Jornalistas Livres

Categoria: Saúde

  • Dória lança campanha publicitária que culpa o usuário, e não a miséria, pelo problema da Cracolândia

    Dória lança campanha publicitária que culpa o usuário, e não a miséria, pelo problema da Cracolândia

    Por Flávia Martinelli, dos Jornalistas Livres

    Após tratar a dependência química como caso de polícia e violar direitos humanos internacionais básicos no desmantelamento do programa De Braços Abertos – política pública construída no diálogo entre Estado, entidades e profissionais especializados em atenção integral à saúde e promoção de cidadania – o prefeito João Dória Júnior segue em seu arbitrário projeto imobiliário-higienista na Cracolândia, no valioso centro de São Paulo.

    Dessa vez, a estratégia foi descontextualizar a realidade dos usuários de crack em campanha publicitária; uma das especialidades do político que é dono de uma agência e editora de revistas voltadas para empresários e público de classe A. O prefeito Júnior destinou R$ 3 milhões e 900 mil dos cofres públicos para anúncios em pontos de ônibus, TV, cinemas e redes sociais nos quais coloca toda a culpa do problema do crack nas costas dos usuário. O programa Braços Abertos custava, em sua totalidade, R$ 9 milhões POR ANO.

    Astuto, o lançamento oficial da campanha, será nesta segunda-feira (26/06), Dia Mundial de Combate às Drogas. Mas o marketing já começou neste domingo (25) com o lançamento de um vídeo que Dória postou em seu facebook. “Quero compartilhar em primeira mão com vocês esse lindo comercial da prefeitura de SP para a campanha de sensibilização da sociedade para o problema do crack”, disse Júnior. De acordo com o prefeito, basta dizer “não” à droga para ser vacinado à “dependência química terrível, uma verdadeira doença crônica, difícil de tratar”. Posto dessa maneira, culpabilizando o usuário e isentando-se da responsabilidade do Estado em buscar saídas para a miséria e programas de recuperação, ficou fácil pra Prefeitura, né? Mas há muitas camadas de significado na propaganda do prefeito.

     

     

     

     

     

    No vídeo, logo somos informados que a dramatização é baseada em histórias reais. Então, abre-se uma porta. Musiquinha indie-rock dramática, em inglês, ao fundo. Sobe o som. Um jovem homem branco, então, percorre uma galeria onde estão expostas diversas fotos. Um bebê sorri numa das imagens, uma criança loirinha faz pose em outra, tem cena de formatura e até viagem para o exterior. Logo percebe-se que o rapaz que visita a exposição é o mesmo que está nas fotos. Casamento, nascimento de filho, ar de vencedor…

     

    Até que um espelho mostra que a imagem refletida não é mais a do rapaz sorridente das fotografias. O personagem agora está visivelmente envelhecido. Dentes amarelos, barba e roupas desgrenhadas como se estigmatiza descrever um morador da Cracolândia. O letreiro sobe em maiúsculas: “O CRACK DESTRÓI UMA VIDA INTEIRA. QUANDO VOCÊ VÊ, JÁ NÃO SE VÊ”. O homem chora. O logotipo da Prefeitura de São Paulo acompanha o texto “CRACK. A MELHOR SAÍDA É NUNCA ENTRAR”. Fim.

    De imediato, a propaganda faz a separação entre o antes e o depois do crack na vida do personagem. Quando era um feliz “cidadão de bem”, ele não usava a droga. Depois de usar, virou um morador da Cracolândia. Pressuposto errado. A campanha de terror de Dória, que mostra um caminho sem volta, é mais uma estratégia que só distrai o verdadeiro problema: a miséria.

    Crack é uma droga que tem o mesmíssimo princípio ativo da cocaína. E, como no uso dela, há inúmeros usuários que compram as pedras na sexta-feira para usar no fim de semana. Quem são esses consumidores? São cidadãos que vivem suas vidas sem parar nas ruas da Cracolândia em situação deplorável, sem família, sem emprego e sem dinheiro. A lógica de quem vai parar lá, por sinal, é inversa. É a miséria que faz alguém chegar à Cracolândia e não necessariamente o crack. E a exclusão social é o principal problema de quem só encontra nas ruas alguma inclusão.

    Na Cracolândia está gente sofrida no último grau da dor. São em sua maioria negros destruídos pela sociedade racista, são ex-presidiários abandonados pelas famílias e sem chance de emprego, são prostitutas aniquiladas física e mentalmente, são travestis dizimados pela violência simbólica e material do machismo, são gênios e loucos incompreendidos e raramente aceitos. “Para acabar com a Cracolândia”, sempre repete o médico Drauzio Varella,”é preciso acabar com a miséria”. E isso a propaganda de Dória não promete nem menciona.

    Outro ponto escondido é o papel do Estado. O filme não menciona nenhuma palavra, música, imagem ou mesmo um pincelar simbólico sobre o papel da Secretaria da Saúde diante da dependência química. Nada nem de longe faz referência às políticas públicas para lidar com o problema. Tampouco se aborda a multiplicidade de fatores que pode levar alguém à Cracolândia, como a falta de moradia, emprego e estrutura familiar ou a disponibilidade de uma droga barata que foi disseminada nas comunidades mais vulneráveis da cidade e até mesmo o fato de a maioria da população nas ruas ser alcoólatra.

    No comercial “lindo” do prefeito Dória tudo se resume a dizer “não” à oferta de crack. Bastaria isso para aquele jovem homem branco, pai de família, viajado e de infância feliz ter sua vida de classe média preservada. Pressuposto totalmente errado. O problema de quem chega à Cracolândia não é a droga. É a miséria.

    Espelhamento é estratégia antiga da publicidade. Quem se vê projetado nos anúncios logo se identifica. Os profissionais da propaganda feita pela agência Cazamba sabem disso, tanto que a empresa, que se define especialista em tecnologia de marketing, promete a marcas o engajamento de seus consumidores de uma forma “mais dinâmica e personalizada para alcançar e interagir com a audiência desejada, da maneira desejada.” Não foi necessário nem fazer metáfora para explicitar o público-alvo de Dória no vídeo batizado de “Espelhos”. Incutir o terror na população de classe média diante do crack é estratégia perfeita para fugir de problema muito maiores que são gerados pela exclusão social.

    A empresa que fez o vídeo afirma que “é o anunciante quem determina como veicular a peça e quais interações ela terá com o usuário.” Esse, no caso, não é o morador da Cracolândia que Dória trata com batalhão de polícia, demolição de moradia, internação compulsória e fim de acesso a emprego e perspectiva de vida que tinha no acolhimento do antigo programa Braços Abertos. A estratégia de marketing do prefeito é dizer que o usuário é cego, culpado por ter destruído sua vida inteira.

    Fica o subtexto de que o Estado, ao virar as costas para o problema de moradia na cidade, por exemplo, não tem nada a ver com a Cracolândia. O sistema carcerário brasileiro que devolve à sociedade presos sem acesso a emprego também não tem nada a ver isso. Os marginalizados todos são só um detalhe que os publicitários e o governo não lembraram. E, assim, só resta mesmo expulsar, até da rua, o dependente químico culpado por suas mazelas e interná-lo na marra numa clínica que recebe subsídio da prefeitura. E que fica bem longe do centro da cidade.

  • Jandira Feghali denuncia ministro da Saúde por mortes em hospitais públicos sucateados do RJ

    Jandira Feghali denuncia ministro da Saúde por mortes em hospitais públicos sucateados do RJ

    A situação trágica da Saúde no Estado do Rio de Janeiro já tem contornos de filme de terror, pela falta de médicos e insumos hospitalares. Já são dezenas de vítimas da incúria e da falta de verbas em hospitais do Estado. Um exemplo foi o que aconteceu com a paciente Maria Elizete Vanderley da Silva, de 77 anos, internada no Hospital Federal de Bonsucesso domingo, com hemorragia digestiva.

    Depois de esperar horas para ser intubada por um médico plantonista que deixou o hospital às 19h, ela sofreu uma parada cardiorrespiratória à 1h, quando não havia nenhum médico para socorrê-la. Morreu diante do pessoal da enfermagem, que no entanto não pôde ministrar nova medicação para dar conta do agravamento do quadro clínico da paciente.

    O óbito só foi constatado por volta das 9h do dia seguinte, pelo médico que havia chegado para o plantão geral. Durante oito horas, apesar de a enfermagem ter verificado a morte, o corpo da paciente ficou no leito, ligado a aparelhos.

    Leia a seguir a situação dramática do Rio, na representação da deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), que cobra ação da Justiça, para que cesse o descalabro causado pelo ministro Ricardo Barros, preposto do golpista Michel Temer na Saúde.

     

     

     

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  • Maconha é alternativa para tratamentos

    Maconha é alternativa para tratamentos

     

      

      

    Por Ana Clara Carvalho e Giulia Staar
    Estudantes de Comunicação Social PUC MG

     

                A mineira Juliana Paolinelli fez sua primeira cirurgia aos 18 anos e sua segunda aos 25. Ela entrou andando no hospital e saiu dele com CID de paraplegia 82.1, uma anomalia muito grande, que envolve problemas sérios, como compressão na coluna e uma síndrome que causa dores e espasmos. A paciente neurológica crônica, hoje com 37 anos, tentou todo tipo de remédio no Brasil para acabar com sua dor, e não deu certo, até que, experimentou a cannabis medicinal. Tornou-se a primeira brasileira a receber autorização, com uma liminar, para importar um extrato cannábico, fitoterápico, o Sativex,

                “Eu cheguei ao máximo que uma pessoa pode chegar para tentar livrar-se da dor, que foi usar bomba de morfina, implantada por quatro anos, ligada direto ao sistema nervoso central,” conta. Depois de lutar contra a síndrome de abstinência, causada pela bomba, ela conseguiu retirá-la. Tinha espasmos, seus joelhos batiam no seu queixo e a machucavam. Na época, precisava ir de ambulância para o hospital e passava por trás para que os outros pacientes não a vissem em crise, pois era uma cena muito forte.

     

     

                Hoje, Juliana não sente tanta dor, é mãe de duas filhas e vice diretora da AMA+ME, Associação Brasileira de Cannabis Medicinal. Sua qualidade de vida é maior devido ao uso de remédios à base de cannabis: “A maconha dá uma qualidade de vida melhor para gente; a minha dor hoje em dia é suportável”. O medicamento usado por ela, atualmente, é doado: um óleo feito de um extrato rico em Tetraidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, produzido no sul do Brasil. “Tomo três doses por dia do óleo e fumo nos momentos de socorro, de muita dor, pois a absorção é mais rápida pelo pulmão do que via oral.”

                Segundo uma pesquisa realizada pela Hello Research, públicada pela revista “Exame” em 2016, seis em cada dez brasileiros são a favor da legalização da maconha para fins medicinais. Assim como Juliana, todos os dias, outras pessoas precisam recorrer ao uso da cannabis medicinal em seus tratamentos, mas encontram dificuldades por causa do tabu, do preço e da proibição da ‘droga’ no país.

                S.L é diabética e ano passado foi diagnosticada com fibromialgia, com fortes dores da neuropatia diabética. Cabeleireira, de 48 anos, recorreu ao tratamento com remédios convencionais, o que não deu certo: ela não conseguia trabalhar, pois nem saía da cama. S.L resolveu procurar outras alternativas e descobriu a cannabis medicinal na forma “in natura”, fumada. “Nas pesquisas achei o Dr. Paulo Fleury que generosamente me atendeu e me explicou sobre o CBD e o THC e o que isso provoca em nosso corpo. Resolvi experimentar e deu certo.”

    TRATAMENTO

                De acordo com a AMA+ME “o benefício medicinal da cannabis pode ser alcançado através da forma ‘in natura’, fumada ou vaporizada; ingerida ou aplicada na forma de óleos ou extratos; ou beneficiada farmacologicamente para isolamento de canabinoides na forma de comprimidos, cápsulas ou sprays para uso na mucosa oral.”

                Eles esclarecem que, apesar de ínfimas possibilidades, pesquisadores e pacientes ainda encontraram muitos empecilhos para utilização da cannabis. “Ainda são poucos estudos clínicos realizados, devido a predominante política proibicionista internacional, além da dificuldade na importação.”

                Entre 2015 e 2016, triplicou o número de pessoas que entraram com ações na justiça contra o Ministério da Saúde, solicitando o fornecimento da cannabis para uso medicinal. De 17, no primeiro ano, passou para 46 pessoas, no seguinte. Os números são ainda maiores, já que os dados não incluem pacientes que moveram ações contra as secretarias estaduais de saúde.

                Para entrar com o pedido de autorização de importação é necessário que o paciente  apresente prescrição médica acompanhada de justificativa minuciosa das razões da necessidade do uso de cannabis e preencher um formulário. Até a liberação, a espera pode ser longa, dependendo do processo. Contudo, o maior empecilho continua sendo o preço. Um paciente comum não gasta menos de 300 dólares por mês, (ou seja R$ 928,50).

                Juliana hoje tem três autorizações para remédios com cannabis, mas diz existir muita burocracia na importação. “Além disso, não tenho grana para manter o tratamento com extrato rico em CBD importado (canabidiol, substância química encontrada na cannabis sativa). Já usei a maioria das marcas que estão no Brasil, mas todos por doação.”

                O principal componente do uso medicinal da cannabis é um óleo rico em CBD, que é utilizado, especialmente, por crianças epiléticas. No Brasil, há boas evidências da eficacia na área de tratamento, especialmente a epilepsia refrataria, aquela em que não se consegue controle com outros medicamentos, em geral. Segundo o Dr. Paulo Fleury, especialista em medicina preventiva e social, com o uso do óleo da cannabis eles alcançaram bons resultados: “O óleo apresenta poucos efeitos colaterais, o que atesta a segurança deste tratamento canábico”.

     

     

                Dr. Fleury é belo-horizontino, trabalha há três anos tratando pessoas com cannabis, de forma voluntária, e realizando palestras, frequentemente, em vários estados do Brasil. Ele viaja para divulgar o uso de cannabis medicinal e para atender quem precisa.

                “São muitas crianças que nascem com essa pré disposição a ter crises convulsivas, logo nos primeiros meses de vida. A crise convulsiva é destruidora para o cérebro; a cannabis consegue conter isso”, comenta. Segundo ele, com o uso da cannabis, para certas condições, é possível buscar algo chamado cura, para outras, pode-se buscar o controle, que é muito necessário, por exemplo, no caso das crianças com epilepsia. Isto porque elas “não conseguem controle com os medicamentos ou com os procedimentos que são disponíveis atualmente.”

                O médico conta do sucesso que obteve com uma paciente com crises epilépticas. “Foi detectado no início do tratamento, em 2014, que ela teve 127 episódios de movimentos no corpo e quase uma crise convulsiva, acordando. No último exame, em dezembro, não tinha nenhum episódio mais.”

     

    LEGALIZAÇÃO

                Ainda não é permitido pela legislação brasileira o plantio da cannabis, com nenhuma finalidade. Segundo a lei, seu plantio, mesmo em pequenas quantidades, é crime de tráfico de drogas. A cabeleireira S.L comenta que isso é um dos principais desafios no seu tratamento, já que, importar a cannabis é muito caro.

                O Dr. Paulo Fleury diz que, apesar disso, hoje existem famílias que estão autorizadas legalmente a plantar para produzir o óleo para seus filhos epilépticos, já que eles precisam do óleo frequentemente para conter suas crises.

                Segundo o Art. 28 da Lei 11.343, quem adquirir, guardar, tiver em depósito, trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal será submetido a penas, mesmo que seja para uso medicinal. As penas podem envolver advertência sobre o efeito da droga, prestação de serviço à comunidade, multa ou medida educativa de comparecimento a programa educativo. Vale lembrar que se for para uso pessoal, em poucas quantidades, ninguém vai preso se for flagrado portando ou se medicando com cannabis e suas derivações.

                O professor de direito da PUC Minas, Pablo Alves, esclarece que “o profissional da saúde que prescrever uma dessas drogas pode, inclusive, ser penalizado com a mesma pena de prisão (cinco a quinze anos, além de multa), que um traficante de drogas.” No entanto, o seu uso medicinal pode ser autorizado e regulamentado pelo Poder Público em determinados casos.

                Sobre a possível legalização da maconha no Brasil, Alves acredita que a seria uma medida viável: “Vários países têm relatado experiências positivas acerca de políticas de legalização da maconha, como a Holanda, Portugal, o Uruguai e, até mesmo, alguns Estados nos Estados Unidos”. O professor observa que o debate ainda é cercado de muito preconceito e argumentos moralistas que dificultam o avanço da discussão.

     

     

     

                Atualmente, existem dois projetos de lei para legalização da maconha tramitando na Câmara Federal: o 7.187/2014, de autoria do deputado Federal Eurico Pinheiro Júnior, PMDB, e o 7.270/2014, de autoria do deputado Federal Jean Willys, PSOL. Para o professor, “a legalização das drogas reduziria drasticamente a superpopulação carcerária no Brasil e também representaria uma redução no número de processos, permitindo que, os referentes a crimes graves, como homicídios, latrocínios, estupros, pudessem tramitar mais rapidamente.” Ele adiciona que a polícia também teria maior efetivo para combater crimes já que, hoje, grande parte do trabalho policial gira em torno da repressão às drogas.

                O Dr. Paulo Fleury acredita que o processo de legalização da maconha medicinal está sendo progressivo no Brasil: “Hoje, do ponto de vista técnico científico mais básico, a maconha já está até legalizada. Porque se retira o THC e o CBD do conceito de drogas ilícitas, a maconha tecnicamente deveria sair também, porque eles são os dois principais componentes da cannabis”. Para ele, a visão de que a maconha pode levar prejuízo aos pacientes está sendo vencida por uma série de evidências consistentes de benefícios para muitos pacientes.

                Mas o médico psiquiatra, Frederico Garcia, coordenador do Centro de Referência em Drogas (CRR) da UFMG, acredita que a legalização seria prejudicial para a saúde do brasileiro, pois a maconha pode desencadear doenças. “Um dos fatores de risco é a fumaça aspirada, que aumenta o risco de câncer bucal e do pulmão. A cannabis também aumenta o risco de doenças mentais como depressão e esquizofrenia.”

                O médico acha que o nível de evidências da eficácia do canabinoide é baixo e não é seguro: “Precisa-se estudar mais sobre o tema, porém, é perda de tempo investir recursos nisso, em uma planta que nem é brasileira. É dar aspecto de segurança a uma droga.”

                Para B.D, enfermeira de 28 anos, a maconha ainda é proibida simplesmente por preconceito. “A maconha, é uma planta, veio da terra, é proibida por puro tabu.” B.D tem doença de Crohr, um mal intestinal inflamatório e crônico que afeta o revestimento do trato digestivo. Ela sente constantemente cólicas abdominais, náuseas, vomito e diarreia. Quando utiliza a maconha, “as cólicas passam, a náusea some, o vômito passa e consigo comer. A diarreia não para, mas só de tirar a dor é um alívio.”

                Ela começou a usar maconha de forma recreativa. Quando viu que seus remédios não estavam ajudando, começou a pesquisar todo tipo de ajuda, até que viu um artigo sobre a maconha no auxílio de doenças inflamatórias intestinais.

                “Para mim foi muito bom, eu não uso mais remédios sintomáticos, não tenho mais dor e não preciso me preocupar por tomar muitos analgésicos que podiam me prejudicar com o passar dos anos.”, diz. B.D não tem autorização para importar remédios derivados da cannabis e, por isso, faz seu tratamento por si só, fumando maconha.

     

     

    DESCRIMINALIZAÇÃO DA MACONHA ENTRA EM FOCO

    Em novembro de 2016 foi realizada uma audiência pública sobre a legalização da maconha pela Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Essa audiência atendeu o requerimento do deputado Antônio Jorge (PPS-MG) e teve como convidado o jurista uruguaio, Santiago Pereira, que relatou sobre a experiência da legalização da maconha em seu país e os impactos da medida três anos depois de implantada.

    O deputado Antônio Jorge, médico psiquiatra, diz não ser a favor da legalização da maconha, mas da descriminalização do usuário, “em se tratando de uso recreacional como o primeiro passo.” Ele defende que a melhor escolha é a regularização do uso, não uma liberação geral, como foi feito no Uruguai. Antônio Jorge acredita que o Brasil precisa fazer esse debate e atualmente sua meta é realizar o primeiro seminário internacional Brasil e Portugal, sobre a descriminalização. Ele considera que o Brasil tem muito que aprender com a experiência portuguesa, que já dispõe de resultados palpáveis com sua política de descriminalização há 12 anos.

    Porém, quando o assunto é cannabis medicinal sua posição é outra. Junto com as associações, inclusive a AMA+ME, o deputado está lutando pela busca do reconhecimento da importância do uso para algumas famílias, defendendo a regulamentação que facilite o uso medicinal. “Queremos reverter esse cenário esdrúxulo, que penaliza um pai que está tentando melhorar as crises convulsivas do seu filho. Isso só faz sentido para uma leitura moral, só porque vem da maconha. Temos que parar de tratar a maconha como se fosse a erva do diabo”.

                O terapeuta ocupacional Ronaldo Viana, também concorda com a legalização somente para uso científico (para pesquisa e como medicamento). Ele considera que existe sensacionalismo em relação à exposição de posições radicalmente contrárias e baseadas em argumentações simplistas sobre usar ou não, sem um estudo responsável sobre o tema ‘fumar maconha recreativamente’.

                Para ele, as pessoas deveriam discutir menos sobre legalizar ou não o uso de maconha e se aprofundar mais na questão do significado deste uso: “Deve-se questionar mais sobre o para quê usar maconha, ou outra droga qualquer, incluindo as bebidas alcoólicas que são legalizadas e que trazem problemas, inquestionavelmente, maiores que o uso de maconha”.

    Ronaldo Viana é diretor da associação ‘Terra da Sobriedade’ que promove a vida através da prevenção do uso e abuso de drogas e da recuperação e reinserção de dependentes químicos e de seus familiares na sociedade. Ele conta que na associação eles recebem pacientes com problemas gerados pela maconha, tanto por causa da dependência, quanto por causa de outros transtornos psiquiátricos, como algumas psicoses. Ele considera que qualquer substância psicoativa, quando utilizada para alteração da consciência, pode ser “porta de entrada para outras drogas”.

                Como terapeuta, acredita que o pior é as pessoas acreditarem que um psicotrópico que  altera a consciência pode trazer-lhes maior compreensão da realidade: “Ao inverso, de fato provoca um afastamento do real, formando uma ilusão, que só é benéfica para a manutenção de valores associados ao consumismo, materialismo, hedonismo e capitalismo, razões maiores que justificam os esforços para a comercialização livre e regulamentada da maconha, nos dias de hoje”.

     

     

                Já para o deputado Antônio Jorge, a maconha faz mal se usada em excesso, pois cria uma dependência psicológica. Para ele, ela não é uma droga inocente que não traz nenhuma consequência, mas também não a considera um problema da humanidade. “Eu não defendo o uso, defendo o direito das pessoas usarem. Tratando-se da droga, o ideal é não usar, mas fazer de conta que a sociedade não usa é uma hipocrisia.”

                A intenção dele é tentar regular o uso e criar medidas que não criminalizem as pessoas. “Não tenho nenhum discurso moral contra as drogas. A sociedade é consciente e a gente tem o direito de saber o que está fazendo. Informação é o mais importante. É política de esclarecimento e desincentivo ao uso. Proibir por proibir não adianta”, conclui.

     

    Fotografia:
    Lucas Prates e Marianne Fonseca
    Infográficos:
    Laura Brand

    Texto:
    Ana Clara Carvalho e Giulia Staar
    Estudantes de Comunicação Social PUC MG

     

  • O SUS é necessário! Saúde não é produto pra encher bolso de empresário!

    O SUS é necessário! Saúde não é produto pra encher bolso de empresário!

    Por Aline Barbosa, especial para os Jornalistas Livres

    Ato denuncia desmonte do Hospital São Paulo por  corte de verbas do Ministério da Saúde. Dos 740 leitos, apenas 300 funcionam. Há pacientes esperando cirurgia urgente há meses por falta de material básico. O pronto-socorro fechou as portas, só atende quem chega de ambulância – e nem isso é garantia de operação

    Cerca de 400 estudantes da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), nesta quinta (08/06), manifestaram contra a decisão do Ministério da Saúde de cortar as verbas do REHUF (Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários); afim de lograr aumento de orçamento do Hospital São Paulo, localizado na Vila Clementino, zona sul de São Paulo. Os alunos foram às ruas com cartazes e com o grito de guerra “o SUS, o SUS, o SUS é necessário, saúde não é produto pra encher bolso de empresário”.

    O hospital tem passado por problemas com o acúmulo de dívidas altíssimas, que chegam a R$ 149 milhões com bancos e R$ 11 milhões com fornecedores. Diante do corte da verba REHUF, a unidade está em situação de falência e pode estar prestes à fechar. O pronto socorro teve que suspender seus procedimentos básicos e desde abril está atendendo apenas situações de emergência pela falta de insumos. A situação preocupa os pacientes que em sua maioria são atendidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e estudantes que utilizam o prédio como uma instituição escolar.

    A paciente Clarice de Morais, 64, aposentada por invalidez de visão, relatou que está à espera de uma cirurgia ocular há 1 ano, e que esta foi adiada pela quarta vez. “Já é a quarta vez que eu venho arrumar essa papelada para a cirurgia.” Clarice declarou ainda estar com silicone pós-cirúrgico em um de seus olhos e que deveria ter sido tirado ano passado. “O médico disse que eu deveria tirar o silicone com 3 ou 4 meses, mas até hoje estou angustiada pela espera do procedimento”, diz. “Era para ter sido operada dia 11 do mês passado, mas novamente foi cancelada sem uma nova data prevista.”

     

    A falta de recursos financeiros e materiais do Hospital São Paulo implica na sobrecarga de outros hospitais públicos devido ao grande fluxo de pessoas, em pacientes com longos períodos de espera por atendimento e na estagnação do desenvolvimento das pesquisas acadêmicas.

    A aluna Camila Bianchi Matiuzzi, veterana do terceiro ano de medicina e integrante da Comissão de Mobilização da Graduação contou: “A gente tem 740 leitos, 300 estão funcionando; tem paciente esperando cirurgia urgente há meses e não fazem porque não tem material básico. O pronto socorro fechou as portas, ou seja, só atende quem chega de ambulância e muitos casos de cirurgia do pronto socorro não são operados”.

    Segundo o diretor-superintendente do hospital universitário, José Roberto Ferraro, “a situação é um descompasso orçamentário grave, chegou a um limite, nisso pedimos um recurso adicional, como muitas outras vezes; e além deste recurso não vir, o Governo Federal cortou outro, então ficou uma situação hipergrave”. Diante disso ele apoiou a manifestação. “Nós vamos lutar, nós vamos buscar orçamento pra funcionar. Mesmo ele cheio, ainda faltam leitos para a população brasileira; imagine ele com metade dos leitos funcionando”, concluiu.

    O Hospital São Paulo é gerenciado pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM). Além de universitário, é considerado filantrópico por atender pacientes de outros bairros, cidades e estados. É ainda o segundo maior hospital público da cidade e o maior universitário da rede federal de ensino do país.

    A concentração do ato em defesa do Hospital São Paulo começou às 9h em frente à Unifesp; às 10h os manifestantes seguiram em direção à ALESP (Assembleia Legislativa de São Paulo) para entregar um documento aos deputados falando da importância do Hospital, que possui mais de 700 leitos e atende pacientes há mais de 84 anos. O ato terminou às 14h e o deputado Carlos Neder recebeu o grupo.

     

  • DORIA NÃO QUER ENTENDER NADA

    DORIA NÃO QUER ENTENDER NADA

    Por Kátia Passos, dos Jornalistas Livres

     

     

    Todos os dias, logo no amanhecer dos paulistanos, desde o começo da gestão do prefeito Doria Jr, uma surpresa ruim aparece. Em menos de 200 dias, foram tantas as ações descabidas, marcadas pela ânsia do marketing desvairado, mas nenhuma delas mais desastrosa do que a tentativa de acabar com a Cracolândia.

    Vale relembrar algumas delas:

    O moço ganhou flores e as jogou no chão;

    Acabou com o transporte escolar de milhares de crianças;

    Cortou o Leve Leite;

    Apagou grafites na cidade;

    Fez ensaio fotográfico como gari;

    Deu uma verdadeira revirada para baixo na Virada Cultural;

    Passou o Carnaval de rua inteiro caçando ambulantes que não haviam se adequado às suas “regras” de comercialização de venda de produtos. Nessa ação, a Guarda Civil Metropolitana “ganhou” poderes de Polícia Militar. Resultado: repressão. Na ocasião, transmitimos ao vivo uma dessas caçadas.

    E não parou por aí: o prefeito aumentou a velocidade nas Marginais, o que elevou , logicamente o número de mortes em acidentes.

    Depois dessas e outras providências, o gestor vaidoso “entendeu” que a solução para a Cracolândia, seria sem dúvida, o extermínio do problema. Dória levou ao pé da letra o significado desse vocábulo da língua portuguesa e organizou, com o aval do governador Geraldo Alckmin, uma megaoperação caríssima em termos financeiros, e muito mais para os Diretos Humanos.

    Diversas forças de Segurança Pública varreram os usuários de drogas, com balas de borracha, bombas e outros armamentos para a Praça Princesa Isabel, a uns 300 m do local original do ‘fluxo’, nome dado pelos usuários para as ruas Dino Bueno e Helvétia, onde uma multidão se aglomerava para consumir crack.

    Nesta segunda (29), passados 8 dias da ação truculenta da Polícia e de Doria, massivamente criticado nas redes sociais e até na TV, um grupo de representantes de entidades de Direitos Humanos, advogados, profissionais de saúde, assistência social e parlamentares estiveram no local para avaliar o chamado “Projeto Redenção” (redenção para quem?)  e as condições da região no tocante aos problemas dos moradores e à atual situação dos usuários de drogas.

    Leonardo Pinho, da mesa diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos, desabafou: “Não há marco legal, o projeto não foi publicado. Isso quer dizer que não há regras e nem concepções. Então, profissionais de saúde não foram treinados para executá-lo, e o programa não existe. Os funcionários estão atuando sem orientação. Outro abuso foi a destruição ou o sumiço dos pertences dos moradores da Dino Bueno e Helvétia. Cobramos a secretaria de governo do município, que também não sabe dizer onde estão os pertences. Cobramos um atendimento personalizado. Fizemos um levantamento caso a caso e constatamos que levaram até documentos pessoais dos usuários. A situação é desperadora.”

    Sobre os usuários, Leonardo fez um balanço triste:

    “O diagnóstico da praça é assustador. Na Helvétia e Dino Bueno havia trabalhos de inclusão, projetos de cultura. Hoje, eles não podem entrar na rua. Aumentou muito o número de usuários na praça e em diversos pontos da cidade. O balanço da operação militarizada para diminuir o uso tem resultado negativo. Situação insalubre. Aumentou a agressividade e a insegurança nos usuários. Relações com agentes de saúde foram rompidas, esse é o pior cenário. O tráfico e o consumo continuam igual ou superior ao que já acontecia. Se a ação tivesse sido realizada com inteligência, para prender traficantes, talvez o resultado fosse melhor. Atacaram usuários e moradores,  não o tráfico de drogas.”

     

    O “gestor” Doria esqueceu-se –covardemente, diga-se–  dos donos das empresas do tráfico: os traficantes. Preferiu hostilizar mulheres, homens, crianças e idosos, muitas vezes esquálidos, doentes  e frágeis. Violou inúmeras vezes questões caras aos Direitos Humanos. Foi incapaz, desumano, vaidoso. Dória não sabe nada para além de seus luxos.

    Doria não quer entender nada. Nessa visita, o prefeito não mandou ninguém de peso para o local. Somente o chefe de gabinete da secretaria de governo, Orlando Faria, apareceu e fez feio. Quando uma beneficiária do Programa De Braços Abertos interrompeu a reunião, ele chegou a orientar discretamente, um funcionário da Prefeitura a retirar a mulher do local, pelo braço, afinal muitos veículos de imprensa estavam no local. Ela permaneceu, graças ao vereador Eduardo Suplicy, que fez o movimento contrário, puxando a mulher pelo outro braço e assim, pediu que ela falasse. Enquanto isso, na praça Princesa Isabel, uma nova iluminação era instalada.

    O prefeito errou o alvo de seu extermínio. Ele foi o responsável pela demolição de uma pensão com gente dentro. Exterminou histórias, lares, lembranças e a esperança de um sono tranquilo para muitas mulheres, crianças e homens que não são usuários de drogas, A maioria trabalha, leva suas crianças à escola, volta, prepara seu jantar simples e tenta descansar, para levantar cedo no dia seguinte e repetir o ciclo cotidiano. Muitos estão sem roupa, sem cama, sem casa.

    Assédio sexual na Cracolândia

    Na quinta (25), em meio a um ato que levou às ruas da região da Luz a informação omitida pelos veículos de imprensa tradicional de que na Cracolândia também há muitas famílias, uma comissão de moradores da Rua Dino Bueno e Helvétia foi recebida pelo subcomando da Guarda Civil Metropolitana, ali no centro. A ideia do encontro foi denunciar principalmente, a forma truculenta como estão sendo tratados os moradores, pelos agentes da Guarda que atuam no local.

    Algumas pensões do entorno que ainda não foram emparedadas , demolidas ou bloqueadas ainda têm moradores. Eles têm sido constantemente hostilizados e assediados pelos guardas. São abordagens, violências físicas e até assédios sexuais que ocorrem quando voltam para seus quartos nessas moradias, depois de um dia inteiro de trabalho.

    É gente muito pobre, em sua maioria mulheres, e muitas crianças.

    A comandante Lídia, sugeriu que os moradores usassem uma espécie de broche de identificação, mas tal proposta foi imediatamente recusada pelos moradores. Afinal de contas, o que essas pessoas menos querem é ficar ‘marcadas’, para só assim garantirem seu direito de ir e vir sem violência policial. O que os moradores querem é o respeito da GCM.

    O comandante Adelino, responsável pela área, prometeu apurar os casos e orientou os moradores a registrarem queixa na Corregedoria Geral da GCM, que cuida dos procedimentos disciplinares com atitudes isoladas ou não, de guardas que desrespeitem a lei.

    E as aventuras do menino riquinho continuam, sexta (26), Doria tinha em mãos uma liminar que o autorizava a internar compulsoriamente dependentes químicos. Perdeu o poder, quando o promotor Arthur Pinto Filho, entendeu que a liminar feria gravemente o Estado Democrático de Direito e a suspendeu.

    Agora o prefeito vai recorrer à liminar e quem sabe anunciar ao amanhecer, um novo desejo conquistado: sequestrar e internar dependentes de Crack e outras drogas à força. Tudo sob comando de Arthur Guerra e Ronaldo Laranjeiras, integrantes do que ele chama de Comitê Médico, os dois são os soldados de Doria Jr. na argumentação favorável à internação compulsória.

    São Paulo não passa bem neste momento. Doria não quer entender nada.

  • Doria privatiza orçamento da saúde

    Doria privatiza orçamento da saúde

    Por Cecilia Capistrano Bacha e Gustavo Aranda, dos Jornalistas Livres

    Em duas canetadas o prefeito de São Paulo, João Doria Junior, fez a fatia das Organizações Sociais que administram parte dos serviços oferecido na cidade (OSs) crescerem de 57% para 66,6% sua participação no orçamento da saúde. Dos R$ 6,6 bilhões aprovados no ano passado, Doria congelou R$ 1,38 bi, e dos R$ 5,22 bi que restaram, destinou dois terços para a administração privada e um terço para a chamadas unidades com “administração direta”.

    Privatização do Orçamento

    Diante do contingenciamento de 20% no orçamento da saúde, anunciado pele prefeito no começo do mandato, a Secretaria da Fazenda solicitou uma redução de 15% nas despesas da pasta. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS), no entanto, em reunião extraordinária com as chamadas “entidades parceiras”, definiu um corte de 7,2% nos contratos firmados, ou seja, dos atuais R$ 3,8 bilhões, as organizações sociais terão uma redução de R$ 279 milhões, devendo receber R$ 3,6 bilhões pelos contratos em 2017. Caso não haja descongelamento de verbas durante o ano, a redução para o setor público será na ordem de 35%, cinco vezes maior do que o que foi imposto aos parceiros privados.

    Traduzindo os números em moeda, dos R$ 5,24 bilhões disponíveis no orçamento, R$ 3,6 bi serão gastos com as OSs, que administram 51% dos serviços prestados, restando apenas R$ 1,6 bi para o setor público administrar a outra metade do sistema.

    Questionada como faria para administrar os mesmos serviços com menos da metade do dinheiro, a SMS não respondeu, preferindo se ater ao corte destinado às OSs, conforme nota ao final da matéria.

    Além da tesoura orçamentária, as entidades ainda terão que incorporar dois dissídios – setembro de 2016 e maio de 2017 – nos salários dos servidores. A expectativa dos trabalhadores da saúde é de demissões e aumento da precariedade dos serviços.

    Segundo a dirigente da Secretaria dos Trabalhadores da Saúde do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Paulo (Sindsep – SP), Lourdes Estevão, os funcionários das entidades vivem um momento de apreensão. “Como até agora a pasta não apresentou nenhuma proposta concreta de trabalho nem para os trabalhadores nem para o Conselho Municipal, a impressão que temos é que eles lançam as ideias pelos jornais e, se ninguém reclamar, eles seguem cortando.”

    Lourdes contou ainda que o clima de boataria é tão grande que já chegou aos bairros. “No Capão Redondo, por exemplo, a entidade parceira ameaça fechar a AMA [Assistência Médica Ambulatorial] local. Como eles não conseguem enxugar nas emergências, é no serviço ambulatorial que recai a maior cobrança. Uma coisa é certa, se cortar verba, vai cortar serviço, não tem jeito”.

    “Muitos trabalhadores estão nos procurando preocupados porque a promessa é de que havendo demissões, os servidores serão absorvidos por outras organizações, porém, com salários até 40% mais baixos”, revelou a dirigente.

    Trabalhadores ouvidos pela reportagem confirmam as informações dadas por Lourdes.

    Segundo um assistente técnico administrativo de uma das maiores organizações parceiras da Prefeitura, que pediu anonimato, “o problema é que falta dinheiro até para mandar gente embora, mesmo maus funcionários vão ficando”.

    Procuradas, as entidades não quiseram se manifestar oficialmente. Porém, com a crise econômica e agravamento do desemprego, o aumento da procura pelo SUS já pôde ser sentido nos pontos de atendimento. Além disso, o desequilíbrio gerado pela má distribuição dos recurso deve aumentar a pressão sobre os serviços prestados pelas organizações parceiras.

    Para o Sindsep não há evidências de que os serviços de saúde tenham melhorado com a terceirização. Pelo contrário, as condições de trabalho têm piorado e o sucateamento do sistema é visível para os usuários.

    Só com publicidade, Doria gastou em abril R$ 805 milhões (mais da metade, ou 58% do corte total da Saúde), para anunciar o fim das filas com sua bandeira de campanha, o projeto “Corujão da Saúde” – fazendo uso de dados inflados, como revelou recente a checagem feita pela Agência Lupa para a revista Piauí. Essas filas, diga-se, já estão de volta, acelerando, como gosta de dizer o prefeito.

     

     

    Leia a íntegra da nota enviada pela Secretaria Municipal de Saúde:

    “A Secretaria Municipal de Saúde esclarece que, devido a uma queda na arrecadação, foi necessária a tomada de medidas e de ações no sentido de utilizar de forma mais inteligente os recursos da pasta. É preciso deixar claro que estas medidas não vão impactar no atendimento à população, pois o objetivo é a otimização de despesas, com base na readequação de contratos com as Organizações Sociais de Saúde (OSS), utilizando de forma mais eficiente o recurso disponível.

    A prioridade é a redução de despesas institucionais, aquelas que não impactam diretamente na assistência. Desta forma, não há qualquer decisão em torno de redução de equipe e de plantões médicos. Pelo contrário, o objetivo é o de manter a capacidade assistencial adequada. Cabe destacar que, em alguns casos, poderá ocorrer o remanejamento de equipes, saindo de uma área e indo para outra.

    Em relação a valores, não é possível fazer qualquer estimativa, pois as negociações com as OSS seguem em andamento. Algumas delas, inclusive, já apresentaram os seus novos planos de trabalho, com as readequações solicitadas pela secretaria, especialmente no que diz respeito às despesas institucionais, nas quais está se buscando um nível de economia sem qualquer comprometimento do atendimento à população.”