Jornalistas Livres

Categoria: Saúde Mental

  • A quem interessa ser profeta do caos?

    A quem interessa ser profeta do caos?

    Por Jacqueline Muniz, Ana Paula Miranda e Rosiane Rodrigues
    Imagens de autoria dos Jornalistas Livres, capturadas em protestos, no último final de semana, em São Paulo e na França
    A advertência de não realização de manifestações políticas, fundada no medo e na promoção do pânico social, é um atentado à democracia, uma forma de extorsão de poderes, de dirigismo monopolista das pautas plurais e das reivindicações divergentes de sujeitos que são diversos em cor, classe, renda, gênero, orientação sexual, instrução, etc. A advertência sob a forma de ameaça produz paralisia decisória de lideranças, imobilismo social e lugares resignados de fala, que seguem aprisionados nas redes sociais, na política emoticon do “estamos juntos” até o próximo bloqueio, diante da comunhão de princípios com diferença de opiniões: “você deve ir ao shopping, mas não a passeata”.
    A fabricação de conjecturas apocalípticas e suposições catastróficas com roupagem analítica é um recurso de persuasão de via única, impositiva, que aponta para um sentido hierárquico e, até mesmo autoritário, de quem se acha portador de uma verdade ‘revelada’ sobre os atos políticos e de uma razão superior sobre os fatos da política. A fala profética é uma fala moralista, ilusionista, que, por meio do uso da fé e do afeto, inocula nas pessoas uma culpa antecipada por suas escolhas para desqualificar seus arbítrios e fazê-las rebanho dependente de um guia despachante do juízo final. Este projeto de poder necessita fazer crer que o pessimismo visionário e proselitista é mais real que a própria realidade vivida e que deve fazer parte do cálculo das ovelhas boas e más, dos aliados e opositores de ocasião. A fala profética serve aos senhores da paz, da guerra e do mercado, sem distinção. É um jogo ardiloso do ganha ou ganha em qualquer circunstância ou resultado obtido.
    A quem interessa ser o profeta do caos? Ao próprio profeta que, inventor do jogo do quanto pior melhor, sacrifica seus seguidores feito gado, gasta a tinta das representações com seu próprio manifesto e promove a tensão entre espadas para se manter como o grande  conselheiro conciliador.  
    Os profetas do caos são como uma fênix que ressurgem da crise que criam. Eles se apresentam como proprietários das representações políticas, à direita ou à esquerda, em cima e embaixo. Eles se oferecem como mediadores dos conflitos que provocaram, como tradutores intérpretes na Torre de Babel que criaram entre nós.  A ameaça (do caos, da morte e do cerceamento da liberdade) não serve como advertência. Os profetas do caos produzem o medo, moeda de troca fundamental para a construção de milícias, para vender os seus remédios (previsíveis, amargos e inócuos). Para eles, não importa se os doentes morrem ou vivem, o que importa é que, doentes ou não, consumam suas previsões do passado.
    É notório que as polícias no Brasil têm tradição em policiar eficazmente o entretenimento lucrativo dos blocos de carnaval, shows e aglomerações em campeonatos de futebol. Nesses casos, sua atuação se dá na manutenção do status quo dos públicos, constituída a partir das atividades de contenção e dispersão das multidões. Já para o controle de pessoas que ocupam o espaço público sob a forma de protestos de todos os matizes políticos, apesar de ser um fenômeno relativamente recente e não haver protocolos policiais escritos e validados, sabemos que esses eventos se tornam encenações, nas quais janelas são abertas para oportunistas de todas as ordens, para acertos de contas da polícia dos bens com a polícia do bem, incluindo os ‘caroneiros’ de manifestação que comparecem por motivos completamente alheios às pautas dos protestos.
    Nesses espetáculos públicos que encenam os jogos da política aprendemos coisas muito básicas, sejamos nós manifestantes ou espectadores: sempre haverá a presença de agentes infiltrados (que ajudam na contenção) e de provocadores, para providenciar a dispersão. A infiltração de agentes de inteligência por dentro dos movimentos sociais remonta uma antiga estratégia estadunidense da década de 1960. Ou seja, muito antes do surgimento dos Black Bloc. Nos últimos 60 anos, acumulou-se um aprendizado sobre o uso do espaço
    público relativo ao círculo do protesto (aglomeração, deslocamento,  ato de encerramento e dispersão) que permite que os movimentos saibam lidar com esses elementos internos. 
    Neste mesmo período aprendemos, também, que o que torna legítimo um protesto não é a quantidade de indivíduos reunidos em um território específico por um período de tempo determinado, mas os modos de ocupação do espaço público e a construção coletiva de uma agenda política que os mobilize e tenha impacto na sociedade. A produção de dossiês intimidatórios, com a participação de agentes públicos, também não é novidade. Os constrangimentos da exposição de dados acabam por jogar na lama do “tribunal digital” os adversários, fortalecendo a promoção de linchamentos virtuais, de direita ou de esquerda.
    O governo Bolsonaro não é o único que tem disseminado o medo para sabotar os mecanismos de cooperação e mobilização sociais, substituindo práticas de coesão por coerções e cruzadas moralistas vindas de cima, de baixo e ao redor. Discursos do medo contra ou a favor de Bolsonaro são péssimos conselheiros porque dão a #Elenão um tamanho e uma agilidade política irreal, retirando-o do isolamento político em que se encontra para nos fazer acreditar que, quando chegarmos às ruas, imediatamente um cabo e um soldado fecharão o Congresso, o STF e tirarão as emissoras e os portais de internet do ar. O medo transforma Bolsonaro num bicho papão, num monstro mítico incontrolável que atira hordas de zumbis (com cabelos tingidos de acaju) contra todos nós.
    O medo disseminado faz com que as pessoas vejam gigantes onde há sombras e abram mão de seus direitos e garantias em favor de um ‘libertário do agora’ que prometa proteção. Mas o profeta-liberador de hoje será o seu tirano de amanhã!
    O rigor científico não permite que nós, pesquisadores, determinemos como os movimentos sociais devem se comportar, nem que sejam pautados por oráculos que anunciam profecias que se autorrealizam. A contemporaneidade produziu os ativismos acadêmicos, mas eles não devem substituir jamais a liberdade dos sujeitos de decidir suas agendas, nem servir de chofer dos movimentos sociais em direção à “Terra sem Males”, um mundo idílico sem conflitos e, por sua vez, sem a política. A ciência pode contribuir com diagnósticos da realidade e oferecer alternativas que considerem, inclusive, que a negação dos conflitos monopoliza o debate e as representações, obscurecendo as negociações dos interesses em disputa. Quando a decisão científica está acima da pactuação social ela deixa de ser ciência e passa a ser doutrina, retira da sociedade a responsabilidade pelas escolhas que faz, para o bem e para o mal.
    Ao  olharmos a história vemos que os discursos de “lei e ordem” são utilizados sempre a serviço dos interesses do Estado e seus grupos de poder. Viver sob o jugo da espada não é novidade para as pessoas para quem o isolamento social é uma prisão histórica dos direitos de cidadania, e não um privilégio de classes. A juventude, principalmente a negra, conhece de perto a violência policial, e sabe que nem em casa está protegida.
    Sobre as autoras do texto: 
    JACQUELINE MUNIZ,antropóloga, professora da UFF.
    ANA PAULA MIRANDA, antropóloga, professora da UFF
    ROSIANE RODRIGUES, antropóloga, pesquisadora do INEAC/UFF.
  • “A luta antimanicomial é uma luta por direitos e combina com o ambiente democrático”

    “A luta antimanicomial é uma luta por direitos e combina com o ambiente democrático”

    Por Rafael Duarte, da agência Saiba Mais

    A luta antimanicomial é mais do que qualquer outra coisa uma luta por dignidade humana, por direitos humanos. Uma sociedade sem manicômios gera acolhimento, ao invés de exclusão, que é no fundo do que trata os hospícios: exclusão social, tortura, terror. 

    A partir do governo Temer e com mais força ainda na gestão de Jair Bolsonaro, os manicômios, que desde 2001 vinham sendo substituídos aos poucos por uma rede de atenção social, voltaram a ser reincorporados à política nacional de saúde. Com a pandemia do novo Coronavírus e as determinações de isolamento social, em alguns casos até confinamento obrigatório, o aumento de casos e de pacientes com transtornos mentais têm deixado o movimento e os profissionais que atuam na saúde mental ainda mais preocupados e alertas.  

    Nesta entrevista concedida originalmente para o Saiba Mais Podcast, o psicólogo e professor da Faculdade de Ciências da Saúde da UFRN Alex Reinecke fala sobre a luta antimanicomial em tempos de pandemia. Ele também é um ativista dos Direitos Humanos e foi assessor da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da presidência da República, na gestão Dilma Rousseff.

    Para ouvir a entrevista no Saiba Mais Podcast clique aqui

    Psicólogo e ativista de Direitos Humanos Alex Reinecke / Ilustração: Gabriel Novaes

    Agência Saiba Mais: Muita gente ainda confunde a luta antimanicomial com a reforma psiquiátrica. Qual a diferença?

    Alex Reineck: O dia 18 de Maio é considerado o dia nacional da luta antimanicomial. E aí em relação a essa sua pergunta, é importante a gente diferenciar que a reforma psiquiátrica é uma política de estado adotada no Brasil a partir da Lei 10216/2001, e fez com que uma mudança progressiva fosse pensada na ênfase do modelo de tratamento e cuidado em Saúde Mental. Então, a reforma psiquiátrica é uma política de estado e a luta antimanicomial seria um movimento bastante amplo e complexo, formado por trabalhadores e trabalhadoras usuários e usuárias do sistema, profissionais em geral, estudantes e personalidades que entendem que a questão da construção histórica do manicômio é uma construção que precisa ser diariamente desconstruída. Nesse sentido, a luta antimanicomial seria uma compreensão mais radical pela transformação, não só dos espaços asilares mas também das práticas hegemônicas de exclusão e, também, ao mesmo tempo de retirada das pessoas do convívio, esse seria o objetivo maior da luta antimanicomial. E a reforma psiquiátrica está dentro da perspectiva de acolher a demanda de reivindicação e luta antimanicomial. Seria, então, uma resposta do Estado à uma política que precisa ser transformada.

    Então, qual a mensagem da luta antimanicomial no Brasil?

    Eu diria que a principal mensagem da luta antimanicomial no Brasil diz respeito à transformação das práticas, a transformação de tudo aquilo que foi produzido pelo saber psiquiátrico, pelo saber biomédico que tinha como pressuposto a ideia de que era necessário isolar para poder tratar. Só que esse isolamento ocorria e ocorre sempre no momento em que as pessoas mais precisam de redes de suporte. E essas redes de suporte eram rompidas a partir de um tratamento exclusivo e ao mesmo tempo colocava essas pessoas num período grande de isolamento. Para você ter uma ideia, o Brasil possui um número ainda bastante elevado de pessoas morando em hospital psiquiátrico. O número exato não é possível precisar em virtude da ausência de um censo nacional para essa população. Mas sabemos pelos dados oficiais que houve uma diminuição de aproximadamente 50 mil leitos psiquiátricos, em 2002, para 25 mil, em 2015, ao passo que esse investimento foi redirecionado para abertura de CAPS, que passaram de aproximadamente 500, em 2004, para quase 2.460, em 2017. Então, o que aconteceu no Brasil foi uma grande transformação desse modelo, mas a gente sabe que essa transformação, além de envolver as pessoas com transtorno mental, envolve também a construção de um outro lugar social para loucura, a ideia de que a loucura é um componente humano, é uma capacidade humana de desafiar os limites da cultura, de transformar as compreensões, de enxergar um outro mundo. Evidentemente que falar isso também não significa diminuir que essa questão também envolve o que seria dor, sofrimento e morte. Mas isso coloca, então, o objetivo da luta antimanicomial como sendo a transformação desse lugar social para loucura, em que a gente possa acolher a diferença em nossa sociedade.

    E como a pandemia do novo coronavírus tem impactado nesse debate e, principalmente, na vida das pessoas com transtornos mentais?

    Olha, historicamente a vida das pessoas com transtorno mental é uma vida, diria, bastante atravessada por violações de direitos humanos. Para se ter uma ideia, o próprio tratamento manicomial enquanto um tratamento que isola para poder tratar e que diminui a capacidade de negociação e de participação social dessas pessoas, caça a cidadania em nome de uma razão, em nome de uma saúde mental, em nome de um pretenso tratamento. Então, não seria diferente no período da pandemia do coronavirus que o impacto sobre esses grupos mais vulnerabilizados se se coloca de uma maneira ainda mais importante. Então, o que a gente tem percebido é que esse tipo de funcionamento, esse tipo de questão que a pandemia coloca, com a necessidade de isolamento e com a diminuição na disponibilidade dos serviços de saúde, isso sem dúvida tem impactado de maneira ainda mais grave para essa população, considerando suas demandas, suas necessidades, e no momento em que muitas pessoas estão sentindo um abalo no campo da saúde mental, não só aquelas pessoas especificamente com transtornos, mas aquelas pessoas que, em virtude de toda essa incerteza e de todas as dificuldades advindas do isolamento, passam a ter sua saúde mental abalada, prejudicada, o próprio sofrimento que a situação nos acomete.

    “A vida das pessoas com transtorno mental é uma vida bastante atravessada por violações de direitos humanos”

    E as próprias famílias das vítimas que não têm nem conseguido se despedir dos parentes ? A ausência desse luto, dos velórios, também afeta de alguma forma? Como isso acontece?

    É muito interessante você tocar nesse ponto do luto, porque acho que esse é um ponto muito importante ser dito nesse momento. De fato o que a gente tem vivido é um momento de trauma coletivo. Muitas vidas foram perdidas, a própria vida está ameaçada, está em suspensão. Pessoas aí com toda uma preocupação em relação ao contágio, à sua própria morte, a morte de pessoas queridas. Algumas vivenciando esse próprio luto, e um luto interditado. Um luto interditado até pelas características agora da não possibilidade de uma aglomeração e o velório, por exemplo, é um momento muito importante desse nosso ritual do luto, uma vez que lhe permite ali as pessoas estarem próximas, terem um tempo para poder iniciar um trabalho de reconhecimento do que aconteceu para poder juntar forças com as pessoas próximas, relembrar aquela pessoa, e é muito importante que a gente consiga ter isso como uma tarefa para nossa geração e para as próximas. Muitas pessoas estão sendo enterradas, muitas pessoas estão sendo deixadas muitas vezes sem o devido momento em que as pessoas poderiam para estar elaborando esse luto. Então, acredito que é um sofrimento que vai perdurar por algumas gerações, e é preciso que a gente construa dessa maneira a memória dessas pessoas. Não são apenas números, são histórias, são famílias, são pessoas. É um grande contingente de pessoas que vão sendo perdidas aí por conta da pandemia e por conta do desastre que tem sido em nível federal a maneira de buscar algum enfrentamento.

    “Acredito que é um sofrimento que vai perdurar por algumas gerações, e é preciso que a gente construa dessa maneira a memória dessas pessoas”

    Em isolamentos obrigatórios, e em alguns casos, até confinamentos, quais são os tipos de transtorno que mais têm efeito sobre a população, que mais tem aparecido? E como cuidar melhor da Saúde Mental nesses tempos?

    A própria Organização Mundial de Saúde lançou recentemente um comunicado em que aborda a questão da Saúde Mental no tempo da pandemia. E aí ela trata de algumas reações frequentes, como o medo de adoecer e morrer, de perder as pessoas amadas, e perder os meios de subsistência, ser demitido, não poder ter algum trabalho, enfim. Além disso, o fato de ser separado dos entes queridos, de não poder ter algum suporte financeiro para enfrentar esse momento, além da impotência perante os acontecimentos, sensações de irritabilidade, angústia, tristeza. Então essas são algumas reações que têm sido verificada mundo afora, e não seria diferente aqui no Brasil. Isso pode acarretar alguns distúrbios em relação ao sono, produção de conflitos, da violência doméstica, pesando bastante também para esse momento. E essas são algumas questões que precisam ser observadas. Eu digo que, em termos de estratégia, uma primeira coisa importante é a gente de fato reconhecer e acolher esses medos e perceber quais são essas questões que estão emergindo aí, tendo como pano de fundo toda essa incerteza, todo esse abalo, essa situação nova. E toda essa situação nova gera um abalo na nossa subjetividade, na nossa maneira de perceber e sentir as coisas. É muito importante que a gente tenha a possibilidade de desenvolver algumas estratégias de cuidado, de autocuidado, de suporte mútuo, mesmo que virtualmente, que a gente preste atenção para quem pode ficar em isolamento e pode ter um cuidado com a alimentação, ter um cuidado com o físico. Tudo isso é muito importante, já tem sido dito por vários especialistas. O que importa dizer também é que a pandemia revela questões que de certa maneira já estavam presentes antes da própria pandemia, mas que se agrava e que ganha um contorno bem mais complicado que é a imagem que a gente vê no espelho. Que vida é essa que a gente vem levando? O que vale a pena ser vivido? Como é que a gente vinha trabalhando? Como é que a gente vinha exercendo a nossa própria vida no cotidiano? Então, são questões que aprofundam, eu diria, para quem pode vivenciar. Esse momento de isolamento, isso traz uma carga de entrar em contato com essa própria imagem, e nem sempre essa imagem é agradável. Mas ela é por si só uma atitude da gente recobrar a nossa própria compreensão a respeito da nossa vida e da nossa saúde mental.

    “É muito importante que a gente tenha a possibilidade de desenvolver algumas estratégias de cuidado, de autocuidado, de suporte mútuo, mesmo que virtualmente”

    A gente observa muito nas redes sociais, pessoas de classe média e também os ricos reclamando do confinamento como se o tédio fosse maior problema. Já nas periferias a questão é mais grave, muitos vivem aglomerados, em péssimas condições sanitárias. Como você, um profissional que atua há vários anos na área da saúde mental, vê esses dois mundos? Dá para tratar da mesma forma?

    Não dá para tratar da mesma forma e, enfim, vivemos num dos países mais desiguais do mundo e acho que essa pandemia tem revelado ainda mais essa desigualdade, na medida em que a gente percebe que se a gente considera todas as recomendações da uma OMS, já que as recomendações não vêm do governo federal e estão rivalizando dentro daquela ideia de que a economia seria mais importante do que a própria vida e que poderia custar a vida de algumas milhares de pessoas… então se a gente considera que temos um país com uma grande falta, mais de 50% da população não têm acesso à água encanada, vivem na informalidade, não tem qualquer condição de cumprir as orientações mínimas na Organização Mundial de Saúde. Percebemos que a pandemia tem aprofundado essa desigualdade e tem dado uma oportunidade diferente para os diferentes grupos sociais, para essa sociedade profundamente dividida e desigual. E a estratégia diferenciada para cada grupo específico e considerando as vulnerabilidades específicas. Então, se a gente tem aí uma classe média que tem condição de suprir as suas necessidades durante a quarentena, por outro lado temos um grupo de pessoas que estão colocadas ao risco do contágio, da morte iminente, dada a letalidade e a transmissibilidade do coronavírus. Isso mostra que a gente tem aí uma grande desigualdade em relação às oportunidades que são fornecidas e um Estado que não se garante em proteger aqueles públicos mais vulneráveis, que dariam algum conforto ou algum tipo de possibilidade de enfrentamento com melhores condições. Mas são desigualdades históricas que se aprofundam nesse momento.

    Um lema da reforma psiquiátrica fala que a liberdade é terapêutica. Mas de que tipo de verdade a gente está falando?

    Sim, esse é o lema muito importante, uma boa lembrança. A liberdade é terapêutica. Esse é um lema da reforma psiquiátrica que tem inspiração em alguns acontecimentos que se sucederam na Itália. E a reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial brasileira tem muita inspiração nessas experiências. A ideia de que a liberdade é um valor a ser produzido e que essa liberdade e a garantia de todos os direitos fundamentais seriam de certa maneira uma comprovação, ou melhor dizendo, seria uma maneira da gente cuidar melhor das pessoas. Quanto maior a garantia dos direitos humanos, todos eles, maior a possibilidade de cuidado e, de certa maneira, de produção de saúde. Então, nesse sentido, a gente tá falando de uma liberdade, mas não de uma liberdade que se confunde com esse ultra individualismo liberal no sentido estritamente de uma capacidade de acesso ao consumo individual, mas uma liberdade que se produz em rede na comunidade e que se faz coletivamente, produzindo redes de cuidado, produzindo formas em que a diferença seja de fato acolhida dentro da vida e que as pessoas, quando mais precisarem em virtude do seu sofrimento, possam ter e receber esse cuidado também em liberdade.

    “Quanto maior a garantia dos direitos humanos, todos eles, maior a possibilidade de cuidado e, de certa maneira, de produção de saúde”

    Trazendo um pouco esse debate para cá, para o Rio Grande do Norte, qual é a situação da rede de tratamento psicossocial do Estado? 

    Bom, a situação do Rio Grande do Norte, como eu vinha falando, pegando carona no cenário nacional… a partir de 2001, a gente tem aí a reforma psiquiátrica sendo assumida como uma política de estado, e a gente passou por uma mudança progressiva do financiamento em Saúde Mental para uma rede de atenção psicossocial, essa que envolve, dentre os vários serviços, os Centros de Atenção psicossocial, as residências terapêuticas, também os espaços de cooperativas e de outras iniciativas, os leitos em hospitais gerais para internações de curta permanência. Então um conjunto bastante variado e complexo para demandas diferenciadas. E essa rede teve uma grande expansão a partir de 2002, 2003, chegando aí talvez de 10 a 15 anos de expansão, e o que pode ser dito é que a partir do governo Temer assumiu no Ministério da Saúde um conjunto de forças que são contrários a essa orientação da política nacional e passaram então a desconstruir. O resultado é que o Rio Grande do Norte teve aí o seu período de expansão de uma rede estadual, uma expansão que também foi sentida no interior do Estado, a gente teve a estruturação de serviços de atenção psicossocial, de Centros de Atenção psicossocial, também voltados para o público de álcool e outras drogas, também direcionado a crianças e adolescentes. Então essa rede passou por esse período de expansão e esse período foi golpeado também a partir do governo Temer, no momento em que forças contrárias à luta antimanicomial e à reforma psiquiátrica passaram a responder oficialmente pela pasta e a diminuir o investimento e dificultar não só a expansão da rede, que foi abandonada, mas também o custeio desses serviços que passaram a depender cada vez mais de recursos estaduais e municipais para poder manter o seu funcionamento pleno.

    Com a pandemia, piorou em relação aos investimentos ou chegou mais verba?

    Infelizmente o cenário da pandemia, embora tenha colocado a saúde mental aí na ordem do dia, haja vista a quantidade de recomendações que estão sendo feitas pelos organismos internacionais e nacionais, também pela frequente colocação dessa questão no dia a dia dos debates, das lives que abundam aí nesse período, mas o que a gente tem é que esses investimentos continuam num nível decrescente para o campo da saúde mental. Então você tem aí uma urgência de poder estruturar uma rede de suporte para o enfrentamento da pandemia. E esses locais passam a funcionar com os poucos recursos que já eram disponibilizados e agora ainda com o agravamento de você ter um funcionamento em alguns lugares descontinuado ou mesmo com algumas dificuldades de suprir os serviços que já eram escassos e precários, de maneira que você tem um aumento da necessidade desses serviços e uma diminuição progressiva do seu financiamento.

    “Você tem um aumento da necessidade desses serviços e uma diminuição progressiva do seu financiamento”.

    A gente já teve investimentos, de fato, nesta área da saúde?

    Para pensar em termos de financiamento, posso dizer que a saúde mental nunca recebeu o devido financiamento e, mais do que isso, o seu financiamento durante algumas décadas se deu de maneira equivocada, na construção de um pólo hospitalocêntrico, que teve inclusive o seu epicentro no período da ditadura civil-militar, e também a construção de leitos privados conveniados com o sistema público no que ficou conhecido como “a indústria da loucura”. Então uma capitalização e, ao mesmo tempo, a construção de um modelo deformado, que efetivamente não presta o cuidado necessário mas que historicamente produziu a exclusão das diversas pessoas. Isto está fartamente documentado. Tem um trabalho muito importante da jornalista mineira, Daniela Arbex, um livro do holocausto brasileiro, que também foi feito documentário. Se tem aí uma documentação bastante desanimadora, mas ao mesmo tempo fazendo aí o papel da memória histórica, de que sim produzimos campos de concentração para essas pessoas em virtude do que se produzia de morte nesses estabelecimentos. Então o financiamento para saúde mental sempre foi insuficiente e, ao mesmo tempo, quando se produziu uma transformação da expansão da rede de atenção psicossocial ela não teve todo tempo para se desenvolver tal qual necessitaria, de maneira que o que a gente tem hoje ainda é a convivência com o modelo manicomial que ganha força a partir de um golpe não só na República, mas também com o avanço do conservadorismo e daqueles grupos que passam a se identificar e lucrar com com esse tipo de retorno de uma lógica hospitalocêntrica, que é criticada inclusive pela própria OMS. E o Brasil, que possuiu uma posição de vanguarda no campo da reforma psiquiátrica, reconhecida internacionalmente pela sua experiência, passa aí então a amargar um refluxo conservador e preocupantes desse movimento.

    “O Brasil  possuiu uma posição de vanguarda no campo da reforma psiquiátrica”

    Em 2017, no governo Temer, foram aprovadas mudanças na política de saúde mental do país e os hospitais psiquiátricos foram reincorporados à rede de atendimento. Qual o tamanho desse retrocesso, Alex? E o que pode vir ainda no governo Bolsonaro?

    De fato. O ano de 2017 foi um ano de bastante retrocesso para o campo da saúde mental. Algumas mudanças que foram produzidas dizem respeito ao fortalecimento dos grupos, tanto da recolocação daqueles espaços manicomiais, da possibilidade de expansão de leitos psiquiátricos e, por isso, um tipo de investimento que rivaliza e desconstrói a lógica da rede de atenção psicossocial… e também envolvendo aí a temática da questão do uso de álcool e outras drogas, o pertencimento ainda mais forte das comunidades terapêuticas, espaços que são comprovadamente… por relatórios expedidos pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, pelo Conselho Federal de Psicologia e outros órgãos que produziram visitas de fiscalização nesses espaços e puderam comprovar o uso indiscriminado da chamada laborterapia, uma forma de trabalho precário, de exploração de mão de obra, a questão do caráter religioso e não científico desses espaços, produzindo muitas vezes tratamentos completamente descabido do ponto de vista das evidências e do que se produz de um certo paradigma no campo da atenção psicossocial e também trabalho análogo ao escravo e uma série de violações de direitos humanos que esses espaços produzem. E eles foram alçados à condição de uma política oficial. Mais uma vez uma espécie de privatização da nossa política de saúde mental, que deixa de ser a construção de uma rede de atenção psicossocial pública, que dê conta das diversas necessidades para focalizar única e exclusivamente naqueles momentos de crise, remontando aí o modelo curativista, que tem a pretensão, mas que na verdade, acaba ampliando um isolamento e produzindo ainda mais a não conexão dessas pessoas com suas redes de suporte de cuidados que devem ser fortalecidos. Esses espaços foram produzidos, valorizados e incorporados à política de saúde mental a partir dessas mudanças de 2017 e fez com que a gente tivesse o fortalecimento de um tremendo retrocesso.

    Com a ascensão do Bolsonarismo, até pelo perfil autoritário, antidemocrático e opressor contra as minorias sociais do atual governo, a gente já lia notícias de aumento no número de casos de depressão, por exemplo. Isso de fato já vinha acontecendo?

    Para responder a essa sua pergunta eu diria que a luta pela promoção e a construção de uma rede de atenção psicossocial e de um ideário da luta antimanicomial é algo que funciona no ambiente democrático. O autoritarismo, o caráter antidemocrático das práticas combina com manicômio, de maneira que a gente tem percebido a construção de novas formas de sofrimento em virtude da situação que o Brasil vem vivendo já alguns anos. Pessoas chegam a relatar que sofrem de Brasil, é tão difícil viver no mundo em que se tem uma espécie de retorno autoritário, que nunca nos abandonou de fato, mas que de alguma maneira se revela agora de maneira explícita, isso faz com que as pessoas tenham aí um sofrimento que deriva de estar nesse mundo e de viver, por exemplo, questões como a exaltação  de torturadores, a homenagem que é feita para aqueles que deveriam ter sido punidos, que deveria ter sido feito algum tipo de justiça para que a gente pudesse de fato vivenciar um ambiente democrático. Então não é de hoje que a gente produz esse tipo de sofrimento, se a gente pensa na situação das periferias, se a gente pensa na maneira como a juventude pobre e preta das periferias vem sendo alvo de uma de uma verdadeira chacina. Eu não diria que isso aumente a depressão ou os casos de depressão. Não teria como afirmar isso, não tenho nenhum estudo específico nessa área, nem acompanho especificamente a partir dos diagnósticos, Mas de fato o sofrimento de nossa época é algo que vem se avolumando a partir de um desenlace da construção do autoritarismo e a luta antimanicomial é uma luta por direitos, é uma luta por direitos humanos, e ela combina única e exclusivamente com o ambiente democrático.

    “Pessoas chegam a relatar que sofrem de Brasil”

  • João Torrecillas Sartori: O modelo de propaganda de Bolsonaro entre Freud e Adorno

    João Torrecillas Sartori: O modelo de propaganda de Bolsonaro entre Freud e Adorno

    Por João Torrecillas Sartori, médico no SUS, psicanalista e doutorando em Ciência Política

     

     

    Muitos conceberam o pronunciamento oficial de Bolsonaro na noite de 31 de março como o mais moderado daqueles últimos dias. Alguns concluíram, atribuindo expressiva importância ao então recente isolamento político do Presidente, que este estaria recuando e se sentindo compelido a certa cooperação. Ainda mais ousadamente, em redes sociais, outros chegaram a afirmar a iminência de um impeachment. Factualmente, Bolsonaro se isolara politicamente: até mesmo alguns de seus ministros mais alinhados – como Mandetta, da Saúde – contrariaram abertamente suas declarações absurdas sobre a Pandemia da COVID-19. A contrariedade dos seus ministros certamente indicaria a instabilidade de seu governo. Naquele momento, acuado, solicitando de modo insatisfatório apoio do setor militar, Bolsonaro talvez tenha sentido a necessidade de uma revisão em seu discurso oficial.

    Contudo, embora Bolsonaro se encontrasse mesmo em isolamento político, o aparente recuo do dia 31 se inclui mais amplamente em um movimento cíclico, característico da sua estratégia de propaganda. Esta estratégia se alterna entre recuos e o uso de certo modelo de propaganda. Qual seria este modelo, no entanto? Recorrendo à obra de Adorno – referenciada na obra de Freud, criador da psicanálise –, o modelo de propaganda mais utilizado pelo presidente seria consistentemente considerado como mais um dentre muitos outros exemplos do denominado modelo de propaganda fascista.

    Em 1951, em sua obra intitulada Teoria freudiana e Modelo fascista de propaganda, Adorno utilizou a expressão agitadores fascistas na designação de líderes de massas os quais discursam de um mesmo modo, utilizando-se de um “complexo de medidas” rigidamente estabelecido. Para o autor, os variados agitadores, desde os menos valorizados socialmente, até os mais importantes, se comportam e se expressam semelhantemente em certos aspectos; monotonamente, embora de modo enérgico e extremamente ruidoso em muitas situações. Adorno escreveu que “a reiteração constante  e a escassez de ideias seriam elementos necessários ao método”. O material da propaganda fascista constituiria uma unidade estrutural, de modo que cada enunciado do agitador se determinaria por esta unidade.

    Dentro do marco estabelecido pela obra de Freud intitulada Psicologia das massas e Análise do Eu (1921), Adorno considerou que o agitador seria, ele mesmo, em alguma medida, convicto das ideias externalizadas às massas. Analisando o discurso de Bolsonaro nas últimas três décadas, é consistente a suposição de que as estruturas narrativas paranoicas externalizadas por ele aos bolsonaristas norteariam também as suas próprias ideias e atitudes.

    De outro lado, Adorno escreveu que a agitação fascista veio a ser um “meio de subsistência”, os agitadores aprimorando suas técnicas “empiricamente”, ao longo dos anos. O aprimoramento resultaria em certa padronização das técnicas, as quais, por sua vez, estão compatibilizadas com o modo de pensamento estereotipado dos indivíduos mais suscetíveis à propaganda fascista. Os agitadores menos eficientes não obteriam maiores êxitos e deixariam de ser considerados. De algum modo, mesmo que auxiliado por uma indústria de Fake News, Bolsonaro convenceu sua massa, obtendo o carisma medíocre de um agitador. Mas quais seriam as técnicas usadas pelos agitadores, entre os quais o Presidente?

    Para Adorno, entre os elementos constitutivos do método dos agitadores, estão as enunciações motivadas ao “apontamento do inimigo”, descrito na obra freudiana como um dos mecanismos de coesão das massas.  Neste contexto, Adorno estabeleceu que os agitadores se utilizam da denominada “técnica da unidade”. Discursam de modo a aumentar as diferenças concebidas entre os membros da massa e os não-membros da massa e, de modo a minorar as diferenças internas, entre os membros daquela, somente mantendo ressaltadas as diferenças hierárquicas. Justamente neste sentido, Adorno escreveu que os agitadores comumente atacam os intelectuais, os esnobes e os hedonistas, os quais, subversivos, contrariam a “técnica da unidade”. Estes três, mesmo não conscientemente, ameaçam o narcisismo do líder e, consequentemente, o de cada um dos membros da massa, evidenciando a inconsistência de suas crenças norteadoras.

    Adorno asseverou que, embora em alguns casos os agitadores tenham recomendado medidas concretas contra seus opositores – tais como a expatriação de sionistas e a realocação de estrangeiros aos campos de concentração – comumente o seu discurso se restringe, sobretudo, a argumentos ad hominem, por meio dos quais os opositores mencionados são sistematicamente atacados, sua imagem sendo convertida na de “inimigos da nação”, não se enunciando, entretanto, as citadas medidas concretas. Bolsonaro, mais comumente, não centrou o seu discurso em medidas concretas direcionadas ao combate aos seus repudiados opositores – chamados genericamente no bolsonarismo de comunistas, petistas ou esquerdistas –; mas, sim, na veiculação do ódio a estes últimos e na sua caracterização como “inimigos” do povo brasileiro – povo implicitamente concebido em seu discurso como não-comunista, não-petista e não-esquerdista.

    Muito comumente, os agitadores fascistas obtêm uma satisfação indireta de seus impulsos agressivos. Os seus liderados intuem de seu discurso estes impulsos e concluem sobre o modo como devem vir a agir: concretizando, eles mesmos, os impulsos agressivos de seu líder. As medidas do líder, sobretudo discursivas e não concretas, autorizam simbolicamente – isto é, validam socialmente – estes atos violentos. Já em meio às campanhas presidenciais, em 2018, se constataram mais comumente, em indivíduos e em movimentos de massa, certos comportamentos autoritários, agressivos e discriminatórios, a sua maioria, mantendo como alvos, indivíduos contrários à candidatura de Bolsonaro ou, aqueles identificados em “minorias identitárias” – étnico-raciais, sexuais, de gênero, entre outras. A maioria destes comportamentos teria sido constatada em apoiadores de Bolsonaro. O discurso de ódio deste último autorizou simbolicamente, e ainda autoriza, variadas modalidades de violência contra aqueles; e, inclusive, as modalidades físicas.[1]

    Por outro lado, Adorno sustentou que cada uma das variadas medidas constituintes do método dos agitadores se relaciona – mesmo que inconscientemente – com o estabelecimento ou com a manutenção de um certo vínculo afetivo, característico da massa. Este vínculo, denominado idealização, foi considerado, décadas antes na teoria de Freud (1921), como de natureza libidinal, uma modalidade de “enamoramento”, na qual certa disposição crítica individual desapareceria. Adorno evidenciou que mesmo Hitler mostrou saber da natureza libidinal da constituição das massas.

    Entretanto, Freud concluiu que o vínculo constitutivo da massa, correspondente a uma idealização de um indivíduo – isto é, à sua consideração como líder –, não consiste em um investimento libidinal direto. As suas metas sexuais são inibidas. Os integrantes da massa são muito excitáveis e sugestionáveis pelo seu líder, mas não estão conscientemente intencionando a atividade sexual explícita com este último. Freud entendeu que a “sugestionabilidade” dos integrantes da massa pelo seu líder, isto é, sua receptividade à sugestão deste último, se ocasiona pela sua relação de idealização.

    O Líder como encarnação do Eu Ideal

    Em 1921, Freud concluiu que em muitos casos o narcisismo estabelecido no indivíduo o condiciona à seleção, como seu líder, de um objeto semelhante a si mesmo, mas “caricaturado e demaculado” – isto é, contendo de modo exagerado os seus aspectos idealizados e contendo minorados os seus aspectos não aceitos. O líder seria aproximado imaginariamente do seu Ideal. Precisamente, seria a idealização de si mesmo pelos outros, aquilo que o líder intencionaria, inconsciente ou conscientemente, suscitar ou reiterar em seus seguidores.

    Adorno concebeu a propaganda fascista como relacionada com a “técnica da personalização”; e, assim, como motivada a ocasionar nos indivíduos a idealização – ou, mesmo, a mitificação –, de certo agitador. Não envolve, deste modo, a discussão objetiva de questões sociais e econômicas. Os membros da massa “se renderiam” a esta imagem idealizada. A sua rendição, assim como sua sugestionabilidade e a sua irracionalidade, são intencionalmente ocasionadas pelos expedientes mencionados. Freud, mesmo, considerou a escolha do líder como evento inconscientemente condicionado e, em seus termos, como “resultante não do raciocínio, mas, da vida erótica”. Isto é, considerou-a como resultante da ressonância individual de certos circuitos afetivos.

    Para Adorno, cada uma das medidas constituintes do método dos agitadores fascistas se motiva, mais restritamente, (1) à execução da “técnica da personalização”, antes evidenciada, ou (2) à concretização da ideia do “pequeno grande homem”. Esta ideia, por sua vez, consiste na crença de que o líder, ao mesmo tempo superior e vigoroso, seria um indivíduo comum, apresentando certos traços também apresentados pelos membros de sua massa. Para os bolsonaristas, o seu líder “botaria ordem na casa” tendo sido “capacitado por Deus”; mas, simultaneamente, seria em muitos aspectos exatamente como eles mesmos. Aparentemente, mesclaria entre si o extraordinário e o comum.

    Mesmo não sendo exaustiva, esta análise contribui a uma aproximação entre o modelo de propaganda comumente utilizado pelo Presidente e o modelo fascista de propaganda descrito por Adorno. Embora Bolsonaro tenha recuado ante as ameaças resultantes de seu isolamento político, e tenha revisado momentaneamente o seu discurso, não seria inconsistente a suposição de que, em seguida, retomaria o seu modelo de propaganda mais utilizado, caracterizado anteriormente. Foi o que ocorreu. A “estratégia” de comunicação do Presidente inclui, periodicamente, recuos e recrudescências, em uma espécie de movimento cíclico. A novidade deste recuo, ocorrido na noite de 31 de março, estaria mais em sua intensidade e no seu contexto que na sua ocorrência em si.

    [1] Ribeiro, Alexsandro; Zanatta, Carolina; Ferrari, Caroline; Roza, Gabriele; Lázaro Jr., José; Simões, Mariana; Lavor, Thays. Violência eleitoral recrudesceu no segundo turno. Agência Pública, São Paulo, 18 nov. 2018. Disponível em: https://apublica.org/2018/11/violencia-eleitoral-recrudesceu-no-segundo-turno/

     

    Leia mais artigos de João Torrecillas Sartori:

     

    João Torrecillas Sartori: Bolsonaro, o inconsciente e o negacionismo da pandemia

    João Torrecillas Sartori: O líder e o bolsonarismo em meio à pandemia

     

  • Prefeitura de SP aproveita-se da pandemia para “limpar” a Cracolândia

    Prefeitura de SP aproveita-se da pandemia para “limpar” a Cracolândia

    Por Laura Capriglione e Katia Passos

     

    A Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Bruno Covas, desfechou hoje mais uma ação com o propósito de “limpar” a região conhecida como Cracolândia da presença miserável dos usuários de crack. Assim, cerca de 160 seres humanos paupérrimos, muitos idosos, vários não-dependentes químicos, foram tangidos como animais para dentro de três ônibus e despachados para a baixada do Glicério, na várzea do rio Tamanduateí. Outras 50 pessoas preferiram ir a pé, seguindo para o mesmo endereço dos primeiros: Rua Prefeito Passos, 25, em um dos bairros mais degradados da cidade, região de cortiços, alta concentração de moradores de rua, de imigrantes e refugiados. O Glicério fica a dois quilômetros de distância da atual Cracolândia.

     

    Acabar com o constrangedor desfile dos usuários de drogas envoltos em cobertores imundos, sempre em busca das pedras de crack, tem sido uma obsessão de vários prefeitos e governadores do PSDB em São Paulo. O atual governador João Doria Jr, ainda na condição de prefeito da cidade, protagonizou em 2017 cena desastrada que por pouco não se transformou em tragédia. Deu-se que, para posar de destemido adversário do crack, Doria ordenou a derrubada de casas na região. Quase matou por soterramento três pessoas que moravam em uma delas e que ficaram feridas. Covas aproveita-se do fato de todos estarem focados na pandemia de Covid-19 para tentar mais uma vez.

    Chama-se “gentrificação” o processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes. A idéia é expulsar a população de baixa renda e substituí-la por moradores de camadas mais ricas. É isso o que está em curso no centro de São Paulo: Gen-tri-fi-ca-ção.

    Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje
    Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje – Foto de Lina Marinelli

    Para acabar de uma vez com a Cracolândia, a idéia dos “geniais” urbanistas que trabalham para a Prefeitura foi simples: retiraram de lá o único equipamento ainda existente para acolhimento, higiene, alimentação e encaminhamento médico para dependentes químicos vivendo em situação de rua no centro da cidade. Era chamado de Atende-2, e ficava na rua Helvétia, epicentro dos usuários de crack.

    Crueldade das crueldades, fecharam o Atende-2, que atendia 185 pessoas, e fizeram isso em plena pandemia de Covid-19. Nem uma pia restou para lavar as mãos naquele pedaço. Segundo a Prefeitura, o mesmo serviço que era feito pelo Atende-2 será oferecido na Baixada do Glicério, agora rebatizado de Siat 2 (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica).

    Resta saber se o tráfico de drogas, que acontece hoje nas barbas das polícias Civil e Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do Corpo de Bombeiros, todos com bases no território da Cracolândia, topará também migrar seu negócio milionário para o Glicério. Se não topar, se continuar havendo oferta de drogas baratas nas ruas da Cracolândia, o fluxo de usuários certamente voltará para lá –agora, sem banho, sem lugar para dormir, sem pia, sem médicos. E isso em plena pandemia, quando se sabe que se trata de população que já é ultra-vulnerável: 9,5% têm tuberculose, 6,3% têm HIV e quase 10%, sífilis. Será morticínio certo.

    Se o tráfico topar mudar o rolê para o Glicério, haverá alguma chance de que se torne realidade o sonho tucano de restaurar um pouco que seja do brilho quatrocentão do antigo bairro dos Campos Elíseos, onde viveu boa parte da elite paulistana até meados no século passado, e que é o território onde hoje se situa a Cracolândia.

    Nesse caso, o bairro tentará esquecer seus dias de miséria e dará lugar a novíssimas torres de prédios, que farão a festa das empreiteiras, incorporadoras e bancos. Doria e Covas poderão usar a imagem daquelas ruas (antes, com o comércio de drogas a céu aberto, e depois, “limpinhas”) em suas propagandas eleitorais, que os apresentará como “vencedores”.

    A venda e o consumo de crack, entretanto, continuarão com antes. Só terão mudado de endereço. Em vez do Centro, a várzea invisível. Mais do que Doria e Covas gostariam de admitir, o futuro do território onde está a Cracolândia depende muito mais do tráfico de drogas do que do poder público. E é o tráfico o próximo a jogar os dados…

    EM TEMPO:

    Quando essa reportagem estava concluída, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima decidiu liminarmente impedir o fechamento da unidade Atende-2, situada na rua Helvétia. Ela determinou o restabelecimento das atividades na unidade fechada. A Prefeitura ainda pode pedir a revisão dessa decisão.

    Aqui a decisão da juíza:

    “Tendo em vista que o estabelecimento em questão é o único ponto de atendimento na região central da cidade, que concentra uma grande parte de pessoas vulneráveis, e tendo em vista o perigo da demora, já que a medida está prevista para a data de hoje, defiro por ora a liminar, para que não sejam tomadas quaisquer medidas visando o fechamento da unidade ATENDE, localizado na Rua Helvétia, nº 57.
    Caso já tenha se iniciado o fechamento, as atividades deverão ser, por ora, reestabelecidas.
    Oficie-se.
    Após a vinda da contestação, a medida poderá ser revista.”

     

    Leia também:

    Governo ameaça fechar o ATENDE 2, último equipamento público na Cracolândia

    O amor em tempos de crack

    Como a linda Adélia Batista Xavier, morta na Cracolândia, de vítima transformou-se em bandida

     

  • Governo ameaça fechar o ATENDE 2, último equipamento público na Cracolândia

    Governo ameaça fechar o ATENDE 2, último equipamento público na Cracolândia

    Com a iminência do fechamento do ATENDE 2, ações do governo vão na contramão das orientações da sociedade civil e deixam os moradores em situação de rua com risco mais agudo de vida.

    Neste momento de pandemia do coronavírus, que gera a COVID-19, as condições de quem
    mora na rua estão ainda mais precárias e a população que vive na região conhecida como
    Cracolândia, no centro da cidade de São Paulo, tem tido direitos básicos, desde acesso à
    água até informação sobre prevenção, ainda mais violados.

    O ATENDE 2 (unidade de Atendimento Diário Emergencial) faz parte do Programa
    Redenção da prefeitura de São Paulo, “para atendimento multidisciplinar destinado ao
    acolhimento de pessoas em situação de rua e em uso de substâncias psicoativas”. Este é
    um dos últimos equipamentos na região que continua funcionando e, agora, é alvo de mais
    uma política de desmonte. Ele tem sido um dos únicos locais do território onde é possível
    ter acesso a pias com água corrente, por exemplo, além de alimentação, pernoite e
    chuveiros.

    Um espaço da cidade que, historicamente apresenta uma rede de atenção e cuidado
    insuficiente, agrava-se com as recentes tomadas de decisões dos governos municipal e
    estadual. Desde 2017, a gestão municipal vem tentando deslocar a Cracolândia para fora
    do centro de São Paulo.

    Recentemente, tem circulado nas redes sociais diversos áudios, já verificados pela Agência
    Lupa como falsos, relatando arrastões na região. Tais relatos com frequência embasam
    ações truculentas da polícia contra as pessoas moradoras da região.
    Para além da estratégia coercitiva marcada pela constante violência policial, a prefeitura
    flerta com a intenção de fragilizar, ainda mais, a rede de cuidado existente. Também não é
    novidade que “acabar” com a Cracolândia faz parte do plano de governo do governador do
    estado João Dória (PSDB).

    Sociedade Civil

    No dia 31 de março, Maria Angélica Comis, do Centro de Convivência É de Lei, e Nathália
    Oliveira, da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, apresentaram
    reivindicações construídas com o Fórum Mundaréu da Luz para a Secretaria Geral do
    Governo Municipal, 17 solicitações para reduzir os danos sociais e à saúde causados pela
    pandemia na população em situação de vulnerabilidade.

    Decisões que produzam condições ainda mais vulneráveis são no mínimo irresponsáveis. O
    atual momento requer acolhimento e abertura para o próximo. As ações do governo vão na
    contramão das orientações da sociedade civil que atua no território: o fechamento de um
    dos poucos canais de acesso a direitos básicos da população local revela a perversidade da
    política de deixar morrer que governos impõem à população em situação de rua na cidade
    de São Paulo.

    Confira abaixo as solicitações apresentadas:

    1. Equipes de Saúde/SMADS preparadas para identificar sintomas e orientar as pessoas
      nos locais de distribuição de comida;
    2. Garantir leitos de isolamento nos SIATs Porto Seguro, Glicério e Armênia (se ainda
      houver contêiner);
    3. Garantir que o Atende 2 ofereça possibilidade de banho e distribuição de kits de higiene;
    4. Aumentar a quantidade de pias instaladas na região central e nas cenas de uso da
      cidade, garantindo sabão;
    5. Focar as abordagens nas cenas de uso para a orientação em relação à prevenção de
      transmissão e ofertar encaminhamentos para evitar aglomeração;
    6. Verificar se no serviço da região da Vila Mariana só estão casos confirmados, pois
      tivemos a informação de que os encaminhamentos estavam desordenados;
    7. Avançar na ampliação dos Consultórios na Rua;
    8. Garantir que os Consultórios na Rua consigam conversar e fazer abordagens e
      encaminhamentos com a SMADS (sabemos o quanto isso é difícil);
    9. Pensar em estratégias de divulgação de informações usando colagem de dicas nos
      muros da cidade, além de possíveis projeções;
    10. Garantir que profissionais de ponta tenham acesso aos EPIs;
    11. Garantir que as equipes estejam com as informações alinhadas e tenham conhecimento
      de todas as novas possibilidades de encaminhamentos;
    12. Ter equipes que façam triagem das pessoas nos novos Centros de Convivência
      PopRua;
    13. Possibilidade de uso de hoteis sociais emergenciais para os grupos em maior
      vulnerabilidade (pessoas idosas, comorbidades);
    14. Garantir a interlocução com os Médicos sem Fronteiras
    15. Fortalecer as equipes dos CAPS, tendo em vista que possivelmente terão que lidar com
      mais pessoas com síndrome de abstinência nesse período;
    16. Utilizar redutores e redutoras de danos dos CAPS AD para fazerem busca ativa em
      seus territórios de atuação;
    17. As equipes de PRD (depto de IST/HIV) da cidade também poderiam contribuir para o
      fortalecimento das abordagens de Consultório na Rua, pois já fazem esse trabalho em
      regiões que tem muitas profissionais do sexo e pessoas que usam substâncias.

  • João Torrecillas Sartori: Bolsonaro, o inconsciente e o negacionismo da pandemia

    João Torrecillas Sartori: Bolsonaro, o inconsciente e o negacionismo da pandemia

    Por João Torrecillas Sartori, médico no SUS, psicanalista e doutorando em Ciência Política

     

    Nos últimos dias, em meio à Pandemia da COVID-19, uma atitude negacionista tem sido comumente constatada, não somente em redes sociais, mas também no espaço público. Muitos estariam relativizando a gravidade da situação brasileira. Mais séria ainda seria outra constatação: entre os negacionistas, se incluiriam ainda profissionais de saúde; inclusive, médicos. O negacionismo de parte da população, consistindo em uma atitude de algum modo esperada em momentos de crise, não seria restrito ao Brasil, mas estaria ocorrendo mais frequentemente no País. O que motivaria uma coletividade a este negacionismo?

    Freud, criador da psicanálise, considerou que certas ideias do indivíduo, ao acessarem a sua consciência, causariam excessivo desprazer sendo por isso recalcadas, mantidas inconscientes. A ideia monstruosa de uma Pandemia, em si, já tenderia a compelir muitos a um mecanismo psíquico de defesa, a uma relativização negacionista de sua gravidade. Embora o recalcamento, relacionado com esta relativização, mantenha controlado o nível de tensão do indivíduo, também inviabiliza certas atitudes importantes deste no enfrentamento de uma crise. Assim como a febre de um indivíduo que, embora melhore as suas condições de combate a uma infecção, será nociva caso aumente acima de um certo nível. Embora esperado em alguma medida, o negacionismo não seria de modo algum a maior tendência dos indivíduos nesta situação. Contudo, no Brasil, esta reação tem sido mais comum entre os apoiadores de Bolsonaro. Como se explicaria esta sua atitude?

    No início da Pandemia, ansiosos pelas declarações do Presidente, em um momento de apreensão, seus seguidores acríticos se acalentaram enormemente ao escutarem algumas de suas mentiras, tais como a consideração da COVID-19 como uma “gripezinha” e a consideração dos posicionamentos oficiais de sérias instituições internacionais de saúde como uma “histeria”. Freud considerou que o discurso do líder, enquanto a massa existisse, seria necessariamente considerado como verdadeiro pelos seus membros comuns. O negacionismo do líder resultaria no negacionismo dos liderados.

    Além disso, não somente em rede nacional, mas também em vias públicas, Bolsonaro contrariou relatórios científicos, assim como orientações e recomendações das mais sérias instituições internacionais e nacionais no âmbito da saúde coletiva. Esta sua atitude, de modo algum inédita, embora indique desprezo pelas vidas dos não-membros de seu clã, reverbera em um contexto muito mais amplo, de expressiva ignorância coletiva sobre aquelas que viriam a ser as vantagens de se conceber a ciência como norteadora de Políticas Públicas.

    Bolsonaro, como líder de uma massa, influenciaria muitos diretamente –sugestionando bolsonaristas em certos sentidos, condicionando seus pensamentos, seus sentimentos e suas atitudes– e indiretamente –como efeito de uma “rede de arrasto” relacionada com as identificações estabelecidas entre bolsonaristas. Em meio à Pandemia, o discurso mentiroso do líder acerca de seus opositores (entre os quais, neste momento, a ciência e as instituições científicas) estaria contribuindo para uma situação de alienação coletiva capaz de acarretar aumento de agravos e de óbitos.

    Certamente, Bolsonaro não é o único agente da alienação acerca da importância da ciência e de suas instituições. Certos líderes religiosos, visando à manutenção de sua “indústria da fé”, vêm atacando a ciência. E, tendo sido idealizados pelos muitos membros de suas Igrejas – neste caso, sendo concebidos coletivamente como intermediários entre eles e sua divindade –, convenceram esses fiéis a ignorar recomendações científicas. Não raramente, inclusive, um deles tem utilizado os veículos midiáticos dos quais é dono para disseminar desinformação e mentiras em uma escala absurda. Reiteram –de modo perverso– a mencionada tendência, constituída na massa bolsonarista da idealização do Presidente. Por outro lado, quando o discurso de certos profissionais de saúde se alinha ao discurso de Bolsonaro, como resultado de seu apaixonamento pelo mesmo ou pela própria incapacidade momentânea de “encarar” a situação, os riscos são ainda maiores, se considerada a influência destes profissionais sobre a população.

    Freud (1921) considerou que a idealização de um indivíduo, a seleção deste como um líder da massa, ocorreria sob certas condições, entre as quais, o reconhecimento de uma similaridade entre os membros desta massa e este líder. Comumente, esta similaridade consistiria no mesmo desejo inconsciente ou no mesmo ódio a certa entidade, indivíduo ou grupo social. Nos últimos anos, o estabelecimento e a ampliação de certos “ideais sociais” – tais como o antipetismo, o anticomunismo e o ideal antissistema – contribuíram em muitos casos à idealização destes líderes religiosos ou políticos, os quais instrumentalizaram estes mesmos “ideais” estrategicamente, viabilizando seus negócios. Parte da população, alienada pelos seus líderes, seria norteada imaginariamente pelo delírio de que a suposta Pandemia seria uma narrativa comunista – ou, mais restritamente, petista – com o objetivo único de derrubar Bolsonaro.

    Despreocupados pelo Presidente, certos negacionistas da Pandemia não somente aumentam o seu risco de infecção pelo vírus – e, indiretamente, também o risco dos demais –; mas, também, “contaminam” a sociedade, psiquicamente, em decorrência de uma “rede de identificações”. Mesmo os não-bolsonaristas, ao notarem que indivíduos amados estão agindo normalmente, não receando a Pandemia, estarão mais dispostos, inconscientemente, a um negacionismo. A gravidade da situação, em si, já compele o indivíduo a um complicado trabalho psíquico de elaboração, o qual poderia ser insuportável. Caso Bolsonaro, apoiado por cerca de 30% da população, mantenha mesmo que de modo suavizado atitudes relativizadoras da situação, o risco de “contaminação” coletiva – não somente psíquica, mas corporal –, aumentará. Consequentemente, os danos serão imensuravelmente aumentados.

    Alguns dos efeitos de certas atitudes, tais como as presidenciais, contrárias à efetiva mobilização de esforços no combate à disseminação da COVID-19, serão irreversíveis. De outro lado, certamente, existem alternativas a serem realizadas no intuito de uma redução dos danos ocasionados pela COVID-19 no cenário nacional. Mas, caso o Presidente mantenha o seu discurso anti-científico e não se contenha imediatamente, este negacionismo certamente agravará a crise sanitária e as mortes decorrentes, em meio a uma situação que inclui as conhecidas limitações do sistema público de saúde e as complicadas condições de vida da maioria dos brasileiros. O enfrentamento da Pandemia no Brasil, que apresenta agora uma curva ascendente aproximadamente como a da Itália, depende não somente de um montante expressivo de recursos materiais, mas de uma ampla e coordenada capacidade de aceitar a realidade.

     

    Leia mais:

    https://wp.me/p7pbzg-lqo