Jornalistas Livres

Categoria: Previdência

  • Vista suas galochas, o brejo está logo ali!

    Vista suas galochas, o brejo está logo ali!

    Por Tiago Macambira, dos Jornalistas Livres

     

    Em entrevista aos Jornalistas Livres o pesquisador Emilio Chernavsky, autor da tese de doutorado pela USP  “No mundo da fantasia: uma investigação sobre o irrealismo na ciência econômica e suas causas”, conta um pouco da recente história econômica no Brasil e faz um alerta em relação à contra-reforma trabalhista que está em tramitação no Senado:

    “Individualmente, para cada unidade produtiva, reduzir o custo de salários pode ser interessante. Mas se todos fizerem isso, cai a demanda da economia e não vai ter mais para quem vender.”

    O pesquisador ainda elucida como o país passou de uma situação de ciclo virtuoso, em que o Estado interveio positivamente na economia através de políticas de aumento do salário mínimo e ampliação de benefícios sociais, por exemplo; para um ciclo contrário, de recessão econômica, com perda de direitos e renda, aumento da desigualdade e pobreza.

     

     


    Achávamos que canções como “Brejo da Cruz” de Chico Buarque, que aborda a miséria, a exclusão, o sofrimento, a fome de crianças e a total ausência do Estado nas periferias mais pobres do Brasil, fosse ficar no plano da arte e da história. Jamais pensaríamos que os meninos desassistidos dos Brejos da Cruz espalhados pelo Brasil fossem novamente perder o mínimo de dignidade conquistada nos últimos 13 anos.  

     

    O menino da canção “Brejo da Cruz”, de Chico Buarque (1984), escapou da fome, da pobreza, foi à escola, cresceu, andou de avião, teve um filho. Agora este pai jardineiro, na tentativa de proteger o futuro do filho e aflito com sua lembrança sombria do brejo de sua infância de fome,  encontra-se com a cruz na frente do brejo do Congresso Nacional. Virou Jesus. E ninguém pergunta de onde essa gente vem. (leia a letra da canção no final da entrevista)

    Manifestação contra as reformas trabalhistas e previdenciária. Brasília, 24 de maio de 2017. foto: Tiago Macambira

    Jornalistas Livres:  De onde surgiu essa pauta da reforma trabalhista? Por que a reforma trabalhista enviada ao congresso era mais enxuta e só depois foi ampliada com emendas oriundas da CNI (Fiesp), CNT e FEBRABAN?  Foi uma janela de oportunidade dentro do golpe? Ou o golpe foi pra isso mesmo?

    Emilio Chernavsky: Foi a janela de oportunidade para realizar o “sonho de consumo” das federações patronais.
    Nos últimos anos (desde 2003), o mercado de trabalho foi ficando cada vez mais apertado; os patrões perderam um poder de barganha para o trabalhador de uma forma que ele nunca tinha tido dentro dessas regras (Constituição de 1988), principalmente de 2005 até 2014.


    Jornalistas Livres:  Por quê?


    Emilio Chernavsky: Você tem uma dinâmica virtuosa em que o aumento do salário mínimo,  regulado por lei, conduz à expansão da renda no mercado de trabalho e também fora dele, via transferências da previdência. Isso aumentou a demanda interna na economia que, ao aumentar a procura por trabalho, diminuiu o desemprego. Com desemprego menor, o trabalhador tem condições de exigir salários maiores, que lhe permitem consumir mais, realimentando o ciclo de expansão da demanda. Esse ciclo virtuoso interno foi ainda ajudado por outro, de origem externa, o chamado boom das commodities que, ao aumentar seus preços e volumes, permitiu a entrada  da moeda estrangeira (como o dólar), necessária para pagar as importações que também cresciam e, ao aumentar a oferta, ajudavam a controlar os preços no país.

    Além da mudança das regras de aumento do salário mínimo, os governos do PT tomaram outras medidas que ajudaram a aumentar a renda do trabalhador e as transferências da previdência. São importantes nesse sentido, por exemplo, o esforço da formalização  com a criação do MEI (micro empreendedor individual), e a facilitação no reconhecimento de direitos com mudanças regulamentares e a expansão de agências do INSS. Ou seja, ao mesmo tempo em que se aumentava o valor dos benefícios com a elevação do salário mínimo, aumentava-se também o número de pessoas com direito aos benefícios; dando impulso à demanda interna na economia.

     

    Jornalistas Livres:  Trocando em miúdos, esse dinheiro fruto do contínuo aumento do salário mínimo e das transferências previdenciárias vai ser gasto direta e indiretamente com o pequeno comércio (padaria, mercado, cabeleireiro, restaurante, loja de sapato, confeitaria, bicicletaria, pequenas fábricas e empresas de serviços)?

    Emilio Chernavsky: Isso! Comércios, serviços… que acabam tendo que contratar mais gente. Inclusive a indústria que atende ao mercado nacional cresceu muito naqueles anos. As pessoas começaram a comer mais, comprar geladeiras pra guardar alimentos, máquina de lavar, carro…

    Jornalistas Livres:  Aí então você entra naquele famoso ciclo virtuoso…

    Emilio Chernavsky: E com dois motores iniciais: a demanda externa e as políticas de expansão dos benefícios sociais e de aumento do salário mínimo. Por conta disso, o desemprego caiu e o salário aumentou ininterruptamente de 2003 (início do governo Lula) até o fim de 2014. Então, o que aconteceu? Os trabalhadores com mais poder de barganha podiam sair de um emprego ruim e mudar para um melhor, caso as condições de trabalho e o próprio salário não melhorassem. Essa situação foi favorecendo o lado do trabalhador e, com o crescimento da economia, também dos empresários até 2010 – 2011 – e alguns setores até 2014.

    Além disso, os jovens começaram a entrar cada vez mais tarde no mercado de trabalho, a estudar mais, a querer melhores salários; tivemos também uma mudança demográfica e as mulheres passaram a ter filhos um pouco mais tarde e com isso não mais se submetiam a qualquer trabalho.   

    Com esse aumento relativo do poder de barganha dos empregados e o consequente aumento do salário, as margem de lucro foram encolhendo desde 2010 / 2011, ainda que o lucro tenha em muitos casos se mantido alto. Com a queda, o empresário, principalmente do setor de serviços em que o custo da mão de obra impacta mais na redução de seus lucros, vai querer ver salários menores…

     

    Jornalistas Livres:  Suponha que eu seja um pequeno empresário… Em um primeiro momento, reduzir os salários vai-me fazer bem, mas, num segundo momento, isso fará bem para a economia de modo geral?

     

    Emilio Chernavsky:  Individualmente, pra cada unidade produtiva, reduzir o custo dos salários pode ser interessante. Mas se todos fizerem isso, cairá a demanda da economia e não haverá para quem vender. E com a redução dos custos de salários, com a reforma trabalhista e a redução das aposentadorias, prevista pela reforma previdenciária, a queda da demanda vai se aprofundar ainda mais.

     

    Jornalistas Livres:  Logo, efetuar essas reformas é dar um tiro no próprio pé….

    Emilio Chernavsky: Apoiar reformas draconianas nessas áreas em um momento em que o mercado de trabalho se encontra deprimido é um tiro no pé, já que vai reduzir a renda de muitos entre os próprios apoiadores. Os empresários tiveram anos de ouro e muitos ganharam muito dinheiro ao mesmo tempo em que muitas empresas foram criadas. E muitos, especialmente parte daquele novo pequeno empresariado que não tinha vivido longos tempos ruins como tivemos no passado, considerava que essa situação seria permanente. Ao perceberem que não é, e nos últimos anos verem seus lucros cair, a única solução que lhes ocorreu foi a que pareceu fazer sentido do ponto de vista individual. Daí apoio a essas medidas.    

     

    Jornalistas Livres:  Se o trabalhador e o empresário (pequeno e médio) perdem com essa reforma, a quem ela interessa afinal?

    Emilio Chernavsky: Parte das empresas vai quebrar, mas de alguma forma vão continuar a existir empresas prestando serviços e produzindo. E as que ficarem, sobreviverão a custos menores e com taxas de lucro maiores.

     

    Jornalistas Livres:  E com isso vai aumentar a importância econômica dos oligopólios?

    Emilio Chernavsky: Você tem sim uma forte tendência à concentração dos mercados em muitos setores e, quando se reduz seu tamanho, que é o que tende a acontecer em muitos casos, os mercados tendem a se oligopolizar.

     

    Jornalistas Livres:  E o que ocorrerá em relação à formalização do mercado de trabalho?

    Emilio Chernavsky:  Provavelmente, haverá uma formalização em determinados setores, mas o próprio trabalho formal tende a se precarizar, já que as reformas trabalhistas são em sua essência precarizantes, facilitando as demissões e reduzindo a remuneração.

     

    Jornalistas Livres:  É como se precarizasse as relações de trabalho da classe C sem ainda ter formalizado as relações das classes D e E.  

     

    Emilio Chernavsky: É uma boa analogia.

     

    Jornalistas Livres:  E todas essas alterações propostas farão o emprego aumentar? Com essas novas flexibilizações de horários de serviços, o empresário vai poder contratar mais?

     

    Emilio Chernavsky: Vai poder, mas dificilmente o fará. Com o fim da hora extra (ou banco de horas individual) e com essa situação de crise, o trabalhador vai trabalhar o quanto ele conseguir. Dessa forma o empregador não vai precisar, num primeiro momento, contratar novos empregados para responder a um hipotético aumento da demanda.  

     

    Jornalistas Livres:  Como fica a segurança jurídica nas relações trabalhistas? Não tende a diminuir?

     

    Emilio Chernavsky: Nosso sistema jurídico é custoso e gera incerteza. O sistema tributário é muito confuso, regressivo e também incerto, pois dá muita discricionariedade à fiscalização. A crítica liberal que aponta nossa excessiva burocracia é verdadeira. Isso é custo. E tendo todos esses custos, uma indústria mais velha, redução da escala produtiva e com a logística um tanto problemática não iremos concorrer, por exemplo, com a China, ainda que os custos trabalhistas cheguem a ser o mesmos que os praticados naquele país. Em resumo é isso: vai haver diminuição do mercado interno, aumento da pobreza e aquele pequeno empresário que defende essa precarização do trabalho vai dançar. E as contas públicas vão piorar muito, pois a arrecadação vai continuar caindo ou ficará estagnada..   

    E além disso tudo teremos uma situação inédita no país, em que a próxima geração que entrará no mercado de trabalho terá uma situação muito mais difícil que seus irmãos ou amigos mais velhos que, por exemplo, obtiveram bolsas de estudo para entrar na universidade, participaram de programas de habitação, não tiveram que entrar tão cedo no mercado de trabalho etc.

    https://www.youtube.com/watch?v=lluLyqheTu0

    Brejo da Cruz

    (Chico Buarque)

     

     

    A novidade

    Que tem no Brejo da Cruz

    É a criançada

    Se alimentar de luz

    Alucinados

    Meninos ficando azuis

    E desencarnando

    Lá no Brejo da Cruz

    Eletrizados

    Cruzam os céus do Brasil

    Na rodoviária

    Assumem formas mil

    Uns vendem fumo

    Tem uns que viram Jesus

    Muito sanfoneiro

    Cego tocando blues

    Uns têm saudade

    E dançam maracatus

    Uns atiram pedra

    Outros passeiam nus

    Mas há milhões desses seres

    Que se disfarçam tão bem

    Que ninguém pergunta

    De onde essa gente vem

    São jardineiros

    Guardas-noturnos, casais

    São passageiros

    Bombeiros e babás

    Já nem se lembram

    Que existe um Brejo da Cruz

    Que eram crianças

    E que comiam luz

    São faxineiros

    Balançam nas construções

    São bilheteiras

    Baleiros e garçons

    Já nem se lembram

    Que existe um Brejo da Cruz

    Que eram crianças

    E que comiam luz

  • IMAGENS: o povo que resistiu nas ruas em Brasília

    IMAGENS: o povo que resistiu nas ruas em Brasília

  • A difícil missão de defender a reforma da previdência

    A difícil missão de defender a reforma da previdência

    Texto e fotos por Tiago Macambira

    Ao final da tarde de hoje, 09/05, ocorreu no auditório da Universidade Federal de São Carlos – campus Sorocaba – um debate sobre aquilo que vem sendo chamado pelo governo golpista de Reforma da Previdência. Organizado pelo centro acadêmico de economia, o debate contou com a presença do professor do Instituto de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani e do ex-economista chefe da Federação Brasileira de Bancos, Roberto Troster.

     

    Auditório da Ufscar – Sorocaba

    Apesar do nome dado ao evento ser “debate”, não foi isso que ocorreu. No decorrer de sua fala, Troster apenas apresentou gráficos e dados a respeito da macroeconomia brasileira, projeções de crescimento, criticou o tamanho da Estado brasileiro e se referiu a reforma da previdência somente no tocante aos privilégios de uma minoria de aposentados. Claramente fugindo do debate, pois até o presente momento nenhum professor, intelectual ou especialista conseguiu defender de forma clara e objetiva esta “reforma” previdenciária; a não ser os marqueteiros contratados pelo Palácio do Planalto pra desinformar a população com aqueles clássicos argumentos falhos que partem de pressupostos inexistentes.

    Por outro lado, o professor Fagnani focou sua fala no que ele mesmo chamou de “desconstrução de argumentos falaciosos sobre a reforma da previdência” e fez a seguinte pergunta: Onde está o problema da previdência? Troster não respondeu. O mediador não respondeu. Ninguém respondeu.

     

    Eduardo Fagnani

    Em seguida apresentou três fontes de informações seguras a respeito da previdência: Anfip, Dieese, , Plataforma Política Social e ainda citou inúmeras leis e decretos (Leis 12.616/12, 13.135/15; Art. 201 §7 – II da Constituição Federal, entre outros) os quais demonstram que reformas previdenciárias vêm sendo feitas ao longo de anos e que “o equilíbrio das contas previdenciárias a longo prazo não necessita de lei alguma, basta seguir as regras constitucionais”.

    Ao final, Fagnani fez uma comparação simples, demonstrando que o problema nunca foi a previdência, mas sim os gastos com juros, de aproximadamente 500 bilhões; as sonegações fiscais, também ao redor de 500 bilhões; as isenções fiscais, de 280 bilhões e outros. Lembrou ainda que esta reforma, draconiana, é sem paralelo em nações desenvolvidas e que, junto a reforma trabalhista, vai levar o Brasil a níveis de pobreza e miséria inimagináveis.”

     

  • Veja como votou cada deputado na Reforma Trabalhista

    Veja como votou cada deputado na Reforma Trabalhista

    Texto principal do PL 6787/2016, que institui a Reforma Trabalhista, é aprovado por 296 votos favoráveis e 177 contrários na Câmara dos Deputados. Mais 17 destaques ainda serão votados. Veja abaixo quem são contra os direitos dos/as trabalhadores/as.

     

    Veja abaixo a lista completa de como votou cada deputado na sessão da Reforma Trabalhista:

    CLIQUE: Votos dos Deputados – Reforma Trabalhista

  • Déficit da Previdência: Temer tem 15 dias para explicar o inexplicável

    Déficit da Previdência: Temer tem 15 dias para explicar o inexplicável

    Há anos, vários especialistas vêm afirmando que o déficit da Previdência Social é uma peça de ficção. As receitas superam as despesas, mesmo com em momentos de crise, como de verifica no gráfico abaixo, elaborado pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP).

    O governo, apoiado por empresários e muitos economistas neoliberais, têm insistido no contrário: “há déficit e é insustentável”. Eis que chega a hora da verdade: o juiz federal Rolando Valcir Spanholo determinou que o Governo, em 15 dias, explique esse pretenso “déficit”.

    Em Ação Civil Pública, a Federação Nacional dos Servidores da Justiça Federal e do Ministério Público da União (Fenajufe) postulou que a União Federal comprove os dados que vem divulgando e que embasam a “PEC da Reforma da Previdência”.  Requereu, ainda, que fosse proibida a propaganda do Governo favorável à reforma. E foi atendida.

    O juiz Spanholo captou o exato ponto discrepante: o governo não considera no seu cálculo as receitas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e da Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Duas contribuições criadas, pelos que os constituintes de 1988, para financiar a Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social.

    Afirma o juiz: “Para o Executivo, na coluna “receitas” somente poderiam figurar os ingressos oriundos de fatos geradores intimamente ligados à seara previdenciária (ou seja, basicamente, as contribuições sociais correspondentes às quotas patronais e das quotas inerentes aos respectivos segurados)”.

    Extraído do documento “Previdência: reformar para excluir?”

    Ora, considerar como receitas somente as contribuições dos patrões e dos segurados, certamente resulta em déficit. Se, no entanto, são adicionadas as receitas dos impostos criados para financiar a Previdência, chega-se a um superávit.

    A Constituição determinou que o financiamento da Seguridade Social fosse feito de forma pelas três partes: empregados, empresas e governo. Além disso, a Constituição criou a arrecadação para o governo colocar a sua parte da Previdência. Mas o Governo chama essa parte de “déficit”.

    “Em outras palavras: o governo chama de “déficit” a parte cujo aporte é dever do Estado no esquema de financiamento tripartite instituído pela Constituição – mas que o governo não aporta.” Como assinala o relatório “Previdência: reformar para excluir?”

    Spanholo determinou a interrupção da veiculação de propaganda da seguinte forma: “Noutras palavras, impõe-se, também, reconhecer como plausível a necessidade de se fazer cessar a exploração daquela informação aparentemente distorcida (existência de déficit ou desequilíbrio financeiro), no mínimo, até que a ré carreie nos autos a prova cabal de que seu dado estatístico não é estapafúrdio, conforme tantos críticos têm defendido.

    Temer e seus aliados estão com a palavra.

     

    Notas

    1 O documento Previdência: reformar para excluir? Contribuição técnica ao debate sobre a reforma da previdência social brasileira, produzido por ANFIP/DIEESE, está disponível em: http://plataformapoliticasocial.com.br/previdencia-reformar-para-excluir-completo/

    2 A Ação Civil Pública, da Federação Nacional dos Servidores da Justiça Federal e do Ministério Público da União (Fenajufe), está em: http://www.fenajufe.org.br/images/ACP%20-%20FENAJUFE%20-%20Reforma%20da%20Previc%C3%AAncia.pdf

    3 A sentença do juiz federal Rolando Valcir Spanholo pode ser encontrada em: http://www.fenajufe.org.br/images/senten%C3%A7a.pdf

     

     

     

     

     

  • “Porque no Carnaval eles não fizeram greve?”

    “Porque no Carnaval eles não fizeram greve?”

    Manhã de quarta-feira, Belo Horizonte, 09h44, e o rosto trabalhador que diz essa frase ao vento, sem destinatário, mas de certo modo endereçada à mim, já está na metade de sua jornada. Tanto hoje como no carnaval, ele teve que madrugar para servir de cobrador no trajeto que vai do bairro Xangrilá à estação Pampulha. Dormiu pouco, mas menos do que muitos outros cujas linhas iniciam mais cedo, essa tem seu primeiro horário pouco antes das 06h da manhã.

    No carnaval, nosso sujeito passível de análise também despertou no mesmo horário, e enquanto todos iam para as festas, ele nos arrancava os R$2,85 como quem tira doce de criança. Prazer sórdido? Não, falta de diálogo. Agora, este mesmo sujeito, que está na base de nossa sociedade trabalhadora, serve aos interesses de quem quer que ele se aposente mais tarde, e tenha apenas seis meses de expectativa de vida após pendurar o uniforme.

    Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

    “Se a gente não lutar, a aposentadoria vai acabar!”

    Essa é a frase mais falada do ato que começou na Praça da Estação e foi até a Praça da Assembleia em Belo Horizonte. Porém, o trocador não grita, nem ele e nem muitos outros trabalhadores. Nos quatro cantos do país, os movimentos sociais, estudantes, professores, sindicatos e trabalhadores a repetem como um mantra que escancara uma verdade: a de que o governo Temer não terá piedade nem de nós, que protestamos, quiçá dos trabalhadores que estão na base da sociedade.

    Nosso carnaval, símbolo deste povo que resiste, do corpo que performa desejo negado, foi a maior demonstração de que a política se faz nas ruas, com a ocupação do espaço público. Como diz Cristal Lopes, musa do carnabelô: “a política tem que aprender muito com o carnaval”.

    Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

    Fomos de Fora Temer em Fora Temer, negando o assédio estrutural que insiste em violar os corpos das nossas mulheres, dizendo sim ao funk e à voz da periferia, fazendo poética e festa com nossas próprias mãos e provando o que já foi dito pelo companheiro carnavalesco José Guilherme: “nosso carnaval foi conquistado.”

    Dentre os reajustes propostos para a previdência, está o caso do nosso amigo de todos os dias, o trocador. Hoje, 4 milhões de idosos de baixa renda, com mais de 65 anos, recebem um salário mínimo. Se a reforma passar a idade mínima será de 70 anos. Nós, mulheres, que trabalhávamos até 55 anos, iremos até os 65, junto com os homens, que iam somente até os 60. Isso sem contar os 25 anos obrigatórios de contribuição, um aumento de 10 anos da exploração de nossos corpos trabalhadores, que não tem nem o direito de festejar o carnaval.

    Diante desse cenário, me vem à cabeça a palavra de ordem dos nossos companheiros argentinos, que traduzida, fica mais ou menos assim:

    “Vamos à luta companheiros, vamos em frente, que isso nos pede toda gente.”

    Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres