A aeronave da Força Aérea mexicana teve que mudar a rota que estava prevista. As complicações surgiram porque houve países que tinham autorizado o sobrevôo de seus territórios e depois mudaram de idéia, proibindo a passagem
O chanceler mexicano Marcelo Ebrard detalhou o complicado trajeto que o ex-mandatário boliviano teve de percorrer para viajar da Bolívia ao México. As complicações surgiram, sobretudo, pela intempestiva proibição de sobrevoos sobre seus territórios, por parte de alguns países latino-americanos tinham se comprometido a ajudá-lo.
A difícil negociação para fazer a viagem de Evo
“A rota que previmos para retornar incluía o regresso por Lima, depois do que sairíamos por águas internacionais até chegar ao México”, ressaltou o funcionário do governo de Andrés Manuel López Obrador, presidente mexicano. O problema ocorreu, segundo ele, quando o governo do Peru suspendeu sua permissão para que o avião pudesse descer em Lima para se abastecer e continuar sua rota. Alegou “avaliações políticas”. A alternativa foi o Equador, pelo qual tramitaram pedidos de permissão para aterrissagem breve ali. Mas, enquanto se realizavam essas tratativas, a viagem voltou a se prolongar, porque foi negada a passagem pelo espaço aéreo boliviano, momento em que a embaixadora mexicana na Bolívia, María Teresa Mercado, teve de intervir. “Por um milimétrico espaço, aconteceu a saída”, apontou.
Então, tiveram que tomar uma rota pelo espaço aéreo brasileiro, graças a que o embaixador do Brasil na Bolívia admitiu a sua entrada.
“Conseguiram permissão para voar no espaço fronteiriço do Brasil e, dali, sair para o Peru”, relatou Ebrard. Com este último país também tiveram que negociar novamente para que pelo menos deixassem transitar por seu espaço aéreo. “Com as autorizações do Brasil, Peru e Equador, por fim o avião decolou”, relatou.
Mas logo tiveram que enfrentar um novo obstáculo porque o governo do Equador, de Lenín Moreno, os impediu de sobrevoar seu espaço aéreo, e assim o avião teve de rodear o Equador para entrar em águas internacionais e poder continuar o vôo.
Desde o governo, no trabalho, em algumas instituições de ensino e inclusive em grupos familiares ou de amigos, nos pedem que depois de mais de 20 dias de manifestações no Chile voltemos à “normalidade”. Mas desde o momento em que acordo até a hora que vou dormir percebo que esse desejo de alguns é impossível de ser realizado. É, inclusive, violento o simples fato de ser solicitado.
Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena
Como posso voltar à normalidade quando o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) relata diariamente sobre a quantidade de pessoas que foram vítimas da violência policial durante as manifestações e o número só aumenta?
Até agora, sabemos que 23 pessoas perderam a vida durante a crise social. Oficialmente, cinco faleceram em mãos dos agentes do Estado e outras duas enquanto estavam detidas em delegacias. Mas também há outros casos até agora sem explicação, como o de Yoshua Osorio (17 anos), quem, segundo os documentos, morreu em um incêndio. Mas, de acordo com a autópsia do Instituto Médico Legal, o corpo possuía três orifícios na região do tórax.
O INDH também informou que 1.915 pessoas foram feridas, 1.003 delas pelo disparo de diferentes tipos de balas, sendo as principais de chumbo e de borracha.
Raio X mostra Projétil de metal encravado na perna de homem que foi atingido por uma suposta bala de borracha
Nesse período, o Chile quebrou um triste recorde: se transformou no país do mundo com mais pessoas com lesões por balas de borracha. 180 foram afetadas. 30% delas ficaram completamente cegas de um olho. Enquanto escrevo este texto, o jovem Gustavo Gatica (21 anos), quem perdeu a vista de um olho, está tendo o outro operado para não ficar completamente cego. Uma série de pessoas se manifestaram do lado de fora da clínica para apoiá-lo, mas foram reprimidos pela polícia.
Em paralelo, 262 pessoas iniciaram uma ação judicial contra os organismos do Estado. 171 delas por torturas e maus-tratos.
Não é possível voltar à normalidade para quem foi ferido, para quem perdeu a vista, para quem foi torturado. Para quem morreu.
Imagens de Amanda Miron
E apesar de tudo isto, o Presidente do país, Sebastián Piñera, propôs na sexta-feira um projeto de lei que dá mais poder aos policiais. O mandatário reconheceu situações de excessos. Mas negou que haja uma violação aos direitos humanos.
Tampouco é possível pensar em normalidade quando caminho pelas ruas e vejo as mensagens deixadas nas paredes. “Estado assassino”; “Piñera, vai embora”; “esqueceram de nós”; “a polícia nos estupra”; “exigimos nova Constituição” (…) e alguns que despertam um sorriso “tenho mais medo da minha mãe do que de vocês” e o clássico de todos os tempos “faca amor, não faca a guerra”.
Nas ruas, de domingo a domingo, há manifestações. Algumas pacíficas, outras, violentas. Mas todas, sem exceção, terminam com esse cheiro insuportável das lacrimogêneas e de gás pimenta. Esse odor que fica impregnado no nosso cabelo, em cada um dos nossos poros. Que dá a sensação de que não poderemos voltar a respirar ou a abrir os olhos. E logo, o fogo. As barricadas. O caminhar de um lado para o outro em um labirinto sem fim entre os encapuzados e os policiais. E o metrô não está aberto. Os ônibus não passam. Isto não é normal.
De qual normalidade estão falando quando os meus colegas jornalistas denunciam que estão sendo censurados, ameaçados a não difundir as suas opiniões pessoas no Twitter ou Facebook? Como posso voltar à normalidade quando abro as redes sociais e já não sei distinguir o quê é verdadeiro do que é falso? Quando leio uma entrevista do Piñera alterando a sua própria declaração de que “estamos em guerra contra um inimigo violento” e tergiversando essa informação ao explicar que o que queria dizer é que “estamos em guerra contra a pobreza e a desigualdade”?
imagens Amanda Miron
As poucas tentativas de regressar à normalidade se viram frustradas. Na segunda-feira, a Pontificia Universidad Católica de Chile —a mais importante do país— abriu suas portas para uma jornada de reflexão e logo o começo das aulas. Os alunos votaram imediatamente por uma greve indefinida. Durante a tarde, alunos de um dos edifícios denunciaram a repressão policial dentro da universidade. De noite, um grupo invadiu a sede da PUC e roubou objetos para formar uma barricada. No dia seguinte, a universidade fechou novamente.
E também existe outro lado. O das pessoas que temem a violência dos manifestantes. As que apóiam os protestos, mas que já não querem ver o comércio fechado, as ruas sujas, os edifícios prendendo fogo. As que demoram horas e horas para chegar a casa porque o transporte está interrompido. As que estão desesperadas para regressar ao trabalho porque senão lhes será impossível pagar as contas no fim do mês. Para elas também não é nada normal.
E atualmente eu me pergunto, a qual normalidade querem regressar o governo, o trabalho, algumas instituições de ensino e inclusive alguns grupos familiares ou de amigos? A que existia antes já não é possível. Ou é a essa normalidade de um grupo de privilegiados que não sabia —ou fingia não saber— que o Chile é um país desigual? Ou essa normalidade “linda” que os turistas percebem quando visitam Santiago porque (surpresa!) todos os atrativos turísticos da cidade estão na parte mais bela e bem cuidada da cidade?
“Normalidade”. Sempre estivemos vivendo uma anomalia. Se insistirmos em voltar a ela, talvez, com o tempo consigamos. Mas será falsa. E sabemos onde essa falsa normalidade nos levou.
Por Zarella Neto, especial para os Jornalistas Livres Com fotos de Antonio Brasiliano e Zarella Neto, de Santiago, Chile
Repressão policial violenta tenta salvar Sebastian Piñera enquanto o povo chileno resiste e luta por direitos e contra o neoliberalismo
Repressão policial violenta tenta salvar Sebastian Piñera enquanto o povo chileno resiste e luta por direitos e contra o neoliberalismo
Repressão policial violenta tenta salvar Sebastian Piñera enquanto o povo chileno resiste e luta por direitos e contra o neoliberalismo
Repressão policial violenta tenta salvar Sebastian Piñera enquanto o povo chileno resiste e luta por direitos e contra o neoliberalismo
Repressão policial violenta tenta salvar Sebastian Piñera enquanto o povo chileno resiste e luta por direitos e contra o neoliberalismo
Lançadores de água contra manifestantes, na praça Itália, Santiago – Foto de Antonio Brasiliano e Zarella Neto, de Santiago, Chile
Repressão policial violenta tenta salvar Sebastian Piñera enquanto o povo resiste e luta por direitos e contra o neoliberalismo
Repressão policial violenta tenta salvar Sebastian Piñera enquanto o povo resiste e luta por direitos e contra o neoliberalismo
Milhares de pessoas tomam as ruas do centro de Santiago exigindo mais direitos em todos os parâmetros sociais, pedido principalmente uma nova Constituição e a queda do presidente Sebastian Piñera.
Na última pesquisa realizada, 87 % da população apoiam os protestos e são contra a violenta repressão policial. Apersar disso, não se vê cobertura real das grandes mídias chilenas. Nos últimos três dias de protestos na praça Itália, palco principal e foco real de resistência dos manifestantes, não se viu uma só vez uma emissora de TV. Apenas cinegrafistas e fotógrafos independentes ou de grandes agências internacionais estavam presentes.
A participação popular é linda e crescente, diferente do estado policial, que com seu gigantesco aparato de segurança reprime com muitas bombas de gás lacrimogêneo e jatos d’água misturados com algo que parece ser gás lacrimogêneo, com o qual fomos atingidos diversas vezes e que, quando em contato com a pele, queima como fogo.
A repressão da polícia é de uma desumanidade sem tamanho. Um aparato com mais de dez carros-tanques de repressão é usado para atacar os manifestantes que muitas vezes estão isolados e em número pequeno. Nesta semana, enquanto ocorria uma manifestação pacífica, com músicos entoando canções de resistência, com artistas nus e corpos com pinturas que lembravam os que tombaram mortos nas manifestações passadas, a polícia interveio com um forte ataque. A desigualdade de forças era tal que parecia a luta entre elefante e formiga.
Penso, porém, que o elefante não está preparado para lutar contra um formigueiro. Enquanto manifestantes olham para frente, outros se aglomeram por detrás e, com o apoio maciço das pessoas comuns que cercam a praça, gritando, explicam para os homens de farda que hoje são eles, manifestantes, que sofrem, mas que, amanhã, poderão ser a mãe ou os filhos de quem hoje reprime…
O Chile hoje não é um país para amadores. Os manifestantes em sua maioria pertencem à classe média, classe que segundo eles não existe mais…
Nas manifestações não existe uma bandeira única nem partidária… Ela é plural e igualitária. E sempre se vê a onipresente bandeira do povo originário mapuche.
É difícil Piñera resistir. O Povo do Chile, como eles mesmo dizem, não tem mais medo, e canta alegremente: “Nos tienen miedo porque no tenemos miedo”.
Como me disse uma senhora de 63 anos que viveu a ditadura de Augusto Pinochet e com quem conversei, “os jovens de hoje não se curvaram à intolerância”. Ela disse também que no Chile nasceu o neoliberalismo na América Latina e no Chile começou a sua queda.
O trajeto das caravelas entre os mares lusitanos e brasileiros já foi travessia dolorosa, marcada pela chaga da escravidão e pelo processo colonial. Já foi trânsito de ouro, café, borracha. Trouxe os primeiros livros do velho mundo e levou as primeiras notícias do novo. Uma ida e volta diversa, ao longo dos séculos, que neste final da década de 2010, é marcada também pelas trocas solidárias de resistência e da luta popular internacionalista. Com esse espírito, a caravana brasileira, vindo de um país que hoje enfrenta a extrema-direita no poder, foi mais uma vez recebida na Festa do Avante 2019 em Portugal, país que vem avançando no desenvolvimento social, com um governo acompanhado por uma coalização de forças que inclui a esquerda e o Partido Comunista Português (PCP).
O Avante foi um bálsamo de acolhimento, entre os dias 6 e 8 de setembro, na região do Seixal, ao sul de Lisboa, com centenas de atrações políticas e culturais entre debates, atos públicos, shows, exposições, atividades para crianças, feiras de produtos típicos, gastronomia, eventos esportivos e interação entre militantes de partidos comunistas de todos os continentes do mundo. Quase todos os portugueses e representantes de outros países que visitavam a barraca do Brasil, entre uma caipirinha ou uma feijoada em clima de festa, mostravam o seu apoio às lutas dos camaradas brasileiros na resistência a Bolsonaro e ao desmonte nacional que se opera no país. O conhecimento sobre a situação brasileira é crescente e mobiliza, atualmente, a rede internacional dos movimentos populares e partidos do campo progressista.
Pela primeira vez, inclusive, a barraca do Brasil levou à festa material completo de divulgação das lutas das esquerdas no país. Um pequeno jornal do PCdoB, em dois idiomas, levou informações sobre temas como a questão ambiental e as queimadas da Amazônia, a censura imprensa e o escândalo das mensagens vazadas da Lava Jato, a Reforma da Previdência e o desmonte da educação, ciência e tecnologia. Camisetas e bottons, levados pela caravana brasileira, coloriram a multidão do Avante com as imagens de heróis e heroínas como Lula, o principal preso político do planeta, Marielle Franco, símbolo da luta pelos direitos humanos e pelas populações das periferias, Osvaldão, líder histórico – e ainda pouco conhecido – da guerrilha do Araguaia e Manuela D’Ávila, a comunista mais conhecida do país atualmente e representante da luta das mulheres no país.
As lições que nos traz a Festa do Avante são muitas. Em 46 anos de existência, o festival organizado por um dos mais importantes partidos de esquerda da Europa projeta e atualiza para as futuras gerações os Valores de Abril, que inspiraram a revolução dos cravos em 1974: solidariedade, paz, convivência, afeto, humanismo, liberdade. Do tradicional ao contemporâneo, estão presentes na festa as diversas dimensões da cultura: a simbólica/estética, a cidadã e a econômica, já que a Festa do Avante é também uma imensa Feira de Economia Social e Solidária, construída com trabalho voluntário e militante, o que é uma das chaves do sucesso, longevidade e sustentabilidade do evento.
Ao colocar a cultura no centro, o PCP constrói dentro deste festival multifacetado e diverso um ambiente de debates políticos de alta voltagem e relevância. Estão presentes a todo momento as bandeiras de luta do povo português, a solidariedade internacional aos povos do mundo. As eleições legislativas em Portugal acontecem neste mês de setembro. Portanto, as bandeiras e propostas da CDU (Coligação Democrática e Unitária, aliança que reúne o PCP e o Partido Ecológico Os Verdes) deram o tom da intervenção política nesta edição da Festa.
O Partido Comunista do Brasil caminha para a comemoração dos seus 100 anos de existência, que serão completados em 2020. A luta dos comunistas brasileiros, marcada por uma trajetória extraordinária de sonhos e ações, têm muito a trocar e aprender com a experiência do Avante e do PCP neste festival incomparável. Certamente haverá de ser bonita a festa do centenário dos comunistas no país, e é possível extrair do Avante exemplos, modelos, propostas e formatos possíveis e adequados à nossa realidade, nos inspirem a construir também um grande evento daqui a três anos, com pinceladas rubras de cravo e aromas verdes e doces de alecrim.
O retorno da terra de Camões, desta vez veio com muito mais ideias e sonhos a bordo, no rumo da América. Cruzando o Atlântico, continuaremos nos fortalecendo e superando, com a fraternidade dos comunistas portugueses, os desafios da nossa jovem democracia. Precisamos, como nunca desse aprendizado diante do que vivemos no nosso país. A tristeza e as dificuldades com o que vem acontecendo são peso difícil de carregar sobre os ombros sozinhos. Mas seguiremos irmanados. Que os ventos sejam bons, que as caravelas de 2019 continuem levando Brasil, Portugal e o mundo sempre avante.
Nota dos Jornalistas Livres: Não é coincidência a estratégia montada por Moro e a equipe da Lava Jato, com apoio total do bolsonarismo. Nessa estratégia, o crime é a publicação da verdade. “As instituições” devem ser preservadas a qualquer preço. O importante não é um juiz agir politicamente em conluio com o MP para tirar ilegalmente do páreo o principal candidato a presidente do país e, portanto, ajudando a eleger quem lhe promete um ministério e uma vaga no STF. O crime, de uma hora pra outra, passa a ser o jornalista publicar como isso aconteceu! Da mesa do Senado vemos um ministro da justiça, ex-juiz federal, afirmando, sem provas, que há “um grupo de criminosos em conluio com um jornalista sensacionalista contra a Justiça e a Presidência do Brasil”. E, num instante, temos manifestações pela deportação do jornalista, ameaças de morte contra o marido e os filhos do jornalista, fake news sobre compra de mandato parlamentar do marido do jornalista ditas EM PLENÁRIO pelo senador filho do presidente e articulações nas redes por manifestações em favor do ministro que rasgou a Constituição e contra o jornalista que provou isso. Detalhe: o jornalista (Gleen Greenward) é simplesmente um dos melhores de nossa geração, com prêmios e reconhecimento mundial. Mais premiado que ele, talvez, somente o John Pilger, que está na profissão desde antes de Gleen nascer. Mas, como disse acima, não é coincidência a linha de defesa escolhida por Sérgio Moro. Os nomes de jornalistas e veículos de comunicação citados na entrevista poderiam ser facilmente trocados por nomes locais. Pilger tem denunciado isso há anos com a perseguição de Julian Assange. Nessa reportagem recentemente traduzida para o português e publicada pelo site Outras Palavras, Pilger mostra os perigos para as democracias da criminalização do jornalismo. Respirem fundo, leiam, reflitam e repassem.
Publicado originalmente em 18/06/2019 às 21:09 – Atualizado 18/06/2019 às 21:16
O cineasta John Pilger, cujo trabalho é afiado e digno de prêmios como o Oscar e o Emmy, é reverenciado e celebrado por jornalistas e editores em todo o mundo. Quando ainda estava em seus vinte anos, Pilger se tornou o jornalista mais jovem a receber o principal prêmio britânico da categoria, o “Jornalista do Ano”, o qual também foi o primeiro a ganhá-lo duas vezes. Após se mudar para os Estados Unidos, relatou as revoltas do final dos anos 1960 e dos 1970. Pilger estava na sala no momento em que Robert Kennedy, então candidato presidencial, foi assassinado em junho de 1968.
Sua reportagem sobre o sudeste asiático e o documentário que veio depois, Ano Zero: A Morte Silenciosa do Camboja, levantou quase 50 milhões de dólares (193 mil reais) para as pessoas daquele país atingido. De maneira semelhante, seu documentário de 1994 e o relatório de despachos do Timor Leste, para onde viajou secretamente, ajudou a estimular apoio aos timorenses, cujo território estava então ocupado pela Indonésia. Na Grã-Bretanha, sua investigação de quatro anos em nome de um grupo de crianças debilitadas ao nascer pela droga Talidomida, e deixadas de fora do acordo com a farmacêutica, teve, como resultado, um acordo especial. Em 2009, foi agraciado com o prêmio de direitos humanos da Austrália, o Sydney Peace Prize. Recebeu títulos de doutorado honorários de universidades no Reino Unido e outros países. Em 2017, a Biblioteca Britânica anunciou um Arquivo John Pilger de todos os seus trabalhos em texto e filme.
Nessa entrevista com Dennis J. Bernstein e Randy Credico, Pilger fala sobre o que está acontecendo com seu amigo e colega Julian Assange, fundador e editor do WikiLeaks, e como sua perseguição pode ser o começo do fim da reportagem investigativa moderna como a conhecemos. Desde sua alardeada encarceramento em prisão de segurança máxima, jornalistas e whistleblowers [indivíduos que denunciam más condutas de governos e instituições] têm sido perseguidos, presos e seus documentos e discos rígidos apreendidos em países como os EUA, França, Grã Bretanha e Austrália.
Bernstein: É bom falar com você de novo, John. Obrigado por conversar conosco. Isso que está acontecendo — não apenas com Julian Assange — mas com o futuro do jornalismo, é perturbador. Agora, temos visto ataques a jornalistas na Austrália, França e aqui nos EUA em São Francisco, onde a polícia algemou um repórter enquanto vasculhava sua casa e apreendia seu HD. Sabemos que Julian Assange está em uma prisão de segurança máxima e Chelsea Manning também está encarcerado. São tempos terríveis para o fluxo livre de informação.
Pilger: Bem, isso agora está acontecendo em todo o mundo, inclusive em toda a parte daquele mundo que se gaba de ser “iluminado”. Estamos presenciando a represália aos whistleblowers e jornalistas que se atrevem a dizer a verdade. Há uma guerra global contra o jornalismo. Mais do que isso, há uma guerra global contra os dissidentes. A velocidade com que esses eventos acontecem está bem acentuada desde 11 de abril, quando Julian Assange foi arrastado pela polícia para fora da embaixada equatoriana em Londres. Desde então, a polícia tem se voltado contra jornalistas nos Estados Unidas, na Austrália e, de maneira mais espetacular, na América Latina. É como se tivesse sido acionado um sinal verde para eles.
Credico: Eu achava que a essa altura Assange já estaria solto. Você também não pensou que chegaria um momento em ele estaria livre da situação terrível que estava quando o vi, há dois anos atrás?
Pilger: Estou relutante em fazer futurologia. Realmente pensei que um acordo político teria sido feito. Olhando para trás, isso era extremamente ingênuo porque o extremo oposto tinha sido planejado para Julian Assange. Há um “precedente Assange” funcionando em todo o mundo. Na Austrália, houve um ataque a uma emissora pública, a Australian Broadcasting Corporation, onde a polícia federal entrou com mandados, um dos quais os dava permissão para deletar, alterar e se apropriar do material de jornalistas. Foi um dos ataques mais estrondosos à liberdade jornalística e inclusive à liberdade de expressão de que tenho lembrança. Vimos até a News Corporation de Rupert Murdoch ser atacada.
A editora de política de um dos jornais de Murdoch, o The Sunday Telegraph, viu sua casa ser saqueada e seus pertences pessoais, íntimos, pilhados. Ela havia feito uma reportagem sobre a extensão da espionagem oficial dos australianos realizada por seu governo. Algo similar aconteceu na França, onde a polícia do [presidente Emmanuel] Macron moveu uma ação contra jornalistas da revista Disclose.
Assange previu isso enquanto estava sofrendo acusações e abusos. Ele dizia que o mundo estava mudando e que as chamadas democracias liberais estavam se tornando autocracias. Uma democracia que põe sua polícia contra jornalistas e confisca suas notas e computadores, simplesmente porque revelaram algo que o governo não queria que o povo soubesse, não é uma democracia.
Credico: Sabe, John, alguns representantes da mídia empresarial aqui nos EUA e, acredito, no Reino Unido, agora que perceberam que o tiro, possivelmente, saiu pela culatra, subitamente saíram em defesa de Assange, particularmente quanto ao uso do Ato de Espionagem e ao recolhimento de informação. Não quero denunciá-los por terem esperado tanto tempo, mas porque eles esperaram tanto e que tipo de ajuda podem oferecer a essa altura? E o que eles deveriam fazer, já que também estão na mira?
Pilger: Vamos ver quem está realmente na mira. O WikiLeaks copublicou os registros das guerras do Afeganistão e do Iraque em 2010, em colaboração com várias organizações de mídia: Der Spiegel na Alemanha, The New York Times nos EUA, The Guardian no Reino Unido e Espresso na Itália. Quem mais publicou o material do Iraque foram Al Jazeera, Le Monde, o Bureau of Investigative Journalism de Londres, o programa Dispatches do Channel 4 em Londres, o projeto britânico Iraq Body Count, o RUF (Islândia), o SVT (Suécia) e por aí vai.
Existe uma lista de jornalistas que relataram esses fatos e trabalharam com Assange. Isso fez seu trabalho ecoar; eram colaboradores no sentido literal. Estou com uma lista agora mesmo: no The New York Times tem Mark Mazzetti, Jane Perlez, Eric Schmitt, Andrew W. Lehren, C. J. Chivers, Carlotta Gall, Jacob Harris, Alan McLean. Do The Guardian são Nick Davies, David Leigh, Declan Walsh, Simon Tisdal… e a lista continua. Todos esses jornalistas estão na mira. Eu não acredito que muitos vão acabar entrando em apuros como Julian Assange porque não representam um perigo ao sistema que reagiu contra Assange e Chelsea Manning; mas eles, prima facie, cometeram os mesmos “crimes”. Em outras palavras, são tão “culpados” quanto Assange de cometer jornalismo.
Isso se aplica a centenas, se não milhares, de jornalistas ao redor do mundo. As divulgações do WikiLeaks, se não copublicadas, foram ignorados por jornais, revistas e programas investigativos de televisão em todas as partes. Isso faz com que todos os jornalistas estejam envolvidos, todos os produtores, todos os apresentadores, todos eles são cúmplices. E, é claro, a perseguição de Assange e a intimidação de alguns outros representa um escárnio à Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que diz que você tem todo o direito de publicar; você tem todo o direito de “publicar e ser amaldiçoado”. É um dos mais nobres e demonstráveis princípios da constituição norte-americana que está sendo jogado no lixo. E a ironia é que os jornalistas que olharam de forma enviesada para Assange, ainda alegando que ele não era jornalista, estão agora correndo para cobrir, não porque ele é um jornalista da mais alta grandeza, mas porque ele é um jornalista com mais consciência do que muitos deles mesmos. Ele — e os outros em sua sombra — estava fazendo um trabalho básico do jornalismo. É por isso que chamo isso de guerra global contra o jornalismo — e o precedente aberto por Julian Assange não se parece em nada com o que vimos antes.
Bernstein: John, quero pegar o ponto de onde você estava, na pergunta de Randy, e esmiuçar e aprofundar o entendimento das pessoas sobre quem exatamente é Julian Assange e, se me permite, o ritmo que ele escolheu para seu trabalho. Como você descreve esse ritmo de Julian Assange e as pessoas que escolheu para trabalhar com ele?
Pilger: Quando conheci Julian Assange, perguntei a ele: “De que se trata, afinal, o WikiLeaks, e o que você está fazendo aqui?”. Ele descreveu muito claramente o princípio da transparência. Na verdade, estava descrevendo o princípio da liberdade de expressão: que temos o direito de saber. Temos o direito de ter conhecimento sobre o que nossos governos estão fazendo em nosso nome. Ele não estava dizendo que há um direito de pôr as pessoas em perigo. Estava dizendo que no jogo normal das democracias liberais temos o direito de saber o que o governo está fazendo por nós, às vezes até conspirando contra nós e em nosso nome. Temos o direito de saber a verdade sobre o que eles dizem em privado, o que tão frequentemente é traduzido em inverdades em público. Essa transparência, ele disse, era um princípio moral. Essa é a “razão” do WikiLeaks. Ele acredita nisso fervorosamente e, claro, isso deveria tocar em todos os jornalistas autênticos, porque é isso que nós todos deveríamos acreditar.
O que o caso Assange nos mostrou é que essa guerra contra o jornalismo, essa guerra contra o dissidente, ainda tem que entrar na corrente sanguínea da política. Nenhum dos candidatos que concorre à presidência dos Estados Unidos chegou a mencionar o assunto. Nenhum dos Democratas proferiu uma palavra. Não esperamos que a gangue de Trump fale sobre princípios como esses, mas há alguns ingênuos que acreditam que talvez alguns dos democratas deva fazer. Nenhum deles fez.
Bernstein: [O que significa quando] Julian Assange e Chealsea Manning, um editor e um dos mais importantes whistleblowers militares de nosso tempo, estão na prisão e encarcerados?
Julian Assange
Pilger: Eles querem pôr suas mãos em Julian Assange porque ele protegeu sua fonte e eles querem pôr as mãos em Chelsea Manning porque ela, sendo a fonte, se recusou a mentir sobre Julian Assange. Ela recusou-se a implicá-lo. Recusou-se a dizer que há uma conspiração entre eles. Esses dois exemplificam o que é a mais pura alegação da verdade na era moderna. Fomos desprovidos de duas pessoas como Assange e Chelsea Manning.
Sim, houve excelentes reportagens investigativas e revelações, mas temos que voltar ao nível de Daniel Ellsberg [militar que, em 1971, forneceu ao The New York Times o Pentagon Papers] para apreciar o que Chelsea e Julian, essas duas figuras heroicas, o que elas nos deram, e por que estão sendo perseguidas.
Se permitimos essas perseguições, tudo está perdido… A intimidação e a supressão vão agir em toda nossa vida. Na mídia que outrora abusou de Assange, eu vejo medo. Você lê alguns desses editoriais escritos por aqueles que uma vez atacaram Julian Assange e acusaram-no, tais como o The Guardian, e você os percebe temendo ser os próximos. Você lê colunistas famosos como Katie Benner, no The New York Times, que atacou Assange e agora vê uma ameaça de seus algozes a todos os jornalistas. O mesmo é verdade para David Corn [da Mother Jones], que agora vê a ameaça para todo o jornalismo. E eles têm razão em estarem assustados.
Credico: Qual era o medo que se tinha de Assange? Que ele continuaria a trabalhar em novos métodos de exposição? Por que estão tão assustados com Assange?
A Polícia Federal australiana em sua incursão ao escritório da ABC, em Sidney
Pilger: Bem, acredito que estavam preocupados — estão preocupados — que entre os dois milhões de pessoas nos EUA que têm uma autorização de segurança nacional estejam entre aqueles que Assange chamou de “objetores conscienciosos”. Uma vez pedi a ele para descrever as pessoas que estavam usando o WikiLeaks para liberar informações importantes. Ele os comparou aos objetores conscienciosos nos tempos de guerra, pessoas de princípios e de paz, e eu acho que é uma descrição bem apropriada. As autoridades estão preocupadas com a possibilidade de que haja algumas outras Chelseas por aí. Talvez não tão corajosas ou ousadas como Chelsea, mas que podem começar a soltar informações que enfraqueçam todo o sistema da máquina de guerra.
Credico: Sim, falei com Julian sobre isso mais ou menos um ano atrás, quando estava em Londres, sobre tentar fazer uma comparação com o sul norte-americano na guerra de secessão e jornalistas como Elijah Lovejoy e David Walker, que foram assassinados por expôr a brutalidade e o destino da escravidão. Eu disse: “Sabe, nós precisamos começar a te mostrar desse ponto de vista”, ao que ele respondeu: “há uma grande diferença, Randy”. Ele disse isso: “veja, aqueles homens só tiveram que lidar com um dos lados, e foi isso; as pessoas no sul e algumas de suas colaboradoras em Nova York, que foram parte dos negócios de transporte de algodão. Mas o resto do norte estavam praticamente todo do lado dos abolicionistas. Eu expus crimes de guerra e isso fez com que os conservadores se irritassem. E então expus o mal comportamento e a prevaricação no Partido Democrata. Então, todos eram meu alvo, eu não poupo ninguém, então isso não se aplica a mim”.
E foi isso que aconteceu aqui. Você enxerga isso pelo reduzido número de protestos em seu nome. Eu fui a uma manifestação outro dia, um pequeno protesto por Assange em frente à embaixada britânica, e apenas meia dúzia de pessoas estavam lá, um pouco mais do que na semana anterior. Ele não está gerando esse tipo de interesse até agora. E você via pessoas que passavam por lá e diziam “Assange é um traidor”. Quer dizer, estão tão desinformadas, e agora tenho que usar a citação que você usou, de Vandana Shiva, em seu livro Freedom Next Time, que trata da “insurreição do conhecimento subjugado”. Você pode falar sobre isso?
Vandana Shiva
Pilger: Vandana Shiva é uma grande ambientalista e ativista política indiana, cujos livros sobre a ameaça da monocultura são referência, especialmente a ameaça de empresas multinacionais de agroenergia que se impõe em sociedades vulneráveis e rurais como a Índia. Ela descreve uma “insurreição do conhecimento subjugado”. É um ótimo truísmo. Eu por muito tempo acreditei que a verdade reside em um mundo metaforicamente subterrâneo e sobre isso está todo o ruído: o ruído dos políticos credenciados, o ruído da mídia credenciada, aqueles que parecem estar falando por quem está abaixo deles. De vez em quando, contadores de verdade emergem de baixo. Pegue, por exemplo, o correspondente de guerra australiano, Wilfred Burchett, que foi o primeiro a ir a Hiroshima depois do bombardeio atômico. Seus relatos foram capa de seu jornal The Daily Express, em Londres, nos quais dizia “eu escrevo isso como um alerta ao mundo”. Estava alertando sobre armas nucleares. Tudo foi jogado contra Burchett para acusá-lo e desacreditá-lo. O correspondente do New York Times liderava esse movimento: a mesma pessoa que negou que as pessoas estavam sofrendo efeitos da radioatividade: que pessoas tinham morrido apenas na explosão. Depois, descobriu-se que ele estava mancomunado com autoridades norte-americanas. Wilfred Burchett sofreu acusações ao longo de toda sua carreira. Todos os whistleblowers passam por isso — aqueles que são afrontados pela indecência de algo que descobrem, talvez em uma empresa para a qual trabalham ou dentro de um governo — eles acreditam que o público tem o direito de saber a verdade.
O Guardian, que atacou Julian Assange com tanta crueldade, tendo sido um dos parceiros de mídia do WikiLeaks, nos anos 1980 publicou documentos de um oficial do Ministério das Relações Exteriores que relatava planos dos EUA de instalarem mísseis de cruzeiro de médio alcance ao longo da Europa. O Guardian publicou isso e foi devidamente elogiado em um documento de divulgação e princípio. Mas quando o governo foi à justiça e um juiz exigiu que o jornal entregasse os documentos que revelariam quem era o denunciante — ao invés do editor fazer o que editores devem fazer, defender os princípios e dizer “não, não vou revelar minha fonte” — o jornal traiu sua fonte. Seu nome é Sarah Tisdall e ela acabou presa. Então, whistleblowers tem que ser pessoas extraordinariamente corajosas e heroicas. Quando você olha para tipos como Julian Assange e Chelsea Manning é como se toda a força da segurança de Estado nacional norte-americana, apoiada por seus chamados aliados, tenha sido imposta a eles. Julian representa um exemplo de que eles têm que fazê-lo, porque se não transformá-lo em um exemplo, jornalistas podem ser encorajados a fazer seu trabalho, e esse trabalho significa contar ao público o que ele tem direito de saber.
Credico: Muito bem dito. No prefácio ou introdução de seu livro, Freedom Next Time, você também cita Harold Pinter e seu discurso vencedor do Prêmio Nobel, no qual ele fala sobre a vasta tapeçaria de mentiras que alimentamos, e ele segue adiante e diz que os crimes norte-americanos foram superficialmente registrados, que dirá documentados, que dirá conhecidos. Julian Assange quebrou essa conduta pra valer, expôs crimes de guerra cometidos pelos EUA e todo tipo de travessuras que o Departamento de Estado tenha perpetrado. Você fala de Harold Pinter, da grande influência que ele foi.
Pilger: Sim, eu recomendo aos seus ouvintes o discurso de recebimento do Prêmio Nobel de Harold Pinter. Acredito que foi em 2015. Foi um testamento eloquente e magnífico sobre como e porque a verdade precisa ser contada e também por quê não deveríamos mais tolerar a hipocrisia dos políticos de duas caras.
Harold Pinter fez um paralelo entre nossa visão sobre a União Soviética e os crimes de Stalin, comparada com a dos crimes dos Estados Unidos; ele disse que a maior diferença é que nós temos ciência da magnitude dos crimes de Stálin, mas que sabemos muito pouco sobre os crimes de Washington. Ele comentava que o ensurdecedor silêncio que envolve nossos crimes — quando digo “nossos”, me refiro àqueles dos Estados Unidos — significam, como ele disse memoravelmente: “estes crimes nunca ocorreram, não aconteceram nem quando estavam ocorrendo, eles não são de interesse público e não têm a menor importância”.
Nos livramos desse duplo padrão, com certeza. Acabamos de ter uma celebração escorregadia do 6 de junho, o Dia-D. Essa foi uma invasão extraordinária na qual muitos soldados tomaram parte e deram suas vidas, mas isso não fez com que a guerra fosse vencida. A União Soviética na verdade ganhou a guerra, mas os russos não eram nem representados, não eram nem convidados a falar sobre isso. Isso não aconteceu, como Pinter costumava dizer. Isso não importou. Mas Donald Trump estava lá, palestrando ao mundo sobre guerra e paz. É uma sátira horrível. Esse silêncio, essas omissões, correm em todos os nossos jornais, como se fosse mesmo uma aparência de verdade, e não é.
Bernstein: Quero voltar ao ponto de Wilfred Burchett e a enorme responsabilidade que esses grandes jornalistas têm de permitir que coisas terríveis continuem acontecendo sem serem noticiadas, baseados em questões de patriotismo e alegações de segurança nacional. Estou pensando, tiveram que calar Wilfred Burchett porque aquilo poderia ter aberto a porta toda de como são perigosas as armas nucleares e o poder nuclear, detonando o mito da paz atômica.
Pilger: Isso é totalmente verdade, Dennis, e isso também mina os planos morais da “Guerra Boa”, a Segunda Guerra Mundial que acabou com esses dois grandes crimes: o bombardeio atômico de Hiroshima e de Nagasaki em um momento em que o Japão não representava nenhuma ameaça. Historiadores confiáveis agora não nos contam os contos de fadas de que essas bombas atômicas eram necessárias no fim da guerra. Então, isso destruiu em muitos aspectos a grande missão moral da guerra.
Não apenas fez isso, como declarou no bombardeio atômico que uma nova guerra estava começando, uma “Guerra Fria”, apesar da possibilidade de se tornar rapidamente uma “guerra quente” com a União Soviética. E com isso estava dizendo que “nós” — ou seja, os Estados Unidos e aliados como os britânicos — temos armas nucleares e estamos prontos para usá-las. Essa é a chave: estamos preparados para usá-las. E os Estados Unidos foram os únicos que já chegaram a usá-las contra outro país.
Claro que, depois, isto foi testado nos Territórios de Confiança da ONU. Era para ser mantido em confiança pela ONU nas Ilhas Marshall e acabou dando início a várias Hiroshimas ao longo de 12 anos. Naquele tempo, nós não sabíamos nada disso. Mas e quanto sabemos sobre as ogivas nucleares (tipo de míssil) que o Presidente Obama solicitou e que comprometeram cerca de um trilhão de dólares? — às quais, certamente, o presidente Trump deu continuidade.
E aqueles tratados que ofereciam uma defesa precária contra um holocausto nuclear, tratados com a União Soviética, como o de armas de médio alcance, que foi rasgado por esta administração? Uma coisa leva à outra. Isto é contar a verdade.
Bernstein: quero voltar e lembrar as pessoas que tipo de estrutura Julian Assange criou com o WikiLeaks para proteger whistleblowers. Esse é um ponto crucial porque temos visto agora outros jornalistas sendo mais cuidadosos e vemos fontes sendo rastreadas, presas, e enfrentando grandes tempos de cadeia. E acredito que foi assim que Julian Assange honrou os whistleblowers, protegê-los é uma parte crucial de quem ele é e o que ele fez.
Pilger: Ele inventou um sistema através do qual é impossível dizer quem foi a fonte e isso permitiu pessoas usarem algo como um buraco de caixa de correio para vazar materiais sem terem sua identidade divulgada. É provavelmente isso que enraiveceu aqueles que estão perseguindo Assange. Significa que pessoas de consciência dentro dos governos, dentro de sistemas, que ficam incomodadas como Chelsea Manning, que ficou profundamente perturbada com o que viu, tenham a oportunidade de contar ao mundo, sem temer que tenham sua identidade exposta. Infelizmente, Chelsea revelou sua identidade a alguém que a traiu. É um meio sem precedentes de descobrir a verdade.
Bernstein: John, conte-nos sobre sua visita recente a Assange no presídio de segurança máxima de Belmarch, na Grã-Bretanha. Como ele está?
Pilger: Eu gostaria de dizer uma coisa sobre Julian, pessoalmente. Eu vi Julian na prisão de Belmarsh e eu tive uma sensação vívida do que ele tem que suportar. Eu vi a resiliência e coragem que conheço há tantos anos, mas agora ele está indisposto. A pressão sobre ele é inimaginável, a maior parte de nós teria se curvado diante disso. Mas há uma questão aqui de justiça por esse homem e o que ele teve que enfrentar; não apenas as mentiras que foram contadas sobre ele na embaixada e as grandes farsas que buscavam assassinar sua reputação. A chamada mídia respeitável, do New York Times ao The Guardian, todos caíram na lama e a jogaram nele; e hoje ele está muito vulnerável e eu vou dizer isso aos ouvintes: ele precisa de nosso apoio e solidariedade. Mais importante, ele merece.
Bernstein: Fale um pouco mais sobre as condições do lugar e por que é tão significativo que o deixem por um ano numa prisão como essa.
Pilger: Bom, eu suponho que por causa da ameaça que ele significa. Mesmo com Julian preso, o WikiLeaks segue. Essa é uma prisão de segurança máxima. Qualquer um preso por infração de fiança, antes de mais nada, não teria sido condenado a 50 semanas, como ele foi. Poderiam receber uma multa ou um mês, no pior dos casos. Mas é claro que isto, agora, significou uma extradição, um caso com todos esses encargos ridículos vindos de uma acusação na Virgínia. Mas Julian, como indivíduo, o que sempre me chocou, é que ele é exatamente o oposto da imagem que seus detratores relatam. Ele tem um intelecto aguçado, então é muito inteligente, evidentemente.
Ele é muito engraçado e divertido. Sempre dou risadas com ele. Nós, inclusive, conseguimos rir da última vez em que o vi na embaixada, quando tinha um monte de câmeras na sala, e trocamos anotações em que tínhamos que cobrir o que aquilo que estávamos escrevendo.
Ele deu um jeito de rir disso. Então ali você tem um tipo de humor seco, quase humor negro, ao mesmo tempo em que ele é uma pessoa muito apaixonada; mas sua resiliência é o que sempre me deslumbrou. Já tentei me imaginar no lugar dele, e não consegui. Quando o vi na cadeia, e tivemos que nos sentar na frente um do outro, eu estava com mais um casal. Um de nós deu a volta ao redor da mesa, só para ficar mais perto dele, quando foi impedido pelos seguranças. Esse tipo de situação é o que uma pessoa que não cometeu nenhum crime — sim, ele cometeu o crime do jornalismo — tem que aturar.
Com apenas um mês do novo governo o parlamento israelense vive um caos político e votou por sua própria dissolução. O primeiro-ministro interino, Benjamin Netanyahu, não conseguiu unir os partidos de direita, a fim de controlarem maioria das 120 cadeiras parlamentares, mesmo depois de ter conquistado sua quinta vitória nas urnas.
A crise no governo começou após um impasse entre os judeus ultra-ortodoxos e os militares, que insistem em manter a obrigatoriedade do serviço militar para todos os jovens Israelenses, inclusive os ortodoxos que eram liberados desde a fundação do estado até 2017, isso é um total desrespeito a ideologias e crenças, pois,mesmo que discordem da posição do seu governo em relação aos conflitos com os palestinos, ainda assim devem se alistar aos 18 anos de idade e servir por 2 anos para mulheres e 3 para homens, alem do serviço de reserva também obrigatório.
Vale lembrar que um novo processo eleitoral pode retardar no supremo tribunal o julgamento do primeiro ministro, que é acusado de fraude e suborno. Netanyahu tentou conseguir imunidade a si mesmo nos julgamentos além de aceitar presentes e distribuir favores políticos é frequentemente denunciado por censurar a imprensa. Sua mulher, Sara, é julgada por fraude e Seu filho, Yair, 27, foi banido do Facebook por propagar discurso de ódio contra palestinos e muçulmanos.