.
    Por si só, o descaso de Bolsonaro para com o combate à pandemia seria motivo de sobra para que fosse aberto processo de impeachment contra ele. O presidente da Câmara dos
    Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já coleciona em seu poder 35 pedidos nesse sentido,
    oriundos de partidos políticos, entidades da sociedade civil e até de cidadãos comuns. Maia
    resolveu deixá-los na gaveta, por considerar que o momento “não é oportuno”.
    A mídia corporativa brasileira também não considerava o momento “adequado” para tratar do assunto. Talvez a prisão do Queiroz possa contribuir para que mude de ideia. Mesmo o Grupo Globo, que nos últimos meses passou a fazer críticas a Bolsonaro e à sua péssima atuação em relação à pandemia, não parecia nada disposto a colocar em pauta o  ]impeachment, ao contrário do que fez com Dilma Rousseff.
    Nas demais TVs, Bolsonaro continua nadando de braçadas e o apoio a ele nos telejornais pode
    até aumentar com a nomeação do deputado Fábio Faria (PSD-RN) genro de Sílvio Santos, dono
    do SBT, para o ministério das Comunicações. É importante lembrar que o ministério das
    Comunicações foi recriado para abrigar um integrante do “Centrão” e contemplar a mídia
    “chapa branca”, sempre de olho nas verbas oficiais de publicidade, que, apesar da crise, não
    param de crescer.

    Quem se lembra que Sílvio Santos mandou tirar do ar o Jornal do SBT, principal telejornal de sua emissora, no sábado, dia 23/05? Motivo: o Planalto não havia gostado da cobertura do dia anterior sobre a reunião ministerial que teve o sigilo levantado pelo STF. A truculência da ação de Santos, sem paralelos na história da mídia brasileira, revoltou até as emissoras afiliadas ao grupo, com vários “rebatizando” a sigla como Sistema Bolsonarista de Televisão.

    Mas se o apoio ao governo justifica o fato de que parte da mídia não abordava o tema impeachment, o que leva o Grupo Globo, que agora se coloca na oposição, a também, até agora, ter fugido do assunto? Será que a prisão de Queiroz e os desdobramentos que ela certamente trará vão alterar essa situação?
    O acompanhamento atento dos noticiários do Grupo Globo (O Globo, G1, CBN, TV Globo, GloboNews, Época, Valor Econômico) indica que os problemas da família Marinho com o governo se limitavam aos “excessos” de Bolsonaro e de alguns de seus ministros “terra plana” como Damares Alves, Abraham Waintraub e Ricardo Salles. Guedes continua sendo queridinho da família, que defende com unhas e dentes a sua agenda ultraliberal para o Brasil (redução de direitos sociais, estado mínimo, privatizações, submissão aos interesses dos Estados Unidos).

    Em outras palavras, para a família Marinho, pouco importa quem seja o ocupante da
    presidência, desde que a agenda ultraliberal continue sendo adotada e aprofundada e que o
    PT não retorne ao poder. Foi para isso que ela teve participação tão intensa no golpe,
    travestido de impeachment, contra Dilma. Foi para isso que ela jogou pesado em 2018 para
    que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse preso e não pudesse disputar as eleições.
    O sonho da família Marinho e da “elite do atraso” da qual é parte, sempre foi emplacar na
    presidência da República um candidato de centro, que poderia ser desde o seu funcionário e
    apresentador Luciano Huck até o banqueiro João Amoêdo, passando por Henrique Meirelles,
    Álvaro Dias e Geraldo Alckmim. Como nenhum deles decolou nas pesquisas de opinião pública,
    a solução, para neutralizar Lula e o PT, acabou sendo apoiar Bolsonaro.
    Nesse processo de estimular e ampliar o ódio ao PT, a Globo, mas não só ela, também se valeu de fake news. Exemplos?
    A condenação, sem provas, de Lula, seguida por sua prisão é fruto, em grande medida das mentiras que a mídia, Globo à frente, pregou ao povo brasileiro. A tentativa de comparar Lula, um humanista, a Bolsonaro, um autoritário com nítidas inclinações fascistas, é outro exemplo dessas mentiras estampadas em jornais como o Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo.
    A mídia corporativa se aproveita do senso comum, que ela mesma difundiu, de que é independente e que apenas apresenta a verdade ou a realidade ao seu público, para divulgar, como notícia, os seus próprios interesses. Para essa mídia é muito confortável, agora, em que o caos está instalado, tentar jogar a responsabilidade por iludirem o povo brasileiro exclusivamente nas fake news, no “Gabinete do Ódio” e nos militantes bolsonaristas.

    Não resta dúvida que eles possuem enorme responsabilidade pelas mentiras que são contadas diariamente aos brasileiros. A título de exemplo, basta lembrar que relatório produzido a pedido da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News identificou mais de 2 milhões de anúncios pagos pela então Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República em sites de fake news e até de pornografia. Muitos deles são exatamente os que agora estão sob investigação.
    Só que essas mentiras não surtiriam efeito se não tivessem tido e não continuassem tendo o beneplácito ou mesmo o apoio da mídia corporativa, quando lhe é conveniente. Exemplos? Quando o grupo Globo, mesmo agora que se posiciona de forma crítica contra Bolsonaro e é ameaçado com censura e não renovação da concessão, fez alguma reportagem investigativa sobre o teor das fake news? Qual veículo da mídia corporativa teve a coragem de romper com a farsa do tríplex atribuído a Lula? Qual veículo dessa mídia resolveu ir fundo nas denúncias que o advogado Tacla Durán quer fazer contra a turma da Operação Lava Jato em Curitiba? Qual veículo se dispôs a investigar, para valer, as denúncias envolvendo o clã Bolsonaro? Qual veículo de mídia investigou a fundo o paradeiro de Queiróz e suas ligações com o clã Bolsonaro?
    Enquanto a mídia corporativa, inclusive a Globo, em última instância, passava pano para Bolsonaro, ele se sentia cada dia mais à vontade para fazer ameaças, aprofundar crises e tentar estabelecer clima para um golpe de estado, na realidade um autogolpe.
    Como não existe nenhuma força política interna ou externa ameaçando-o politicamente (corrupção é crime previsto no Código Civil), um possível golpe teria como objetivo apenas ampliar os seus poderes. Algo como governar de forma absoluta, livre dos freios e contra freios do Legislativo e do Judiciário, como acontece apenas nas ditaduras.
    É interessante observar como todas as crises no governo Bolsonaro são provocadas por ele,
    por seus filhos ou por gente muito próxima a eles. Crises quase sempre seguidas por ameaças
    autoritárias e insinuações de que, com o apoio dos militares, que já estão em seu governo,
    poderia haver um endurecimento “em nome da democracia” ou “em defesa da democracia”.

    Essa retórica propositalmente confusa acaba sendo reproduzida e amplificada pelas fake news.
    É ela que está na origem de termos como “intervenção militar constitucional” ou “ditadura
    militar democrática”, que povoam cartazes de apoiadores de Bolsonaro em manifestações.
    Como nenhum dos que gritam esses slogans consegue explicar o que seria uma ditadura
    militar democrática, acabaram sendo apelidados de “gado”, por apenas seguirem o berrante
    do dono. No caso, uma manada cada dia mais agressiva e reduzida.
    Os “300 do Brasil”, de Sara Giromini, não passam de uns 30 gatos pingados. Até no
    “curralzinho”, armado pelo governo na saída do Palácio da Alvorada, a militância bolsonarista
    dá sinais de desalento. Tanto que os gritos de “Mito” deram lugar a cobranças em relação ao
    número de mortos pela pandemia e à inação do governo.
    Irritado com as cobranças, Bolsonaro estuda por fim ao “curralzinho”, ao mesmo tempo em
    que vem redobrando as insinuações de que teria apoio dos militares para um endurecimento.
    Sintomaticamente, Bolsonaro ainda não falou nada depois da prisão de Queiroz.
    A exceção dos militares que ocupam cargos em seu governo – perto de 2.500 – e dos de pijama
    que assinaram o manifesto, não se tem notícia de postura inquieta nos quartéis. Ao contrário.
    Mesmo as informações sobre esse setor sendo poucas, o que se sabe é que os militares não
    demonstram entusiasmo para aderir a uma aventura antidemocrática como parece desejar
    Bolsonaro.
    Pesquisas divulgadas nos últimos dias apontam para um visível desgaste na imagem dos
    militares brasileiros junto à opinião pública, exatamente pela excessiva aproximação e
    participação no governo Bolsonaro. O caso do ministério da Saúde é o mais sintomático. Em
    outras palavras, as críticas ao governo Bolsonaro estariam contaminando a própria imagem
    dos militares enquanto instituição.
    Um autogolpe do capitão, respaldado pelos militares, teria ainda muitos problemas com os
    quais se defrontar. Como se sustentaria interna e externamente? Com a crise econômica se
    aprofundando, a saída da pandemia, que ainda parece distante, promete ser nada alentadora.
    Basta lembrar que a queda na venda do comércio, em maio, foi a maior nos últimos 20 anos, e
    os dados da produção industrial estão descendo ladeira abaixo.
    Donald Trump, em plena campanha eleitoral para a reeleição, não parece disposto a apoiar
    uma aventura desse tipo por parte de seu declarado “love”. As Forças Armadas dos Estados
    Unidos certamente não demostrariam simpatia por seus colegas brasileiros, especialmente

    depois que a maior autoridade militar do país, general Mark Milley, pediu desculpas por “sua
    presença em ato ao lado de Trump ter criado a percepção de envolvimento dos militares na
    política interna”.
    O discreto comandante do Exército brasileiro, general Edson Leal Pujol, certamente viu com interesse essa declaração do colega. É desnecessário lembrar a diferença que existe entre Pujol e, por exemplo, o general Luis Eduardo Ramos, que ocupa a Secretaria de Governo de
    Bolsonaro. Mesmo descartando golpe militar, Ramos não deixou de advertir a oposição para “não esticar a corda”. Foi com Pujol e não com Ramos que o ministro do STF, Gilmar Mendes,
    manteve um encontro reservado no fim de semana, no qual, obviamente, o enfrentamento aos atos antidemocráticos esteve em pauta.
    Uma aventura golpista traria ainda problemas extras como criar novas dificuldades para o
    Brasil junto à comunidade internacional, afastar investidores e condenar o país a um isolamento político e econômico maior e mais profundo do que o já experimentado. Em síntese: mesmo que um autogolpe ou algo no gênero se concretizasse, sua continuação seria pouco provável.
    Quanto ao futuro imediato, como lembra a ex-presidente Dilma, “parte da direita rompeu com
    o neofascismo, mas sustenta o neoliberalismo de Guedes”. O que explica o fato de os pedidos de impeachment contra Bolsonaro não andarem na Câmara dos Deputados e explica, também, como o próprio STF, antes tão complacente com todos os ataques à democracia, finalmente resolveu reagir.
    Paralelo a isso e tendo em vista o aprofundamento da crise econômica e sanitária, os verdadeiros manifestantes em defesa da democracia e contrários a Bolsonaro estão de volta às ruas. Espera-se igualmente que a Justiça mantenha a disposição de ir fundo no desbaratamento da rede de fake news e na criminalização de seus financiadores e divulgadores. Espera-se também que Queiroz não tenha nenhum infarto ou coisa que o valha e possa falar sobre tudo o que sabe. Se isso acontecer, dificilmente o coração do bolsonarismo não será atingido.
    Os próximos dias prometem muitas emoções.