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Categoria: Saúde

  • Por que continuamos a gritar: FORA VALENCIUS!

    Por que continuamos a gritar: FORA VALENCIUS!

    Desde a audiência em 10 de dezembro de 2015, com representantes de mais de 600 entidades e movimentos sociais, quando o Ministro da Saúde Dr. Marcelo Castro anunciou a nomeação de seu amigo, o psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho para o cargo de Coordenador de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, essas mesmas entidades, junto aos trabalhadores de saúde mental, usuários e familiares, estudantes e professores universitários de diversas áreas da saúde gritam de diversas maneiras em diferentes locais: “FORA VALENCIUS!”

    A nomeação de Valencius Wurch ameaça (e ultraja!) seriamente a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Vale repetir seu lastimável currículo: Valencius foi diretor do maior manicômio privado da América Latina, a Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. A instituição foi fechada judicialmente em 2012 por violações dos direitos humanos. Entenda-se com isso maus tratos físicos, práticas recorrentes de eletrochoque, falta de comida, falta de colchões, falta de roupas, internações de longuíssimas durações (décadas!), excesso de medicalização. Violações cujos efeitos eram (e ainda são) devastadores para os internos, cronificantes, de despersonalização, dessubjetivação, aniquilamento do sujeito. Basta um Google no nome da instituição e os relatos e imagens que se vê são aterradores. Aterradores e terrificantes como tudo o que já sabemos, já vimos ao vivo com nossos próprios olhos e no cinema, nos documentários, na literatura sobre os horrores dos manicômios. São verdadeiros campos de concentração.

    Por isso usuários, familiares, trabalhadores da saúde mental, movimentos sociais, estudantes e professores universitários, gritamos nas ruas de diversas capitais, nas redes sociais, na ocupação dentro da sala da Coordenação de Saúde Mental em Brasília, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no Fórum Social Mundial em Porto Alegre e continuaremos a gritar até que ele saia: MANICÔMIO NUNCA MAIS! FORA VALENCIUS!

    O Manifesto de Bauru, primeiro documento brasileiro a pedir a extinção dos manicômios e denunciar a estrutura opressiva destas instituições e a produção social da loucura foi elaborado durante o II Congresso Nacional de Trabalhadores de Saúde Mental, em 1987. Com o slogan POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS! instituiu-se o 18 de maio como o Dia da Luta Antimanicomial, comemorado todos os anos em todo Brasil.

    O passo seguinte, a tramitação da Lei Paulo Delgado (n.3657/1989), que dispunha “sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais”, tramitou por 12 anos no Legislativo, sendo duramente atacada pelo lobby formado por psiquiatras, professores de psiquiatria e diretores de hospitais psiquiátricos, entre eles o Dr. Valencius. Em entrevista ao Jornal do Brasil em junho de 1995, ele criticou “o caráter ideológico e não técnico” dos fundamentos da reforma, os quais se baseariam “em situações ultrapassadas”.

    Como efeito dessa pressão, a Lei Nacional de Reforma Psiquiátrica 10.216/2001 que foi aprovada é uma modificação do projeto original. A Lei 10216 regula a Politica Nacional de Saúde Mental e “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”. A progressiva extinção dos hospitais psiquiátricos preconizada na Lei Paulo Delgado, deu lugar à reorientação do modelo assistencial e manteve as estruturas hospitalares como um dos recursos integrantes desse modelo. A Lei 10216 garante os direitos dos usuários de saúde mental, regula as internações involuntárias e compulsórias e visa ao tratamento extra-hospitalar, em liberdade, de base comunitária, no território, como política pública de saúde mental do SUS. A rede de serviços substitutivos de pequena e média complexidade para atendimento psicossocial no território, criada desde então, tem reconhecimento internacional por instituições como OMS, OPAS e serve de referência para outros países. A eficiência dessa rede é atestada pela profusão de trabalhos acadêmicos e científicos sobre o tema e mantém seu vigor pela força da militância e pelo esforço dos trabalhadores, usuários e familiares, os que mais reconhecem seus benefícios.

    São conclusões baseadas em muito trabalho. E é importante que se fale dos trabalhadores de saúde mental: equipes interdisciplinares compostas por profissionais de saúde como terapeutas ocupacionais, psicólogos, fonoaudiólogos, psiquiatras, pediatras, fisioterapeutas, educadores físicos, oficineiros, enfermeiros, assistentes sociais e apoiadores, trabalhando em pé de igualdade. São as equipes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que, instalados em números ainda insuficientes mas em pontos estratégicos da cidade, atendem demandas de saúde mental e de uso abusivo de álcool e outras drogas de crianças, jovens e adultos. São os CAPS também que apóiam e articulam a rede de cada usuário junto às equipes das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e aos Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF) da Estratégia Saúde da Família (ESF), esses últimos na atenção básica. Vale citar o trabalho dos agentes comunitários de saúde, que batem de porta em porta todo mês em todas as casas para oferecer cuidado no território que ele próprio habita e sabe no corpo o que é viver ali. Também digno de menção, é o trabalho das equipes de acompanhantes comunitários das residências terapêuticas, que apoiam e participam da construção de cotidianos e das formas de morar de pessoas que passaram décadas nos manicômios. E por fim, as equipes de redutores de danos, que não se furtam, por exemplo, a entrar num cano, literalmente, para atender o jovem casal que vive ali, usuário de drogas, ela grávida. E não é que a equipe entra lá para tirá-los à força e colocá-los em alguma instituição onde ficarão trancados. Entram lá para saber se precisam de alguma coisa, se eles estão bem. Voltam noutro dia. E no outro… Isso é cuidado, vínculo, processo, construção de redes de referência, de apoio, de solidariedade, exatamente na direção oposta do confinamento e do isolamento promovido pelas internações em hospitais psiquiátricos.

    Trabalhar no território é ir para a rua construir possibilidades de produção de vida para uma população extremamente vulnerável, significa um trabalho coletivo e de corresponsabilização e presença. Trabalho artesanal. Intersetorial porque implica a articulação com diferentes áreas como Educação (Educação Inclusiva), Cultura, Trabalho (Economia Solidária), entre outros. Dizemos então que a Reforma Psiquiátrica é um processo complexo e a construção dessas redes é a maior complexidade.

    Com isso reconhecemos que ainda há muito a se fazer, desafios. Há também uma infinidade de tensões e conflitos de interesses em seu campo, tais como o subfinanciamento, a falta de investimento em novos serviços (é urgente a criação demais CAPS, mais Serviços Residenciais Terapêuticos, mais leitos em hospitais gerais); a precarização dos serviços, consequência do subfinanciamento; o cuidado com a saúde dos trabalhadores e das equipes; a gestão por Organizações Sociais (OS) e os diferentes modelos de cada OS, muitas vezes conflitantes com os objetivos da Reforma;a volta dos manicômios disfarçados de comunidades terapêuticas para tratamento de usuários de álcool ou outras drogas; as ameaças de retrocesso promovidas pela associação brasileira de psiquiatria e diretores de hospitais psiquiátricos inconformados com esta política antihospitalocêntrica e antimedicocêntrica.Preferimos mil vezes os conflitos, as tensões e as divergências de posições à verdade absoluta e o consequente silenciamento de vozes. Buscar soluções a esta pauta enorme (e há ainda outras, como a formação do trabalhador de saúde nas universidades, e mais…), dar lugar a isso, é disto que precisamos para seguir avançando ainda mais na consolidação desta politica publica. O momento é de avançar e não de recuar! Por isso gritamos: NÃO HAVERÁ RETROCESSO! FORA VALENCIUS!

    * Deborah Sereno é Psicanalista, docente do Curso de Psicologia da FAHCS/PUCSP; doutoranda do Depto Psicologia Social PUCSP; Supervisora do Programa QUALIFICACAPS MS (2014-1015) sereno.deborah@gmail.com

  • Manifestantes protestam em Brasília contra nomeação de novo Coordenador de Saúde Mental

    Manifestantes protestam em Brasília contra nomeação de novo Coordenador de Saúde Mental

    cecilia3Cerca de 800 militantes de entidades e movimentos antimanicomiais protestaram ontem (14/1) em Brasília contra a nomeação do novo Coordenador de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, o psiquiatra Valencius Wurch.

    Os manifestantes se concentraram na sede do Ministério da Saúde (MS) e depois seguiram em cortejo com muito frevo, batuque e cantorias até o Edifício Premium, onde Valencius poderá vir a efetivamente trabalhar caso consiga reverter o quadro de negação de funcionários, pacientes e até familiares de pacientes ao seu nome.

    Na prática esta parece ser uma realidade distante. Para tentar impedir que o psiquiatra tomasse posse, o que acabou acontecendo só na semana passada – mais de um mês depois da exoneração do antigo Coordenador – militantes da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila) e do Movimento Pró-Saúde Mental do Distrito Federal ocuparam a Coordenadoria.

    No final da tarde de quarta (13), quando a ocupação completou 30 dias, o acampamento que estava concentrado em uma sala, resistindo desde as festas de fim de ano, tomou mais uma das três em que funciona a coordenação.

    “O que motivou (o crescimento da ocupação) foi a chegada de um ônibus de Pernambuco. Todas as áreas do edifício ficaram impedidas de trabalhar por determinação do Ministro com a justificativa de segurança”, explicou uma funcionária do Ministério da Saúde. Depois que Valencius saiu pela porta dos fundos para não encarar os manifestantes o fechamento do prédio foi cancelado.

    Cecilia02Desde que o psiquiatra foi anunciado pelo Ministro da Saúde, Marcelo Castro, há resistência dos profissionais e pessoas atendidas pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que alegam que Valencius tem posições contrarias a política nacional de saúde mental sustentada pelos governos Lula e Dilma até 2016.

    Segundo a pesquisadora do Observatório Nacional de Pesquisa Mental e militante da Renila, Alyne Alvarez, 19 ônibus de diversos estados se concentraram ontem em Brasília. “Amanhã o grupo de articulação política que construímos esta semana deverá produzir um documento que pretendemos entregar na Secretaria Geral da Presidência”, explicou.

    O ex-Coordenador de Saúde Mental do MS, Roberto Tykanori, um dos profissionais mais reconhecidos quando se fala em tratamento de saúde mental fora de manicômios, exonerado em dezembro, conversou com os Jornalistas Livres na última sexta-feira (08). Segundo ele, “não há mais como voltar a trabalhar com o atual Ministro, mas a hora é de apoiar o movimento”.

    Tykanori replicou em sua página no Facebook a matéria da Folha de S.Paulo sobre a “gafe” do Ministro da Saúde ao falar com jornalistas das pesquisas para a vacina do zika vírus. “Nós vamos dar (a vacina) para as pessoas em período fértil. E vamos torcer para que as pessoas antes de entrar no período fértil peguem o zika, para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina”, declarou Marcelo Castro.

    A fala do ministro foi repercutida em diversos veículos, como O Globo e a Folha de São Paulo, como uma piada, mas na verdade demonstra um enorme desconhecimento sobre o tema. A exposição ao mosquito da dengue uma única vez pode trazer riscos enormes. Não estamos no momento de brincar com esse tema. No Brasil, bebês de 724 municípios podem ter sido acometidos de microcefalia por causa do vírus zika. São mais de 3.500 recém-nascidos que ainda não tiveram o diagnóstico confirmado por exames.

    Saiba mais sobre a questão em: https://jornalistaslivres.org/2015/12/diretor-de-manicomio-desumano-e-premiado-com-a-coordenacao-de-saude-mental-do-pais/

  • Diretor de manicômio desumano é premiado com a Coordenação de Saúde Mental do país

    Diretor de manicômio desumano é premiado com a Coordenação de Saúde Mental do país

    Por Cecília Bacha e César Locatelli, com a colaboração de Claudia Trigo de Aguiar, especial para os Jornalistas Livres


    Marcelo Castro (PMDB), ministro da saúde, contrariou 656 entidades de saúde e movimentos sociais ligados à luta antimanicomial, ao revelar, em audiência pública em 10/12, a indicação de um ex-diretor de um manicômio, fechado por reconhecidos atos desumanos, para coordenar a política de saúde mental no Brasil.

    O resultado não poderia ser diferente: os movimentos ocuparam, em 15/12/2015, a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. A nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho provocou revolta geral dos trabalhadores da saúde e familiares de pacientes. Sua escolha representa um retrocesso gigantesco no processo de humanização das ações de saúde mental no Brasil.

    Valencius Wurch Duarte Filho é o médico psiquiatra que atuou, de 1994 até 2000, como “diretor do maior manicômio privado da América Latina, a Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi, que foi fechada por ordem judicial em 2012, após anos de denúncias sobre violações dos Direitos Humanos, diante das condições subumanas a que os pacientes eram submetidos”, denuncia o Sistema Conselhos de Psicologia que repudiou a indicação de Wurch para o cargo.

    Valencius é “um opositor histórico ao movimento antimanicomial, crítico ferrenho da Lei 10.216/2001 desde o início, que desqualifica os saberes e práticas da Psicologia e de outras ciências no campo da saúde mental ao taxar de meramente ideológico o fechamento dos manicômios”, continua a nota do Sistema Conselhos de Psicologia:

    No Brasil, o processo de reforma psiquiátrica eclodiu a partir da movimentação política e social de redemocratização, na segunda metade da década 70, forjando-se em torno dos ideais de garantia dos direitos de cidadania dos doentes mentais.

    A Lei de Saúde Mental completa 15 anos em 2016, mas os envolvidos no processo histórico da Reforma Psiquiátrica brasileira terão pouco sossego para comemorar os avanços conquistados neste período.

    A exoneração do antigo coordenador, Roberto Tykanori, um dos nomes mais importantes da transformação no atendimento em Saúde Metal no Brasil, gerou protestos em toda a rede de atendimento psiquiátrico do governo.

    Tykanori, aliado ao doutor David Capistrano que estava à frente da Secretaria de Saúde de Santos, protagonizaram a primeira vivência brasileira de tratamento fora de hospício ao fechar a Casa de Saúde Anchieta, conveniada ao INAMPS na época. Era o desdobramento da I Conferência Nacional de Saúde Mental e do 2º Congresso Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, em Bauru (SP), ocorridas em 1987.

    O que teria feito Marcelo Castro (PMDB), ministro da saúde, nomear para o cargo de Coordenador de Saúde Mental, um médico com longa participação em um manicômio reconhecido pelos atos desumanos e violações que praticou?

    Os movimentos brasileiros de saúde, não somente de saúde mental, preocupam-se com os constantes ataques feitos ao Sistema Único de Saúde — SUS. Há uma forte aliança de interesses voltados a desqualificar o SUS e convencer a população de que a única solução é privatizar definitivamente o sistema. Os movimentos não poupam críticas ao SUS, mas são frontalmente contra seu desmonte.

    Para saber mais, por favor, veja:

    1 – No blog Viomundo por Conceição Lemes

    Trevas no rumo da Saúde Mental: ministro critica influência de Foucault e indica psiquiatra que dirigiu casa de horrores; “a comida não daria para meus cachorros”

    http://www.viomundo.com.br/denuncias/trevas-no-rumo-da-saude-mental-ministro-critica-influencia-teorica-de-foucault-e-indica-psiquiatra-que-dirigiu-casa-de-horrores-a-comida-nao-daria-para-meus-cachorros.html

    2 – Rede Saúde Mental UFMG lança nota pública contra a nomeação de coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde

    https://www2.ufmg.br/proex/content/download/6331/41007/file/nota%20rede%20sa%C3%BAde%20mental%20UFMG.pdf

    3 – Ocupação Fora Valencius — contra o retorno da lógica manicomial

    https://www.facebook.com/foravalencius/?fref=ts

    4 – No sítio da Associação Brasileira de Saúde Coletiva — Abrasco

    Repercussão da imprensa sobre nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho

    http://www.abrasco.org.br/site/2015/12/repercussao-da-imprensa-sobre-nomeacao-de-valencius-wurch-duarte-filho/

    5 – No sítio Saúde!Brasileiros

    Movimentos ocupam Ministério da Saúde contra nomeação de coordenador de Saúde Mental

    http://brasileiros.com.br/2015/12/movimentos-ocupam-ministerio-da-saude-contra-nomeacao-de-coordenador-de-saude-mental/

    6 – Do sítio da Associação Brasileira de Saúde Mental

    Conselho Federal de Psicologia: Sistema Conselhos repudia troca de coordenador de Saúde Mental

    http://www.abrasme.org.br/informativo/view?ID_INFORMATIVO=210

    7 – Do sítio do Conselho Federal de Psicologia

    Militantes da Luta Antimanicomail ocuparam a Coordenação Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde

    http://site.cfp.org.br/manifestantes-da-luta-antimanicomial-ocupam-ministerio-de-saude/

  • A essencial Justiça Fiscal na Reforma Tributária para garantir o Direito à Saúde

    A essencial Justiça Fiscal na Reforma Tributária para garantir o Direito à Saúde

    A atual discussão de Reforma Tributária travada apenas em simplificação e redução dos impostos, sem considerar Direitos, é superficial e prejudicial. É essencial que a sociedade seja envolvida nesse debate e suas necessidades atendidas.

    A saúde pública vive uma situação de subfinanciamento crônico agravada em 2015 por duas medidas legislativas: a Emenda Constitucional n.86/2015 e a Lei 13.097/2015.

    A EC-86/15 reduz a base de cálculo do valor a ser investido em saúde pública pela União, quando no seu artigo 2º troca o que foi postulado pelo Projeto de Lei de Iniciativa Popular, que requeria 10% da Receita Corrente Bruta (RCB) da União para a Saúde pela destinação de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), a ser alcançado ao final de cinco anos; porcentagem bastante inferior para o financiamento do SUS, já que o equivalente a 10% da RCB seria em torno de 18,7% da RCL, em vez de apenas 15% como previsto no texto. A EC-86 ainda fez com que os royalties do petróleo a serem investidos em saúde deixassem de ser um recurso a mais, e passassem a ser incluídos na base de cálculo do mínimo a ser investido em Saúde pela União. Agravando o cenário, a EC torna impositivo o orçamento das emendas parlamentares, sendo que metade desse valor deve ser destinado à Saúde — aqui o problema está no fato de que esse recurso será contado como valor mínimo a ser investido pela União, sem que tenha passado pelo planejamento da política e nem tenha contado com participação social na sua destinação.

    Já a Lei 13.097/15 alterou a Lei Orgânica do SUS de 1990, passando a permitir a entrada do capital estrangeiro na Saúde. Porém, apesar da proposta dizer que seria uma entrada de capital a ser investido na Saúde brasileira, o que temos observado nas empresas multinacionais em diversas áreas é que ocorre apropriação do fundo público nacional. Assim, em vez de termos a entrada de capital, o que ocorre na verdade é a saída de capital, e quase sempre rumo a paraísos fiscais.

    Agudizando a crise do financiamento do SUS, seu orçamento sofreu ainda um ajuste fiscal em 2015 da ordem de R$ 11,7 bilhões, o que representa um corte de 10% do seu orçamento.

    Porém, será que todas essas limitações de recursos e cortes orçamentários para a Saúde e de outros direitos sociais e humanos são realmente necessários, “a única saída” para o enfrentamento da situação econômica atual do país, ou existem formas de garantir seu financiamento?

    Para responder a essa pergunta é necessário avaliar de onde vem o dinheiro a ser investido na Saúde. Pela Constituição Federal, a Saúde é financiada, juntamente com a Assistência e a Previdência, pelo Orçamento da Seguridade Social. Este orçamento é composto por recursos provenientes de receita tributária advinda de taxas como a de fiscalização da vigilância sanitária e por receita de contribuições pagas por empresas e trabalhadores — Cofins (contribuição para o financiamento da seguridade social), CSLL (contribuição sobre o lucro líquido) e PIS/PASEP (Programa de Integração Social / Programa de Formação do Patrimônio do Servidor).

    É importante observar que as variadas propostas de Reforma Tributária no Congresso tentam acabar exatamente com essas contribuições que são hoje as principais responsáveis pelo financiamento da Seguridade Social. Uma dessas propostas é a emenda à Constituição PEC 233/2008 que prevê a criação do IVA Federal — imposto sobre o valor adicionado federal, que incidiria sobre operações com bens e prestações de serviços — em substituição à COFINS, a CIDE, o salário-educação e a contribuição para o PIS. Com isso, para financiar a Seguridade, passaria a valer o seguinte cálculo: o produto da arrecadação do imposto sobre a renda, do imposto IPI e do IVA passaria a ser repartido nos seguintes termos: 38,2% ao financiamento da seguridade social; 6,7% ao financiamento do abono do PIS e o seguro-desemprego.

    Todas as receitas arrecadadas dos tributos cobrados da população compõem o Orçamento de cada ente federado, que é divido em orçamento fiscal e da seguridade. Deste Orçamento deve ser aplicado um percentual mínimo em saúde, conforme determina a Lei Complementar 141/2012. Dados da Receita Federal demonstram que a carga tributária brasileira é de 35,4%, o que equivale à média dos países da OCDE. No entanto, é importante analisar sobre quem mais incide proporcionalmente esta carga tributária no Brasil, uma vez que ela é muito regressiva, estando concentrada em tributos indiretos e cumulativos que oneram mais os trabalhadores e os mais pobres. Mais da metade da arrecadação provém de tributos que incidem sobre bens de consumo e serviços, havendo baixa tributação sobre a renda e o patrimônio. Essa é uma lógica inversa do que ocorre nos países socialmente mais desenvolvidos, onde a tributação sobre o patrimônio e a renda corresponde a cerca de 2/3 da arrecadação dos tributos, conforme dados da OCDE.

    Exemplificando esta situação, temos o seguinte: os ricos pagam o mesmo imposto sobre produtos (arroz, feijão, café) que a classe média e os pobres. Isso significa que proporcionalmente o pobre paga muito mais imposto que a classe média e infinitamente mais que os ricos. Segundo estudo do Ipea, 10% das famílias mais pobres do Brasil destinam 32% da renda disponível para o pagamento de tributos, enquanto 10% das famílias mais ricas gastam 21% da renda em tributos; já os super-ricos, 0,05% da população brasileira, pagam apenas 6,7% de sua renda em tributos.

    Como isso é possível? Primeiro pela própria característica regressiva do sistema tributário brasileiro. Segundo, porque 65,8% da renda total desses super-ricos são rendimentos considerados isentos e não-tributáveis pela legislação brasileira, como ocorre com os dividendos e lucros que não são taxados no imposto de renda. Assim temos uma situação onde somente a renda dos trabalhadores assalariados é taxada, na sua maioria na fonte, enquanto a renda financeira permanece intocada, tornando o imposto de renda progressivo somente do pobre até a classe média, que é justamente a fatia da população que mais paga imposto de renda; e extremamente regressivo da classe média até os super-ricos. Esta é a fórmula para aumentar cada vez mais a desigualdade social no Brasil, a injustiça, a ignorância, a violência e a dificuldade de financiamento dos direitos.

    Num contexto mais amplo, quando consideramos os super-ricos em parceria com os bancos e as empresas transnacionais, observamos a construção de uma arquitetura global que é concentradora de renda e promotora de desigualdades, por meio de manobras contábeis nas transações comerciais, do uso de paraísos fiscais e da redução da soberania dos países na regulação de suas políticas tributárias e econômicas, para que possam deliberadamente pagar menos impostos sobre seus lucros e dividendos. Essas manobras, tanto legais quanto ilegais, para evitar pagar os impostos devidos, têm feito com que as populações dos diversos países percam, uma vez que a riqueza tem fluido dos fundos públicos para as mãos privadas de poucos.

    Conhecendo todo esse cenário, é essencial sairmos do caráter de denúncia do texto e partimos para as propostas e ações que já estão ocorrendo e que buscam tornar o sistema tributário mais justo, mais progressivo e mais equitativo.

    A primeira é a resistência específica das organizações da sociedade civil (OSC) do campo da Saúde, das históricas entidades do movimento da Reforma Sanitária, dentre elas o Cebes — Centro Brasileiro de Estudos em Saúde, e também do Movimento Saúde+10, para que a Saúde seja adequadamente financiada, com ampliação de receita de forma justa.

    Hoje, o Brasil investe 8% do seu PIB em Saúde; no entanto, apenas 4% vai para a SUS, o restante são gastos privados, com as restituições de imposto de renda decorrentes de gasto com saúde, além das renúncias fiscais às seguradoras de planos privados de saúde.

    A questão das renúncias e restituições fiscais demonstra um importante fator de injustiça fiscal: enquanto proporcionalmente os pobres pagam mais impostos, estes são convertidos em renúncias e restituições, assim os impostos deixam de ser investidos na Saúde pública e passam a financiar a saúde suplementar — resultando numa situação em que os pobres financiam a Saúde privada da classe média e dos ricos. Para promover justiça fiscal nesta situação, é necessário que as renúncias às empresas de planos privados sejam extintas e que exista um teto para as restituições no imposto de renda com gastos privados em Saúde, nos moldes do que já ocorre com os gastos com Educação.

    Para promover ainda mais justiça fiscal referente ao imposto de renda, existem algumas propostas da atual “Campanha Isonomia Já” dos auditores fiscais, que propõe:

    – Colocar todas as rendas na mesma tabela progressiva;

    – Tributar a remessa de lucros para o exterior com alíquotas majoradas quando o destinatário é um paraíso fiscal;

    – Revogar a dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio;

    – Aumentar a progressividade, criando novas alíquotas para o Imposto de Renda, de 5, 10, 15, 20, 25, 30, 35 e 40%;

    – Elevar o limite de isenção para o salário mínimo do Dieese.

    Com isso seria possível produzir uma elevação da arrecadação do IR, com estimativa de aumento de no mínimo 3 vezes. Em 2013 o IRPF foi de R$ 105 bilhões. Com as alterações propostas, seria possível arrecadar em torno de R$ 300 bilhões e desonerar os trabalhadores com renda inferior a R$ 10 mil, onerando as altas rendas, acima de 80 salários mínimos mensais, com alíquotas marginais de 35% e 40% das parcelas de renda que ultrapassem esses níveis. Além disso, seria possível aumentar a arrecadação compartilhada com os Estados e Municípios, diminuindo as desigualdades sociais.

    Já com relação à questão das empresas e dos fluxos ilícitos de capital, existe uma Campanha Global de Justiça Fiscal requerendo que as transnacionais paguem o justo, a sua parte devida, para ao menos limitar essa distorção econômica que destrói a democracia e priva as pessoas de terem seus direitos humanos e sociais promovidos para viver com dignidade.

    Internacionalmente, a campanha é impulsionada pela Tax Justice Network. Já na América Latina é tocada pela Red de Justicia Fiscal, e no Brasil, por uma rede integrada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (InesC), pelo Instituto de Justiça Fiscal (IJF), pela Auditoria Cidadã da Dívida, pelaRede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip), pela organizaçãoInternacional do Serviço Público (ISP) e pela Confederação Sindical das Américas (CSA).

    Diante desse análise da situação, não só do financiamento da Saúde no Brasil mas também do seu sistema tributário, e considerando o atual momento de crise econômica/política e de Reforma Tributária em pauta nos Poderes do país, o que se quer é Justiça Fiscal na condução do processo de Reforma Tributária por meio de uma legislação tributária mais progressiva, que taxe mais renda e patrimônio do que consumo e serviço. Assim é possível promover e garantir os direitos humanos, os direitos sociais, e a dignidade da população brasileira como um todo, em vez dos privilégios coloniais de somente 5% dos cidadãos.

    A atual discussão de Reforma Tributária travada apenas em simplificação e redução dos impostos, sem considerar Direitos, é superficial e prejudicial. É essencial que a sociedade seja envolvida nesse debate e suas necessidades atendidas. Nas ruas, o que vemos são pedidos por direitos, por educação e saúde públicas, de qualidade e para todos — e isso só será possível com um sistema tributário justo. E definitivamente isso não se faz apenas reduzindo a carga tributária de forma geral, mas sim reduzindo-a para os pobres e classe média, e aumentando-a para os ricos e super-ricos que até hoje não pagaram sua parte.