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Categoria: Saúde Mental

  • Covid-19. Aprendendo com o vírus

    Covid-19. Aprendendo com o vírus

    A pandemia traz consigo uma mutação não apenas biológica, mas societal.

    Se Michel Foucault tivesse sobrevivido ao flagelo da aids e resistido até a invenção da triterapia [coquetel], ele estaria hoje com 93 anos: teria aceitado de bom grado ter se trancado em seu apartamento na rua Vaugirard? O primeiro filósofo da história a morrer pelas complicações geradas pelo vírus da imunodeficiência adquirida nos deixou algumas das noções mais eficazes para pensar sobre a gestão política da epidemia que, em meio ao pânico e à desinformação, se torna tão útil como uma boa máscara cognitiva.

    A coisa mais importante que aprendemos com Foucault é que o corpo vivo (e, portanto, mortal) é o objeto central de toda política. Il n’y a pas de politique qui ne soit pas une politique des corps (não existe uma política que não seja uma política dos órgãos). Mas o corpo não é para Foucault um organismo biológico dado no qual o poder age. A própria tarefa da ação política é fabricar um corpo, colocá-lo em funcionamento, definir seus modos de reprodução, prefigurar as modalidades de discurso através das quais esse corpo se torna ficcionalizado até poder dizer “eu”. Todo o trabalho de Foucault poderia ser entendido como uma análise histórica das diferentes técnicas através das quais o poder gerencia a vida e a morte das populações.

    Entre 1975 e 1976, os anos em que publicou “Vigiar e Punir” e o primeiro volume da “História da Sexualidade”, Foucault usou a noção de “biopolítica” para falar de uma relação que o poder estabeleceu com o corpo social na modernidade. Ele descreveu a transição do que chamou de “sociedade soberana” para uma “sociedade disciplinar” como o passo de uma sociedade que define a soberania em termos de decisão e ritualização da morte para uma sociedade que gerencia e maximiza a vida das populações em termos de interesse nacional. Para Foucault, as técnicas governamentais biopolíticas se estendiam como uma rede de poder que transbordava a esfera legal ou a esfera punitiva, tornando-se uma força “somatopolítica”, uma forma de poder espacializado que se estendia por todo o território até penetrar no corpo individual.

    Durante e após a crise da Aids, vários autores expandiram e radicalizaram as hipóteses de Foucault e suas relações com as políticas imunológicas. O filósofo italiano Roberto Espósito analisou as relações entre a noção política de “comunidade” e a noção biomédica e epidemiológica de “imunidade”. Comunidade e imunidade compartilham a mesma raiz, munus, em latim o munus era o tributo que alguém tinha que pagar para viver ou fazer parte da comunidade. A comunidade é cum(con)munus (dever, lei, obrigação, mas também oferece): um grupo humano religado por uma lei e uma obrigação comuns, mas também por um presente e por uma oferta. O substantivo immunitas é uma palavra proprietária derivada da negação do munus. Na lei romana, a immunitas era uma dispensação ou um privilégio que exonera alguém dos deveres corporativos comuns a todos. Aquele que foi exonerado estava imune. Enquanto quem estava com fome era aquele que tinha todos os privilégios da vida comunitária removidos.

    Roberto Espósito nos ensina que toda biopolítica é imunológica: supõe uma definição de comunidade e o estabelecimento de uma hierarquia entre os órgãos isentos de impostos (aqueles que são considerados imunes) e aqueles que a comunidade considera potencialmente perigosos (os demuni) e que serão excluídos em um ato de proteção imunológica. Esse é o paradoxo da biopolítica: todo ato de proteção implica uma definição de imunização da comunidade, segundo a qual a comunidade se dará a autoridade para sacrificar outras vidas, em benefício da idéia de sua própria soberania. O estado de exceção é a normalização desse paradoxo insuportável.
    O vírus atua à nossa imagem e semelhança, apenas reproduz e estende a toda a população as formas dominantes de manejo biopolítico e necropolítico que já estavam trabalhando no território nacional.

    A partir do século 19, com a descoberta da primeira vacina contra varíola e os experimentos de Pasteur e Koch, a noção de imunidade migrou do campo do direito e adquiriu significado médico. As democracias liberais e patriarcais-coloniais européias do século XIX constroem o ideal do indivíduo moderno não apenas como um agente econômico econômico livre (masculino, branco, heterossexual), mas também como um corpo imune radicalmente separado que não deve nada à comunidade. Para Espósito, a maneira pela qual a Alemanha nazista caracterizou parte de sua própria população (os judeus, mas também os ciganos, homossexuais, pessoas com deficiência) como corpos que ameaçavam a soberania da comunidade ariana é um exemplo paradigmático dos perigos do manejo imunológico. Essa compreensão imunológica da sociedade não acabou com o nazismo, mas, pelo contrário, sobreviveu na Europa legitimando políticas neoliberais para administrar suas minorias racializadas e populações migrantes. É esse entendimento imunológico que forjou a comunidade econômica europeia, o mito de Shengen e as técnicas da Frontex nos últimos anos.

    Em 1994, no livro “Flexible Bodies”, a antropóloga Emily Martin, da Universidade de Princeton, analisou a relação entre imunidade e política na cultura americana durante as crises de poliomielite e AIDS. Martin chegou a algumas conclusões relevantes para analisar a crise atual. A autora afirma que a imunidade corporal não é apenas um mero fato biológico, independente de variáveis culturais e políticas. Pelo contrário, o que entendemos por imunidade é construído coletivamente através de critérios sociais e políticos que alternadamente produzem soberania ou exclusão, proteção ou estigma, vida ou morte.

    Se repensarmos a história de algumas das epidemias globais dos últimos cinco séculos sob o prisma oferecido por Michel Foucault, Roberto Espósito e Emily Martin, é possível elaborar uma hipótese capaz de assumir a forma de uma equação: diga-me como sua comunidade constrói sua soberania política e eu lhe direi quais serão as formas de suas epidemias e como você as enfrentará.

    Covid 19. Proteção e isolamento.

     

    As diferentes epidemias materializam na esfera do corpo individual as obsessões que dominam a gestão política da vida e da morte das populações em um determinado período. Para colocar nos termos de Foucault, uma epidemia radicaliza e desloca as técnicas biopolíticas aplicadas ao território nacional até o nível da anatomia política, inscrevendo-as no corpo individual. Ao mesmo tempo, uma epidemia permite estender a toda a população as medidas de “imunização” política que foram aplicadas até agora de maneira violenta contra aqueles que eram considerados “estrangeiros” tanto dentro como nos limites do território nacional.

    A gestão política das epidemias encena a utopia da comunidade e as fantasias imunes de uma sociedade, exteriorizando seus sonhos de onipotência (e os fracassos retumbantes) de sua soberania política. A hipótese de Michel Foucault, Roberto Espósito e Emily Martin não tem nada a ver com uma teoria do complô. Não é a ideia ridícula de que o vírus seja uma invenção de laboratório ou um plano maquiavélico para estender ainda mais políticas autoritárias. Pelo contrário, o vírus atua à nossa imagem e semelhança, nada mais é do que replicar, materializar, intensificar e estender à toda a população, as formas dominantes de gestão biopolítica e necropolítica que já estavam trabalhando no território nacional e em seus limites. Portanto, cada sociedade pode ser definida pela epidemia que a ameaça e pela forma como se organiza frente a ela.

    Pensemos, por exemplo, na sífilis. A epidemia atingiu a cidade de Nápoles pela primeira vez em 1494. O empreendimento colonial europeu havia acabado de começar. A sífilis era como a arma de partida para a destruição colonial e as políticas raciais que viriam com eles. Os ingleses chamavam de “a doença francesa”, os franceses diziam que era “o mal napolitano” e os napolitanos que vinham da América: diziam ter sido trazido pelos colonizadores que haviam sido infectados pelos indígenas…

    O vírus, como Derrida nos ensinou, é, por definição, o estrangeiro, o outro, o estrangeiro. Infecção sexualmente transmissível, a sífilis materializou nos corpos dos séculos XVI a XIX as formas de repressão e exclusão social que dominavam a modernidade patriarcal-colonial: a obsessão pela pureza racial, a proibição dos chamados “casamentos mistos” entre pessoas de diferentes classe e “raça”, bem como as múltiplas restrições que pesavam nas relações sexuais e extraconjugais. O que estará no centro do debate durante e após esta crise é quais serão as vidas que estaremos dispostos a salvar e quais serão sacrificadas.

    A utopia da comunidade e o modelo de imunidade da sífilis é o do corpo branco burguês sexualmente confinado na vida conjugal como núcleo da reprodução do corpo nacional. Portanto, a prostituta tornou-se o corpo vivo que condensou todos os significantes políticos abjetos durante a epidemia: uma mulher trabalhadora e muitas vezes racializada, um corpo fora das normas domésticas e matrimoniais que fez da sexualidade sua forma de produção, a trabalhadora sexual foi visibilizada, controlada e estigmatizada como o principal vetor da disseminação do vírus. Mas não foi a repressão da prostituição ou o confinamento de prostitutas em bordéis nacionais (como Restif de la Bretonne imaginou) que curou a sífilis. Muito pelo contrário. O isolamento das prostitutas apenas as tornou mais vulneráveis à doença. O que curou a sífilis foi a descoberta de antibióticos e especialmente da penicilina em 1928, precisamente um momento de profundas transformações da política sexual na Europa com os primeiros movimentos de descolonização, o acesso das mulheres brancas ao voto, as primeiras descriminalizações da homossexualidade e uma relativa liberalização da ética do casamento heterossexual.

    Meio século depois, a AIDS era para a sociedade neoliberal heteronormativa do século XX o que a sífilis havia sido para a sociedade industrial e colonial. Os primeiros casos surgiram em 1981, precisamente no momento em que a homossexualidade não era mais considerada uma doença psiquiátrica, depois de décadas de perseguição e discriminação social. A primeira fase da epidemia afetou, prioritariamente, o chamado 4 H: homossexuais, prostitutas (hookers) — profissionais do sexo, hemofílicos e heroinomâmos (heroin users).

    A AIDS remasterizou e atualizou a rede de controle sobre o corpo e a sexualidade que a sífilis tecera e que a penicilina e a descolonização, movimentos feministas e gays haviam desarticulado e transformado nas décadas de 1960 e 1970. Como no caso das prostitutas na crise da sífilis, a repressão à homossexualidade causou apenas mais mortes. O que está transformando progressivamente a AIDS em uma doença crônica tem sido a despatologização da homossexualidade, a autonomia farmacológica do Sul, a emancipação sexual das mulheres, o direito de dizer não às práticas sem preservativo e o acesso da população afetada, independentemente de sua classe social ou grau de racialização e a triterapia. O modelo de comunidade/imunidade da Aids tem a ver com a fantasia da soberania sexual masculina, entendida como um direito de penetração inegociável, enquanto qualquer corpo sexualmente penetrado (homossexual, feminino, todas as formas de analidade) é percebido como desprovido de soberania.

    Voltemos agora à nossa situação atual. Muito antes do surgimento do Covid-19, já tínhamos iniciado um processo de mutação planetária. Antes do vírus, já estávamos passando por uma mudança social e política tão profunda quanto a que afetou as sociedades que desenvolveram sífilis. No século XV, com a invenção da imprensa e a expansão do capitalismo colonial, passou-se de uma sociedade oral para uma sociedade escrita, de uma forma de produção feudal para uma forma de produção industrial-escrava e de uma sociedade teocrática para uma sociedade regida por acordos científicos em que as noções de sexo, raça e sexualidade se tornariam dispositivos de controle necro-biopolítico da população.

    Hoje, estamos passando de uma sociedade escrita para uma cibersociedade, de uma sociedade orgânica para uma sociedade digital, de uma economia industrial para uma economia imaterial, de uma forma de controle disciplinar e arquitetônico, para formas de controle microprotético e mídia-cibernético. Em outros textos, chamei de farmacopornográfico o tipo de gerenciamento e produção do corpo e a subjetividade sexual dentro dessa nova configuração política. O corpo e a subjetividade contemporâneos não são mais regulados apenas pela passagem por instituições disciplinares (escola, fábrica, casa, hospital etc.), mas, e acima de tudo, por um conjunto de tecnologias biomoleculares, microprotéticas, digitais e de transmissão. e informação.

    A vida no cyberespaço. Foto: Engin Akyurt para Unsplash

     

    No campo da sexualidade, a modificação farmacológica da consciência e do comportamento, a globalização da pílula contraceptiva para todas as “mulheres”, bem como a produção de triterapias, terapias preventivas para a AIDS ou viagra são alguns dos índices de gestão da biotecnologia. A extensão planetária da Internet, o uso generalizado de tecnologias de computação móvel, o uso de inteligência artificial e algoritmos na análise de big data, o intercâmbio de informações em alta velocidade e o desenvolvimento de dispositivos globais de vigilância computacional por meio de satélites são índices dessa nova gestão semiotécnica digital. Se eu os chamei de pornográficos, é porque, em primeiro lugar, essas técnicas de biovigilância entram no corpo, penetram na pele, nos penetram; e segundo, porque os dispositivos de biocontrole não funcionam mais pela repressão da sexualidade (masturbatória ou não), mas pelo estímulo ao consumo e à produção constante de um prazer regulado e quantificável. Quanto mais consumimos e mais saudáveis somos, melhor somos controlados.

    A mutação que está ocorrendo também pode ser a passagem de um regime patriarcal-colonial e extrativista, de uma sociedade antropocêntrica e de uma política em que uma parte muito pequena da comunidade do planeta humano se autoriza a praticar práticas de predação universal a uma sociedade capaz de redistribuir energia e soberania. De uma sociedade de energia fóssil a uma sociedade de energia renovável. Também está em questão a transição de um modelo binário de diferença sexual para um paradigma mais aberto, no qual a morfologia dos órgãos genitais e a capacidade reprodutiva de um corpo não definem sua posição social a partir do momento do nascimento; e de um modelo heteropatriarcal a formas não hierárquicas de reprodução da vida. O que estará no centro do debate durante e após esta crise é que vidas estaremos dispostos a salvar e quais serão sacrificadas. É no contexto dessa mutação, da transformação das formas de entender a comunidade (uma comunidade que hoje é o planeta inteiro) e da imunidade onde o vírus opera e se torna uma estratégia política.

    Imunidade e política nas fronteiras

    Manifestantes
    Repressão policial

     

    Biopolítica na era ‘farmacopornográfica’

    Centro de São Paulo às moscas. Foto: Sato do Brasil
    Ruas de São Paulo completamente vazias. Foto: Sato do Brasil

     

    Linha de Frente no combate ao Covid 19. Foto: Tedward Quinn para Unsplash

     

    A prisão branda: bem-vindo à telerepública da sua casa

    Dentro de casa. Cuidado com o vão. Arte: Ocupeacidade. Foto: Sato do Brasil

     

    Mutação ou submissão

    Educação é liberdade. Arte: BijaRi. Foto: Sato do Brasil
    Nuvens ornamentais. Foto: Sato do Brasil
    Por do sol em Salvador – BA. Foto: Sato do Brasil

     

    Tradução: Ricardo Moura

    Link original: https://elpais.com/elpais/2020/03/27/opinion/1585316952_026489.amp.html

  • Documentário “Na fila do SUS” traz o impacto do sucateamento da saúde pública no Brasil

    Documentário “Na fila do SUS” traz o impacto do sucateamento da saúde pública no Brasil

    texto: Pedro Santi, para os Jornalistas Livres

    Saúde. Direito básico do cidadão

    Os serviços públicos são interesse popular, e boa parte do povo brasileiro necessita deles para sobreviver. Com o SUS (Sistema Único de Saúde) não é diferente – saúde é um direito básico de todo cidadão e em tempos de calamidade, como a pandemia do coronavírus, fica mais evidente a necessidade de um bom serviço de saúde pública. O Documentário “Na fila do SUS”, dirigido pela profissional e pesquisadora da área Ellen Francisco, retrata o impacto que o sucateamento do SUS têm na vida dos brasileiros mais vulneráveis socialmente.

    Manifestação contra o sucateamento do SUS

    “Na fila do SUS”. São Paulo, Rio e Amazônia

    Reconhecendo o sistema único de saúde como uma luta popular, a obra apresenta essa reflexão a partir de três diferentes situações e regiões do Brasil. Em São Paulo, o foco é com moradores de rua e dependentes químicos. A cidade não tem hoje políticas públicas para essa população, e isso implica em falta de ações como redução de danos e ressocialização. Pessoas em situação de rua vivem em constante ameaça de doenças respiratórias e dermatológicas, como tuberculose e escabiose, além de doenças psicológicas, fruto da falta de cuidado com a saúde mental dessas pessoas.

    No Rio de Janeiro, o debate gira em torno da precarização da atenção primária nos postos de saúde e hospitais. As Clínicas da Família sofreram com esse desmonte e isso gerou uma crise na rede. Funcionários com meses de salários atrasados e pacientes relatando superlotação e restrição de atendimento. Consequência direta da desestruturação do atendimento básico.

    Por último, “Na fila do SUS” denuncia a influência do agronegócio nas áreas de preservação ambiental da Amazônia. E o impacto disso na saúde dos povos indígenas. Como o sucateamento do SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e a transferência para os precários serviços de saúde da rede municipal, a região carece de atendimento de qualidade para esse povo que vem sofrendo com doenças causada pelos impactos ambientais.

    “Na Fila do SUS é uma iniciativa para debatermos a importância da saúde pública e do SUS na vida do povo brasileiro. Se a situação já estava difícil em diversas capitais, agora em tempos de Coronavírus a coisa ganhou ares desesperadores. É uma produção urgente para mostrar que tem muita gente defendendo o SUS e a saúde pública.” diz Vito Ribeiro, roteirista do filme.

    Agentes comunitários da saúde participam de manifestação a favor do SUS

    Luta de classes na saúde

    O documentário, com a opinião de pesquisadores e acadêmicos especialistas no assunto, traz essa crítica ao poder político que precariza e limita a capacidade do SUS de atender os menos favorecidos. Dentre os responsáveis estão os planos de saúde privados, empresas, partidos e candidatos políticos – os interesses particulares nesse meio acabam causando esse desmonte, e milhões de brasileiros são prejudicados.

    A previsão para o lançamento de “Na fila do SUS” é de junho de 2020, na plataforma de documentários independentes Bombozila. O projeto faz parte de uma campanha de financiamento coletivo – para colaborar, basta entrar na página da vaquinha online e apoiar. O documentário também pode ser encontrado no instagram: @NaFiladoSus. Confira o trailer abaixo:

     

    https://www.youtube.com/watch?v=fTkq9BNu3Uc

  • Valorização da Vida no cortejo: o desafio de se abordar a Prevenção do Suicídio no carnaval em BH

    Valorização da Vida no cortejo: o desafio de se abordar a Prevenção do Suicídio no carnaval em BH

     

    Por: Cristiane Santos de Souza Nogueira*

     

    O suicídio é um fenômeno que perpassa a história da humanidade, sendo considerado na atualidade como um problema de saúde pública. Desde 2003 a OMS instituiu o dia 10 de setembro como sendo o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. No Brasil, a campanha do setembro amarelo se iniciou em 2015 e tem ganhado força a cada ano. Tendo como slogan “Falar é a melhor solução” objetiva-se promover e ampliar espaços de sobre suicídio, sensibilizando a população para as questões do adoecimento mental e desconstruindo mitos que impedem que as pessoas busquem ajuda diante da dor emocional.

    No entanto é importante que tais temas possam ser abordados durante todas as épocas do ano, uma vez os índices de adoecimento psíquico da população crescem no mundo todo e que é preciso conscientizar as pessoas para que aprendam a reconhecer e respeitar o sofrimento mental da mesma forma que reconhecem e respeitam o sofrimento e o adoecimento do corpo.

    Em novembro de 2019 uma das organizadoras de um bloco de carnaval de Belo Horizonte fez contato com o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais solicitando orientações sobre como abordar a questão da prevenção do suicídio visto ser o tema escolhido pelo bloco para o cortejo de 2020.

    Em sua 9ª edição, o bloco que desde 2012 carnavaliza BH levantando as bandeiras do amor, da diversidade, da alegria, do respeito e demarcando o posicionamento contra qualquer tipo de preconceito e manifestação de ódio, definiu ter como tema o SETEMBRO AMARELO “para lembrar as pessoas que a vida de cada um é muito importante.

    Queremos dobrar nosso recado de afeto e trazer um tema que é por muitos ignorado. Avalia-se como uma atitude responsável do bloco buscar suporte profissional para levar esse tema para as ruas, demonstrando ter consciência sobre a necessidade se falar de maneira correta sobre um tema tão delicado. Nas chamadas para as atividades eu foram realizadas conjuntamente entre CRP e Bloco de carnaval, marca-se o convite para falar sobre o tema e para a responsabilidade de cada um na prevenção do suicídio e valorização da vida.

    “É um tema tranquilo para ser tratado? NÃO! Qualquer um pode falar sobre? TAMBÉM NÃO! Para dar a devida seriedade e respeito ao assunto, contamos com o apoio do Conselho Regional de Psicologia … que já faz ações de prevenção ao suicídio e irá colaborar com a gente”.

    Na próxima segunda-feira, 13/01, vamos ter uma roda de conversa sobre Valorização da Vida. É muito importante que a banda vá em peso para saber mais do tema e conseguir levar uma mensagem da forma mais respeitosa possível”.

    Ainda que não haja consenso entre a própria categoria da Psicologia, sobre os efeitos de campanhas e ações que envolvem a sociedade no tocante ao fenômeno do suicídio o CRP avaliou ser pertinente ofertar as orientações e suporte necessário para realização do cortejo, não podendo recuar ou se eximir desse debate, visto que a categoria profissional tem sido cada vez mais demandada no enfrentamento do suicídio.

    Foi realizada uma reunião na sede do CRP para primeiros alinhamentos e definições em dezembro de 2019, com a primeira orientação norteadora: em se tratando de carnaval, o tema seria abordado pela Valorização da Vida, buscando formas de se passar a mensagem da prevenção do suicídio com leveza e da forma lúdica que a ocasião comporta.

    Foram realizados dois encontros com os fundadores, organizadores e integrantes do bloco no Teatro da Cidade.

    O primeiro encontro, em janeiro de 2020, aconteceu em forma de roda de conversa, onde se buscou refletir sobre o fenômeno do suicídio considerando os aspectos epidemiológicos, demográficos, intrapessoais (transtornos mentais e comorbidades psiquiátricas), mas principalmente os aspectos interpessoais.

    Ao discutir características do modo de vida contemporâneo foi possível deslocar o comportamento suicida dos fenômenos da patologização e medicalização da vida, reconhecendo que a nossa forma de viver comporta elementos que fazem sofrer o ser humano e que o comportamento suicida pode se apresentar como expressão da dor intensa e sofrimento emocional insuportável, estando presente ou próximo de cada pessoa que ali podia se expressar. Buscou-se desconstruir mitos sobre o fenômeno do suicídio, apresentando fatores de risco e de proteção, legitimando que as pessoas são capazes de reconhecer sinais de sofrimento emocional, mas que para isso é preciso investir mais na convivência, na disponibilidade de escutar sem julgamento e de ofertar apoio e suporte emocional.

    Reiterou-se que é preciso fortalecer as redes de apoio, ofertar canais e ferramentas de apoio, legitimar a importância de se buscar ajuda profissional quando necessário e de construir saídas locais, mapeando os recursos e dispositivos disponíveis nos territórios de pertencimento.

    O segundo encontro se deu em formato de oficina abordando Valorização da Vida, contando com a colaboração da conselheira do CRP e de uma jornalista que contextualizou a chita enquanto tecido de resistência subversiva, resistência político afetiva na história do Brasil desde a colonização.  O bloco não usa abadás ou fantasias, sendo instituído o uso da chita para confecção de roupas e adereços para seus integrantes.

    A jornalista ao citar Walter Benjamin e sua obra “a história dos vencidos”, fala da chita em sua cesura, fazendo um recorte na história e demonstrando o descontínuo do tecido do povo. Originalmente da Índia, a Chintz foi levada para a Europa no século XVI por Vasco da Gama, sendo um tecido nobre e tão caro quanto a seda. Suas cores e figuras acompanham e interpretam a cultura local, sofrendo alterações pelos países por onde passa.

    Considerada mais que um tecido, um padrão, amplamente usado na decoração, na porcelana e na impressão de tecidos nobres, a Chita chega ao Brasil no século XVII, havendo uma proibição de sua produção pela coroa de Portugal, uma vez que os nobres só podiam comprar tecidos da Europa. Tal proibição não impediu que os escravos produzissem o tecido em teares escondidos, sendo usado também pelos os índios, passando a ser considerado no Brasil como pano de pobre, dos rejeitados enquanto em Portugal se realiza concursos de vestido de chita.

     

     

    Para os africanos que aqui estavam, a chita era um tecido carregado de memória afetiva, por a resistência em continuar tecendo. Os inconfidentes se vestiam de chita quando protestavam nas ruas da antiga Villa Rica, hoje Ouro Preto nas Minas Gerais.  Assim passa a ter a conotação de subversão e no século XIX vem nova ordem de proibição de qualquer tecido em MG, que teve a primeira grande industria dedicada à produção de chita.

    Curvelo, Terra de Zuzu Angel, que foi a primeira estilista que usou a moda como política, trazendo a chita como expressão de resistência na ditadura militar.

    “O não conformismo nas roupas tende naturalmente a expressar o não conformismo em ideias sociais e políticas”. (Flugel)

    Contextualizando a chita, a essência do bloco estava colocada. Assim, como a Valorização da Vida seria a tônica da abordagem da prevenção do suicídio no cortejo de carnaval, definiu-se pelo uso de chitas em cor amarela, tecidos com girassol e do próprio girassol como símbolo para 2020. Tornou-se oportuno também contextualizar sobre o uso da cor amarela e do girassol como símbolos da campanha da prevenção do suicídio no Brasil e no mundo.

    POR QUE O GIRASSOL?

    Setembro: início da primavera, estação das flores e da esperança. Pesquisas comprovaram que pessoas que moram em lugares bruscos, com pouco Sol, podem desenvolver tendências à Depressão.

    Assim, o girassol é a flor da campanha da Prevenção do Suicídio justamente por acompanhar a alegria e a vitalidade da luz solar.

     

    Nos campos, em dias nublados, os girassóis se voltam uns para os outros, buscando a energia em cada um.

    Não ficam murchinhos, nem de cabeça baixa. Olham uns para os outros … Erguidos, lindos.

    Nos ensinam que olhar para o outro, pode fazer toda diferença em nossas vidas, afinal a convivência é nossa força motriz. Seu miolo gera centenas de sementes, que produzem tantos outros novos girassóis! Semear esperança e muitos afetos é para o ser humano, sentido de vida!

    Se não temos sol todos os dia, temos uns aos outros…
    Que sejamos girassóis todos os dias!!!

    Nesse segundo encontro abordou-se algumas atitudes e falas que devem ser evitadas ao se abordar o tema, ressaltou-se a importância da escuta ativa e de se apontar canais de ajuda e construção de saídas para pessoas que apresentem sinais de dor e sofrimento emocional. Depois de um brain storm coletivo, de frases, palavras e ideias com os presentes, foram selecionadas frases de impacto a serem usadas no cortejo:

    – Aguente firme, Você não está só!

    – Você tem o poder de dizer ‘não é assim que minha história termina’

    – Pare e respire, há opções melhores, e muitas pessoas que te amam

    – Mesmo que as coisas estejam difíceis, sua vida importa; você é uma luz brilhante em um mundo escuro, então, aguente firme.

    Valorizar a vida é…

    É ligar quando sentir saudades.

    É não ignorar um pedido de ajuda.

    É ouvir sem julgar.

    É respeitar as escolhas e vontades.

    É dizer que ama.

    A comunicação entre a COMORG e a conselheira referência do CRP se manteve ativa para troca de ideias, construção de frases, mensagens e estratégias a serem usadas no cortejo. Através da revisão da playlist, definiu-se momentos de marcação sobre o tema durante o trajeto. Foi construído um release, um texto que foi disponibilizado a todos os integrantes do bloco, para que todos se preparassem para possíveis interpelações e questionamentos que pudessem surgir, antes, durante e após o cortejo, visto ser uma atitude ousada e polêmica um bloco de carnaval que abordar a prevenção do suicídio.

    “O bloco do Batiza, com suas chitas que espalham resistência e empatia pelo carnaval de BH decidiu abordar a valorização da vida no seu cortejo de 2020. O tema da prevenção do suicídio ainda é polêmico, envolvido em muitos mitos e julgamentos morais e muitas pessoas têm medo de falar sobre o assunto. É preciso disseminar a mensagem de que a vida vale a pena, de existem razões para viver. É desconstruir as ideias em torno do sofrimento emocional, levando a sociedade a respeitar e reconhecer a dor da alma da mesma forma que reconhece a dor do corpo.

    Dessa forma, as pessoas irão parar de esconder sua dor interna, falando e recebendo orientação, procurando ajuda profissional se for necessário. O suicídio é um problema de saúde pública no mundo inteiro, sendo o final de um processo de sofrimento insuportável.

    Estima-se que 90% dos casos sejam evitáveis mas para seu enfrentamento é preciso o envolvimento de todos os atores sociais, que auxiliem as pessoas que sofrem de desesperança, de desamparo, de desespero a construírem saídas e alternativas para a vida. As pessoas podem aprender a reconhecer sinais e sintomas da dor emocional que não é visível aos olhos e só pode ser identificada através da convivência, das relações.

    Precisamos de mais afetos e menos telas. De mais trocas e acolhimento e menos individualismo. É possível aprender a ofertar apoio, a ofertar escuta e acolhimento. Para isso, é preciso encarar as ameaças com seriedade, ajudar a pessoa a avaliar a situação, explorando soluções e dando orientações concretas para preservar a vida.

    Para tanto, é preciso antes de tudo, procurar compreender (sem juízo de valor), ofertar disponibilidade de escuta sem repressões e sem ser invasivo, apontando canais de apoio como o CVV,  serviços e profissionais de saúde mental.  FALAR É A MELHOR SOLUÇÃO E A CONVIVÊNICIA É A MELHOR SOLUÇÃO, se acreditamos e valorizamos a vida! Sejamos boas energias! Sejamos girassóis!” Vamos amarelar nossas chitas e as ruas por onde passarmos.

    BLOCO DO BATIZA

    Outras ações estavam planejadas para o cortejo como entrega de adesivos e de sementes de girassóis com frases de esperança, porém, com os problemas vivenciados pelos blocos de BH, às vésperas do início do carnaval, com

    As repercussões resultaram em comprovar que é possível abordar a temática com seriedade e responsabilidade, através de orientações técnicas e com embasamento científico, em contextos diversos, com leveza e transmitindo mensagem de esperança. Pensando que as saídas devem ser locais, que as micro políticas podem operar transformações…

    Chamando as pessoas para sua dimensão de participação e responsabilidade. Promover saúde mental nos moldes da saúde coletiva.

    Essa experiência buscou efetivar a encomenda inicialmente formulada ao CRP, conjugando a essência do bloco com suas a chitas, com o amarelo do girassol na perspectiva da Valorização da Vida e da Prevenção do Suicídio, de forma lúdica, propiciando a sensibilização sem mobilizar resistências e defesas frente a um tema que toca a todos de forma tão profunda. Um cortejo de carnaval como resistência e subversão aos processos de medicalização e patologização, para uma aposta de vivencias afetivas, de fortalecimento de vínculos, do estreitamento dos laços de convivência. Uma aposta nas tecnologias leves, na melhoria da qualidade de vida das pessoas, que só é possível pelas relações, afinal o ser humano é ser gregário, que se abastece da luz, do calor e da energia de outros seres humanos.

     

    Texto e Fotografia:
    Cristiane Santos de Souza Nogueira,
    Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais
    Especial para os Jornalistas Livres

    Edição da matéria:
    Leonardo Koury Martins, Jornalistas Livres

     

  • Benedicto Abicair: quem é o desembargador-censor do Porta dos Fundos

    Benedicto Abicair: quem é o desembargador-censor do Porta dos Fundos

    Benedicto Abicair, desembargador do TJ-RJ Foto: Reprodução
    Benedicto Abicair, desembargador do TJ-RJ Foto: Reprodução

    O desembargador Benedicto Abicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), determinou que a Netflix suspenda a exibição do especial de Natal ‘Primeira Tentação de Cristo’, feito pelo grupo Porta dos Fundos. Advogado por 30 anos, ele se tornou magistrado apenas em 2006, quando foi nomeado pela então governadora Rosinha Garotinho. Conseguiu o cargo pelo “quinto constitucional”, uma cota que reserva vagas na magistratura para advogados.

    Foi depois de se tornar magistrado, em 2006, que Benedicto Abicair passou a publicar suas opiniões na imprensa. Esquisitão, Benedicto Abicair escreveu sobre assuntos diversos, como trajes adequados para advogados, trajes e calçados adequaos para cães domésticos, escovação dentária de cães, higiene íntima de cães, roupas a serem usadas nos aviões (ele manifestou-se contra os “corpos suados” nas “poltronas geminadas”) e justificou em 2018 o pagamento de auxílio-moradia para juízes, pois eles teriam vida “difícil e sacrificante”. Benedicto Abicair não se esqueceu, em seu bestiário, de defender um colega que deu voz de prisão ao ser parado em blitz da Lei Seca, que ele já havia atacado em 2009.

    A decisão do tal Benedicto, determinando que o Netflix suspenda a exibição do especial de Natal “Primeira Tentação de Cristo”, do Porta dos Fundos, foi motivada por pedido do Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, que alegou que “a honra e a dignidade de milhões de católicos foram gravemente vilipendiadas pelos réus”. No seu especial, Porta dos Fundos retratou um possível romance gay de Jesus, ocorrido durante seu período de retiro no deserto.

    “Minha avaliação, nesse momento, é de que as consequências da divulgação e exibição da ‘produção artística’ (…) são mais passíveis de provocar danos mais graves e irreparáveis do que sua suspensão, até porque o Natal de 2019 já foi comemorado por todos”, diz a decisão do desembargador, afrontando a Constituição brasileira.

    Quem é o desembargador

    Antes de virar desembargador, o doutor Abicair, ou será o Benedicto?, atuou em um caso que teve grande repercussão no futebol brasileiro, em 1999.

    Benedicto Abicair era um dos três auditores do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) que participaram de uma punição ao São Paulo Futebol Clube. O time perdeu pontos no Campeonato Brasileiro por escalar o jogador Sandro Hiroshi, que havia falsificado sua certidão de nascimento.

    Na época, a decisão causou bastante polêmica: o São Paulo perdeu pontos de duas partidas. Em uma delas, o clube havia vencido o Botafogo por 6 a 1, mas os pontos do jogo acabaram repassados para o time derrotado. Os pontos acabaram salvando o clube carioca do rebaixamento para a segunda divisão.

    Ternos, cães e magistratura

    Nos últimos anos, Benedicto Abicair tem publicado textos com suas opiniões na imprensa.

    Em um dos artigos, interessantíssimo, porque parece saído da mente de um redator do Porta dos Fundos — publicado no jornal O Globo em fevereiro de 2019 —, (Será o) Benedicto Abicair afirma que “donos selvagens” de cães domésticos deveriam seguir “rígidas regras” quando saem com seus animais nas ruas.

    Para ele, os cães domésticos são “desprovidos de higiene adequada, pois não são banhados diariamente, não trajam indumentárias, nem calçam as patas, além de não realizarem higienização após suas necessidades fisiológicas, muito menos se utilizarem de fio dental, escova e pasta de dentes.”

    Uau, ele queria cachorro de sapato, usando papel higiênico e escovando os dentes!

    (Será o) Benedicto Abicair finaliza, tipicamente cinofóbico: (…) já passa do tempo de serem impelidas, com rigor, aos donos selvagens de cães domésticos regras e penas severas para que respeitem a cidadania daqueles que não são simpáticos ao convívio com cães domésticos e seus pelos, muito menos sentem prazer ao serem por eles cheirados e lambidos.”

    O desembargador também já escreveu que o traje passeio completo — terno e gravata — deve ser obrigatório para advogados, mesmo em dias quentes do verão.

    “Que os jovens, como eu no início da carreira, se rebelem contra certos hábitos e costumes é plenamente aceitável e previsível. Porém, inconcebível que pessoas amadurecidas não enxerguem a necessidade de preservar tradições, em confronto com experiências anteriores”, afirmou o desembargador.

    O artigo, também publicado no site Conjur, foi escrito em 2011 em reação a uma decisão da OAB-RJ que tornou o uso do traje facultativo durante o verão.

    “Os estudantes universitários, obrigatoriamente, vestiam-se com terno e gravata. A permissividade extinguiu o paletó, depois a gravata, em seguida, as camisas sociais e hoje frequenta-se as Faculdades de bermuda, saída de praia, camiseta regata e chinelo”, escreveu ele.

    O magistrado argumenta que o uso do traje “tem a finalidade de padronizar e dar aparência de organização”.

    Ah… esses “corpos suados”…

    “Lembro, ainda, que, tempos idos, era obrigatório, ou pelo menos de boa prática, o traje ‘passeio completo’ para os passageiros de avião. Atualmente vemos homens e mulheres seminus, encostando seus corpos suados nos ocupantes dos minúsculos assentos geminados. Bons tempos quando era politicamente correto ser bem vestido”, escreveu (Será o) Benedicto Abicair.

    Em outro artigo, publicado no Conjur em março de 2018, o desembargador afirma não ser verdade que os juízes brasileiros são “privilegiados” e que recebem quantias exorbitantes. Para ele, os magistrados passam por muitas “agruras” na carreira, como morar em locais distantes e em acomodações precárias.

    No mesmo texto, ele também escreveu que um juiz “não pode exercer qualquer outra atividade remunerada, exceto no magistério (?!), onde é impossível repor as perdas e menos ainda obter ganhos extravagantes”.

    “Como é difícil e sacrificante a vida na magistratura, pois no Judiciário são, aproximadamente, 17 mil magistrados decidindo conflitos entre mais de 200 milhões de pessoas naturais, além das pessoas jurídicas. (…) Já os ‘obtusos” detratores reflitam, isentamente, e parem de apedrejar a magistratura e outras carreiras jurídicas do serviço público, que de privilegiadas nada têm, antes de serem todas extintas por falta de candidatos, pois não haverá atrativos que os animem a enfrentar a dura e espinhosa trajetória a que se submetem”, completou.

    Pergunta de 1 milhão de dólares: Será o Benedicto, ou é outra sacanagem do Porta dos Fundos?

     

    Com informações do site BBC Brasil e do UOL

     

     

  • Carta de Floresta, 06 de novembro de 2019

    Carta de Floresta, 06 de novembro de 2019

    Carta de Floresta

    Floresta, 06 de novembro de 2019

    A todas as pessoas de boa vontade,

    Às lideranças políticas do País, dos Estados da Bacia do Rio São Francisco

    E, mais precisamente, do Sertão de Itaparica

    “Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram” (Rm 12,15)

    Nós, bispos, presbíteros, diáconos, religiosas, leigos e leigas, representantes das comunidades quilombolas e de povos indígenas, pesquisadores e estudantes, reunidos em Floresta – PE nos dias 5 e 6 de novembro de 2019, chamados, como cristãos, a sermos solidários com toda criatura humana e com a natureza, e a fazer da nossa vida e da nossa fé um sinal e um instrumento do amor de Deus para com todas as suas criaturas, sentimo-nos impelidos a escutar o povo de Itacuruba e da região do Sertão de Itaparica a respeito das esperanças e dos temores suscitados pelo projeto de implantação de um complexo nuclear naquele município, à beira do rio São Francisco. Escutar para entender, para se informar, para solidarizar-se, escutar como estilo de caminhar juntos, a fim de que todos possam ser protagonistas das suas vidas e do seu futuro. Em tudo, fomos conduzidos e iluminados pela constatação de que progresso e desenvolvimento só são verdadeiros e reais quando promovem a vida, a partir da vida dos mais necessitados, e não a economia e o lucro de uma restrita elite.

    Nossa primeira preocupação é com a vida de quantos moram na região, com o trabalho, a cultura, o futuro, a possibilidade de um crescimento e de um desenvolvimento de acordo com as suas caraterísticas, tradições, possibilidades e aspirações.

    O povo que mora em Itacuruba e na região tem rosto e tem nome, história que fala de promessas não cumpridas, quando foi tirado de sua terra pela construção das barragens da hidrelétrica, de esperanças frustradas pela impossibilidade de continuar a trabalhar dignamente para a sua vida, de depressão, de suicídio entre os jovens que não aceitam ter uma vida fútil e sem sentido, reduzida ao consumismo. Sentimos, nas falas deste povo, o drama de quem desejaria mostrar suas forças e energias para o presente e o futuro, mas não tem perspectivas. Esse povo não sente a necessidade de usina nuclear, não acredita em promessas que já ouviu trinta anos atrás e que resultaram na situação problemática em que hoje vive.

    Progresso não pode ser palavra bonita, mas vazia, não pode significar imposição de um modelo de vida baseado no ter e que acarreta problemáticas sociais muito fortes. Com quais instrumentos de conhecimento, com quais estruturas sociais o povo de Itacuruba e região irá enfrentar a transformação decorrente da chegada de muitas pessoas na sua terra? Quais serão as possibilidades de desenvolver harmoniosamente a sua vida no futuro próximo? Temos, de fato, uma grande responsabilidade também com as próximas gerações, pois as nossas escolhas, ainda mais em casos como este, sempre vão gerar consequências importantes. Diz o Papa Francisco na sua Encíclica Laudato Sí: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão crescendo? Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária. Quando nos interrogamos acerca do mundo que queremos deixar, referimo-nos sobretudo à sua orientação geral, ao seu sentido, aos seus valores… se esta pergunta é posta com coragem, leva-nos inexoravelmente a outras questões muito diretas: Com que finalidade passamos por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra? Por isso, já não basta dizer que devemos preocupar-nos com as gerações futuras; exige-se ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo” (LS 160). Por toda esta série de considerações, denunciamos os erros do passado e pensamos que eles deveriam nos ajudar a refletir melhor para que não sejam repetidos e, sobretudo, a não tomar decisões sem escutar os interessados.

    Projeção da Eletronuclear, feita em 2011, para a usina em Itacuruba, com seis reatores

    A saúde do rio São Francisco também nos preocupa, porque, dele e com ele, o nosso povo vive e cresce, e não pode ser considerado como um instrumento de lucro por uma técnica que sabe fazer muitas coisas, mas que, até agora, raramente foi colocada a serviço da vida plena da nossa casa comum.

    Todos aceitam com entusiasmo a possibilidade de uma vida melhor, mas isso significa acesso à educação e à saúde, possibilidade de um trabalho real e contínuo, justiça social e defesa das culturas; significa, sobretudo, unir a população e vislumbrar outros modelos de desenvolvimento pautados no princípio da dignidade da vida humana. É esse o tipo de desenvolvimento de que estamos precisando, algo que faça do povo de Itacuruba e região não pessoas que recebem uma “recompensa” por hospedar um complexo nuclear difícil de aceitar, mas que poderão afirmar sua plena pertença a um País e contribuir para o crescimento dele com humildade e ousadia.

    Conclamamos todos os homens e mulheres de boa vontade, independentemente de suas convicções político-ideológicas, a conhecerem os estudos técnicos e sócio-antropológicos relativos à temática, e a se comprometerem com a defesa e a promoção da vida dos povos, do Rio São Francisco e do meio ambiente como um todo, a fim de que “todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10).

    Foto destaque: CPT

     

  • Crescem os casos de suicídios em Brumadinho

    Crescem os casos de suicídios em Brumadinho

     

    WILSON SANTOS, jornalista

    Uma conversa despretensiosa com o secretário de Saúde de Brumadinho, Júnio Araújo Alves, revela mais um lado doloroso após a criminosa tragédia da barragem da Vale: a cidade já registrou dez tentativas de suicídio, das quais três resultaram em mortes. Segundo ele, a literatura sobre o assunto diz que esse número deve ser triplicado, por causa da sub-notificação, o que é alarmante para uma cidade do porte de Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, com seus 37 mil habitantes. O rompimento da barragem provocou 248 mortes e ainda há 22 pessoas desaparecidos na lama. 

    Araújo tem outros números que tornam mais gritante essa consequência silenciosa do estouro da barragem no dia 25 de janeiro: a prescrição médica para uso de medicamentos do grupo ansiolíticos cresceu em torno de 80% na rede pública. Para o grupo de antidepressivos o derrame é 60% maior. Há casos em que o consumo isolado de remédios de um desses grupos explodiu em 150%.

    Tudo isso havia sido previsto pelos protocolos técnicos elaborados por especialistas logo após a tragédia. Não fosse a desenvoltura do secretário junto ao governo federal para conseguir credenciamentos emergenciais para a rede pública, o município estaria em situação ainda pior. Sem contar que uma articulação entre os ministérios públicos Estadual e Federal forçou a Vale a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) garantindo o repasse de R$ 31 milhões para o SUS local. Algo que simplesmente minimiza o estrago provocado pela mineração sem controle. Mais que revoltante, esse cenário confirma como a crueldade daquela tragédia não tem limite.