Jornalistas Livres

Categoria: solidariedade

  • A quem interessa ser profeta do caos?

    A quem interessa ser profeta do caos?

    Por Jacqueline Muniz, Ana Paula Miranda e Rosiane Rodrigues
    Imagens de autoria dos Jornalistas Livres, capturadas em protestos, no último final de semana, em São Paulo e na França
    A advertência de não realização de manifestações políticas, fundada no medo e na promoção do pânico social, é um atentado à democracia, uma forma de extorsão de poderes, de dirigismo monopolista das pautas plurais e das reivindicações divergentes de sujeitos que são diversos em cor, classe, renda, gênero, orientação sexual, instrução, etc. A advertência sob a forma de ameaça produz paralisia decisória de lideranças, imobilismo social e lugares resignados de fala, que seguem aprisionados nas redes sociais, na política emoticon do “estamos juntos” até o próximo bloqueio, diante da comunhão de princípios com diferença de opiniões: “você deve ir ao shopping, mas não a passeata”.
    A fabricação de conjecturas apocalípticas e suposições catastróficas com roupagem analítica é um recurso de persuasão de via única, impositiva, que aponta para um sentido hierárquico e, até mesmo autoritário, de quem se acha portador de uma verdade ‘revelada’ sobre os atos políticos e de uma razão superior sobre os fatos da política. A fala profética é uma fala moralista, ilusionista, que, por meio do uso da fé e do afeto, inocula nas pessoas uma culpa antecipada por suas escolhas para desqualificar seus arbítrios e fazê-las rebanho dependente de um guia despachante do juízo final. Este projeto de poder necessita fazer crer que o pessimismo visionário e proselitista é mais real que a própria realidade vivida e que deve fazer parte do cálculo das ovelhas boas e más, dos aliados e opositores de ocasião. A fala profética serve aos senhores da paz, da guerra e do mercado, sem distinção. É um jogo ardiloso do ganha ou ganha em qualquer circunstância ou resultado obtido.
    A quem interessa ser o profeta do caos? Ao próprio profeta que, inventor do jogo do quanto pior melhor, sacrifica seus seguidores feito gado, gasta a tinta das representações com seu próprio manifesto e promove a tensão entre espadas para se manter como o grande  conselheiro conciliador.  
    Os profetas do caos são como uma fênix que ressurgem da crise que criam. Eles se apresentam como proprietários das representações políticas, à direita ou à esquerda, em cima e embaixo. Eles se oferecem como mediadores dos conflitos que provocaram, como tradutores intérpretes na Torre de Babel que criaram entre nós.  A ameaça (do caos, da morte e do cerceamento da liberdade) não serve como advertência. Os profetas do caos produzem o medo, moeda de troca fundamental para a construção de milícias, para vender os seus remédios (previsíveis, amargos e inócuos). Para eles, não importa se os doentes morrem ou vivem, o que importa é que, doentes ou não, consumam suas previsões do passado.
    É notório que as polícias no Brasil têm tradição em policiar eficazmente o entretenimento lucrativo dos blocos de carnaval, shows e aglomerações em campeonatos de futebol. Nesses casos, sua atuação se dá na manutenção do status quo dos públicos, constituída a partir das atividades de contenção e dispersão das multidões. Já para o controle de pessoas que ocupam o espaço público sob a forma de protestos de todos os matizes políticos, apesar de ser um fenômeno relativamente recente e não haver protocolos policiais escritos e validados, sabemos que esses eventos se tornam encenações, nas quais janelas são abertas para oportunistas de todas as ordens, para acertos de contas da polícia dos bens com a polícia do bem, incluindo os ‘caroneiros’ de manifestação que comparecem por motivos completamente alheios às pautas dos protestos.
    Nesses espetáculos públicos que encenam os jogos da política aprendemos coisas muito básicas, sejamos nós manifestantes ou espectadores: sempre haverá a presença de agentes infiltrados (que ajudam na contenção) e de provocadores, para providenciar a dispersão. A infiltração de agentes de inteligência por dentro dos movimentos sociais remonta uma antiga estratégia estadunidense da década de 1960. Ou seja, muito antes do surgimento dos Black Bloc. Nos últimos 60 anos, acumulou-se um aprendizado sobre o uso do espaço
    público relativo ao círculo do protesto (aglomeração, deslocamento,  ato de encerramento e dispersão) que permite que os movimentos saibam lidar com esses elementos internos. 
    Neste mesmo período aprendemos, também, que o que torna legítimo um protesto não é a quantidade de indivíduos reunidos em um território específico por um período de tempo determinado, mas os modos de ocupação do espaço público e a construção coletiva de uma agenda política que os mobilize e tenha impacto na sociedade. A produção de dossiês intimidatórios, com a participação de agentes públicos, também não é novidade. Os constrangimentos da exposição de dados acabam por jogar na lama do “tribunal digital” os adversários, fortalecendo a promoção de linchamentos virtuais, de direita ou de esquerda.
    O governo Bolsonaro não é o único que tem disseminado o medo para sabotar os mecanismos de cooperação e mobilização sociais, substituindo práticas de coesão por coerções e cruzadas moralistas vindas de cima, de baixo e ao redor. Discursos do medo contra ou a favor de Bolsonaro são péssimos conselheiros porque dão a #Elenão um tamanho e uma agilidade política irreal, retirando-o do isolamento político em que se encontra para nos fazer acreditar que, quando chegarmos às ruas, imediatamente um cabo e um soldado fecharão o Congresso, o STF e tirarão as emissoras e os portais de internet do ar. O medo transforma Bolsonaro num bicho papão, num monstro mítico incontrolável que atira hordas de zumbis (com cabelos tingidos de acaju) contra todos nós.
    O medo disseminado faz com que as pessoas vejam gigantes onde há sombras e abram mão de seus direitos e garantias em favor de um ‘libertário do agora’ que prometa proteção. Mas o profeta-liberador de hoje será o seu tirano de amanhã!
    O rigor científico não permite que nós, pesquisadores, determinemos como os movimentos sociais devem se comportar, nem que sejam pautados por oráculos que anunciam profecias que se autorrealizam. A contemporaneidade produziu os ativismos acadêmicos, mas eles não devem substituir jamais a liberdade dos sujeitos de decidir suas agendas, nem servir de chofer dos movimentos sociais em direção à “Terra sem Males”, um mundo idílico sem conflitos e, por sua vez, sem a política. A ciência pode contribuir com diagnósticos da realidade e oferecer alternativas que considerem, inclusive, que a negação dos conflitos monopoliza o debate e as representações, obscurecendo as negociações dos interesses em disputa. Quando a decisão científica está acima da pactuação social ela deixa de ser ciência e passa a ser doutrina, retira da sociedade a responsabilidade pelas escolhas que faz, para o bem e para o mal.
    Ao  olharmos a história vemos que os discursos de “lei e ordem” são utilizados sempre a serviço dos interesses do Estado e seus grupos de poder. Viver sob o jugo da espada não é novidade para as pessoas para quem o isolamento social é uma prisão histórica dos direitos de cidadania, e não um privilégio de classes. A juventude, principalmente a negra, conhece de perto a violência policial, e sabe que nem em casa está protegida.
    Sobre as autoras do texto: 
    JACQUELINE MUNIZ,antropóloga, professora da UFF.
    ANA PAULA MIRANDA, antropóloga, professora da UFF
    ROSIANE RODRIGUES, antropóloga, pesquisadora do INEAC/UFF.
  • Bolsonaro abandona estudantes de universidades federais na Colômbia

    Bolsonaro abandona estudantes de universidades federais na Colômbia

    Por Safira Campos, da Redação do PNBOnline

    Em meio à pandemia do novo coronavírus (Covid-19), oito estudantes da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que estão na Colômbia, enfrentam dificuldades para saber quando poderão retornar a suas casas. Eles fazem parte de um grupo de 51 brasileiros que está em mobilidade acadêmica desde o começo do ano (até ontem, 31 estudantes haviam sido identificados, com a divulgação do caso hoje, mais 20 se juntaram ao grupo – nota dos Jornalistas Livres). Com fronteiras fechadas e cancelamentos de vôos comerciais em razão da pandemia, os jovens aguardam um posicionamento da embaixada do Brasil em Bogotá para um possível voo de repatriação. 

    Na semana passada, os brasileiros enviaram uma carta à Embaixada do Brasil em Bogotá solicitando ajuda. O que mais preocupa é que a maior parte dos estudantes é composta por bolsistas, que recebem alimentação e estadia, e que não têm como manter as despesas sem os auxílios, que já estão próximos de expirar.

    “Os brasileiros que atualmente se encontram na Colômbia e que se manifestam por meio desta carta, exortam aos órgãos consulares brasileiros a coordenação, juntamente com os órgãos competentes, a organização de um voo de repatriação humanitário e/ou apoio diante das necessidades que se desenham nesse cenário, como por exemplo a de estudantes com bolsas prestes a expirar”, inicia a carta.

    Em entrevista ao PNBonline, a estudante do curso de Comunicação Social Isabelle Fanaia, que atualmente estuda na Universidad de Boyacá, comentou sobre a preocupação do grupo de brasileiros. “O problema gira em torno do fato de que estamos aqui porque nos mantemos com a bolsa, que garante estadia e alimentação. Mas ela tem um prazo e o prazo tá se aproximando. Minha universidade aqui já pronunciou falando que não tem como prorrogar a bolsa caso a gente fique por mais tempo. O problema é que voos estão sendo cancelados e o aeroporto está fechado. O risco é sermos obrigados a ficar e nem ter um auxílio para isso”, relata Fanaia.

    Cerimônia de boa viagem da Secretaria de Relações Internacionais da UFMT antes da ida dos estudantes ao exterior.
    Cerimônia de boa viagem da Secretaria de Relações Internacionais da UFMT antes da ida dos estudantes ao exterior

    O sentimento é compartilhado pela colega de curso Pollyana Rodrigues, que está na Universidad Simón Bolívar, localizada na cidade de Cucuta. “A nossa situação é bem delicada. Eu por exemplo recebo a última bolsa na primeira semana de junho, ou seja, daqui a poucos dias. Se não tivermos auxílio e alojamento, não sabemos o que fazer para nos manter. Ainda pesa o fato de que os seguros de saúde que nós contratamos só vão até essa data. Se eventualmente acontecer algo depois desse limite, nós não temos nem isso”, lamenta.

    Em resposta à carta, a embaixada informou que já repatriou 577 brasileiros desde o fechamento das fronteiras em março e que está acompanhando a situação das cidadãos interessados em repatriação. Não há, entretanto, qualquer estimativa de quando isto pode acontecer.

    Sem informar algum tipo de previsão, o secretário de Relações Internacionais da UFMT,  Prof. Lucas Oliveira de Sousa, afirmou em resposta à redação que a instituição está buscando alternativas de trazer os estudantes de volta a Mato Grosso. “Desde o início da pandemia, a Secretaria de Relações Internacionais da UFMT faz um trabalho constante de acompanhamento individual dos estudantes em mobilidade internacional (…). Dentro deste diálogo, busca alternativas para viabilizar o retorno ao Brasil dos manifestaram interesse. Em todos os casos cuja mobilidade ainda está em vigor, a UFMT já se articula para que, após a conclusão e durante a pandemia, os estudantes tenham o amparo das embaixadas brasileiras nos respectivos países e garantido o retorno ao estado de Mato Grosso”, disse.

    Além dos estudantes da UFMT, estão na mesma situação alunos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas (IFSULDEMINAS), Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Universidade Estadual de Goiás (UEG), Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Tiradentes (Unit) e Universidade Vale do Rio Verde (UninCor).

     

    Confira a nota enviada pela UFMT na íntegra: 

    Desde o início da pandemia, a Secretaria de Relações Internacionais (SECRI) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) faz um trabalho constante de acompanhamento individual dos estudantes em mobilidade internacional, mantendo contato direto e frequente com os mais 50 alunos em 6 países e 15 instituições parceiras anfitriãs. Dentro deste diálogo, busca alternativas para viabilizar o retorno ao Brasil dos que, após consultados, manifestaram interesse, concretizando, até o momento, oito casos.

    Vale ressaltar que, infelizmente, esta situação não é exclusiva da UFMT. Estudantes de outras universidades passam pela mesma situação e no contexto do fechamento de fronteiras e cancelamento de voos comerciais, a repatriação é de competência exclusiva do Ministério de Relações Exteriores e do corpo diplomático brasileiro em cada país.

    Em todos os casos cuja mobilidade ainda está em vigor, a UFMT já se articula para que, após a conclusão e durante a pandemia, os estudantes tenham o amparo das embaixadas brasileiras nos respectivos países e garantido o retorno ao estado de Mato Grosso

    Matéria original em: https://www.pnbonline.com.br/geral/em-carta-a-embaixada-estudantes-da-ufmt-na-cola-mbia-pedem-ajuda-para-retornar-ao-brasil/66291

  • Bar da Rosinha socorre mais de 400 famílias que o governo federal ignora 

    Bar da Rosinha socorre mais de 400 famílias que o governo federal ignora 

    Segunda-feira, 10 horas da manhã. No Bar da Rosinha, que fica bairro Jardim Monte Cristo, na periferia de Campinas (SP), alguns usam máscaras de proteção. Para tocar o pequeno comércio, a líder comunitária conta com Orlando, seu marido, e ambos moram na casa dos fundos. Caixas de cervejas ficam empilhadas ao lado da sala.

    O casal vive ali há 23 anos. Seu Orlando participou da ocupação do complexo Monte Cristo/Oziel/Gleba B desde o início. Naqueles cerca de 1.500.000 m2 antes sem função social e em dívidas com o governo hoje residem mais de 6 mil famílias, cerca de 60 mil pessoas, segundo dados da Prefeitura de  Campinas. O território é símbolo de uma batalha fundiária encampada de forma maciça nos anos 1990 por movimentos sem terra e sem teto e foi considerado uma das maiores ocupações da América Latina.

    Cestas básicas com orgânicos em parceria com o MST  (Foto: Fabiana Ribeiro)

    O Bar da Rosinha é “point” antigo. Ali, moradores comemoram aniversários e o local faz vezes de “buffet”. É Rosinha mesmo quem faz o bolo por encomenda. O local também é ponto de encontro de lideranças da luta por moradia. Mesmo pequeno, em torno de 3×5 metros, o bar acolhe todo mundo. 

    Por volta das 10h30, uma caminhonete simples, de modelo antigo e com pequenos amassados na lataria, estaciona silenciosamente na porta do bar. Não existem ali carros de luxo, buzinas, gritos e ninguém se fantasia de verde e amarelo com camiseta de CBF. É tudo silencioso, sereno e focado.

    Gilmar e Tiririca mal saem do veículo e já encontram com o homem de cerca de 60 anos, vestido com a jaqueta de petroleiro. Outros ali paramentados com luvas e máscaras começam a retirar as 90 sacolas da carroceria lotada. São cestas básicas destinadas às famílias que precisam, e muito, daquelas doações. Em estado de vulnerabilidade social e impactadas pela crise da pandemia do novo coronavírus, aguardam pelos alimentos.

    ALIMENTOS ORGÂNICOS DO MST

    As cestas que trazem alface, chicória, mandioca, limão, mamão, abacate  e limão são frutos da parceria do Sindicato dos Petroleiros de Campinas com a ocupação. Segundo o representante do sindicato, a categoria se cotizou para comprar alimentos orgânicos numa parceria com o assentamento do MST Milton Santos, em Americana (SP).

    A ação é realizada pela Central Única das Favela (CUFA) de Campinas que desenvolve dois projetos: CUFA contra o Vírus e Mães da Periferia. A ponte com a ocupação foi feita pela filha do casal Rosinha e Orlando, a ativista de movimentos culturais e sociais Andrea Mendes. Nesse momento em que a pandemia avança pelas periferias, ela é mais uma voluntária na luta contra o desdém do poder público e em busca de políticas públicas.

    No Monte Cristo não há creches suficientes nem transporte. Falta programa de moradia e de segurança capaz de atender minimamente a população. Falta água, programa de moradia e de segurança. E vale ressaltar: ali a movimentação de pessoas é grande.

    FAMÍLIAS INTEIRAS EM DOIS CÔMODOS

    Boa parte dos trabalhadores atuam nos serviços essenciais em atividade. São motoboys, motoristas do transporte coletivo, equipes de limpeza, operadores de caixas em mercados. Ou seja, além de estarem inseridos num quadro de alta vulnerabilidade social – pela falta de água,  alimentação precária -, estão suscetíveis a serem vetores de transmissão do coronavírus dentro da comunidade.

    Há também os que foram dispensados e se somam aos desempregados, como terceirizados de funções variadas, balconistas de pequenos comércios, manicures, diaristas e informais que não estava inscritos em programas sociais. Historicamente segregados, com a pandemia, suas vulnerabilidades ficaram ainda mais agravadas.

    Fora isso, na maioria das casas é impossível manter ou fazer qualquer tipo de isolamento em caso de alguém estar contaminado. Famílias inteiras residem em apenas dois cômodos.

    Cristiane recebe de Andrea, filha de Rosinha, cesta básica e leite doados pela CUFA: na região, moradores lindam com a falta de moradia, saneamento básico, água, emprego, comida, acesso à informação e, claro, a celular com app para solicitar o moroso auxílio emergencial de R$ 600 (Foto: Fabiana Ribeiro)

    Por conhecer e vivenciar essa realidade, em sua busca por ajuda Andrea encontrou com o presidente da CUFA Campinas, Henry Paulino,  que levou para o território o projeto Mães da Favela com o acréscimo da distribuição de cestas básicas e kits de limpeza.

    A iniciativa atende 480 famílias na região e a ação faz parte das atividades nacionais da CUFA que, até abril, já distribuiu mais de 461.000 cestas pelo Brasil. No estado de São Paulo, foram cerca de 81.000, além de 8.400 “vales-mãe”, ou seja, a assistência imediata de R$ 120 para complementos das cestas básicas. Em geral, o dinheiro é gasto com gás e remédios.

    QUEM SÃO OS ESQUECIDOS?

    As mais 6 mil famílias da região Monte Cristo – Parque Oziel – Gleba B estão inseridas entre os 13,6 milhões de pessoas que moram em comunidades periféricas e movimentam cerca de R$ 119,8 bilhões por ano. Essa população, que á base da pirâmide social, forma a massa trabalhadora que dá a sustentação aos serviços considerados fundamentais e que permanecem funcionando durante o isolamento social da pandemia da covid-19. 

    Favelas movimentam um volume de renda maior que 20 dos 27 Estados do Brasil. Os dados são da pesquisa “Economia das Favelas – Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”, desenvolvida pelos institutos Data Favela e Locomotiva e encomendada pela Comunidade Door.  

    Desse imenso contigente, 50% é formado por trabalhadores informais, que não têm renda nenhuma nesse momento. Historicamente segregados e apartados de seus direitos sociais, com a pandemia, suas vulnerabilidades ficaram ainda mais explícitas e agravas.

    Isolamento Coronavirus abril 2020 Foto: Fabiana Ribeiro

    FOMENTO À ECONOMIA LOCAL

    Existem duas modalidades de cestas e ambas são entregues duas vezes na semana. Às segundas-feiras, a comunidade recebe  hortifrutis. Às quintas, macarrão, arroz, feijão, café, farinha, bolacha, óleo, molho de tomate, pacote de papel higiênico, água sanitária e sabão em pó.

    Em Campinas, pensando também no fortalecimento da economia local, a CUFA estabeleceu parceria com um supermercado da região  – o Generoso – que fica localizado no bairro. Facilidade para os doadores, que podem acertar o pagamento da doação diretamente com o estabelecimento, faz o dinheiro circular na comunidade.

    “ESTADO DE MISÉRIA” 

    Naquela segunda-feira, após descarregar as cestas da caminhonete, a equipe de voluntários recheou o carro de Andrea. O golzinho branco, com mais de 20 anos de rodagem, teve seu encosto do banco traseiro retirado para comportar as cestas das famílias. De tão lotado, sobrou só a vaga da motorista e de um voluntário. Frutas, verduras e legumes orgânicos, além de leite e alimentos, seguiram para a distribuição.

    O primeiro destino foi a Gleba B, na rua José Fidélis Filho, estreita e sem asfalto. Cerca de 50 das 300 famílias moradoras “estavam em estado de miséria”. A confidência vem de Néia, liderança comunitária local que sabe o destino de cada cesta e conhece a história de cada família mapeada e cadastrada por voluntários no começo do projeto.

    “São pintores, pedreiros que estão sem trabalho”, conta ela. Ou seja, são aqueles que estão 40% da população do Brasil em 21 Estados, cujo trabalho informal é a principal ocupação e fonte de renda, como apontam dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de fevereiro de 2020.

    “Agradeço muito a doação, porque aqui sou eu sozinha e Deus fazendo como dá”, diz Néia que, na prática, testemunha outro dado importante: em 2019, houve o aumento da informalidade, que atingiu 41,1%, seu maior nível desde 2016, e bateu recorde em 19 estados e no Distrito Federal

    ƒESTADO SEM ROSTO OU SORRISO

    Diante da casa número 1853, são levadas três cestas: uma  básicas e duas orgânicas. Da fachada de cimento e portão com ferrugem sai uma jovem de 20 e poucos anos. Gabriela, grávida, atende com um sorriso. Troca algumas palavras, recebe as doações e conta que o marido não está porque saiu em busca de um “bico”.

    Mais à frente na rua de terra, em outra casa no cimento e partes inacabadas da construção, uma senhora, Maria Aparecida, de cerca de 70 anos e cabelos grisalhos presos em um coque, também sorri aos voluntários. “Muito agradecida”, disse ao receber a doação.

    De volta ao carro, outra mulher aguarda Andrea, que a reconhece de outro encontro, antes da pandemia, quando a recomendou ir ao Posto de Saúde diante da reclamação sobre fraqueza e cansaço. “Lá no Postinho disseram que a dor no estômago era da alimentação, que eu precisava comer mais”, conta, já com a cesta recebida em mãos. E assim segue o dia…

    Rua José Fidélis Filho

    Interessante lembrar que o poder público costuma não ter rosto. A atuação, na maioria das vezes, ocorre a partir de contatos afastados e impessoais. Se muito, a relação  é “terceirizada” via  ONG’s, uma vez que essas entidades  fazem a ponte entre população e Estado – acarretado um total distanciamento entre as gestões públicas e as populações das periferias. Essa política de Apartheid, no fundo, nega direitos e discrimina. A pandemia do coronavírus só deixou tudo muito mais evidente. 

    Quando o gol branco segue para outra região da Gleba B, uma ladeira abrupta marca o ponto de entrega para outras famílias. Diante de um barraco feito de madeira e coberto com lonas, está Seu Oscar. Na casa, vive com a filha Cristiane, que participa do projeto “Mães da Periferia”, e o neto de  2 anos. A moça tenta, no celular emprestado da vizinha, fazer o cadastramento do pai para recebimento do auxílio emergencial de R$ 600 do governo. Ela e Seu Oscar estão desempregados e não tem celular para fazer o cadastro. “Meu pai arrumou um bico mas até ontem estava parado”.

    A inscrição no projeto “Mães de Família“ foi bem mais simples. Bastou um dos voluntários da ação pegar seu nome, endereço, o número do CPF e fazer uma foto dela. Os dados foram enviados para a central da CUFA e logo depois o recurso de R$ 120 reais foi liberado.

    “MÃES DA FAVELA” ANTES DA PREFEITURA

    Para chegar à casa com três cômodos onde vive o casal  Gleiciane e Marcio com seus sete filhos é preciso fazer o  trajeto a pé. Carros não conseguem acessar o terreno íngreme e sem asfalto. Com a sacola de alimentos e as pranchetas, os voluntários descem a ladeira esburacada com cuidado para não tropeçar entre as pedras.

    Gleiciane e seu marido são trabalhadores informais que vivem de pequenos serviços temporários e não possuem renda fixa. Contam que o custo de vida aumentou porque, com o isolamento social, as crianças não estão indo à escola municipal desde o dia 23 de março. A merenda faz falta, é preciso mais comida na mesa. As dificuldades não param por ai. Como acompanhar aula “on line”? A família só tem um celular “que está  no conserto”, lembra Gleiciane.

    Custo de vida aumentou com as crianças em casa e o programa municipal ainda não redirecionou a merenda escolar para a família de Gleiciane (Foto: Fabiana Ribeiro)

    Campinas lançou o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional, “NutrirCampinas”, mas noticiou a distribuição a partir do dia 17 de abril. A família de Gleiciane ainda não foi contemplada e, antes disso, ela foi incluída no “Mães da Favela”.

    “SOMOS ESQUECIDOS”

    Seguindo pela comunidade, os voluntários acessaram um outro grupo de famílias aglomeradas em barracos de madeiras. Para chegar até lá, passaram por becos tão estreitos que uma única pessoa é capaz de passar por vez. Ali não há saneamento básico, energia elétrica individual, água encanada e muito menos acesso às mídias digitais para se cadastrar nos programas sociais ou fazer o cadastro do auxílio do governo. O índice de instrução é mínimo – alguns só assinam o nome – e a dificuldade de acesso à tecnologias é uma enorme muralha.

    Becos estreitos: passagem para apenas uma pessoa por vez (Foto: Fabiana Ribeiro)

    Adriana, de cerca de 30 anos, afirma que naquele canto estão os esquecidos por todos. “As famílias estão passando fome. Minha vizinha está amamentando e não tinha nada para comer. Eu tinha um pouco de arroz e dei à ela”. O programa de cestas básicas é questão de sobrevivência. Depois de improvisar uma cesta de hortifruti e leite, os voluntários solicitaram a ela uma lista das pessoas necessitadas naquela área.

    Antônio já estava na lista. Trabalhava como pedreiro em uma construção de mais um barraco na viela estreita, mas redobrado em cuidados. Fez questão de manter a distância entre pessoas e deixou claro que cuida de sua saúde e do próximo. “Eu tenho que pensar no outro porque não estamos sozinhos no mundo. E temos que fazer o certo para todos.” O pagamento de R$ 400, ele contou, só iria receber daqui  a 30 dias. “Mas o importava é estar trabalhando.” Antônio também não está inscrito em nenhum programa social.”

     

     

    Seu Antônio: importância do distanciamento e de não estar sozinho no mundo (Foto: Fabiana Ribeiro)

    Para colaborar:
    Acesse a CUFA Campinas ou o projeto ReExistência é Viver, focado no auxílio complementar de doação de kits de higiene e máscaras para 100 famílias de uma das comunidades da região, a favela da Matinha, além de painéis informativos sobre como evitar a exposição ao coronavírus. #Mãesdefavela #cufacontraovirus #cufa
     

     

    Fotos: Fabiana Ribeiro

  • Manifesto das favelas sobre o novo Coronavírus

    Manifesto das favelas sobre o novo Coronavírus

    A CMP e a UMM-SP lançam Manifesto das Favelas Sobre o Novo Coronavírus

    A pandemia do novo Coronavírus atinge todos, mas de forma muito mais grave a população moradora das favelas e dos assentamentos precários!

    Nós, das favelas e ocupações, filiadas à Central de Movimentos Populares (CMP) e à União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM-SP), vimos por meio deste Manifesto afirmar que estamos praticando ações concretas de solidariedade, organizando e estimulando pontos de arrecadação e distribuição de alimentos, bem como de materiais de limpeza e higiene para o povo que já está passando fome. Contudo, temos consciência de que nossa ação, embora seja muito importante, não é suficiente para a resolução do enorme problema social nessas comunidades. Por isso, exigimos ações urgentes do Estado Brasileiro no enfrentamento ao caos e à tragédia social em curso. Entendemos que são necessárias medidas imediatas por parte dos governos no combate à crise causada pelo novo coronavírus, que atinge as favelas e outras comunidades igualmente pobres em nossas cidades. Sem atitudes firmes e concretas corremos o risco de levar à morte milhares de pessoas e ao consequente aumento da fome, da miséria e do desemprego.

    Manifesto das favelas
    Manifesto das favelas sobre o novo coronavírus

    O mundo passa neste momento por uma crise de saúde pública com poucos precedentes na História da Humanidade. A epidemia do novo coronavírus se espalhou rapidamente por todos os continentes, atingiu de forma indistinta praticamente todos países do Norte e do Sul e vitimou milhões de pessoas. Estima-se que mais da metade da humanidade esteja em processo de isolamento social, o que tem provocado graves impactos humanitários, econômicos e socais. Especialmente para os países mais pobres ou de grande desigualdade social, como o Brasil.

     

    No nosso País, milhões de pessoas moram de forma precária em favelas, cortiços e ocupações sem saneamento básico, com pouco ou sem nenhum acesso à água encanada que garanta condições mínimas de prevenção e proteção. Essa situação nos deixa em condições sem precedentes de emergência social, colocando em risco de transmissão do vírus milhões de pessoas que vivem em ambientes absolutamente inseguros.

    No Brasil mais de 15 milhões de famílias – cerca de 60 milhões de pessoas estão em favelas, ocupações e loteamentos, em situação de risco social e em condições miseráveis de habitação.

    Se de um lado o isolamento social recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) tem sido a maneira mais eficaz de diminuir – ou mesmo evitar a contaminação – e ainda não causar um colapso do sistema de saúde, de outro lado existem a preocupação sobre como estabelecer medidas para conter a disseminação do vírus entre as comunidades mais pobres, onde os moradores e vizinhos estão muito mais próximos uns dos outros.

    Dados do IBGE de 2010 apontam que existem 6.329 favelas no País. Nelas está a maior parte dos cerca de 13,5 milhões de famílias que vivem na extrema pobreza, sendo que 72% da população de favelas não têm nenhum valor na poupança.

    Outra preocupação está nos impactos do isolamento de milhões de trabalhadores e trabalhadoras que estão na informalidade. São ambulantes que, literalmente, trabalham pela manhã para alimentar suas famílias à noite. Quase 39 milhões de pessoas estão na condição de informais, 14 milhões encontram-se desempregadas e 29 milhões estão empregadas, ganhando até 3 salários mínimos.

    Para que este enorme contingente de pessoas consiga ficar em isolamento é preciso que o dinheiro da renda básica aprovado pelo Congresso Nacional seja pago logo, juntamente com outras medidas de apoio emergencial, que possam, de fato, chegar às famílias moradoras das favelas. Por isso, estamos participando da campanha “Paga Logo Bolsonaro”. É urgente pagar já a renda básica de 600 a 1200 reais, por um período de 3 meses.

    Bolsonaro é um genocida que tem se colocado contra a política de isolamento social. Age na contramão das orientações estabelecidas pela OMS e pelas autoridades sanitárias do País. Não lidera a Nação para enfrentar a pandemia. Ao contrário, sua única preocupação tem sido de produzir factoides que visam assegurar seguidores, com vista às próximas eleições presidenciais. Suas ações e falas são no sentido de passar a falsa ideia de que não é político; afirma ser contra e vítima do sistema político; se coloca até mesmo contra seus ministros, e constrói uma narrativa para se livrar da responsabilidade dos efeitos da crise.

    A população moradora das favelas rejeita a proposta absurda do presidente Bolsonaro de relaxar ou pôr fim ao isolamento social. Pesquisa recente do Instituto Data/Locomotiva realizada em 269 favelas do País aponta que 80% dos moradores têm medo de que falte comida para seus filhos mas, mesmo assim, 71% se opõem ao fim do isolamento. A pesquisa revela ainda que, 8 entre cada 10 moradores tiveram queda de renda após o isolamento, apenas 13% têm mantimentos em casa suficiente para menos de dois dias e mais da metade para menos de uma semana. O levantamento mostra também que 56% do moradores acreditam ter que sair de casa daqui a uma semana para procurarem renda.

    Ao se colocar contra o isolamento social, Bolsonaro cria uma enorme confusão, aprofundando a instabilidade política e fragilizando ainda mais a democracia. Seu objetivo é criar situações que venham favorecê-lo no futuro. Trabalha na linha de que, se o País conseguir evitar uma grande tragédia em virtude do isolamento, terá ganhos políticos. Por outro lado, acredita que se a crise da saúde pública não for evitada, também terá ganhos políticos. Grande oportunista que é, dirá que ficou contra o isolamento.

    Nós, que atuarmos junto a diversas favelas, defendemos o investimento de bilhões de reais na área da Saúde e em medidas de proteção do emprego e da renda, com apoio ao pequeno e médio negócio, responsáveis pela maioria dos empregos.

    Estamos participando das campanhas de solidariedade de doação de alimentos e materiais de higiene e limpeza promovidas pela CMP, UMM e as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Nossas favelas e comunidades estão criando centenas de pontos de solidariedade. No entanto, temos consciência de que isso só não resolve o drama, a fome, o medo e o desespero das pessoas. Mesmo praticando a solidariedade de classe, é preciso cobrar do Estado a resolução do problema. É responsabilidade dos governos adotarem medidas concretas e urgentes para o enfretamento da crise.

    Neste sentido, é fundamental irmos além da solidariedade. Assim, exigimos que os governos cumpram suas obrigações e garantam condições para que o povo mais excluído possa enfrentar e sobreviver à esta situação de crise. Além do imediato pagamento da renda básica, exigimos a suspensão dos despejos por falta do pagamento de aluguel, suspensão de todas as reintegrações de posse, isenção de taxas de água e energia e Vale Gás. E, finalmente, defendemos a imediata suspensão do pagamento das prestações dos mutuários de quaisquer programas habitacionais.
    Fora Bolsonaro!

    Abril de 2020
    União dos Movimentos de Moradia
    Central de Movimentos Populares

  • Conexão Solidária São Paulo

    Conexão Solidária São Paulo

    A APADEP e a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo lançaram no último sábado, dia 4 de abril, a campanha Conexão Solidária São Paulo, com a finalidade de arrecadar doações para a compra de cestas básicas e kits de higiene e de limpeza em geral que serão destinados a segmentos e grupos sociais vulneráveis que estão enfrentando de forma mais severa os efeitos sociais, jurídicos e econômicos decorrentes da pandemia de Covid-19.

    A campanha terá duração até o dia 30 de abril de 2020, podendo ser prorrogada, e a entrega dos kits será semanal, até 08 de maio.

    Neste momento de incertezas e de dificuldades para os mais vulneráveis, a Associação convida a todos/as a participar.

    Banco do Brasil
    Agência 3324-3
    Conta Corrente 26.439-3
    CNPJ 08.078.890/0001-66 (APADEP)

    1. O que é a Conexão Solidária São Paulo

    A CONEXÃO SOLIDÁRIA SÃO PAULO é uma campanha organizada pela Associação Paulista de Defensores Públicos (APADEP) em parceria com a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo com a finalidade de arrecadar dinheiro para a compra de cestas básicas e kits de higiene e de limpeza em geral que serão destinados a segmentos e grupos sociais hipossuficientes e cuja vulnerabilidade se torna ainda maior diante dos efeitos sociais, jurídicos e econômicos decorrentes da pandemia de Covid-19.

    2. Organizadores

    A campanha é uma parceria entre a APADEP e a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública de São Paulo.

    Novos parceiros poderão ser admitidos, desde que haja concordância expressa das duas entidades organizadoras originais.

    Os novos parceiros deverão demonstrar compromisso com o Estado Democrático de Direito, o combate às desigualdades sociais e a promoção dos direitos humanos.

    3. Sobre a doação

    3.1 Poderão doar dinheiro Defensores/as Públicos/as do Estado de São Paulo, assim como de outros Estados e da União, servidores/as públicos/as da Defensoria Pública e da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública, membros do Conselho Consultivo da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública, integrantes de outras carreiras de Estado e advogados/as;

    3.2 O valor será definido pelo/a doador/a;

    3.3 O dinheiro deverá ser depositado na conta corrente abaixo indicada, de titularidade da APADEP e aberta com a finalidade exclusiva para gerir os valores doados durante a campanha:
    Banco do Brasil
    Agência 3324-3
    Conta corrente 26.439-3
    CNPJ: 08.078.890/0001-66;

    3.4 A campanha terá duração até o dia 30 de abril de 2020, podendo ser prorrogada a critério dos organizadores;

    3.5 Caberá à APADEP gerir o dinheiro arrecadado e, ao lado da Ouvidoria da Defensoria Pública, prestar contas ao final do processo, de modo a garantir a transparência financeira da campanha.

    4. Beneficiários da campanha Conexão Solidária são Paulo

    A campanha tem como destinatários das doações pessoas que integrem segmentos e grupos sociais hipossuficientes e cuja vulnerabilidade se torna ainda maior diante dos efeitos sociais, jurídicos e econômicos decorrentes da pandemia de Covid-19.
    Caberá à Ouvidoria da Defensoria Pública, com prévia ciência da APADEP, definir os segmentos a serem beneficiados a partir da sua rede de parceiros e lideranças comunitárias e de critérios de maior vulnerabilidade social.

    Em razão da cidade de São Paulo ser o epicentro da pandemia no país, a campanha terá como prioridade inicial segmentos localizados na capital e na região metropolitana.

    Em caso de avanço da pandemia, do aumento da arrecadação e tendo em conta a logística para realizar a entrega dos produtos, a campanha poderá ser ampliada para o interior e litoral, assim como poderá incluir novos grupos vulneráveis.

    5. O que será doado

    Com o dinheiro arrecadado, a APADEP contratará fornecedores de cestas básicas, kits de higiene e kits de limpeza em geral.

    Os fornecedores serão definidos pelo critério de melhor custo-benefício.

    Um/a representante da Ouvidoria deverá acompanhar as entregas, podendo ser acompanhado/a por um/a representante da APADEP.

    Será disponibilizado equipamento de proteção individual.

    Caberá àquele/a que acompanhar a entrega, fazer registro fotográfico para fins de comunicação e prestação de contas e cada entrega será devidamente comunicada aos/às doadores/as.

    6. Comunicação

    A APADEP e a Ouvidoria organizarão a comunicação da campanha através dos seus canais e redes sociais.
    As entidades organizadoras também poderão realizar a comunicação através de outras entidades e instituições.

    7. Cronograma
     
    • Lançamento oficial da campanha – dia 04/04

    • Recebimento de doações – entre os dias 04 e 30/04

    • Escolha de até três segmentos e parceiros – a partir do dia 04/04

    • Compra dos produtos – a partir do dia 13/04

    • Entrega dos produtos – a cada semana, a partir do dia 13/04, de acordo com a disponibilidade dos fornecedores

    • Término das entregas – dia 08/05
    • Prestação de contas – até o dia 15/05

    A continuidade ou não da campanha será avaliada, pelos organizadores, antes do término do prazo para recebimento de doações.

    A ampliação territorial ou de grupos será avaliada pelas entidades organizadores periodicamente, de acordo com os critérios acima definidos.

    CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS

    1) Segmentos sociais vulneráveis, compostos majoritariamente por trabalhadores/as autônomos/as sem renda ou com queda abrupta durante o período de quarentena;

    2) Preferência para famílias compostas por idosos/as, crianças, pessoas com deficiência e pessoas com problemas respiratórios;

    3) Famílias com dificuldade de acesso a alimentação e produtos de higiene durante a quarentena.

  • Contra vírus, filantropa se une a líder sem-teto: “Juntas conseguimos mais”

    Contra vírus, filantropa se une a líder sem-teto: “Juntas conseguimos mais”

    Por Flávia Martinelli, do blog MULHERIAS


    Em meio à pandemia do coronavírus, duas mulheres estão preocupadas. É preciso agir com urgência. Cada uma a seu modo, então, começa a articular as próprias redes de contatos. Ouvem ideias, buscam dados, sugerem e recebem propostas. Os dias, as horas e os minutos frenéticos de cada uma são ocupados por questões muito mais pontuais do que com as polêmicas do presidente sem rumo. O número de infectados aumenta, o confinamento exige condições de sobrevivência, há pessoas sem trabalho, sem comida, com filhos espremidos entre idosos em cômodos apertados ou simplesmente sem ter para onde ir ou a quem recorrer. Por diferentes vias e vivências, ambas sabem: a fome tem pressa.

    E assim nasce o Comitê Popular de Combate ao Covid-19, plataforma criada por um grupo diverso, com a participação de instituições privadas e lideranças de movimentos comunitários que, em menos de uma semana, mapeou os locais onde a crise se mostra mais aguda em São Paulo. Nesse meio-tempo, também captou R$ 3.037.000,00 (três milhões e 37 mil reais) para atender as demandas das populações mais vulneráveis da cidade.

    Em apenas dois dias de atividades, só na região central e arredores, mais de 3 mil famílias, cerca de 10 mil pessoas, receberam cestas básicas ou marmitas. No mesmo fim de semana, uma rede de oficinas de costura começou a confeccionar máscaras de pano para as comunidades.

     

    Os kits de alimentos e higiene, que em geral duram duas semanas para quatro pessoas, são comprados nas regiões onde vivem os moradores para o fomento da economia dos bairros. Cerca de 27 mil famílias serão assistidas, uma ação que atinge 110 mil pessoas que congregam bairros do Centro, Heliópolis,  Cumbica, Cidade Tiradentes, Sapopemba e Jardim Colombo, São Remo, Vila Guaraciaba e Jardim Keralux. Há ainda um núcleo na favela da Maré, no Rio de Janeiro.

    Nos próximos 15 dias, a meta é levantar um total de R$ 8.190.000,00 para ampliar o número de atendimentos e manter a constância de fornecimento e outras necessidades que surgem, botijões de gás e alcool gel, ao longo do período de isolamento social. 

    As duas mulheres, no entanto, continuam preocupadas. A mineira Marisa Moreira Salles e a baiana Carmen Silva, sabem que é preciso muito mais.

    Marisa é editora, redatora, designer e empresária do setor de livros na BEI Editora, que significa “um pouco mais” em tupi. Tem uma longa carreira no universo das artes, arquitetura, literatura e educação.

    Carmen é corretora de planos de saúde e há mais de 20 anos fundou o Movimento Sem-Teto do Centro, que já tirou quase 3 mil pessoas de moradias insalubres, de viadutos ou de aluguéis impraticáveis ao promover inclusão social e promoção do bem-estar em prédios abandonados da cidade.

    “Ela me deixa de queixo caído com as soluções que encontra para os problemas urbanísticos e do dia-a-dia das ocupações”, diz Marisa sobre Carmen. A editora costuma ouvir as aulas da líder sem-teto como professora convidada no Insper, o Instituto de Ensino e Pesquisa, onde Marisa é conselheira.

    A entidade oferece cursos de gradução e pós em administração, economia, direito e engenharia e conta com o Núcleo de Mulheres e Território em seu Laboratório de Cidades, um programa interdisciplinar voltado para ações transformadoras de gestão urbana. “Quando a empatia, o olho no olho, a solidariedade e a educação são valores sólidos, independentemente de educação formal, informal ou das ‘caixinhas’ onde nos colocam, surgem soluções inovadoras.”

    Marisa Moreira Salles, Carmen Silva e Tomas Alvim: em ação emergencial de combate ao coronavírus. “Carmen é da minha rede de confiança, minha amiga, com ela descobri que podemos trabalhar junto para conseguir algo melhor para a sociedade como um todo”, diz Marisa. A líder sem-teto completa: “sozinha não sou ninguém”, e Tomas reitera: “a tecnologia para lidar com crises e urgências já está estruturada nas organizações comunitárias” (Foto: acervo pessoal)

    Sem rodeios, Marisa defende que é preciso aproximar a sabedoria e a tecnologia das ruas às politicas públicas, academia e instituições públicas e privadas. “São inteligências diferentes. Devemos estar juntos como nunca agora. E se estivéssemos há mais tempo, já teríamos propostas mais próximas das necessidades humanas, de como as pessoas querem viver. E tudo isso ainda estaria normatizado pelas leis que o país nos oferece.” Numa mesa de decisões, ela sugere, sempre devem estar representantes da sociedade civil, Estado, instituições e comunidade. “Se falta algum, vai faltar eficácia.”

    Carmen, por sua vez, tem como mantra a frase “sozinha eu não sou ninguém”. As cinco ocupações do MSTC são famosas pelas portas abertas aos excluídos dos sistemas de moradia digna e a todo tipo de apoio e colaboração externa dos que vivem outras realidades. Pelos prédios ocupados já passam dezenas de especialistas, professores, estudantes de artes, gestão, urbanismo, arquitetura, paisagismo, engenharia, jornalismo, saúde pública, gastronomia, moda e até equipes de cinema e documentários.

    Quem passa pela Ocupação 9 de Julho sempre aprende sobre a logística da recuperação do imóvel que já foi um depósito de 50 toneladas de lixo e fedentina. Também vê de perto como funcionam os núcleos de autogestão de moradores e voluntários que desenvolvem programas de cuidados coletivos, sustentabilidade e, principalmente, cidadania.

    Sem Teto foram eleitos para ocupar o conselho tutelar da região e para a gestão do Parque Augusta, estão presentes em diversos conselhos participativos do governo, associações de bairros e campanhas para melhorias de espaços públicos.

    “A luta por moradia tem essa característica: é um ‘guarda-chuva’ de muitas negligências à população mas mostra, de maneira coletiva e organizada, como é possível atuar de maneira ativa na gestão da cidade como um todo”, ensina Carmen. Ela conta que, para além de sanar o problema imediato da falta de comida, a omissão das omissões, o objetivo da operação é prevenir o contágio do coronavírus entre os mais fragilizados e, claro, em toda a cidade.

    Cadastramento de moradores (Foto: Elton/Casa Verbo)

    “Sabemos quem vive na rua ou em lugar insalubre, como cortiços que não permitem isolamento e ainda compartilham banheiros, casos de idosos que dividem espaços com crianças que são comprovadamente vetores e ainda as situações de famílias que não têm renda nenhuma”, conta a consultora em políticas públicas Márcia Terlizzi, voluntária do projeto com experiência de 30 anos de carreira na Secretaria de Habitação do Município.

    Márcia acompanhou a gestão de dez prefeitos diferentes como gestora de conflitos entre a prefeitura e movimentos sociais. Na operação atual, também está na retaguarda das prestações de contas e transparência das atividades.

    “As pessoas precisam ter comida na mesa já, agora. Estamos falando de prevenção”, lembra Carmen, ressaltando a dificuldade de as populações de baixa renda ou sem renda manterem a quarentena. “Houve demissões em massa e todos estão impedidos de fazer seus corres como ambulantes ou no mercado informal.” Sem reservas econômicas, é uma questão humanitária a liberação, já aprovada pelo Congresso, do auxílio de R$ 600 ou R$ 1200 para as famílias.

    Tem gente com fome!

    A agilidade da Operação Povo Sem Fome acontece a partir do contato entre redes de apoio que se conversam e trocam boas práticas e saberes. “É a única maneira de chegarmos nas mesas das pontas da cidade e descobrir as reais necessidades das pessoas.” A ação conta com a participação de outras cinco líderes comunitárias e de movimentos por moradia da cidade.

    Tomas Alvim, braço direito e sócio de Marisa na BEI Editora, explica que a maneira mais ágil para alcançar o objetivo foi destinar a verba das doações diretamente a essas lideranças. “Estamos falando de mulheres que são especialistas em situações de crise desde sempre! Elas sabem dos lugares de maior vulnerabilidade de seus territórios como a palma da mão e conhecem pelo nome quem são as pessoas que passam por dificuldades.”

    A líderes comunitárias se tornaram, assim, as responsáveis pela logística de distribuição dos donativos. “Elas permitem que a ação tenha o alcance e a capilaridade necessária e de maneira rápida porque essa tecnologia já está estruturada nas organizações delas”, diz Alvim, que também é parceiro de Marisa na criação da plataforma ArqFuturo, que congrega arquitetos, economistas e empresários mais influentes do país e do mundo para debater soluções de desenvolvimento urbano com a participação popular.

    “Essas pessoas e organizações às quais encaminharemos os recursos arrecadados há anos se dedicam ao apoio das comunidades vulneráveis de São Paulo, e é com absoluta confiança que nos colocamos ao lado delas neste momento de grande apreensão para todos”, reitera Marisa, fazendo questão de citar, além de Carmen Silva (à esquerda da foto acima), a presidente da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, a UNAS, Cleide Alves; Ester Carro que preside a União Esportiva e Educacional do Jardim Colombo; Evaniza Rodrigues, diretora da União dos Movimentos de Moradia (UMM); Marília De Santis, gestora do CEU Professora Arlete Persoli, de Heliópololis e Eliana Silva, diretora das Redes da Maré, que também está organizando ações locais no Rio de Janeiro (Foto: acervo pessoal)

    “Talvez o grande motivo de a gente escolher se aglomerar numa cidade como São Paulo num país, assim, tão grande como o nosso seja a oportunidade de ter contato com as diferenças”, conta Marisa no vídeo (abaixo), sobre suas inquietações como moradora de São Paulo. “Vivemos diferenças de idades, de raças, de culturas, de gostos, enfim, uma variedade de coisas que te provocam e que te fazem crescer, pensar, mudar.”

    Para ela, esse contato, frente a frente, é o que pode gerar inovação, crescimento, desenvolvimento e se pergunta: “Por que que sendo esse o motivo que nos faz ficar numa cidade como São Paulo a gente continua se fechando atrás de muros? Não se preocupando com os espaços públicos e nossas calçadas? Sempre preocupados apenas com o nosso quintal e não na cidade como um espaço de encontro? E por que pessoas inteligentes ainda continuam fazendo políticas urbanas tão insensatas?” E revela que essa, talvez, seja sua maior inquietação.

    Quanto a Carmen, vale a pena assistir sua fala histórica momentos depois do resultados das últimas eleições presidenciais. “Nós iremos fazer a nossa resistência como nós sempre fizemos. A resistência não é com armas, é com a voz, com o canto, com amor. Nós somos uma família. Uma família que se ama e que independe de classe, cor e sexualidade. Somos nós.”

    EM TEMPO:
    Carmen Silva responde em liberdade a um processo que a acusa de prática de extorsão por “aluguéis” em ocupações. O caso é um desdobramento de uma investigação referente ao edifício Wilton Paes de Almeida, que era ocupado por sem-teto, e desabou depois de um incêndio ocorrido no dia 1º de maio de 2018. A filha de Carmen, a cantora Preta Ferreira e o filho, o educador Sidney Silva, chegaram a ser presos por três meses por acusações semelhantes. Hoje também respondem à Justiça em liberdade, depois de ampla reivindicação popular, de celebridades da mídia e de diferentes profissionais do Direito, da imprensa e das artes.

    Os chamados “aluguéis” do processo dizem respeito à contribuição mensal, acordada em assembleia com maioria dos moradores. No caso das ocupações do MSTC, essas contribuições são de R$ 200 por mês e por família. O valor é usado para reformas nas áreas comuns e para cumprir normas de segurança, como extintores de incêndio, corrimãos, instalações elétricas e hidráulicas dos edifícios.

    Em nenhum momento os ativistas tiveram relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados por Carmen prestaram auxílio às famílias desabrigadas.

    À época das prisões, Marisa Moreira Salles se pronunciou publicamente em defesa de Carmen. A empresária e editora, apesar de sua longa carreira e atividades, é muitas vezes citada na imprensa apenas como a esposa de Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco. O banqueiro é um filantropo discreto de projetos culturais, artísticos e sociais. Cadeirante, entre os quatro irmãos da família, talvez seja o que mais tenha se dedicado aos negócios do banco criado pelo pai.

    Tanto Carmen como Marisa sabem que sempre serão julgadas tudo e por todos. Mas não estão preocupadas com isso no momento. Elas têm pressa.