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Categoria: Política

  • Afinal, o que eles querem?

    Afinal, o que eles querem?

    Milhares foram às ruas em todo o Brasil pedindo Impeachment, a saída do PT e até intervenção militar. Em comum: a ausência de propostas

    O dia 15 foi marcado por manifestações contra o governo em 25 estados, no Distrito Federal e no exterior. Esta que vos fala acompanhou o ato em São Paulo. Conversei com dezenas de pessoas, homens e mulheres, brancos e negros (embora em expressiva minoria), a favor e contra a intervenção.

    Afinal, o que eles querem?

    Logo ao chegarmos à Paulista, por volta das 13h, pudemos sentir o clima da manifestação. A atmosfera era de final de copa do mundo, as pessoas chegavam em grandes grupos, vestindo camisas do Brasil, enrolados em bandeiras e munidos de suas vuvuzelas. “Contra a corrupção e com uma camiseta da CBF, amigo?” perguntei, em tom de brincadeira, ao advogado Alexandre. “Poxa, é verdade”, respondeu, sem graça.

    A ausência de coerência política foi uma constante. E, para além das milhares de camisetas da CBF, ela ficavam clara no discurso. Alexandre, por exemplo, não é a favor da intervenção militar. Ele acha que é na democracia que a crise institucional encontrará sua saída.

    Foto: Renato Stockler

    “A Dilma devia renunciar, mas, se ela não sair, sou a favor do impeachment”. Alexandre, no entanto, não conseguiu me responder o que deveríamos fazer após a saída de presidenta.

    A ala da Intervenção Militar do grande carnaval da democracia — pois, SIM foi uma manifestação democrática — não era majoritária. Mas soube fazer barulho. Paulo Baldi, aposentado, podia até passar despercebido. Ficava quieto em um canto da calçada, sem interagir muito, sem gritar as palavras de ordem. No pescoço, um cartaz com os dizeres: “Saudades da Ditadura. Democracia só para roubar…”. Ele é filiado ao PPS (?) e acha que não existe solução para a corrupção dentro da democracia.

    No carro de som S.O.S Forças Armadas, que liderava a trupe, gritavam “Novamente, na história do Brasil, São Paulo dá o exemplo”. José Edson, militar (tira, é melhor colocar funcionário público), também é a favor da intervenção militar. “No momento, o mais indicado é a intervenção militar. Ninguém pode fazer a verdadeira revolução que precisamos”. Ele tem 55 anos e diz se lembrar da ditadura militar “As pessoas de bem estavam nas ruas e os bandidos estavam presos, agora, é o contrário”. Pergunto se ele é a favor da separação de São Paulo do restante do país:

    “Não, acho que o progresso tem que chegar a todos os estados. São Paulo não pode mais levar o país nas costas. Os nordestinos tem que parar de precisar vir para São Paulo. Afinal, na nossa bandeira diz Ordem e Progresso. Cadê a ordem? Cadê o progresso?”, indaga. A intervenção seria para sempre? “Não, só até convocar novas eleições e estabelecer a ordem”. Também não conseguiu assegurar que uma nova eleição resolveria o problema da corrupção.

    No meio da multidão uma faixa me chamou a atenção “Grandes Companhias escolhem os Candidatos nos Partidos e mandam fortunas para os Partidos que Recebem x 100 pelas Obras Superfaturadas”. Pergunto ao rapaz que segurava a ponta esquerda da faixa: “Você é contra o financiamento privado de campanha? Defende alguma plataforma da reforma política?” “Na verdade moça, quem fez a faixa foi aquele moço da ponta. Acho melhor falar com ele”. Sigo até a ponta direita e faço a mesma pergunta. Giovani Zimovstic, gráfico, me responde: “Sim, sou a favor da reforma política” “E como essa reforma política deveria ser feita?” “Mudando as leis” “Mas quais leis?” “Moça, coloca aí: defendo que todos os políticos deveriam ter suas contas abertas”. Legal, eu também. Mas isso não é uma reforma política.

    Foto: Larissa Gould

    Ao fundo escuto uma voz masculina dizer em um megafone: “Essa é a marcha da Família Brasileira e dos cidadãos de bem”. Ao mesmo tempo, vejo passar uma faixa “Contra o Fanatismo e Populismo”, atrás da faixa uma multidão gritava “A Dilma morreu!”.

    Claudia e Felício Vital, um casal de senhores aposentados simpáticos, estava nesse momento. Eles são a favor do impeachment, mas não da intervenção militar. Também não são a favor de Michel Temer “mas se não tiver jeito, melhor que a Dilma”. Eles não souberam indicar qual a solução para a corrupção do Brasil.

    Quase que imediatamente Reginaldo Lopes, consultor de segurança, me aborda: “Você é jornalista?” “Sim” “Posso dar o meu depoimento?” “Claro”. Em seguida, Reginaldo dá o seu depoimento:

    “O Problema do Brasil é o Foro de São Paulo. Nos anos 90’ Lula e Fidel Castro criaram o Foro e o PSDB foi conivente. De 2 em 2 anos eles se encontram e junto com o Unasul querem criar um bloco da América Latina”. Ele não é a favor da intervenção militar. Na verdade acha que intervenção militar é coisa do PT “Já financiaram a guerra, agora chamam o exército do MST” e ironiza “O nosso professor de filosofia Olavo de Carvalho — conhece? — tinha razão! Exército? Eles vão nos atacar com picaretas e enxadas?”. E finaliza “Você vai usar a entrevista né? Essa é minha contribuição”. Vou, asseguro. Ele também não me apresentou propostas para depois do Impeachment.

    A verdade é que entre as dezenas de pessoas que falei, nenhuma delas conseguiu me dar uma proposta para a crise institucional. Elas estavam todas perdidas, insatisfeitas, mas perdidas. Talvez a pessoa mais sincera que eu tenha conversado tenha sido a Dona Rosa, que vendia churrasquinho enquanto as milhares de pessoas iam à Avenida Paulista pedir mais direitos. A moradora do Jd. Santa Margarida, extremo Zona Sul, contou que ficou sabendo da manifestação pela TV, no jornal, ela não sabia se era a favor ou contra. “Não sei moça, eu fico na dúvida” “Por quê?” “Eu acho que não importa quem entrar, não vai mudar” “A senhora não vê nenhuma saída?” “Não” “E a senhora votou em quem?” “Eu votei na Dilma”.

    Poderia contar outras muitas conversar e citar outros tantos cartazes. Mas a verdade é que a insatisfação é geral e legítima. No entanto, estão todos tão confusos quanto Dona Rosa. Ao mesmo tempo em que se vangloriam por não ter lideranças, não sabem que rumo tomar.

    Foram milhares nas ruas do Brasil. Eles podem até saber o que não querem, mas, definitivamente, não sabem o que querem.

     Foto: Renato Stockler

     

  • O que está por trás da contagem de pessoas nos protestos?

    O que está por trás da contagem de pessoas nos protestos?

     

    O número divulgado de participantes nas manifestações do fim de semana mostra quem é quem na fila do pão, mais conhecida como política

    Se depender dos resultados sobre o número de participantes nas manifestações que tomaram a Avenida Paulista na sexta-feira, 13, e no domingo, 15, deste mês de março de 2015, a situação da educação brasileira não poderia ser mais assustadora: somos os piores do mundo em matemática.

    Afinal, o que mais explicaria o fato de a Polícia Militar do Estado de São Paulo dizer que mais de um milhão de pessoas foram às ruas protestar neste domingo, enquanto o Instituto DataFolha estima não mais que 210 mil pessoas? Uma diferença superior a 450% na solução de uma mesma equação.

    Foto: Mauricio Lima para Jornalistas Livres

    Na sexta-feira foi ainda pior. Na manifestação a favor da democracia e em defesa da Petrobras, a PM fechou a conta em 12 mil pessoas, a organização (formada por movimentos sociais e sindicais) cravou 100 mil. O DataFolha chutou na coluna do meio: 41 mil. A discrepância entre um ponto e outro beira 1000%.


    Mesmo sem um diploma de exatas ousamos ponderar que em ambos os dias, a verdade numérica deve estar no meio desses extremos. O problema é que cada lado adota para si o que lhe é mais conveniente.

     


    De acordo com o DataFolha, no auge da manifestação deste domingo por volta das 16 horas, havia 188 mil pessoas reunidas. Pouco antes, às 15h40, a Polícia Militar havia informado que o número passava de um milhão de manifestantes na Avenida Paulista e adjacências, protestando contra o governo da presidente Dilma Rousseff. Segundo a PM, o cálculo levou em conta a informação de que a cada dois minutos chegavam quatro mil pessoas pelo pela estações de metrô da região.

    Foto: Renato Stockler para Jornalistas Livres

    De acordo com o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, para caber tanta gente nos cerca de 2,6 quilômetros de extensão, com cerca de 30 metros de largura da avenida, ocupados pelos manifestantes, é necessário que haja de 15 a 17 pessoas por metro quadrado. “Nem naquela apresentação do circo chinês, onde os artistas de se equilibram um em cima do outro é assim”, ironiza. A PM rebate afirmando que usa imagens aéreas e tecnologia de ponta nos cálculos.

    Davi e Golias – O que está por trás da contagem de pessoas nos protestos?

    Para quem compareceu às manifestações, resta uma certeza: Nem de longe, a multidão que marchou por quilômetros da Paulista a Praça da República, embaixo de chuva torrencial (confira aqui) na sexta-feira, 13, era o Davi que sugere a polícia. Ao passo que nem o mais crédulo cidadão pode concordar que para o protesto contra a corrupção, a favor do impeachment, intervenção militar, e pelo menos mais meia dúzia de reinvindicações, mais de um milhão de pessoas saíram de casa neste domingo em direção a avenida mais famosa de São Paulo. Um Golias para metáfora bíblica nenhuma botar defeito.

    Policiais monitoram manifestação na Av. Paulista no Domingo, 15 de Março. Foto: Caio Palazzo para Jornalistas Livres

    A discrepância absurda merece análise, mas não para se discutir as operações básicas da matemática — que ao que parece ninguém sabe como funciona em São Paulo — e sim as motivações para tal. O governo paulista, a quem a polícia é subordinada, tem claro interesse de inflar o resultado de domingo e mitigar o de sexta, assim como o tratamento dado pela imprensa tradicional, que solenemente ignorou o ato da sexta, mas tratou o do domingo como um carnaval, já mostra onde estão depositados os seus interesses. O mesmo acontece com o perfil dos presentes nos dois dias.

    Sexta-feira, a cor e a cara dos manifestantes não escondia o cansaço e nem a origem dos mesmos, ao passo que domingo, a alegria, a camisa da seleção, e as babás uniformizadas também não. Isso deslegitima a maior parte das reinvindicações? Não, mas deixa claro as motivações de cada um.


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