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Categoria: Segurança Nacional

  • A intervenção militar no Rio: dos juízes aos generais

    A intervenção militar no Rio: dos juízes aos generais

    Artigo de Luiz Eduardo Soares*

    A situação da segurança pública no Rio é gravíssima e, portanto, não há mais lugar para discursos oficiais defensivos e auto-indulgentes. O crime organizado se espalhou como por metástase, mas note bem: só há crime organizado quando estão envolvidos agentes do Estado. Segmentos numerosos e importantes das instituições policiais não apenas se associaram ao crime, mas o promoveram – e aqui se fala sobretudo no mais relevante: tráfico de armas, crime federal. O que fez a Polícia Federal ? O que fez o Exército, responsável com a PF pelo controle das armas? O que fez a Marinha para bloquear o tráfico de armas na Baía de Guanabara? O Estado do Rio está falido, suas instituições profundamente atingidas, mas o que dizer do governo federal e dos organismos federais? De que modo uma ocupação militar resolveria questões cujo enfrentamento exige investigação profunda e atuação nas fronteiras do estado, além de reformas institucionais radicais e grandes investimentos sociais?

    Os próprios militares sabem que não podem nem lhes cabe resolver o problema da insegurança pública. Sua presença transmitirá uma sensação temporária de que o Rio se acalmou, porque os sintomas estarão abafados, mas nada será solucionado e a solução sequer será encaminhada. Basta analisar o que se passou na Maré: o Exército ocupou as favelas por um ano, desgastou-se na relação com as comunidades, a um custo de R$ 600 milhões, e tão logo as tropas se retiraram, os problemas retornaram com mais força.
    Já que não se trata de enfrentar os verdadeiros e permanentes desafios da segurança pública, muito menos resolvê-los, a que serve a intervenção: são três, a meu ver, suas funções, todas de natureza eminentemente política – é lamentável que os militares se prestem a esse papel, deixando-se manipular, politicamente, como peões em um jogo de cartas marcadas.

    1 – Muda-se a narrativa sobre a realidade do Rio, investindo-se na expectativa sebastianista da redenção, que se realizaria, nesse caso, pelas Forças Armadas, em especial o Exército, e pelo governo federal. Um projeto dessa magnitude não seria implantado sem um acordo com a grande mídia, porque sua descrição dos fatos e sua escolha de focos serão decisivas para o êxito político da operação. Ela consistirá essencialmente no deslocamento de Bolsonaro, abrindo-se um espaço para que uma candidatura de centro-direita, em nome da lei e da ordem, mas legalista, capture o eleitorado de direita: ter-se-ia, assim, uma espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro. Sai o capitão aventureiro e desorienatdo e entram generais formalmente legalistas, embora “duros”. Abre-se novo espaço para candidaturas no Rio e no país, e para a emergência de lideranças “de fora da política” e “impolutas”. Parece que está em curso uma transição: aos poucos, deixamos de ser o país dos juízes para nos tornarmos a nação dos generais – de novo, ainda que, dessa vez, com cobertura legal, uma vez que, depois do impeachment, qualquer atropelo às leis poderá ser tolerado desde que os fins justifiquem, para seus operadores, os meios.

    As denúncias relativas ao auxílio moradia contra Moro e Bretas, poucos dias depois da condenação de Lula em segunda instância, deixa claro que, para a mídia e as elites que mandam no país, em particular o capital financeiro e seus sócios internacionais, o papel dos magistrados já foi cumprido e agora é tempo de “cortar suas asinhas” para evitar que acreditem no próprio personagem e avancem sobre o PSDB, os bancos e as corporações midiáticas. Como se vê, a intervenção militar no Rio complementa a exclusão de Lula da disputa eleitoral, uma vez que não seria suficiente exclui-lo e prosseguir na sistemática marginalização da candidatura Ciro Gomes, se a direita e o centro não se entendessem e criassem uma alternativa viável.

    2 – Atuando-se reativamente na emergência, impede-se mais uma vez que alcancem a agenda pública temas fundamentais: (a) a política de drogas; (b) a reforma do modelo policial e a refundação das polícias, com a mudança do artigo 144 da Constituição (por exemplo, com a aprovação da PEC-51 que o senador Lindbergh Faria apresentou em 2013); (c) a repactuação entre o Estado e as comunidades que vivem em territórios vulneráveis, em especial a juventude, de modo a que as instituições policiais deixem de ser parte do problema e se transformem em parte da solução. Hoje, as execuções extra-judiciais são a regra, o que leva analistas a declarar que essas áreas estão sob a regência de um Estado de exceção. Infelizmente, isso ocorre com a anuência, por cumplicidade ou omissão, do Ministério Público e as bençãos do poder Judiciário; (d) o investimento em infraestrutura, educação e cultura, e a abertura de novas oportunidades para a juventude mais vulnerável, respeitando-se as camadas populares e, assim, bloqueando o aprofundamento do racismo estrutural. Os recursos, aos bilhões, viriam do corte no pagamento de juros aos rentistas.

    3 – Um efeito lateral nada desprezível seria a suspensão das votações no Congresso da reforma da previdência, salvando o governo de uma derrota, no item que supostamente justificaria sua ascensão ao poder. Por mais que, hoje, o governo negue essa possibilidade, está aberta a temporada de caça a brechas judiciais para obstar o processo de votação.

    Não posso concluir sem chamar atenção para os riscos que a intervenção militar representa para os moradores das comunidades e para os próprios militares, que são jovens e não foram treinados senão para o enfrentamento de tipo bélico. A primeira morte provocada por um militar, em decorrência da nova legislação, será julgada pela Justiça militar, o que poderá transferir para a arena jurídico-política internacional a problemática da ocupação do Exército, tornando a operação política um desastre, a médio prazo, a despeito do provável apoio ufanista da grande mídia. Por outro lado, se um militar for atingido mortalmente, as consequências serão imprevisíveis, fazendo girar mais rápida e intensamente o círculo, ou a espiral da violência.
    Além de tudo, não nos esqueçamos do exemplo mexicano: quando as Forças Armadas se envolvem na segurança pública, abrem-se as portas para sua degradação institucional.

     (*) Antropólogo, cientista político e escritor, é um dos maiores especialistas em segurança pública do país. Foi secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro durante o governo Anthony  Garotinho e ocupou a Secretaria Nacional de Segurança Pública no governo Lula, tendo sido afastado dos dois cargos por pressões políticas. Na carreira de escritor, Soares foi co-autor dos best-sellers Elite da Tropa e Elite da Tropa 2.
  • Há um curto-circuito no coração do golpe

    Há um curto-circuito no coração do golpe

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia*

    Acho que poucos de nós duvidam que a palavra “corrupção” é o termo chave da crise brasileira contemporânea. Uma crise que começou em junho de 2013, mas que deita suas raízes mais profundas lá em 2005, na ocasião do que já na época ficou conhecido como o “julgamento do mensalão”.

    Aqui neste ensaio, quero mostrar como essa palavrinha mágica pode ser entendida de várias maneiras e como a história da crise brasileira contemporânea pode ser contada a partir do privilégio de um desses sentidos: o sentido “liberal”, segundo o qual a “corrupção” está diretamente vinculada ao Estado, a tudo que é público. É como se o Estado fosse naturalmente corrupto e corruptor e o combate à corrupção passasse, necessariamente, pelo combate ao Estado, pelo desmonte do Estado.

    O privilégio dessa leitura liberal do fenômeno da corrupção diz muito sobre a crise, especialmente sobre os seus movimentos mais recentes. De uns dias pra cá, os veículos mais poderosos da imprensa hegemônica brasileira (Folha de São Paulo, o departamento de jornalismo da Rede Globo, Estadão) vêm abrindo fogo contra os privilégios dos juízes, que já são conhecidos por todos nós há muito tempo. Por que somente agora a imprensa hegemônica denuncia os privilégios nababescos dos juízes brasileiros? Penso que estamos entrando num novo momento da cronologia da crise, em que a aliança entre o judiciário e a mídia hegemônica, até então sólida como pedra, começa a fazer água. Também aqui a leitura liberal do conceito “corrupção” tem uma importante função política a cumprir.

    Bom, pra começar a conversa é importante esclarecer melhor o que estou querendo dizer quando afirmo que o conceito “corrupção” é polissêmico, que possui vários sentidos. Pra isso, cito, bem rápido, alguns autores que ao longo da história da cultura política ocidental usaram a palavra “corrupção”, fazendo-o de diferentes formas.

    Para Aristóteles, que que no IV século antes de Cristo escreveu o tratado da “Política”, a “corrupção” era o efeito natural do tempo sobre os organismos políticos. Maquiavel, escrevendo no século XVI da era cristã, seguiu a trilha aberta por Aristóteles e definiu a “corrupção” como a perda da capacidade da República em institucionalizar os conflitos travados entre seus cidadãos. Chamo de “republicana” essa forma de tratar a corrupção.

    Karl Marx, escrevendo no século XIX, enfrentou o tema da corrupção em um livro pouco conhecido, cujo título é “A luta de classes na França entre 1848 e 1850”. Basicamente, Marx argumenta que falar em “corrupção política” no sistema capitalista é uma redundância, pois o próprio capitalismo já é corrupto, na medida em que se fundamenta na exploração de uma classe pela outra. Essa é a definição marxista.

    Nenhuma dessas formas de pensar associou a “corrupção” ao roubo do dinheiro público. Vamos encontrar essa associação sendo feita de forma mais clara nos textos que Friedrick Hayek escreveu ao longo do século XX. Preocupado em discutir o tema da “ética na política”, Hayek definiu a corrupção como a apropriação para fins particulares dos recursos públicos. Como o objeto da corrupção seria o dinheiro público, a definição proposta por Hayek sugere que o terreno da “coisa pública”, do “Estado”, é solo fértil para a corrupção. Podemos chamar essa definição de “liberal”.

    Bom, o conceito “corrupção” tem, pelo menos, três significados distintos: o republicano, o marxista e o liberal. Nem carece de gastar muito papel e tinta pra mostrar que na crise brasileira contemporânea um desses significados foi privilegiado: o liberal. Ao menos na minha avaliação, isso não aconteceu à toa, sendo um projeto planejado deliberadamente por segmentos poderosíssimos das elites brasileiras para realizar um antigo sonho, para viabilizar um projeto que vem sendo frustrado desde a década de 1940.

    Que projeto é esse? Que sonho é esse que animou durante esse tempo todo o sono da direita brasileira, mas que jamais foi plenamente realizado?

    Pra responder, apresento uma breve síntese da história contemporânea do Brasil. Síntese histórica é igual prudência e canja de galinha: é sempre bem-vinda. O conhecimento histórico é útil à vida.

    Trata-se do sonho do “Estado Mínimo Brasileiro”, projeto que começou a ser defendido no final dos anos 1940 pela UDN, partido político que na época foi o portador da narrativa da redemocratização que marcou a transição da Ditadura do Estado Novo para a ordem democrática que se consolidaria em 1945. Não era, ainda, o “Estado Mínimo” neoliberal, mas sim um projeto desenvolvimentista internacionalista que priorizava o mercado e o capital, considerando o Estado um obstáculo para a prosperidade nacional.

    Esse projeto desenvolvimentista jamais foi aprovado nas urnas, o que explica em parte o transformismo golpista da UDN. Em algum momento da década de 1950, a UDN cansou de brincar de eleição e passou a recorrer ao expediente golpista. Já que o povo não colaborava, a UDN resolveu caminhar sem o povo mesmo. A aproximação com os militares foi uma consequência quase natural.

    A aliança entre a UDN e os militares viabilizou o golpe civil-militar de 1964. Mas como os militares não são seres acéfalos, não serviram como simples instrumento para a realização do projeto udenista. Acabou mesmo que a UDN deu com os burros n’água, pois os milicos sentaram na cadeira do poder e ali ficaram por mais de 20 anos, perseguindo até mesmo os aliados de véspera, como o líder udenista Carlos Lacerda.

    E o pior para o sonho do “Estado Mínimo Brasileiro” vou contar agora: os militares não efetivaram o projeto udenista, pelo contrário, já que em vários aspectos os governos militares podem ser definidos como estatais-desenvolvimentistas. Isso não significa um elogio aos militares, bem longe disso, pois a ditadura foi fundada em um golpe que destituiu um governo democraticamente eleito. Diante desse vício de origem, nenhum ato da ditadura militar pode ser considerado legítimo.

    Enfim, não foi com a UDN e não foi com os militares que o sonho do “Estado Mínimo Brasileiro” se tornou realidade.

    O projeto voltou com força no final dos anos 1980 e pautou as eleições presidenciais de 1989. Sob a batuta do “Consenso de Washington”, um jovem político alagoano, bonitinho mas ordinário, prometeu “caçar os marajás”. Ou em outras palavras, combater a “corrupção”. Adivinhem como? Enxugando o Estado.

    Sabemos bem o que aconteceu com esse jovem e charmoso político alagoano. Collor também não conseguiu realizar o velho sonho do “Estado Mínimo Brasileiro”.

    Com um discurso de propaganda em muitos aspectos parecidos com o de Collor, só que acrescido da narrativa da “estabilidade econômica resultante do plano real”, Fernando Henrique Cardoso se submeteu às urnas em 1994. E venceu. Havia chegado a vez do príncipe da sociologia uspiana tentar realizar o sonho do “Estado Mínimo Brasileiro”, dessa vez com a legitimidade de uma vitória eleitoral.

    O sucesso foi relativo. Sem dúvidas, FHC avançou mais que seus antecessores, mas no final dos seus oito anos de governo ficou a sensação de que foi pouco, de que dava pra entregar mais. O neoliberalismo é um lobo faminto.

    Por mais que o governo de Lula tenha negociado com a agenda neoliberal, apenas com muita desonestidade intelectual seria possível dizer que o desmonte iniciado pelos tucanos foi mantido pelos governos petistas. Com a eleição de Lula, o sonho do “Estado Mínimo Brasileiro” sofreu um duro revés. Mas o lobo não é só faminto. É insistente e teimoso também.

    O que estou querendo dizer é: A crise brasileira contemporânea representa uma nova ofensiva desse lobo neoliberal contra o Estado brasileiro e pra isso é necessário algo a mais do que o simples argumento macroeconômico. É que esse negócio de economia, de números, não convence muito, tem pouca eficiência retórica.

    É aqui que o tratamento da “corrupção” na perspectiva liberal vai cumprir sua função discursiva, ao definir o Estado como o antro da corrupção, como o cabaré da imoralidade. A diferença é que a experiência mostrou que o marketing político não basta, que é necessário algo mais forte: a judicialização da política. Nasce assim, lá em 2005, a aliança que até a semana passada era a força política mais poderosa da República: o concubinato entre a mídia hegemônica e setores do poder judiciário.

    Quem não lembra de Joaquim Barbosa, o homem da capa preta que prometia colocar todos os políticos corruptos na cadeia?

    O tal combate à corrupção foi seletivo e serviu apenas para desestabilizar os governos petistas, que estavam fortalecendo o Estado como grande agente de regulação estratégica do desenvolvimento nacional. Lideranças petistas foram perseguidas judicialmente, como foi o caso de José Dirceu e José Genoíno, e isso sob os aplausos de uma opinião pública raivosa, com fome de vísceras.

    Pouco importava o devido processo legal, desde que os “corruptos” fossem punidos e os “corruptos”, é claro, eram as lideranças petistas. Pronto! A matriz da crise está aqui. Só que do outro lado tinha um certo Luiz Inácio, cabra esperto, inteligente, que conseguiu sobreviver à primeira ofensiva do conglomerado “judiciário/imprensa hegemônica”.

    Nos anos seguintes, com a prosperidade econômica resultante do boom das commodities, os ânimos foram pacificados. Tava entrando dinheiro no bolso de todo mundo e a opção lulista em não tensionar as contradições estruturais fez com que o lobo faminto e temporariamente saciado pudesse dormir.

    O jogo mudou a partir de 2013, em virtude da combinação da crise econômica com algumas escolhas políticas da presidenta Dilma. Pois sim, em muitos aspectos o “dilmismo” é diferente do “lulismo”. Ainda precisamos avançar na conceituação do “dilmismo”. Não é isso que faço aqui.

    O lobo acordou, mais faminto que nunca e viu naquele momento uma chance de ouro para realizar o sonho do “Estado Mínimo Brasileiro”. Outra vez foi evocada a narrativa liberal do combate à corrupção. Foi assim que o governo da presidenta Dilma foi desestabilizado, foi com essa semântica que o golpe de 2016 se efetivou, novamente sob os aplausos dos “brasileiros de bem”, indignados com a corrupção.

    Mal sabiam os “brasileiros de bem” que eles estavam sendo bombardeados por uma narrativa que deu ao conceito “corrupção” um sentido específico, que de forma alguma é o único. Assim, com essa narrativa, Dilma foi derrubada e Lula condenado, em processos jurídicos profundamente politizados e questionados pela comunidade jurídica nacional e internacional.

    Acontece que a crise é um processo em movimento que ainda não acabou. Ao que parece, acabamos de entrar num outro momento da cronologia da crise: com Lula condenado e virtualmente preso, chegou a hora do lobo neoliberal devorar todo o banquete. O lobo é insaciável.

    E pra matar a fome do lobo, nada melhor do que servir, numa bandeja de prata, os privilégios do judiciário. Não é possível a realização do sonho do “Estado Mínimo Brasileiro” com um judiciário tão caro, cheio dos privilégios, cheio das pensões vitalícias.

    Bastaram menos de 72 horas após a condenação de Lula para aliança entre o judiciário e a mídia hegemônica, até aqui marcada por lealdade recíproca, se dissolver. Moro, Dallagnol, Bretas, até então representados como heróis nas páginas dos principais jornais da imprensa brasileira, se tornaram aproveitadores da coisa pública, se tornaram corruptos.

    Justo agora, os privilégios tão conhecidos por todos nós começaram a incomodar a imprensa hegemônica. De forma alguma, quero defender os juízes, mas precisamos entender que os ataques midiáticos ao judiciário fazem parte do mesmo projeto neoliberal que desestabilizou o reformismo petista. O lobo é faminto, teimoso e criativo. Tomara que as esquerdas brasileiras não se deixem seduzir pelo uivo do lobo, travestido de canto de sereia. Tem sereia não, meus amigos. É lobo mesmo, com os dentes enormes, mais perigoso que aquele jantou a chapeuzinho vermelho. Ou almoçou? Não sei.

    Escrever no olho do furacão é sempre um desafio e aquele que se arrisca acaba botando a língua na guilhotina. Não tem jeito. Por isso, arrisco a integridade da minha língua dizendo que temos um elemento novo na cronologia da crise brasileira.

    As duas forças que juntas foram as responsáveis pela aplicação do golpe têm projetos distintos e até mesmo rivais para o futuro da nação: de um lado, o judiciário querendo uma República dos bacharéis, onde os magistrados serão os guardiões da moral pública, com a devida recompensa, sob a forma de privilégios que não estão disponíveis a nenhum outro setor do funcionalismo público. Do outro lado, a imprensa hegemônica, que representando os interesses do neoliberalismo vê na atual conjuntura de crise a chance para tornar realidade, de uma vez por todas, o antigo sonho do “Estado Mínimo” brasileiro.

    Há um curto-circuito no coração do golpe! Em tempos tão difíceis, com tantas notícias ruins, talvez exista aqui algo a se comemorar.

    (*) Com ilustração de Cau Gomez

     

  • ESPECIAL: Postagens inverídicas que levaram ao linchamento moral do reitor da UFSC continuam nas páginas oficiais da PF

    ESPECIAL: Postagens inverídicas que levaram ao linchamento moral do reitor da UFSC continuam nas páginas oficiais da PF

    Família apresentou ao Ministério da Justiça requerimento de abertura de inquérito para apurar a responsabilidade administrativa, cível e penal da delegada Érika Marena nos abusos de poder que culminaram com a prisão, afastamento da universidade, linchamento moral e suicídio de Cancellier

    Passados dois meses da prisão do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier de Olivo e 48 dias do seu suicídio, as informações comprovadamente inverídicas do anúncio da Polícia Federal sobre o seu envolvimento na Operação Ouvidos Moucos permanecem inalteradas nas páginas oficiais do órgão. A mesma postagem que levou ao linchamento moral e midiático do reitor continua no dia de hoje (19/11) alimentando julgamentos e informações caluniosas nas redes sociais e nos meios de comunicação. Uma representação contra a delegada da Superintendência da Polícia Federal em Santa Catarina, Érika Mialik Marena, foi protocolada e entregue ao ministro da Justiça e Segurança Torquato Jardim, no dia 31 de outubro, pelo irmão Acioli, em nome do irmão Júlio e do filho do reitor, Mikhail Vieira Cancellier de Olivo, mas até agora os advogados da família não obtiveram qualquer resposta. A denúncia requer a abertura de procedimento investigativo para “apurar com rigor responsabilidade administrativa, cível e penal da delegada pelos abusos e excessos cometidos no trágico desfecho e prevenir a ocorrência de novos episódios”.

    Representação contra a delegada federal assinada por Acioli Cancellier (ao centro), ladeado pelo irmão Júlio Cancellier e o o reitor (de branco).     Foto: Arquivo Pessoal

    Na postagem do dia 14 de setembro, a Polícia Federal anuncia que estava deflagrando uma batida no Brasil, com a prisão de sete integrantes da UFSC (incluindo o reitor), como suspeitos pelo desvio de verbas de R$ 80 milhões do Ensino a Distância dentro da autodenominada “Operação Ouvidos Moucos”. Essas informações induziram a mídia e seus leitores a tomarem a verba total repassada pela Capes ao Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) e aplicada em cursos, projetos e bolsas do Ensino a Distância no período de dez anos como o valor de recursos sob suspeita de desvio. No entanto, o valor investigado está, conforme amplamente esclarecido no dia seguinte pela universidade e reconhecido pela própria juíza Janaína Cassol, restrito a duas listagens de valores das bolsas supostamente transferidos indevidamente, uma no montante de R$ 300 mil e outra de R$ 200 mil. O valor sob suspeição não passa, portanto, de R$ 500 mil.

    Na representação, os familiares denunciam que no dia da deflagração da operação a delegada convocou coletiva de imprensa e deu entrevista ao vivo, divulgada pelo canal do Youtube da Polícia Federal para “denunciar” o suposto desvio de mais de 80 milhões de reais na UFSC, “antes mesmo de concluir a oitiva de Luiz, que durou mais de 5 (cinco) torturantes horas”.

    Essa informação oficial, seja na coletiva ou nas páginas do órgão, foi decisiva para o julgamento público que defenestrou a reputação pública de Cancellier, conforme argumenta o pedido de inquérito. Durante o velório do professor, no dia 2 de outubro, uma universitária deu a maior prova disso, ao interromper a cerimônia fúnebre para esmurrar o caixão em frente aos familiares e amigos ainda compungidos de dor gritando: “Ladrão, ladrão, devolva os R$ 80 milhões que roubou da universidade!”

    O documento mostra que as postagens e a entrevista coletiva da Polícia Federal no dia da prisão produziram uma segunda distorção, igualmente grave e incriminadora: a de que Cancellier, jornalista por profissão, graduado, mestre e doutor em Ciências Jurídicas, e professor de Direito Administrativo, havia sido indiciado por envolvimento nas suspeitas de desvio. (Veja aqui a coletiva convocada pela delegada da PF e publicada no seu canal do Youtube: http://(https://www.youtube.com/watch?v=n8nIa-NKcVU&feature=youtu.be)

    Veículos de comunicação que tomaram esses dados oficiais como verídicos e definitivos, sem ouvir o contraditório, tiveram que esclarecer na sequência que o reitor não era indiciado, nem sequer citado nas investigações da operação que apurava possíveis desvios praticados num período de seis anos atrás, fora, portanto da sua administração, iniciada em maio de 2016. Conforme foi retificado na sequência pela Reitoria da UFSC e pela juíza, a prisão se referia à denúncia de tentativa de interdição das investigações da Polícia Federal, levantada pelo titular da Corregedoria Geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, hoje afastado para licença de saúde de 61 dias. O processo da operação foi avocado pela Corregedoria Geral da União, que também responde pelo pedido de investigação da sua conduta, encaminhado pela reitoria da UFSC.

    A arguição mostra que a delegada extrapolou suas funções institucionais, acolhendo sem o menor cuidado denúncia infundada de um declarado desafeto político do reitor, contra o qual fez diversos pronunciamentos na imprensa local, inclusive o acusando de redução salarial. Soube-se mais tarde que o corregedor, ao contrário de Cancellier, não era mais um homem público de ficha limpa desde 2013. No momento em que fez a acusação, Hickel respondia a seis processos na justiça envolvendo crime de trânsito contra a coletividade, com tentativa de carteiraço e crime de calúnia e difamação com abuso de autoridade, pelo qual foi condenado na instância cível e penal. Além disso, respondeu a duas ações de indenização movidas pela ex-mulher e ex-noiva por tortura psicológica e física, conforme reportagem investigativa publicada pelos Jornalistas livres em 30 de outubro. https://jornalistaslivres.org/2017/10/exclusivo-corregedor-que-denunciou-reitor-a-pf-ja-foi-condenado-por-calunia-e-difamacao/

    O primeiro a observar a permanência da notícia caluniosa foi o próprio irmão do reitor, Acioli Cancellier de Olivo, matemático, pesquisador e professor de pós-graduação aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do MCTI em São José dos Campos, provocado pela insistência do erro de alguns veículos de imprensa, mesmo depois de amplamente corrigidos. A postagem da PF, que consta da representação da família, foi printada pelos denunciantes no dia 31 de outubro, com 789 curtidas e 159 compartilhamentos. Chama atenção o grau de ódio, proporcional ao grau de desinformação dos comentários:

    Vera Trancoso: “Parabéns, guerreiros, vocês são os heróis desta nação, pena que não há leis severas para eles e nem cadeias comuns para pagar as punições, abraços”.

    Selma Cabulon: “Parabéns PF. O povo só pode contar com vcs pra acabar com esse bando de corruptos sem vergonha o Brasil não tolera mais isso chega e enquanto isso o povo morre por falta de recursos”.

    Acompanhados sempre da hashtag de cunho promocional #EuconfionaPF, o texto das postagens da PF começa com o número de agentes mobilizados pela operação: “105 policiais federais para cumprir 16 mandados de busca e apreensão, 7 de prisão temporária e 5 de condução coercitiva, além do afastamento de 7 pessoas de funções públicas que exercem”. Informa ainda que a Operação Ouvidos Moucos, também sempre citada em formato de hashtag, “contou com o apoio do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União – CGU e do Tribunal de Contas da União – TCU para desarticular organização criminosa que desviou recursos para curso de Educação a Distância (EaD) da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC”. O texto é assinado também por hashtags promocionais da PF #euconfionapf e #issoaquiépf.  Abaixo do texto, a imagem-símbolo da campanha com a manchete sobreposta e acesa por detalhes em amarelo:

    #OpOuvidosMoucos

    Combate desvio de mais de R$ 80 milhões de recursos para EaD

    Com base nessas afirmações, o reitor foi acusado de ser o chefe da quadrilha e a UFSC, uma universidade com largo renome no país, um antro de corrupção, de acordo com o próprio desabafo que ele assinou , em artigo publicado em 28 de setembro, no jornal O Globo, quatro dias antes do suicídio.

    “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira… Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.” https://oglobo.globo.com/opiniao/reitor-exilado-21879420

    Em busca da uma informação atualizada ou revisada em outros canais da Polícia Federal, encontramos no seu site oficial, o release sobre a operação, com as seguintes afirmações comprometedoras:

    “As investigações começaram a partir de suspeitas de desvio no uso de recursos públicos em cursos de Educação à Distância oferecidos pelo programa Universidade Aberta do Brasil – UAB na UFSC. A operação policial tem como foco repasses que totalizam cerca de R$ 80 milhões. Foi identificado que docentes da UFSC, empresários e funcionários de instituições e fundações parceiras teriam atuado para o desvio de bolsas e verbas de custeio por meio de concessão de benefícios a pessoas sem qualquer vínculo com a Universidade. O programa UAB foi instituído em 2006 pelo Governo Federal com o objetivo de capacitar prioritariamente professores da rede pública de ensino em regiões afastadas e carentes do interior do país”.

    “Os alvos da operação são investigados pelos crimes de fraude em licitação, peculato, falsidade documental, estelionato, inserção de dados falsos em sistemas e organização criminosa. Também chamou a atenção dos policiais a pressão que a alta administração da UFSC exerceu sobre integrantes da Corregedoria da universidade que realizavam internamente a apuração administrativa, o que resultou na prisão de um integrante da alta gestão da instituição.” http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2017/09/pf-desarticula-organizacao-criminosa-que-desviava-recursos-da-ufsc

    Nota-se que o release oficial da PF revela a data de implantação do programa UAB na UFSC (2006), mas omite um dado fundamental, que poderia denunciar o próprio caráter ilógico e descabido da prisão: o período dos desvios, naturalmente bem conhecidos pela delegada e pelo corregedor que alimentou a operação. Eles eram anteriores à gestão de Cancellier, referentes aos anos de 2011 e 2015, conforme nota divulgada pela Administração Central nda UFSC no mesmo fatídico 14 de setembro.  Da forma como foi divulgado pela PF, o release leva ao engano de que os supostos desvios aconteceram na gestão atual.  Depois de disseminada a informação, não houve quem conseguisse conter a calúnia e difamação nas redes sociais e convencer os ardorosos fãs da PF e correligionários de Bolsonaro de que o reitor não tinha qualquer envolvimento pessoal com os alegados desvios de verbas. 

    A manutenção do erro na fonte oficial de informação explica, na avaliação de Acioli, porque a Folha de S. Paulo, por exemplo, persiste na divulgação do desvios de R$ 80 milhões, mesmo depois de uma errata do próprio jornal que chamou a atenção da ombudswoman Paula Guimarães e a levou a fazer uma vigorosa crítica à redação em sua coluna dominical.  Ainda assim, o erro continuou se repetindo, mesmo em artigos francamente favoráveis ao reitor e críticos dos desmandos da operação, como o de Élio Gaspari. (Leia aqui a coluna: http://m.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2017/10/1925311-jornalismo-de-ouvidos-moucos.shtml)

    Na denúncia, os irmãos alegam que Cancellier era réu primário, sem registro de nenhum antecedente criminal. “Nunca foi processado, sequer administrativamente, tendo fixado residência em Florianópolis nas proximidades da UFSC, que era a extensão de sua casa até o dia em que, como relatou em seu bilhete de despedida, foi defenestrado e banido daquele espaço público”. O documento também denuncia a “larga e instantânea cobertura da imprensa local e nacional, que, apesar do sigilo, contou com o fornecimento de informações processuais privilegiadas, a exemplo da exato momento de cumprimento dos mandados de prisão”. Essa espetacularização midiática foi confirmada durante entrevista coletiva ao reitor pró-tempore Ubaldo Balthazar pelo jornalista Carlos Damião, blogueiro e colunista do Notícias do Dia, que disse ter recebido o aviso da prisão do reitor no seu e-mail pessoal às 7:20 do dia 14 de setembro, antes portanto, da operação ser deflagrada. O requerimento de Aciolli copia a decisão que deferiu as medidas de prisão, busca e apreensão pela juíza Janaína Cassol, na qual foi determinado sigilo da operação, nos seguintes termos:

    De acordo com a Lei 4.898, de 1965, que regulamenta a representação nos casos de abuso de autoridade, dispõe, em seu artigo 4º, constitui abuso “submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei” e praticar “ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”, segundo enfatiza o requerimento. Alega a denúncia ainda que a autoridade policial “não só submeteu o falecido reitor à imensurável vexame ao conduzir sua prisão, em local inadequado (penitenciária), como causou mácula irreparável à sua honra, ao divulgar a informação de que ele estaria envolvido em suposto desvio milionário, quando o próprio caderno investigativo afirma que seu envolvimento estaria restrito à alegada interferência administrativa”.

    Coletiva convocada pela delegada para discutir reitor morto quebrou o sigilo determinado por lei

    A ausência do necessário sigilo garantido por lei, com a divulgação excessiva de informações equivocadas pela PF, foi decisiva na produção do discurso de ódio que viralizou como ato contínuo à prisão, avaliam os irmãos. “Todos os investigados foram estigmatizados, mas especialmente o reitor, em cuja figura a participação em um falso desvio milionário foi atribuída pela autoridade presidente do inquérito e, posteriormente, pela mídia”, argumenta Acioli. A divulgação de sua imagem de forma espetaculosa em primeiro plano pelos jornais e veículos de televisão personalizou e sintetizou na figura de Cancellier a representação máxima de um país onde a corrupção descontrolada teria tomado conta até das instituições universitárias.

     

    O pedido de inquérito afirma nas primeiras linhas: “Luiz Carlos Cancellier de Olivo não resistiu à pressão de ser humilhado publicamente pela injusta acusação por um fato anômalo jamais praticado (tentativa de obstrução administrativa), tendo este fato sido determinante para a prática do ato extremo que culminou em seu falecimento precoce e que tem acarretado danos irremediáveis aos familiares”. E conclui, ao final de seis páginas, afirmando: “Agora, além da imensurável tristeza para os familiares e amigos por esta insuperável perda, fica a reputação manchada por inverdades indevidamente divulgadas pela representada aos meios de comunicação, que se estendem a todos da família de Luiz Cancellier”.

    A Justiça brasileira levou 38 anos para reconhecer a culpa da Ditadura Militar pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog, por “tortura e maus tratos”. Quanto tempo a República de Temer e Mouro levará para admitir perante a comunidade universitária e perante todo o país a culpa pelo suicídio de Luiz Cancellier?

    Prestes a completar dois meses da tragédia que consternou o país, o Estado finge ignorar os escandalosos erros, abusos e excessos nesse caso, já denunciados pela Ordem dos Advogados do Brasil, bem como por renomados juristas e cientistas políticos. É notória “a ilegalidade, arbitrariedade, a forma absolutamente desproporcional como as duas medidas, a de prisão e de afastamento do cargo foram incorporadas”, diz o criminalista Fábio Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito Democrático (em entrevista ao jornalista Fernando Morais, do Nocaute). Mas a resposta da sociedade civil organizada vem crescendo como uma avalanche que tende a tornar o sacrifício de Cau um grande levante contra o Estado de Exceção.

    Essas manifestações extravasam da política para a linguagem artística, provocando apresentações teatrais, como Luz em Einstein, da diretora Carmem Fossari, que terminou sua estreia com a projeção de uma tela dedicando a obra, que fala do estado de exceção na ciência, ao reitor suicidado. “A peça remete ao tema da intolerância política e étnica que levou ao fascismo europeu nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial e que hoje retorna no Brasil e no cenário mundial em formas ainda mais sofisticadas, representando um profundo recuo civilizatório”, analisa o professor de arquitetura e vereador Lino Peres (PT).

    Um grito silencioso cortou a escuridão do campus universitário no dia 9/11 à noite, durante o Projeto Experimenta, da Secretaria de Cultura e Arte, quando a professora e “artivista” Clélia Mello exibiu uma montagem com todos os textos, manchetes, imagens de jornais, sites e páginas que ela foi capaz de recolher pela internet. Partindo da pergunta “Quem matou o reitor Cancellier?”, projetada ao centro, e a palavra “Silêncio” nas laterais, a intervenção impactou a comunidade universitária com a projeção dos recortes de mídia em ritmo motocontínuo, como ela explica. Cinco aparelhos simultâneos projetaram os textos e imagens em alta velocidade nas paredes da Reitoria da UFSC, “único lugar onde o reitor pôde adentrar na UFSC depois da invasão policial, já morto, para ser velado dentro de um caixão”, ela anota.

    Intervenção “artivista” de Clélia Mello, projetada à noite nas paredes da universidade

    Com as luzes da universidade completamente apagadas, seguiram-se 12 vídeos editados em frequências diferentes com fotofilmes dos protagonistas da operação, entre eles o corregedor, a delegada, a juíza, a delatora, a vice-reitora, os policiais que prenderam, algemaram e acorrentaram o reitor etc. “A partir da invasão da UFSC pela Polícia Federal, eu me centrei no estado policialesco que vai culminar com a morte de Cancellier como uma vítima de toda essa caça esdrúxula”. A professora do Curso de Cinema esclarece que não filtrou as mensagens, nem impôs um posicionamento a priori. O efeito de arrancar a comunidade universitária do silêncio causado pelo trauma surge da própria afecção e sensibilidade provocadas no inconsciente imagético das pessoas. “Cada um é despertado a fazer seu próprio balanço e sua própria síntese dos elementos que se interligam na tragédia”.

    Já são também pelo menos três documentários produzidos sobre o caso, um deles lançado na abertura do XXVI do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi), realizado na capital do Maranhão, São Luís, entre os dias 15 a 17 de novembro de 2017. O documentário CAU provoca uma profunda reflexão crítica sobre o papel e as ações que autoridades públicas e a mídia desempenham ao ferir as garantias fundamentais do direito.

    Em nome da Inocência: JUSTIÇA, outro documentário, é assinado por Jailson Lima da Silva, Lédio de Rosa Andrade e Sérgio Graziano. Será lançado junto com o livro homônimo,  em Sessão Especial proposta pelo deputado Rodrigo Minotto (PDT). A homenagem ocorrerá no plenário deputado Osni Régis da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, no dia 21 de novembro, às 19 horas.

    O terceiro documentário está sendo dirigido pelo cineasta Eduardo Paredes, autor do premiado Novembrada, que será exibido no Palácio Cruz e Sousa, no dia 30 de novembro, data do aniversário do célebre levante organizado por estudantes da UFSC e trabalhadores no apagar das luzes do governo do general Figueiredo em visita a Florianópolis. A sessão igualmente homenageia a memória do reitor, que participou desse protesto contra a ditadura militar quando era um jovem líder estudantil, em 1979.

     

    Sem provar nada contra seus indiciados, sem retificar as informações distorcidas que inflamaram o ódio na opinião pública e midiática, sem pedir desculpas aos familiares pela perda traumática de um irmão e de um pai inocente, a “hollywoodiana” operação Ouvidos Moucos, como é qualificada pela denúncia, conseguiu apenas arrancar do franciscano reitor o único bem que ele tinha, além de um apartamento de classe média: sua vida e sua reputação. A Justiça levou 38 anos para reconhecer a culpa da Ditadura Militar pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog, divulgando um novo laudo que comprova a sua morte por “lesão e maus tratos” no “II Exército (DOI-CODI)”. Quantos tempo a República “Ordem e Progresso” de Temer e Mouro levará para admitir perante a comunidade universitária e perante todo o país a culpa pelo suicídio de Luiz Cancellier?

    Sobre Vladmir Herzog https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/09/herzog-morreu-torturado-justica.html

     

    NO SENADO

    A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado realiza audiência pública na terça-feira (21), às 9 horas, para analisar as circunstâncias que levaram à morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. O requerimento para a audiência pública é da senadora Regina Sousa (PT-PI), atendendo ao pedido de investigação entregue no dia 31 de outubro por uma rede de mais de cem juristas brasileiros. Foram convidados para o debate Claudio Lamachia, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); José Sérgio da Silva Cristóvam, conselheiro estadual da OAB-SC; Diana Dias Sampaio, secretária-geral da Associação Nacional dos Técnicos de Nível Superior; Luis Eduardo Acosta, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; e Juliano Scherner Rossi, procurador federal junto a UFSC.

    Senadora acatou pedido de instauração de inquérito e já começa na terça, 21/11, a investigar episódios que levaram o reitor ao suicídio. Foto: Senado

    Antes, no dia 31 de outubro  já havia sido realizado uma sessão solene no Senado em homenagem ao reitor que se tornou um grande manifesto político multipartidário que tomou o caso do reitor da UFSC como um vigoroso exemplo de combate aos abusos de poder e ao Estado de Exceção. A título de ser uma homenagem ao professor suicidado, a cerimônia ocupou o espaço na tribuna para uma sucessão de discursos vigorosos contra as condições da prisão e afastamento do reitor da universidade, que revezaram ao microfone vozes de vários partidos, que vão do deputado Armindo Chinaglia (PT), o senador Roberto Requião (MDB histórico), o desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade, o ex-senador Nelson Wedekin (MDB histórico), o deputado Esperidião Amin (PP), até a ex-senadora e líder do governo Lula e Dilma Ideli Salvatti (PT). https://www.facebook.com/lediorosa/videos/10203996144980494/

    AULA PÚBLICA:

    SC se levanta contra Estado de Exceção na UFSC e no Brasil

    A partir da aula pública em Florianópolis deve se articular uma Frente Nacional de Luta contra o Estado de Exceção

    A Universidade Federal de Santa Catarina realiza a Aula Pública: “Resistência ao abuso de poder e ao fascismo: em defesa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e da Autonomia Universitária”, por iniciativa do Coletivo Floripa contra o Estado da Exceção, com aclamação unânime do Conselho Universitário. O evento ocorrerá no Teatro Garapuvu, no dia 27 de novembro, às 14 horas, com a participação do desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade, senador da República Roberto Requião, autor do projeto de Lei Cancellier contra o Abuso de Autoridade, o jurista e deputado Patrus Ananias, o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, o procurador de Estado João dos Passos Martins, o Padre Vilson Groh, da União Arquidiocesana das Comunidades Eclesiais de Base e o Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça.

    O Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção conclama todos os cidadãos que defendem a verdade e a justiça a divulgarem esse evento que se projeta como um marco nacional na defesa do Estado Democrático e de Direito. Toda a comunidade mais ampla está convidada a vir participar, compreender e debater o significado dos episódios de abuso de poder que violaram a autonomia da universidade, levaram à prisão ilegal de seis dos seus integrantes no dia 14 de setembro, humilharam e baniram o reitor Luiz Carlos Cancellier da UFSC, culminando com a sua perda trágica. O convite para a Aula Pública registra:

    “Que o suicídio do professor Cancellier, encarcerado no Presídio de Florianópolis sem a constituição de denúncia, nem direito à defesa, algemado nas mãos e acorrentado nos pés, alvo de uma acusação infundada e caluniosa agasalhada sem a devida verificação pela Polícia e pela Justiça Federal, sirva para levantar o Brasil contra a afirmação de um estado policialesco que tende ainda a vitimar muitos outros inocentes.”

     

     

     

    Senador Roberto Requião e Patrus Ananias estarão em Florianópolis no mesmo dia 27, junto com os deputados Pedro Uczai, Celso Pansera e Décio Lima para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Eletrosul. O ato que se insurge contra a privatização e entrega do setor estratégico de energia, ocorrerá às 9 horas no auditório Deputada Antonieta de Barros, na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Participam parlamentares federais, estaduais e municipais, Frente Brasil Popular, Intersul, Intercel e outras entidades que defendem a soberania nacional.

  • Moro enviou à polícia americana dados sigilosos de cidadão brasileiro

    Moro enviou à polícia americana dados sigilosos de cidadão brasileiro

    Por Gustavo Aranda, dos Jornalistas Livres

    O juiz federal Sergio Moro autorizou em 2007 o envio de dados sigilosos de um cidadão brasileiro a autoridades policiais norte-americanas que o investigavam e estavam preparando um flagrante. As diligências realizadas nos Estados Unidos contaram com a participação de uma delegada federal brasileira, que relatava seus atos ao juiz Moro. Sem informar autoridades do governo federal brasileiro, o juiz paranaense determinou ainda que fossem criados no Brasil um CPF e uma conta bancária falsa para uso da polícia dos Estados Unidos, conforme revelou reportagem dos Jornalistas Livres publicada no último dia 22. Procurado no último dia 20 para falar sobre o assunto, Moro ainda não se manifestou (leia mais abaixo).

    Essas informações constam nos autos do processo nº. 2007.70.00.011914-0, que tramitou sigilosamente no Tribunal Federal da 4ª Região até 2008, e ao qual os Jornalistas Livres tiveram acesso. A investigação referida foi feita em conjunto pela Polícia Federal do Brasil e a Polícia do Estado da Geórgia, por solicitação desta última e com autorização do juiz Sergio Moro.

    No dia 14 de março de 2007, a Embaixada dos EUA enviou à Superintendência da Polícia Federal no Paraná um pedido de operação conjunta para investigar suposto crime de remessa ilegal de dinheiro de lá para o Brasil. No dia 17 de maio do mesmo ano, a PF no Paraná solicitou autorização judicial para executar no país operação envolvendo agentes estrangeiros infiltrados e possível produção controlada de documentos falsos.

    Sempre conforme revelam os autos do processo a que os Jornalistas Livres tiveram acesso, coube ao juiz Moro, então titular da 2ª Vara Federal de Curitiba, apreciar o pedido policial. A solicitação chegou em seu gabinete no dia 18 de maio de 2007, uma sexta-feira. Ele a deferiu integralmente na segunda-feira seguinte, dia 21, sem antes submetê-la à análise do Ministério Público Federal, como manda a lei.

    Quer dizer: em uma sexta-feira, o magistrado paranaense tomou conhecimento de toda a conversação e do trabalho de dois meses realizado pelas polícias dos dois países, da investigação em curso e da operação solicitada, e já na segunda seguinte foi capaz de deferir integralmente os pedidos, que incluíam “a abertura de contas correntes no Brasil em nome de agentes disfarçados e de identidades a serem criadas”.

    A OPERAÇÃO E A LEI

    Reportagem publicada pelos Jornalistas Livres no último dia 22 revelou que, em 2007, Sergio Moro teria viabilizado e tornado lícita uma operação policial que contou com a ação do chamado “agente provocador”, figura prevista e legal segundo a legislação dos EUA, mas completamente afastada do Ordenamento Jurídico brasileiro. Trata-se do policial que instiga um suspeito a cometer um delito, a fim de elucidar ilícitos maiores praticados por quadrilhas ou bandos criminosos. No caso em questão, o agente norte-americano foi munido de uma conta bancária falsa no Banco do Brasil, aberta em nome, CPF e RG fictícios, criados por ordem de Moro apenas para servir aos intuitos das autoridades norte-americanas. Com este ferramental, policiais dos EUA induziram um brasileiro investigado naquele país a cometer uma operação de câmbio irregular (envio de remessa de divisas ao Brasil sem pagamento dos devidos tributos).

    Então, no dia 21 de maio de 2007, uma segunda-feira, Moro deferiu todos os pedidos requeridos na sexta anterior pelos policiais. Para justificar o deferimento, o juiz do Paraná fez uso de jurisprudência (decisões judiciais anteriores sobre casos semelhantes) da Justiça dos EUA, uma vez que tais operações não são recepcionadas pela lei brasileira:

    “(…) Como já decidiu a Suprema Corte norte-americana em casos como Lopez v. USA, 373 US 427, 1963, e Hoffa v. USA, 385 US 293, 1966, o devido processo legal não protege a crença equivocada de um criminoso de que a pessoa para a qual ele voluntariamente revela seus crimes não irá, por sua vez, revelá-los às autoridades públicas. O que não é viável através de diligência da espécie é incentivar a prática de crimes. Agentes disfarçados extravasam os limites de sua atuação legítima quando induzem terceiros à prática de crimes.”

    “Não é este, porém, o caso quando o agente disfarçado age apenas para revelar um esquema criminoso pré-existente, ainda que possa, para que o disfarce seja bem sucedido, contribuir para a realização do crime. ‘Entrapment’ ou armadilha só existe e é ilegítima quando inexiste um prévio esquema ou predisposição criminosa (cf. jurisprudência da Suprema Corte norte-americana, v.g. Sorrel v. USA, de 1932, e, a ‘contrario sensu’, da Corte Européia de Direitos Humanos, v.g. Teixeira de Castro v. Portugal, de 1998).”

    “Repetindo a Suprema Corte norte-americana no caso Sherman v. USA, de 1958, trata-se de ‘traçar uma linha entre a armadilha para um inocente incauto e a armadilha para um criminoso incauto’”.

    Convencido de que a operação que autorizava revestia-se de legalidade no Brasil por estar de acordo com o que preconiza o Direito dos EUA, Moro permitiu a participação de uma delegada federal brasileira nas diligências ocorridas no Estado da Geórgia e sob a jurisdição de autoridades norte-americanas contra o cidadão brasileiro investigado naquele país.

    Sempre conforme evidenciam os autos do processo ao qual os Jornalistas Livres tiveram acesso, a referida autoridade brasileira manteve Sérgio Moro informado de suas atividades em território estrangeiro, por meio de ofício enviado ao juiz paranaense, que segue abaixo:

    “Senhor Juiz,

    Serve o presente para encaminhar o relatório COMPLETO dos últimos três períodos dos monitoramentos levados a cabo, incluindo o resumo das conversas em inglês numa tradução livre feita pela signatária (delegada da PF do Brasil).”

    “A signatária foi informada pelo Agente Especial do DHS/ICE/Atlanta que a operação para a prisão do alvo XXXXX ocorrerá no próximo dia XXXX, incluindo busca e bloqueio de contas. Já há autorização para o compartilhamento dos dados com esse Juízo”.

    “A signatária esteve na cidade de Atlanta-Geórgia no mês de agosto, por convite do governo americano, e acompanhou várias diligências relacionadas a tal operação conjunta com o DHS/SAC/Atlanta.”

    Ao longo de dois meses de investigações contados a partir do dia 21 de maio de 2007, Moro deferiu cinco solicitações conjuntas da PF do Paraná e das autoridades norte-americanas para atividades inseridas na ação controlada em execução. Entre elas estavam a criação de CPF e RG falsos, a abertura de conta fictícia no Banco do Brasil, a remessa irregular controlada de US$ 100 mil dos EUA ao Brasil e a quebra de sigilo bancário e fiscal de pessoas e empresas brasileiras, além do envio para os Estados Unidos de todas as informações obtidas por meio dessas diligências.

    Foi só depois de deferir de ofício todas essas solicitações que Sérgio Moro informou os fatos ao Ministério Público Federal, titular legal de todo e qualquer processo penal instaurado no Brasil e que tem também como uma de suas funções institucionais exercer o controle externo da atividade policial.

     

    OUTRO LADO

    Os Jornalistas Livres enviaram na manhã do último dia 20 à assessoria de imprensa da Justiça Federal no Paraná, onde atua o juiz Sergio Moro, as seguintes questões a serem encaminhadas ao magistrado:

    “Perguntas referentes ao processo nº. 2007.70.00.011914-0

    – Qual a sustentação legal para a solicitação do juiz Sérgio Moro para que a Receita Federal criasse CPF e identidade falsa para um agente policial dos Estados Unidos abrir uma conta bancária no Brasil em nome de pessoa física inexistente?

    – Por que o juiz Moro atendeu ao pleito citado acima, originário da Polícia Federal, sem submetê-lo, primeiramente, à apreciação do Ministério Público Federal, conforme determina o ordenamento em vigor no país?

    – Por que o juiz Moro não levou ao conhecimento do Ministério da Justiça os procedimentos que autorizou, conforme também prevê a legislação vigente?”

    A assessoria do órgão não chegou a submeter os questionamentos ao juiz. Disse, por e-mail, que não teria tempo hábil para buscar as informações em arquivos da Justiça:

    “Esse processo foi baixado. Portanto, para que consiga informações sobre ele precisamos buscar a informação no arquivo.

    Outra coisa, precisa ver o que realmente ocorreu e entender pq o processo foi desmembrado para o Rio de Janeiro. Não tenho um prazo definido pra conseguir levantar o processo. Também preciso entender como proceder para localizar o processo aqui. Infelizmente essa não é minha política, mas não consigo te dar um prazo para resposta neste momento. Fizemos pedidos para o juiz e para o TRF-4.

    Sugiro que vc (sic) tente com a Justiça Federal do Rio de Janeiro também.

    Espero que compreendas.

    Assim que tiver alguma posição, te aviso.”

     

    Jornalistas Livres seguem aguardando o envio das respostas às perguntas endereçadas à assessoria de imprensa do TRF4.

  • Parem de nos matar!

    Parem de nos matar!

     

    Alguma coisa acontece no Pará… Tem sangue de gente pobre e preta sendo derramado aos litros e quem se importa? A cada semana sabemos de uma ou mais chacinas, mas e as que não sabemos? Carros pretos e pratas levam terror às periferias, de Belém. E já ultrapassaram a questão do imaginário popular ou da sensação de insegurança. Está virando uma cruel rotina de medo! De viver com a incômoda sensação de que há uma arma apontada para a nossa direção. Em janeiro, após a morte de um policial militar, em abril de novo, em maio e agora em junho. Essa é a quarta chacina registrada, neste ano, na capital. São mais de 40 mortes.

     

    A gente sabe que historicamente as pessoas negras são as principais vítimas da violência no Brasil, mas alguma coisa está acontecendo para que os assassinatos estejam saindo daquela banalização que não causa comoção social. Aquela banalização das “queimas de arquivos”, do “acerto de contas”… Alguma coisa acontece para que as mortes saiam desse controle e comecem a chocar, a estarrecer… O que acontece?

     

    Homens encapuzados descem com a certeza da impunidade, atiram e matam. Há um genocídio acontecendo, aqui, nesta cidade. Gritamos isso todos os dias. Quem nos ouve? Choramos a morte dos nossos amigos, vizinhos e calamos diante do medo e da impunidade.

     

    Na cabeça

    Na chacina mais recente, em Belém, duas caminhonetes fecharam um bar e atiraram. Saldo 3 mortos na hora, dois no hospital, mais de 10 feridos, entre eles duas crianças, uma baleada na cabeça. Quem sobreviveu disse que não havia um alvo. Apenas atiraram. Mais do que a certeza da impunidade, os encapuzados só queriam matar e seguir com projeto genocida do Estado Brasileiro. É lá, bem longe do centro e dos muros dos condomínios que as balas perdidas encontram alvos. Homens, mulheres, crianças, adolescentes… Não sabemos. O que sabemos é a classe e a raça da vítima. Chacinas só acontecem na periferia, com pessoas pretas e pobres!

     

    Segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), de 2017, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Mata-se mais no Brasil do que em guerras civis declaradas pelo mundo. Das 30 cidades mais violentas do país, 22 estão no Norte e no Nordeste. Altamira, aqui no Pará, é quem lidera esse ranking.

     

    O levantamento da ONG Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal, com sede na Cidade do México, mostrou Belém como a 11ª cidade mais violenta do mundo em 2016, a 2ª cidade mais violenta do Brasil. São 67,41 mortes por cada grupo de 100 mil habitantes. O relatório usa como base dados divulgados pela imprensa nas maiores cidades do mundo e faz uma descrição da metodologia.

     

    No campo, a situação não é diferente. No estado do massacre de Eldorado do Carajás, a morte do campo é rotina. Punição não! Há algumas semanas, um “confronto” entre agricultores e policiais militares deixou 10 pessoas mortas. Um “confronto” com 10 agricultores mortos. Nenhum policial foi ferido. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, o Pará liderou o ranking de assassinatos no campo nos últimos dez anos (2007-2016). Foram 103 mortes no estado. Depois veio Rondônia, com 66 assassinatos.

     

    Quando lançamos a campanha de 75 dias de Ativismo Contra o Racismo aqui no Pará, em 12 de maio passado, alguém perguntou a razão da campanha. É porque estamos morrendo. É porque o racismo está tão plantado na sociedade brasileira que é banalizado. É porque cada pessoa negra viva é um desafio às estatísticas. O Estado Brasileiro não liga para como vivemos ou para como morremos. É porque estamos brigando ainda para ter uma dimensão de humanidade que nos foi negada historicamente. Viver não privilégio. É direito.

     

    Queremos viver sem uma arma apontada para a nossa direção! Queremos viver! Parem de nos matar!


    *Flávia Ribeiro é jornalista, feminista negra, militante do Cedenpa (Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará, da Rede de Mulheres Negras e da Rede de Ciberativistas Negras.


    Links úteis:

    https://www.facebook.com/mulheresnegrasamazonidas/

    http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-405403-.html

    http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/05/conflitos-de-terras-provocam-morte-de-7-pessoas-em-uma-semana-no-para.html

    https://www.brasildefato.com.br/2017/05/31/chacina-em-pau-darco-tem-as-mesmas-raizes-do-massacre-de-carajas/

    http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30253&catid=4&Itemid=2

  • IMAGENS: o povo que resistiu nas ruas em Brasília

    IMAGENS: o povo que resistiu nas ruas em Brasília