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Categoria: Veganismo

  • Mirna Wabi-Sabi: Precisamos reavaliar o que significa passar fome hoje em dia

    Mirna Wabi-Sabi: Precisamos reavaliar o que significa passar fome hoje em dia

    A decisão de demitir Mandetta por conta de medidas de distanciamento social é preocupante, mas não surpreendente. De acordo com o presidente, deixar a população trabalhar significa cuidar de seu bem-estar, algo que um Ministro da Saúde centrista não é bem equipado para supervisionar. O ex-bancário Rodrigo Maia, uma pessoa em teoria mais preparada para lidar com questões econômicas, fala de redistribuição de riqueza, enquanto Bolsonaro o ataca por não ter um coração verde e amarelo. Uma resposta mais “patriota” a essa pandemia seria acabar com o distanciamento e reduzir impostos para empresas que contratarem jovens (de 18 a 29 anos) e pessoas com mais de 55 anos. Em outras palavras, botar as pessoas para trabalhar.

    Comparar o Brasil com os Estados Unidos é inevitável. Bolsonaro disse que não temos o luxo de não voltar ao trabalho, porque não somos tão ricos quanto os EUA e não podemos deixar que nossa dívida aumente mais um bilhão de reais. Maia, por outro lado, disse que o que não podemos permitir é que os erros dos EUA se repitam aqui, e que os índices de morte cheguem a tal nível.

    Se há uma coisa que essa pandemia nos ensinou, é apreciar os dois aspectos mais essenciais da vida: comida e abrigo. Trabalho não é sinônimo disso, já que muitas pessoas trabalham e ainda não tem acesso a essas necessidades básicas. Os países ‘em desenvolvimento,’ que ‘ainda não chegaram a um ponto’ em que comida e abrigo sejam acessíveis a todos e todas, estão se preparando para quando a pandemia os atingir em cheio.

    Talvez seja o nosso ‘subdesenvolvimento’ que nos prepara para lidar com uma crise sem acesso a recursos adequados ou apoio do governo, encontrando maneiras criativas de sobreviver nas paisagens mais áridas. Talvez desenvolvemos a capacidade de fazer gambiarra inevitavelmente, como soluções improvisadas de distribuição de alimentos a pessoas em situação de rua, ampliamos nossa rede e redirecionamos nossos recursos.

    Mas há um aspecto da distribuição de alimentos que sempre foi inflexível e difícil de resolver — o que as pessoas querem comer?

    De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014, pelo Ministério da Saúde, a deficiência nutricional deve ser tratada ao lado de doenças causadas pelo excesso de sódio e gorduras animais. Em outras palavras, a desnutrição causada pela pobreza não pode ser mitigada com uma dieta desequilibrada que gira em torno de carnes e alimentos ultra-processados. Eles podem causar um novo conjunto de problemas, como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e até câncer. Portanto, toda a campanha que visa ‘alimentar o mundo’ precisa reavaliar o que significa passar fome hoje em dia, agora que comida se tornou acessível, mas mata.

    Um dos pratos mais emblemáticos do Brasil é a feijoada. Vem dos tempos coloniais, quando os colonos comiam as partes mais ‘valiosas’ do animal, enquanto pessoas escravizadas recebiam os restos, pés e orelhas. Era uma época em que os escravagistas não queriam que as pessoas consideradas ‘propriedade’ morressem.

    Hoje, a feijoada é para todas as pessoas, mas os pobres ainda estão recebendo as sobras dos ricos. O cachorro-quente, por exemplo, servido em molho de tomate salgado e processado é muito popular. São as sobras das indústrias de suínos, vacas e galinhas misturadas com conservantes, antibióticos e corantes, depois pasteurizadas, embaladas e distribuídas para as famílias de menor renda. Nesses agregados familiares, a ascensão social está geralmente e inconscientemente ainda ligada ao modelo colonial de distribuição de recursos, onde provar um pouco da ‘vida boa’ significa comer a ‘carne boa’. Isso significa que as ‘partes boas’ do animal geralmente são enviadas para o exterior, enquanto os restos são oferecidos a nós disfarçados de O Sonho Americano, uma imagem dos filmes de Hollywood, com um nome que nem podemos pronunciar adequadamente sem inventar vogais: ‘hotchi- dogui’.

    Houve outra mudança nos últimos séculos: pessoas über ricas não querem mais que pobres sobrevivam.

    Tornou-se aceitável permitir que pessoas pobres morram de diabetes, tuberculose, doenças cardíacas, overdose, covid-19 e assim por diante. Não há vídeos de partir o coração de pessoas violentamente magras que, com sua ajuda, serão poupadas da tortura da fome. Existem ‘pessoas pobres e gordas’ que estão doentes ou abusam de drogas devido a suas próprias ‘más escolhas’ e, silenciosamente, morrem aos milhões, sem causar o menor desconforto ao resto do mundo.

    Agora que as academias estão fechadas, qual é o sentido de tirar selfies para colocar no aplicativo se não podemos sair de casa? Quem somos nós quando não estamos constantemente no corre, tentando sobreviver? 2020 está transbordando de angústia existencial, compreensivelmente, já que muito mais pessoas do que o normal estão sentindo a fome e a perda de moradia (e morte) se aproximando delas.

    Podemos apostar nas iniciativas de apoio mútuo, organizar nossa comunidade, redistribuir recursos e alimentar pessoas em necessidade. Se elas pedem hotchi-doguis, é só responder com um emoji triste e cansado.

    Mudar ideias profundamente arraigadas sobre o papel que a desigualdade desempenha em nossas vidas é muito mais difícil do que acessar recursos básicos. Temos os meios para produzir muitos alimentos saudáveis e diversos de forma eficaz, o que não conseguimos fazer é controlar o crescimento da monocultura, que é ineficaz, direcionada ao processamento pesado e à ração. Os alimentos ultra-processados são feitos para serem baratos e durar uma quantidade desconcertante de tempo, e sabemos há anos como são nocivos. Por que tantas pessoas ainda preferem esses alimentos quando recebem uma alternativa pelo mesmo preço?

    A resposta instintiva é afirmar que os aditivos que melhoram o sabor e preservam os alimentos são viciantes, e há algumas evidências disso. Mas eu gostaria de focar no lado social das péssimas dietas, porque também há pesquisas para mostrar que “exclusão e marginalização social progressiva” é uma “característica comum do vício humano” (“Time to Connect: trazendo o contexto social para a neurociência do vício”, por Heilig, Epstein e Shaham). Se os aditivos colocados em alimentos baratos são viciantes, a marginalização torna uma pessoa pobre mais suscetível a esse vício do que a falta de acesso financeiro a alimentos mais saudáveis.

    Alimentos ultra-processados afetam nossa cultura, tornando os alimentos frescos desinteressantes, especialmente para os jovens. Na página 45 do Guia Alimentar, esse impacto é descrito como:

    “A promoção do desejo de consumir mais e mais para que as pessoas tenham a sensação de pertencer a uma cultura moderna e superior.”

    Essa é a consequência da ideologia do consumismo, um modo de vida dos Estados Unidos que se infiltra em nossa psique tanto quanto se infiltra em nossos corpos. Ingerimos novos aditivos da mesma maneira que regurgitamos novos sons. Os Big Macs, por exemplo, são tão problemáticos para comer quanto para pronunciar; essas consoantes abertas inevitavelmente se transformam em ‘Bigui Méki,’ à medida que o ritual da refeição se transforma em porções rápidas e individuais para serem consumidas ‘on the go.’ Não há mais necessidade de ter cozinha, a habilidade de cozinhar, acompanhantes ou tempo. Existe apenas uma solução rápida e individualista por um preço baixo.

    Tentar mostrar que os alimentos processados estrangeiros não são tão bons quanto os produtos locais é mais difícil do que apenas oferecer esses produtos locais aos pobres. Em escala nacional, nossa produção agrícola é em grande parte direcionada para a manutenção dos hábitos alimentares tradicionais do hemisfério norte (e incorporá-los como nossos), como se pudéssemos ‘comer’ dinheiro estrangeiro. O que não considera que nossa terra é propícia para a produção de alimentos muito mais interessantes do que o que os países europeus minúsculos e frios têm sido historicamente capazes de produzir, e estão atualmente interessados em comprar. Não precisamos viver de linguiça e pão branco como um açougueiro Alemão do século 18.

    Este é o Brasil, temos frutas que a maioria das pessoas do hemisfério norte nem sabe que existem. Temos pelo menos meia dúzia de tipos de bananas amplamente acessíveis, abacates do tamanho de bolas de futebol americano, e conhecimento tradicional e milenar sobre relacionamentos sustentáveis com a terra e com o corpo. Pelo menos neste país, alegar que alimentos ultra-processados são mais baratos do que produtos frescos locais não tem base na realidade — ainda. A única maneira disso se tornar realidade é com o marketing mais agressivo dessas empresas, o que aumentará a demanda por esses produtos, tornando outros produtos menos disponíveis.

    Uma das principais sugestões do Guia Alimentar é: não veja o marketing como fonte educacional. A “função da publicidade é essencialmente aumentar a venda de produtos, não informar ou, menos ainda, educar as pessoas” (página 120). As vendas de alimentos aparentemente acessíveis são vistas como um sinal de Desenvolvimento, como progresso para o país e para comunidades marginalizadas. Este ‘desenvolvimento’ não tem em mente o melhor interesse da população, tem em mente os lucros do mercado de ações.

    A cultura tóxica que somos forçados a engolir é o mais difícil de enfrentar nas iniciativas de apoio mútuo. Mais difícil do que arrecadar dinheiro, distribuir recursos, aprender uma nova habilidade, arregaçar as mangas e sujar as mãos. É aquela coisa escondida nos cantos escuros da psique, esse padrão de comportamento que anos de terapia podem nunca alcançar. Ele sussurra: “Eu não quero que as coisas mudem tanto assim” e dá espaço para a publicidade continuar a nos mudar e a destruir os nossos corpos.

    ____ NOTAS

    Este artigo em Inglês: abeautifulresistance.org/site/2020/4/6/thesystemicchangesneeded

    Guia Alimentar 2014: http://www4.planalto.gov.br/consea/publicacoes/alimentacao-adequada-e-saudavel/guia-alimentar-para-a-populacao-brasileira-2014

     

    Mirna Wabi-Sabi é

    Militante descolonial, anarquista, e feminista interseccional. Editora de Gods and Radicals (abeautifulresistance.org), teórica política e professora.

  • Grupo vegano sofre golpe machista e moderadoras são banidas

    Grupo vegano sofre golpe machista e moderadoras são banidas

    Foi através do ativismo antiespecista e culinário que surgiu no Facebook o Ogros Veganos, o maior grupo de veganismo do Brasil – e um dos maiores do mundo. Falando de comida por um viés político, sua a ideia é mostrar que a alimentação sem exploração animal não é só salada, como pensa a maioria das pessoas, e que pode, sim, ser variada e apetitosa.

    Ellen Guimarães, 31, é vegana há sete anos e foi uma das idealizadoras do grupo. Na época, Paulo Victor Pinheiro, 33, era casado com Ellen e criou através de seu perfil o grupo na plataforma. Apesar de “criador”, ele não se envolveu com o grupo por muito tempo. Pelo menos desde 2016 Paulo não tem qualquer atuação dentro do espaço de ativismo culinário vegano.

    Até a noite do último dia 29 de setembro o grupo contava com sete moderadoras, seis mulheres feministas e um moderador aliado à luta das mulheres. Durante a madrugada do dia 30 o golpe foi dado: todas foram retiradas da moderação e excluídas do grupo.

    “Paulo não fez nada além de criar o grupo através de seu perfil. Estávamos eu e ele na cozinha quando ele abriu o computador, criou e colocou uma capa – coisa que ele adora usar como prova para dizer que o grupo é dele. Quem compôs a moderação fui eu, quem administrou as confusões fomos nós, moderadoras. Nós criamos as regras, quem cuida do grupo há mais de cinco anos somos nós. Eu e todas as moderadoras, nunca Paulo. Ele se absteve de moderar o grupo há muitos anos. Não participava das discussões, não se inteirava dos assuntos e não estava presente em nada” disse Ellen em um comentário no Facebook que foi apagado por Paulo minutos depois.

    Sem diálogo e usando de uma autoridade técnica-virtual, Paulo baniu, e vem banindo, todas as mulheres que se posicionaram contra sua ação tirana. Nas redes sociais, ele se apresenta como Paru Vegan – fisioculturista vegano – e “defende” os direitos das mulheres.

    Antes do golpe, a última publicação de Paulo no grupo aconteceu no dia 17 de julho de 2017 e não se tratava de uma publicação de moderação.

    paru vegan

    Ativismo com dedicação

    Com 175 mil membros, o grupo é o maior do segmento no país e serve como fonte de informação, inspiração e troca de experiencias entre pessoas do mundo todo. No ambiente é possível falar sobre veganismo, libertação animal, reforma agrária, direito a alimentação, ecologia, meio ambiente e feminismo. O Ogros Veganos se define como ativismo antirracista, anticapitalista, feminista, pelo direitos humanos e pela libertação animal.

    O grupo é declaradamente de esquerda e defende um veganismo político e não um movimento dependente da indústria e pautado pelo mercado.

    Durante as eleições de 2018, foi um dos poucos grupos de Veganismo a adotar uma postura contrária a Bolsonaro. Em 28 de outubro, dia em que Bolsonaro foi eleito presidente, uma das moderadoras sofreu uma tentativa de invasão em sua conta do Facebook.

    Da esquerda pra direita:
    Talita, Mieko, Sara, Tamine e Ellen, moderadoras do Ogro Veganos. Tamine e Sara não compõem o time atual de moderação. A foto foi feita após a acusação de que a moderação era muito dura por colocar sempre as regras em primeiro lugar

    Com dedicação diária por parte das sete moderadoras, o grupo conta com a contribuição de mulheres de diferentes regiões do país. A pesquisadora Talita Silva Xavier, de 32 anos, entrou na moderação quando o grupo tinha apenas 18 mil membros e diz que desde essa época Paulo não participava com frequência. Mãe de uma bebê de 6 meses, ela se divide entre as tarefas da vida pessoal, o ativismo vegano e materno.

    “Dedico umas duas horas por dia ao grupo. Vou moderando ao longo do dia e quando acordo para amamentar minha filha de madrugada. Na madrugada/manhã do último domingo, por exemplo, ajudei uma mulher também puérpera que postou uma dúvida sobre amamentação. Dividi minha experiência pessoal e recomendei um grupo específico de maternidade vegana” explicou Talita. “Diariamente, temos centenas de posts e dezenas deles estão fora das regras. Além disso, cuidamos do conteúdo dos comentários – não pode ferir direitos humanos ou dos animais”, observou.

    Mieko Cabral, 28, e a advogada Andréa Albuquerque, 36, também eram moderadoras. Elas destacam a importância de pontuar que todo o trabalho é voluntário e que não há nenhum envolvimento financeiro dentro do grupo. Em 2018 uma empresa chegou a procurar a moderação interessada em comprar o grupo, mas a proposta foi recusada por conta dos principios ideológicos e éticos do Ogros Veganos.

    Posicionamento do Facebook e deturpação da missão do grupo

    Segundo apurou os Jornalistas Livres, o Facebook entende a questão com uma lógica empresarial e vê Paulo como criador da empresa, mesmo que ele nunca tenha atuado. Portanto, cinco anos de trabalho diário feito por mulheres serão roubados com o aval da plataforma, já que ela se recusou a fazer uma análise específica sobre o caso, levando em conta que o grupo Ogros Veganos não se trata de uma empresa.

    Ainda segundo a apuração o grupo somente seria devolvido caso o conteúdo atual deturpasse a missão e visão do grupo. Desde ontem os posts estão passando pela aprovação de Paulo e diversos deles tem conteúdos não-veganos. As moderadoras aguardam agora o posicionamento do Facebook sobre a questão.

    1. Publicação com uso de Mel – proibido pelas regras do grupo
    2. Publicação com marca não-vegana – proibido pelas regras do grupo

    Manifestação dos membros

    Em todas as publicações do grupo há comentários pedindo que o grupo seja devolvido às moderadoras. Pelas redes sociais Paulo foi cobrado por centenas de pessoas pela atitude tirana e, excluindo de qualquer possibilidade de diálogo, trancou os comentários de suas publicações.

  • Chanceler de Bolsonaro comemora abertura de mercado para transporte de bovinos vivos

    Chanceler de Bolsonaro comemora abertura de mercado para transporte de bovinos vivos

    O Chanceler do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo, comemorou em sua conta pessoal no Twitter a abertura do mercado de exportação de bovinos para a Malásia. O anúncio oficial foi feito através de nota conjunta do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

    Segundo o governo brasileiro, “a decisão reforça a posição do Brasil como um dos líderes mundiais na exportação de proteína animal e representa um passo importante para o aprofundamento das relações comerciais com a Malásia”. O país asiático tem mais de 30 milhões de habitantes e importa cerca de 80% da carne bovina que consome.

    Ao celebrar o acordo na rede social, Ernesto Araújo esqueceu apenas de mencionar que o trato é  para exportação de animais vivos.

    Durante todo o ano passado a polêmica sobre o transporte de animais vivos para o abate foi tema de acaloradas discussões na Camara Municipal de Santos, onde uma Lei proibindo o transporte de carga viva foi aprovado, na Assembleia Legislativa de São Paulo, onde tramita um projeto do deputado Marcos Feliciano, e até no STF.

    A venda de animais vivos por frigoríficos brasileiros ganhou destaque na opinião pública em fevereiro de 2018, quando organizações não governamentais tiveram vitorias judiciais que impediram que um navio carregado com 25 mil animais no porto de Santos seguisse viagem à Turquia. Após muita confusão os interessados em venda de carne ganharam a disputa depois de um recurso do governo Federal.

    Em outubro, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou uma decisão individual do ministro Edson Fachin que suspendeu a lei municipal de Santos que proibia o tráfego de veículos de transporte de carga viva pelas ruas da cidade.

    Já na Alesp, o tema foi motivo de muita gritaria pelos corredores do Palácio Nove de Julho. O projeto que proíbe o embarque de animais vivos no transporte marítimo e/ou fluvial, com a finalidade de abate para o consumo em todo o estado, de autoria do deputado Feliciano Filho (PRP), foi aprovado no congresso de Comissões em julho apesar da oposição furiosa de um dos manda-chuvas da casa, Barros Munhoz (PSB). Mesmo estando pronto para a ordem do dia o projeto não voltou mais a ser discutido no plenário da Casa.

    As exportações de gado vivo se tornaram uma possibilidade atrativa para a pecuária porque gera até 25% a mais do que no mercado interno. Segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços o país encerrou 2017 exportando 400,66 milhões de cabeças vivas, o que significou mais de 40% do total registrado em 2016.

    Segundo entidades de defensa dos animais, a perda de vida em traslados longos gira em torno de 10%.

  • O maior terreiro do mundo na zona sul de SP: Festival Percurso 2018!

    O maior terreiro do mundo na zona sul de SP: Festival Percurso 2018!

    Feito para ser o #maiorterreirodomundo, o Festival Percurso 2018 – De Jardim a Jardim ocorre no próximo dia 09 de dezembro na Praça do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo (SP), com entrada gratuita para as mais de 40 diferentes atrações programadas para todo o dia. Também haverá um pré-festival de boas-vindas, o Perifa Talks, no dia anterior, sábado 08 de dezembro, das 10h às 17h30 no Cantinho de Integração de Todas as Artes (CITA), na  Praça do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo.

    A organização do evento espera cerca de 10 mil pessoas no domingo e oferece uma programação que abrange crianças, jovens, adultos e idosos. A proposta é levar ao público atividades educacionais, de entretenimento e de geração de renda.

    Rincon Sapiênicia no Festival Percurso, no domingo, na Praça do Campo Limpo. Só vem! (Foto: Andreh Santos)

    Dividido por tendas, o festival é organizado pela Agência Popular Solano Trindade, que neste ano se une ao movimento De Jardim a Jardim, por meio da parceria com a associação C de Cultura. Essencialmente horizontal e feito há muitas mãos – com mulheres, jovens, idosos, artistas, pequenos empresários e profissionais de diferentes áreas –, o Festival Percurso acontece desde 2013 e prestigia talentos, fomenta a cultura e os negócios locais. Mas não só.

     

    O alcance do evento vai além da periferia e promove o encontro com públicos das regiões centrais da cidade. Todas as atividades serão realizadas num único local, a Praça do Campo Limpo, local de fácil acesso (bem ao lado do terminal de ônibus do Campo Limpo e numa reta só da avenida Prof. Francisco Morato e Estrada do Campo Limpo). Palco histórico de atividades culturais da Zona Sul, o local é berço histórico de saraus, eventos literários e de artistas como Racionais MCs, Criolo, entre tantos outros.

    A quinta edição do Percurso, cujo tema é #omaiorterreirodomundo, traz programação que reúne a ancestralidade dos povos de terreiro e indígenas à nova geração de visionários da periferia e fora dela. A arte e a cultura, assim, acabam por promover pontes sociais. Também fomentam a economia local.

     

    Thiago Vinicius, da Agência Solano e um dos organizadores do evento, ressalta que o Festival Percurso é a união de vários propósitos da Agência Solano, que tem como missão fortalecer a arte e a economia da região dos bairros do Campo Limpo, Capão Redondo e arredores da periferia da zona Sul de São Paulo.

     

    “O Festival traz a união das relações de produção, consumo e comercialização de serviços locais com a arte e a cultura da periferia e das regiões centrais. Tudo isso em harmonia com a sabedoria e os ensinamentos dos nossos mestres e ancestrais. Ao reverenciar nossos sábios também prestigiamos a caminhada que segue pelas novas gerações”, diz Thiago.

     

    O evento recebe neste ano atrações como Rincon Sapiência, Xaxado Novo, Tião Carvalho – comemorando os 40 anos de carreira – Bia Ferreira, Curumin, De Jardim a Jardim, Abôrigens, Mãe Beth de Oxum, de Recife (PE), Slam das Minas SP, Graja Minas e o Maracatu Nação de Kambinda, do Embu das Artes, homenageando a escritora, artista plástica, coreógrafa e folclorista brasileira, Dona Raquel Trindade.

     

    Haverá ainda um show que mescla três apresentações no mesmo palco para celebrar os encontros transformadores entre as periferias e o centro. A música “De Jardim a Jardim” fará a ponte entre o hip hop da banda Abôrigens, a Abô, da produtora cultural e social A Banca – que promove ações de impacto nas quebradas por meio da música – com o cantor, compositor e multiinstrumentista Curumin. A canção, uma composição colaborativa, é resultado de um intercâmbio de saberes e fazeres entre jovens de diferentes origens socioeconômicas de São Paulo promovido pela associação C de Cultura. No espetáculo, Abô traz a mistura do Dub, Rap, Reggae e Rock. Curumin, por sua vez, apresenta o repertório de “Boca”, seu elogiado quarto disco.

     

    A tradicional roda de samba Ajayô Samba do Monte vai celebrar seus 10 anos no festival e levará ao palco Raquel Tobias, uma das pioneiras a levar o protagonismo feminino ao samba, e representantes históricos da velha guarda das escolas de samba de São Paulo. Entre eles, estarão Seu Carlão, conhecedor das origens do jongo e do congado e um dos fundadores da Unidos do Peruche; e o compositor Silvio Modesto, da Pérola Negra, que já foi gravado por Bezerra da Silva e ainda acompanhou Cartola na gravação de seu último show ao vivo.

     

     

    O lema do Festival Percurso é Juventude Periférica, gerando renda, trabalho e desenvolvimento local, o que significa que a nossa visão de geração de renda está ligada ao desenvolvimento comunitário”, contou Alex Barcellos, produtor cultural da Agência Solano.

     

    De Jardim a Jardim

     

    C de Cultura

    O Festival Percurso abre as portas para o movimento De Jardim a Jardim, iniciativa promovida pelo C de Cultura, cujo objetivo é celebrar os encontros entre o centro e as margens da cidade. É um convite a um importante deslocamento, não apenas geográfico, mas cultural e de trocas humanas.

     

    “Nossa prioridade não é criar novos projetos nessas regiões, mas sim apoiar para promover o crescimento dos que já existem”, diz o psicólogo, músico e educador Ricardo Leal, atual presidente e sócio-fundador do C de Cultura. “Entendemos que quem já está lá trabalhando, vivendo e pensando aquele território tem muito mais a ensinar para nós. É um grande processo de troca”, completa Léo Mello, diretor da associação que também é pesquisador da cultura popular.

     

    Pensado para ser o #maiorterreirodomundo, o Festival na prática, vai fomentar a união que passa entre os povos através de diferentes vertentes musicais, culturas ancestrais e na economia, trazendo a ‘re-união’ do que há de mais bonito no Brasil: o conceito de agrupamento, de aquilombamento, transformando a Praça do Campo Limpo em um chão abençoado por mestres de religiões de matrizes africana e indígena. Nessa confraternização, o bastão dos sábios griôs será passado para as mãos da nova geração.

    O conceito  “De Jardim a Jardim” nasce da metáfora sobre a necessidade de encontro e troca entre as pessoas, independente do bairro onde moram e da realidade de vida de cada um, a arte será sempre capaz de aproximar todos, afinal, sempre há o que se aprender e ensinar, de ambos os lados.

     

     

    Confira a programação de algumas tendas e atividades

     

     

    PERIFA TALKS 

    No sábado, dia 8, a partir das 10h da manhã, o Festival Percurso promove o Perifa Talks com uma série de relatos de personagens inspiradores. Na Tenda dos Povos, que fica no Espaço Cita (Cantinho Integrado de Todas as Artes), na própria Praça do Campo Limpo, será possível presenciar os depoimentos sobre a vida, obra e a trajetória empreendedora de grandes referências em projetos de negócios, alimentação saudável, saúde mental, uso de ervas medicinais, empreendedorismo negro, protagonismo feminino, hip hop etc. Além das falas dos convidados, o diálogo estará aberto para a interação.

     

    Entre os participantes, estão Adriana Barbosa, criadora da Feira Preta e a MC e a articuladora Nayra Lays, de 21 anos, que tratará da nova geração de mulheres artistas que estão emergindo das margens e ocupando todos os espaços. Mestre Aderbal Ashogun apresentará a importância da preservação e manutenção da cultura brasileira principalmente dos povos e comunidades de matriz africana.

     

    Ainda no sábado, logo após o Perifa Talks, às 19h, haverá a intervenção artística do Projeto Omodé, com música percussiva de atabaques, ganzás e agogôs tocados por jovens moradores da periferia da Zona Sul. A cultura afrobrasileira também estará presente na exposição fotográfica “O axé visível dos terreiros” que vai além da exibição de imagens. A exposição traz a provocação do que se pode ou não ser registrado dentro dos terreiros espalhados pelo Brasil. Os fotógrafos Fernando Solidade, Nego Júnior e Rogerio Pixote fundem a experiência do olhar fotográfico documental das periferias com registros feitos nas casas de axé.

     

    Também sábado, das 19h30 às 21hs, a Juventudo dos Terreiros estará reunida nos “Dialógos para o futuro”. Na sequência, o DJ Eduardo Brechó fará discotecagem da festa “Do tambor ao toca discos”.

     

     

     

    TENDA DAS YABÁS

     

    A Tenda das Yabás homenageia as mães-rainhas e os orixás femininos, exaltando a força artística das mulheres da periferia. Está confirmada a presença do coletivo União Popular de Mulheres, que desde a década de 1960 promove a emancipação e conquista plena dos direitos da mulher. Também está confirmada a presença da Aldeia Tenondé Porã, com intervenção artística do Coral Guarani, ao som de rabeca e violão.

     

    O espaço recebe também a Associação de Kung Fu Garra de Águia Lily Lau, de Taboão da Serra, apresentando o espetáculo Dança de Leão, do folclore chinês, para espantar maus espíritos e trazer sorte e prosperidade. A programação ainda inclui apresentação teatral com a companhia Satyros, apresentação musical e artística com Funk de Griffe, Graja Minas e poesia com o Slam das Minas SP.

     

     

    TENDA DOS ERÊS

     

    Pela primeira vez o evento conta também com a Tenda dos Erês, um espaço lúdico com o propósito de oferecer alegria, integração, cultura e valores humanísticos para o público infantil. Haverá jogos cooperativos, pintura indígena, oficinas artísticas, brincadeiras antigas e populares de povos do mundo, contação de histórias e clown.

     

    A atividade “Gestar, Parir e Cuidar em Percurso” ocorre a partir das 9h30 com diálogos sobre a gestação, assistência ao parto humanizado, pós-parto e perspectivas de atuação no atual contexto político. Haverá participação de doulas, profissionais de unidades de básicas de saúde, obstetriz, além de oficinas de dança materna, sling, cultura da amamentação e pintura de barriga. Entre outros convidados estarão, Ayê Coletiva, representantes do centro de parto humanizado Casa Ângela e o coletivo Mãe na Roda.

     

    Neste espaço ocorre também a exposição da fotógrafa Lela Beltrão, sobre partos naturais que em 2016 já esteve no Salão de Arte Contemporânea, no Carrossel Du Louvre, em Paris.

     

    TENDA DOS POVOS

    A Tenda dos Povos vai reunir uma comitiva de mais de 20 mestras e mestres de povos de terreiro, representantes da juventude camponesa, quilombolas e indígenas Guarani e Pataxó. A curadoria do encontro é do Mestre Aderbal Ashogun, sacerdote do candomblé, professor, artista, escritor e coordenador da rede Omo Aro Cia Cultural, que desde 1992 tem como prioridade a manutenção e o resgate do complexo cultural dos povos tradicionais de terreiros.

     

    Às 9 horas da manhã do domingo, haverá na tenda uma “roda de cura” chamada “Cânticos para a Mãe Terra”, conduzida por Mãe Beth de Oxum e o ogan Luiz Bangbala, o mais velho do candomblé do Brasil. O ritual do plantio de uma árvore de baobá será outro momento importante. A tenda recebe a presença de Raniere Costa, capoeirista, filho do Mestre Môa do Katendê. Ao meio-dia, um cortejo de afoxé percorrerá toda a praça para, então, abrir uma roda de capoeira que vai até as 13hs quando os tambores se aquecem para o Ajayô Samba do Monte.

     

     

    Feira Paul Singer

    O espaço de empreendedoras e empreendedores do Festival leva o nome professor Paul Singer, que fundamentou os princípios da economia solidária. A famosa feira da @agsolanotrindade ficará na Praça do Campo Limpo das 10h às 19h do domingo com novidades da moda, acessórios, artesanatos, produtos para decoração, etc. É um convite a quem quer adiantar as compras de Natal e ao mesmo tempo fortalecer a economia solidária.

     

     

    Alimentando Pontes

     

    O espaço “Alimentando Pontes” vai reunir no domingo, das 10h às 19h, chefs das periferias com chefs da região central de São Paulo na tenda Alimentando Pontes. Os encontros não serão apenas culinários mas, principalmente, de troca de experiências de vida e opiniões sobre a democratização do ato de comer bem. Ao som dos artistas da cultura periférica, em um ambiente descontraído, está confirmada a presença da chef Bel Coelho, do premiado restaurante Clandestino e apresentadora do programa Receita de Viagem (TCL Discovery). A chef Tia Nice, da Cozinha Criativa da Agência Solano Trindade, e o Mestre Aderbal Ashogun, sacerdote do candomblé, também vão cozinhar na tenda. O evento recebe também os chefs Edson Leite, do Gastronomia Periférica, a vegana Laila Mengarda e Luciano Nardelli, da premiada Carlos Pizza.

     

    Os chefs convidarão o público para uma experiência deliciosa, com um bom papo, apreciando uma cerveja artesanal da roça, o que é garantia de bom rango”, anunciou a organização.

     

    Gastronomia da periferia

    O Festival Percurso traz também mais de 30 tipos de empreendimentos gastronômicos de quituteiras de mão cheia, restaurantes e projetos relacionados à cultura alimentar. Além dos tradicionais tutu de feijão, baião de 2 e acarajés, a feira vai oferecer pastéis de panc (plantas alimentícias não convencionais), sorvetes e compotas gourmet e cervejas artesanais.

     

     

    Feira Campo & Perifa

    A conexão entre a roça e a periferia estará nas barracas de alimentos orgânicos vindos direto dos produtores, na venda de queijos, geleias, antepastos, mel, cosméticos naturais ou mesmo na troca de sementes. Mas não só. O espaço foi criado para difundir princípios de respeito e interação sustentável do ser humano com a natureza. Os expositores, alinhados à sabedoria da agricultura familiar e às boas práticas da permacultura, são especialistas no gerenciamento integrado dos ecossistemas naturais e vão estar disponíveis para interagir com o público.

     

    Serviço

    FESTIVAL PERCURSO 2018 – DE JARDIM A JARDIM

    Pré-festival dia 8.12 (sábado) das 10h às 22h

    Festival dia 9.12 (domingo) , a partir das 8h

    Praça do Campo Limpo: Dr. Joviano Pacheco de Aguirre, 30 – Jardim Bom Refúgio. Na zona sul de São Paulo, fica a 5 minutos do Terminal de ônibus Campo Limpo.

     

    COMO CHEGAR:

    De ônibus: Vários terminais de ônibus da cidade têm rotas que se conectam ao Terminal Campo Limpo. Exemplos: do Terminal de ônibus Pinheiros pegue a linha 809P-10 para chegar ao do Campo Limpo. Ao sair do Terminal Campo Limpo, siga à direita e caminhe por 500 metros.

     

    De metrô: Pela linha 5 do metrô, desça na estação Campo Limpo. A praça fica a 15 minutos do local pelas linhas de ônibus 343, 178 ou 245 ou 056 ou 178BI1 ou 587BI1.

     

    De carro: Da Zona Oeste da cidade, siga numa reta só pela Avenida Prof. Francisco Morato e depois pela Estrada do Campo Limpo. Pela Marginal Pinheiros, siga as indicações para Campo Limpo/Jd São Luís/Itapecerica, permaneça na Avenida João Dias até a Estrada da Itapecerica e Estrada do Campo Limpo.

     

    Mais informações sobre o festival podem ser obtidas no link: https://www.facebook.com/FestivalPercurso/

    www.festivalpercurso.com.br

     

  • Festival Estadual da Reforma Agrária será marco de resistência em Minas Gerais

    Festival Estadual da Reforma Agrária será marco de resistência em Minas Gerais

    Da Página do MST

    Além das tradicionais delícias da Cozinha da Terra e dos frutos da luta pela terra, o Festival trará a tenda da saúde, dezenas de apresentações musicais e poéticas. Para isso, os artistas convidados estão se auto organizando em apresentações coletivas.

    Desta vez, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ocupa o Parque Municipal de Belo Horizonte e comemora 30 anos de atuação no estado, com o lema “Semeando e alimentando a resistência”. O Festival tem objetivo de mostrar que com a produção de alimentos saudáveis e a cultura organizada é possível combater o ódio promovido pela política neofascista.

    A importância de debater a agroecologia no campo e na cidade e continuar fornecendo produtos de boa qualidade e preço justo é uma das razões que move o MST a mais uma vez abrir o espaço de troca de saberes na capital mineira. No ano passado, o MST realizou o Circuito Mineiro de Arte e Cultura da Reforma Agrária, o I Festival Estadual, e em 2016, Belo Horizonte recebeu o Festival Nacional.

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    Arte de resistência

    Da parceria frutífera do Movimento com artistas populares de Minas Gerais, nasce uma programação repleta de surpresas e cumplicidade, com nomes diversificados, que vão do rap ao samba e a tradicional viola, desenhando a reforma agrária em verso e melodia.

    Quilombo resiste

    Um dos destaques entre os produtos é o café Guaií. Produzido no Sul de Minas, no acampamento Quilombo Campo Grande, o café agroecológico está ameaçado de despejo, desde que um juiz substituto da vara agrária retomou uma liminar que estava para há anos e decidiu expulsar 450 famílias da terra. O acampamento possui 20 anos de história, produz 510 toneladas de café por ano e tem a perspectiva de dobrar a produção nos próximos anos.

    Com o despejo, as famílias perderão suas casas já construídas em alvenaria, as benfeitorias realizadas no local e milhares de hectares de produção de milho, mandioca, amendoim, frutíferas e hortaliças. O despejo também é uma ameaça para a cidade de Campo do Meio, que terá a economia em crise, com 20% da população sem trabalho e renda.

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    Armazém do Campo

    Em no dia 30 de novembro comemora-se também um ano da inauguração do Armazém do Campo, a rede dos produtos da terra na capital mineira. Com bastante diversidade, o Armazém tem produtos de todas as regionais do MST de Minas Gerais, e recebe produtos de outros estados, como o arroz orgânico, do sul e o chocolate orgânico, que vem da Bahia.

    Minas Gerais foi o segundo estado a abrir o Armazém do Campo, que começou em São Paulo e já chegou ao Rio de Janeiro. A loja também levará produtos especiais para o Festival.

    Serviço

    II Festival Estadual de Arte e Cultura da Reforma Agrária

    Data: 14 a 16/12
    Hora: de 8h às 22h
    Local: Parque Municipal Américo Renné Giannetti
    Entrada Gratuita

  • “A exploração de animais não-humanos é uma parte essencial na expansão e no sustento do colonialismo”

    “A exploração de animais não-humanos é uma parte essencial na expansão e no sustento do colonialismo”

    Conheça a editora do blog Papacapim, Sandra Guimarães, que escreve sobre a culinária vegetal. Para ela os valores do Veganismo são os mesmos pelos quais os militantes da esquerda lutam: justiça, solidariedade e igualdade. E é impossível separar a exploração de animais não-humanos dos interesses essenciais do colonialismo e do capitalismo.

    No próximo dia 16/08, às 10h o Jornalistas Livres estarão com Sandra, que hoje mora na Palestina, para um bate-papo ao vivo. Fique de olho das nossas redes para saber mais.

    Abaixo, uma entrevista publicada pelo SUl 21 em abril deste ano:

    ‘Todas as opressões estão conectadas. Veganismo é uma extensão lógica da luta anti-opressão’

    Marco Weissheimer

    Existe uma hierarquia da opressão? Deve existir uma hierarquia entre as diferentes lutas contra diferentes formas de opressão? Essas questões entraram na vida de Sandra Guimarães desde cedo. Nascida em uma família vinda do Sertão nordestino, ela nasceu e cresceu em Natal, Rio Grande do Norte. O seu pai entrou no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) quando ela tinha 12 anos de idade e a reforma agrária passou a fazer parte de seu cotidiano. Estudar no exterior era o seu maior sonho e, desde os 14 anos, passou a economizar dinheiro para realizá-lo. Aos 20 anos, foi estudar em Paris onde morou por seis anos, formando-se em Linguística. Em 2007, decidiu fazer um trabalho voluntário de duas semanas na Palestina. Acabou ficando cinco anos lá trabalhando como voluntária no campo de refugiados de Aida, em Belém. Ao longo dessa trajetória, Sandra tornou-se chef vegana, escritora, ativista e guia política na Palestina.

    Editora do blog Papacapim, Sandra Guimarães vem levando, desde 2014, grupos de brasileiros para tours político-ativista-veganos na Palestina. Para ela, o veganismo não é uma escolha alimentar, mas sim política. “Embora a opressão tenha várias faces”, assinala, “cada uma com as suas particularidades, todas elas tem uma coisa em comum: a exploração, discriminação e violência contra o ser mais vulnerável pelo ser que tem mais poder”. Em entrevista concedida por e-mail ao Sul21, Sandra Guimarães fala sobre essas escolhas, suas raízes e implicações políticas, e sobre o trabalho que vem realizando na Palestina. Os valores principais do veganismo, defende, são os mesmos pelos quais a esquerda luta: justiça, solidariedade e igualdade. “Se dizer vegana e de direita me parece uma contradição”, afirma

    Sul21Como se deu para ti essa confluência entre uma escolha alimentar e uma escolha política e de modo de vida?

    Sandra Guimarães: Primeiro de tudo acho importante esclarecer que o veganismo não é uma escolha alimentar. Na verdade o regime da vegana é “vegetariano”, ou seja, somente alimentos de origem vegetal (quem não se alimenta do corpo de animais não-humanos, mas consume seus derivados segue o regime “ovo-lacto-vegetariano”). Então a pessoa vegana tem um regime vegetariano, mas também boicota a exploração e a violência contra animais em todos os aspectos da vida. Logo, o veganismo vai muito além do prato.

    Tendo esclarecido o primeiro ponto, passemos ao segundo. Tem essa ideia de que a pessoa vegana optou por seguir uma ideologia, o veganismo, enquanto a pessoa que come animais e seus derivados, não. A verdade é que quando eu escolho comer plantas e você escolhe comer animais, nós duas estamos seguindo uma ideologia, mas a segunda é invisível porque é a ideologia dominante.  Essa ideologia se chama “carnismo” e nos ensina, desde que nascemos, que comer animais e seus derivados é normal, natural e necessário (os três N do carnismo, descritos por Melanie Joy). Mas não todos os animais! Em algumas partes do mundo cachorros e insetos são considerados alimento, enquanto no Brasil são considerados, respectivamente, como companheiros ou praga. O carnismo traça essa linha arbitrária que vai decidir quais animais são comida e quais não são. A pessoa onívora gosta de acreditar que “come de tudo”, mas esse “tudo” representa simplesmente o que a sociedade onde ela vive decidiu que era comida.

    “Quando eu escolho comer plantas e você escolhe comer animais, nós duas estamos seguindo uma ideologia”. (Arquivo pessoal)

    Quando o veganismo entrou na minha vida eu já questionava muita coisa e estava envolvida em algumas formas de ativismo. Eu nasci em uma família economicamente desfavorecida, vinda do Sertão nordestino. Meu pai entrou pro MST quando eu tinha uns 12 anos e reforma agrária passou a fazer parte dos assuntos que discutíamos em casa. Meus pais tinham sido agricultores sem-terra boa parte da vida, assim como meus avós paternos e maternos. Embora minha família não fosse politizada, eu cresci com essa consciência de classe, esse entendimento da injustiça no campo e de que as pessoas mais vulneráveis eram exploradas e discriminadas. E além de ser mulher, sou lésbica e comecei a sentir essa discriminação dupla, causada pelo machismo e pela lesbofobia, muito jovem. Eu só me tornei ativista aos vinte e poucos anos, mas cresci vendo injustiça ao meu redor, sendo vítima de muitas delas e a vontade de mudar isso sempre esteve presente.

    O veganismo veio então como a ferramenta que faltava pra eu entender que embora a opressão tenha várias faces, cada uma com as suas particularidades, todas elas tem uma coisa em comum: a exploração, discriminação e violência do ser mais vulnerável pelo ser que tem mais poder. Então essa confluência de causas que você falou vem daí. Do entendimento que todas as opressões estão conectadas. Do entendimento que justiça é algo indivisível. Se a justiça é dada a um grupo enquanto o outro é privado dela, isso é uma situação de injustiça.

    Sul21O que significa exatamente dizer que não é possível, coerentemente, ser um vegano de direita e/ou capitalista e/ou colonialista?

    Sandra Guimarães: A maneira mais frequente de descrever o veganismo é “um modo de vida que busca excluir na medida do possível e praticável toda e qualquer exploração e crueldade contra animais pra alimentação, vestuário e qualquer outro propósito”. O inglês Donald Watson, que criou a palavra “vegan” e fundou a primeira sociedade vegana, em 1944, é o autor dessa definição. Não é a minha maneira preferida de descrever o veganismo porque ela pode levar à uma interpretação focada exclusivamente no consumo individual. Eu prefiro outra definição, a que entende o veganismo como uma postura política que rejeita a objetificação e mercantilização de animais e se compromete com a luta por abolição da exploração animal. Embora o objetivo do veganismo seja a libertação de animais não-humanos, eu vejo esse movimento como uma extensão lógica da luta anti-opressão de um modo geral.

    Muro construído por Israel para separar comunidades palestinas em Jerusalem Oriental, cortando uma das estradas principais da Palestina. (Arquivo pessoal)

    Os valores principais do veganismo e da esquerda, como corrente política, são os mesmos: justiça, solidariedade e igualdade. Já o carnismo, a ideologia contrária ao veganismo, representa a ordem, onde os mais fortes, nesse caso os humanos, exploram os mais fracos, os não-humanos. Se dizer vegana e de direita me parece uma contradição porque não vejo como você pode defender a ordem, que é um dos valores principais da direita política, e ao mesmo tempo lutar por justiça e igualdade, valores que são impedidos de serem realizados enquanto essa ordem, que é necessariamente injusta, existir. Não estou afirmando que todas as pessoas que consomem animais são necessariamente de direita, mas se você é de esquerda, está engajada na luta por justiça e igualdade, mas ignora a conexão entre a opressão humana e animal, então sua análise está incompleta.

    A exploração de animais não-humanos foi e ainda é uma parte essencial na expansão e no sustento do colonialismo.

    Por isso também não vejo como seria possível defender o capitalismo e o colonialismo e se manter coerente com a ética vegana. A exploração de animais não-humanos foi e ainda é uma parte essencial na expansão e no sustento do colonialismo. Animais foram uma das primeiras formas de acumulação de capital e na fase mais moderna do capitalismo a exploração animal atingiu dimensões gigantescas e vimos o nascimento de fazendas de criação intensiva, onde animais são confinados aos milhares, abatedouros-fábricas com linhas de produção e capacidade de matar um número absurdo de animais por hora. Por isso é uma contradição se dizer vegana, ou seja, se posicionar como alguém que luta contra a exploração animal, e ao mesmo tempo defender o capitalismo e o colonialismo, sistemas que apoiam e se beneficiam imensamente da exploração animal. Algumas pessoas argumentam que seria possível ver nascer um capitalismo mais “compassivo” e sem exploração animal, talvez até sem racismo e sem a opressão das mulheres, mas isso é uma abstração que ignora que o capitalismo existente é fruto desses processos históricos reais.

    Mas olha, não sou a porta-voz do movimento vegano e as opiniões que expresso aqui são só minhas. Como já falei, vejo o veganismo como parte essencial de uma luta anti-opressão mais abrangente, mas muitas pessoas vivem o seu veganismo de acordo com uma interpretação bem diferente. O veganismo que mais cresce é um veganismo que se distanciou do movimento radical inserido na luta por justiça social que ele foi durante a maior parte da História e passou a se interessar mais pelo indivíduo vegano. É um veganismo que não só é desconectado de outras lutas, mas cuja razão da sua popularidade é exatamente se definir como apolítico. O veganismo passa a ser vivido como uma prática individualista e consumista, motivada por ideais de compaixão, saúde e sustentabilidade, certo, mas que não deixa de ser uma prática consumista cujo potencial revolucionário foi suprimido. Essa despolitização do veganismo acabou deixando o espaço livre pra cooptação do movimento pelo capitalismo, tratando-o como um nicho de mercado, enquanto continua lucrando com a exploração e assassinato de mais de 70 bilhões de animais terrestres por ano, além de destruir a Terra e perpetuar violências contra humanos.

    Mas a comunidade vegana é diversa e muitas de nós seguem essa linha revolucionária e entendem o veganismo como um movimento radical, anti-capitalista e anti-colonialista, que luta pela abolição animal, mas que também se posiciona do lado de todas as pessoas oprimidas no mundo.

    Sul21Em que medida, na sua opinião, a esquerda (considerando aqui uma visão de esquerda em geral, de pessoas que se reivindicam de esquerda, não necessariamente integrantes de partidos) vem tratando temas como o dos direito animais e a dimensão política da alimentação?

    Sandra Guimarães: Me parece que a dissonância cognitiva da esquerda em geral com relação ao veganismo é bem grande. Pessoas de esquerda vão lutar contra o agronegócio, contra a violência no campo, contra o desmatamento das florestas, contra o extermínio das populações indígenas, contra o latifúndio, contra as desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, falham em ver a conexão que aquele bife ou pedaço de queijo que ela come todos os dias tem com isso tudo. Sinto que essas pessoas veem a luta pela abolição da exploração animal como algo sem sentido ou até ofensivo diante de tanta opressão humana.

    Como disse Angela Davis “a falta de engajamento crítico com a comida que comemos demonstra a que ponto a mercantilização se tornou a principal maneira pela qual percebemos o mundo.”

    Mas não dá pra falar de direitos das populações indígenas e ignorar que a pecuária é responsável por 91% do desmatamento no Brasil, seja pra criar pastos ou cultivar soja pra alimentar animais destinados ao consumo humano. Não dá pra falar de soberania alimentar e ignorar que a pecuária ocupa 75% das terras aráveis do mundo, seja pra pasto ou pra produção de ração, mas produz apenas 12% das calorias consumidas globalmente. Que quase 80% da soja processada no Brasil vira ração e quase metade da soja não processada é exportada pra alimentar os animais criados pra consumo no exterior. Não dá pra falar de aquecimento global e ignorar que a pecuária sozinha é responsável por 14% da produção de gases de efeito estufa, mais do que todo o setor de transporte reunido. Falar da exploração da classe trabalhadora e ignorar que o trabalho nos frigoríficos é um dos mais insalubres que existe, com exposição a gases tóxicos, manuseio de instrumentos cortantes, repetição de gestos que levam a doenças crônicas, estresse e acidentes causados pela pressão pra produzir sempre mais e mais rápido. É um trabalho tão ruim e perigoso que só quem não tem nenhuma outra opção aceita fazê-lo, o que muitas vezes significa populações vulneráveis como imigrantes e refugiados sem documentação.

    Eu fico muito decepcionada em ver o pessoal da esquerda ter uma atitude tão incoerente quando o assunto é veganismo. Vão denunciar o latifúndio, mas quando a vegana entra na conversa passam a defender a pecuária. A análise crítica para antes de chegar no conteúdo do prato. Como disse Angela Davis “a falta de engajamento crítico com a comida que comemos demonstra a que ponto a mercantilização se tornou a principal maneira pela qual percebemos o mundo.” É difícil entender como pessoas na esquerda podem falar longamente sobre o valor de troca do objeto real, mas não conseguem usar a mesma lente pra analisar o bacon ali no prato, pra enxergar o que está por trás daquele peito de frango, as relações que esses objetos incorporam e as implicações da sua produção.

    Sandra Guimarães, Sameh Arekat e Ahmad Safi, na universidade palestina Al Quds. Eles são os fundadores da Palestinian Animal League. (Arquivo pessoal)

    Talvez algumas pessoas na esquerda associem o movimento vegano a uma escolha consumista e inacessível pra classe economicamente desfavorecida. Reconheço que nós, veganas, somos em boa parte responsáveis por isso. A mídia social ajudou a divulgar o veganismo, como aconteceu com muitos movimentos progressistas, mas ao mesmo tempo basta dar uma olhada no Instagram de veganas populares pra ver que o veganismo exibido ali é despolitizado, elitista e na maior parte do tempo consumista. Isso acaba alienando muita gente. Aquela história de que se não for acessível aos mais pobres, não é revolucionário. A verdade é que comida vegana pode ser a mais barata de todas, encontrada nas feiras (não em lojas de produtos especializados). É macaxeira, é tapioca, é feijão com arroz. Como diz um amigo meu: “Comida vegana é a comida do proletariado.”

    E os produtos frutos da exploração animal são artificialmente baratos. Um relatório feito pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e pela Agência Alemã para a Cooperação Internacional mostrou que pra cada R$1 milhão de receita gerado pela pecuária, R$ 22 milhões se perdem em capital natural e outros danos ambientais. E o prejuízo ambiental não para por aí. As operações de abate e processamento de animais custam 371% a mais, em danos ambientais do que a receita que geram. Já imaginou quanto custariam os pedaços de animais vendidos em açougues se refletissem com o custo real de produção? Não precisamos imaginar porque já tem vários grupos pagando caro pela carne que você compra barata: biomas desaparecendo, populações indígenas perdendo suas terras e sofrendo uma verdadeira limpeza étnica, ativistas que militam contra os crimes do agronegócio sendo assassinadas… Aí a esquerda vai por um lado defender a floresta, defender as populações indígenas e por outro lado patrocinar, ao comer carne, os crimes que denuncia. Percebe a incoerência?

    “Nem todas as pessoas que participaram do tour eram veganas, mas a condição era de que, naquelas duas semanas, elas se alimentassem só com alimentos de origem vegetal”. (Arquivo pessoal)

    Sul21Como nasceu essa ideia do tour político-vegano na Palestina e qual o objetivo desta iniciativa? 

    Sandra Guimarães: Eu fui pra a Palestina, pela primeira vez, em 2007, pra um trabalho de voluntariado de duas semanas. Eu estava morando em Paris, onde estudei durante seis anos. Fui a Palestina pra ficar duas semanas e acabei ficando cinco anos. Depois de viver cinco anos na Palestina, sempre trabalhando como voluntária no campo de refugiados de Aida, em Belém, eu me senti na responsabilidade de compartilhar o que eu tinha aprendido com a minha comunidade, no caso as pessoas do Brasil. Há grupos de brasileiros que vêm para a Terra Santa, mas só visitam Israel. Nos cinco anos em que vivi na Palestina, cruzei com muitos ativistas da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá, mas não encontrei quase ninguém do Brasil. Então, senti essa responsabilidade de compartilhar a causa palestina e o que estava acontecendo lá com as pessoas do Brasil.

    Em 2013, fui morar na Bélgica, em Bruxelas, e um ano depois decidi fazer o primeiro tour na Palestina, sempre com esse objetivo de compartilhar a Palestina que eu conheci com pessoas do Brasil. É um tour político, ativista e vegano. A ideia, desde o início, era mostrar toda a opressão da qual o povo palestino é vítima. Não fazia sentido pra mim, como ativista pela abolição da exploração animal, falar da opressão humana durante o dia e, à noite, sentar em um restaurante e ver as pessoas comendo um animal, reproduzindo uma opressão contra os animais não humanos. Pra mim, só fazia sentido se fosse desse jeito, com uma maneira interseccional de ver as lutas e as opressões. Era uma extensão lógica da minha visão política e da minha ética.

    Nem todas as pessoas que participaram do tour eram veganas, mas a condição era de que, naquelas duas semanas, elas se alimentassem só com alimentos de origem vegetal. As pessoas vieram de várias cidades do Brasil – às vezes, brasileiros morando na Europa -, sendo responsáveis por suas passagens de avião. O tour só começa quando todos se encontram em Jerusalém em um dia e hora determinados. O primeiro durou duas semanas, mas os últimos foram de onze dias. De Jerusalém, nos deslocamos pra Belém, que é a base do tour. O grupo fica hospedado na casa de uma família do campo de refugiados de Aida, com quem eu trabalhei em um projeto de empoderamento de mulheres palestinas que têm filhos com deficiência ou que estão sozinhas cuidando da família (Noor Women’s Empowerment Group). É um projeto pra criar uma fonte de renda para essas mulheres. Uma das atividades pra criar essa renda é fazer hospedagem na casa das poucas famílias que têm um quarto livre.

    O primeiro objetivo de tour é educar as pessoas e mostrar o que é a realidade do povo palestino pra que entendam o que significa as palavras ocupação e colonização

    Desde o início quis que os participantes do tour ficassem hospedados na casa de uma família palestina em um campo de refugiados, pra que pudessem ter a experiência do que é viver em um campo de refugiados e que o dinheiro, ao invés de ir para um hotel, fosse pra família. Então, as pessoas ficam hospedadas na casa de uma família no campo de refugiados de Aida e a cada dia visitamos uma cidade diferente. Pra mim era muito importante também que o grupo de brasileiros que participasse do tour ouvisse a história e a narrativa sobre a situação na Palestina diretamente da boca das palestinas. Não fazia sentido que escutassem isso da boca de uma brasileira. Em cada cidade que a gente vai, eu contrato uma pessoa de lá que faz trabalho de guia político. No primeiro dia, a gente faz um tour pelo distrito de Belém. Depois, vamos a Hebron, onde há uma pessoa nos esperando. Em Jerusalém, fazemos o tour político com uma organização de lá e assim por diante.

    Então, o primeiro objetivo de tour é educar as pessoas e mostrar o que é a realidade do povo palestino pra que entendam o que significa as palavras ocupação e colonização. Por mais que a gente leia mídias alternativas, o que ficamos sabendo é apenas uma fração do que vai se descobrir conhecendo diretamente essa realidade. Esse é o objetivo número um do tour. O segundo objetivo é mostrar solidariedade ao povo palestino, conhecer as iniciativas neste sentido, participar de ações, apoiar a economia local que está sendo muito estrangulada por conta da ocupação. Até o começo da segunda intifada, havia muitos turistas. Hoje é quase nada.

    Sandra Guimarães participará de conferência internacional na Palestina. (Divulgação)

    O último objetivo é encorajar as pessoas a terem um ativismo de solidariedade á luta palestina quando elas voltam para o Brasil, seja da maneira mais simples, mostrando fotos da viagem e contando o que viram e ouviram, ou indo mais longe e organizando alguma atividade de solidariedade com o povo palestino. Desde 2014, foram sete tours, o último agora em 2018. Considero que meus objetivos foram atingidos, principalmente no que diz respeito ao envolvimento das pessoas quando elas voltam para o Brasil. Teve gente fazendo conferências sobre a Palestina em universidades, outros promovendo festival de filmes palestinos e festival de culinária palestina. Duas meninas que participaram do tour e estão atualmente em Portugal estudando (uma em Coimbra e outra em Lisboa), organizaram a semana do apartheid israelense. Muitas das pessoas que participaram dos tours não eram envolvidas com nenhum tipo de ativismo. Outras eram ativistas só no campo dos direitos dos animais e hoje são ativistas também dos direitos humanos. Isso me enche de orgulho.

    Acho que, como ativista estrangeira na Palestina, sou muito mais útil fazendo isso, trazendo pessoas do Brasil, mostrando a realidade da ocupação pra que elas possam ajudar a sensibilizar um público mais amplo, do que fiz durante os cinco anos que trabalhei como voluntária. Também era um trabalho incrível, mas acho que qualquer estrangeira poderia ter feito isso. Sinto que a minha responsabilidade maior é dentro da minha comunidade.

    Sul21Você se considera uma ativista dos direitos humanos e dos direitos animais. Como esses dois planos se articulam, na tua opinião?

    Sandra Guimarães: Pra mim, essa é luta só, uma luta contra a opressão. Atualmente sou voluntária de uma organização chamada Palestinian Animal League (PAL/Liga Palestina dos Animais), que é a primeira organização palestina a tratar dos direitos animais. É uma organização interseccional. O foco não é somente o animal não humano. As pessoas que participam da PAL também atuam na defesa dos direitos humanos e dos direitos da terra. Eu me encontrei muito com essa organização, pois ela representa a maneira como vejo essas conexões. A PAL vai promover, de 3 a 6 de maio, a primeira conferência internacional na Palestina sobre direitos animais, intitulada “Defendendo a Palestina –Libertação humana, animal e da terra”. Eu vou dar uma palestra nesta conferência, onde várias pessoas, algumas estrangeiras, mas a maioria da Palestina, falarão sobre essa conexão entre libertação humana, libertação animal e libertação da terra e sobre como não pode existir uma coisa sem a outra. O mecanismo que oprime esses diferentes grupos é o mesmo.

    “Propaganda vegana” do Exército israelense. (Reprodução/Papacapim)

    Alguém pode objetar: como assim, pensar em direito dos animais em um contexto onde os direitos humanos são violados todos os dias, como ocorre na Palestina? Acho muito interessante a resposta de Ahmad Safi, um dos fundadores da PAL, pra essa pergunta. Ele diz: eu não posso ficar sentado em casa esperando o fim da ocupação israelense pra começar a lutar pela sociedade em que quero viver. Isso tem a ver com a hierarquia da opressão. A militância da esquerda, de um modo geral, trabalha com essa hierarquia. Segundo ela, primeiro a gente liberta os humanos, depois os animais e depois a terra. Até dentro da libertação dos humanos essa hierarquia aparece. Já ouvi muitas pessoas dizendo na Palestina: primeiro vamos acabar com a ocupação israelense, aí a gente vai lutar pelos direitos das mulheres depois a gente luta pelos direitos da população LGBT. O problema é que, quando você estabelece essa hierarquia e luta pela libertação de um grupo específico, passa a reproduzir a opressão contra os outros grupos que não estão ali contemplados. Esse é o sentido da resposta de Ahmad: eu luto pela sociedade em que quero viver, com direitos pra todas as pessoas, pros animais e com respeito à terra.

    A minha conferência será sobre o “vegan-washing” israelense, uma estratégia de usar o veganismo como uma cortina ou um mecanismo pra “lavar”, de alguma maneira, os crimes cometidos por Israel. Eles promovem Tel Aviv como a capital vegana do mundo e o exército israelense como o mais vegano do mundo, onde os soldados que se declaram veganos têm direitos a botas de couro sintético, boinas de lã sintética e a refeições veganas. Não é questionado o fato de que esses mesmos soldados vão cometer crimes contra humanos. Essa é uma arma de propaganda bastante usada por Israel. O governo está pagando viagens para blogueiras veganas do mundo inteiro irem pra Israel e descobrirem a capital vegana do mundo, distraindo a atenção em relação à ocupação e colonização que está acontecendo na Palestina. Escrevi um artigo no meu blog onde aprofundo essa questão.

    Link original: https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/geral/2018/04/todas-as-opressoes-estao-conectadas-veganismo-e-uma-extensao-logica-da-luta-anti-opressao/