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  • Familiares de mortos e desaparecidos poderão retificar registro de óbito de seus entes amados

    Familiares de mortos e desaparecidos poderão retificar registro de óbito de seus entes amados

    Em dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade reconheceu 434 mortes durante a ditadura  entre os anos de 1946 e 1988. Entre eles, 210 estão desaparecidos. (A lista está abaixo)

    O número pode ser muito maior se considerado os indígenas e camponeses mortos em “operações” de militares na época, uma dívida histórica ainda não calculada.

    Apesar de toda dor dos familiares que perderam seus entes pelas mãos assassinas do Estado brasileiro, a tortura a que foram submetidos se perpetua seja pela impunidade dos agentes que praticaram a tortura e o desaparecimento de muitos corpos, seja pela dificuldade de lavrar  um simples atestado de óbito.

    Foram mais de 20 anos de espera até que Lei 9.140/95 permitisse que familiares de desaparecidos pudessem requerer os registros de óbito, o que facilitava a vida oficial/burocrática de esposas e filhos.

    Mas foi um alívio momentâneo na vida daqueles que buscam há anos por reparação e justiça. Os termos lavrados nos documentos não refletiam a causa das mortes, usavam termos não convencionais e não passavam de um papel carente de sentido para os familiares de mortos e desaparecidos políticos.

    Agora, mais de meio século depois do começo da história, o Ministério dos Direitos Humanos, através da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), soltou uma resolução que permite a retificação destes assentos de óbito. (Confira na integra logo abaixo).

    Segundo Amélia Teles, ex-presa política e uma referência para as famílias de mortos e desaparecidos na luta pelo reconhecimento dos crimes do Estado durante a ditadura, a resolução é um passo importante, “mas que não resolve o nosso problema que é a busca por verdade. É um avanço, mas uma pena que não venha acompanhado da abertura dos arquivos militares”.

    Em casos, por exemplo, como de Fernando Santa Cruz (estudante desaparecido em março de 1974) e David Capistrano, avô dessa que reporta, dirigente do Partido Comunista Brasileiro e deputado estadual de Pernambuco, em que a Comissão Nacional da Verdade não chegou a uma conclusão sobre as circunstancias dos assassinatos, para que haja a retificação, há necessidade de consenso de todos os familiares para que seja “escolhida” uma versão para a causa mortis que constará no documento.

    Rosalina Santa Cruz, irmã de Fernando, diz que não conversou ainda com seus familiares, e que existem três versões para a morte do estudante. Seu corpo poderia ter sido enterrado clandestinamente no Cemitério de Perus, por exemplo, ou ter sido incinerado em uma usina de açúcar depois de passar por tortura na Casa da Morte, em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro.

    Mais uma vez a conquista cobrará um preço dos familiares e para seus algozes (no fim e a cabo, o próprio Estado) nem uma consequencia. Para que as retificações dos atestado de óbitos sejam feitas, o Estado terá que ser provocado pelos familiares. “O ideal seria que o Estado nos entregassem os documentos em que estivesse morreu no dia tal, na hora tal, depois de tortura ou um tiro”, lamenta Amelinha.

    Documentos serão entregues, baús de sofrimentos serão remexidos. E o encontro com a verdade, a reparação e a justiça para muitos ainda estará por vir.


    Ministério dos Direitos Humanos

    COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESPARECIDOS POLÍTICOS

    RESOLUÇÃO Nº 2, DE 29 DE NOVEMBRO DE 2017

    Estabelece o procedimento para emissão de atestados para fins de retificação de assentos de óbito das pessoas reconhecidas como mortas ou desaparecidas políticas, nos termos da Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995, e da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011.

     

    A COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS (CEMDP), no uso das atribuições que lhe confere o artigo 4º, da Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995, reunida em sua 75ª Reunião Ordinária,

    CONSIDERANDO que, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei nº

    9.140, de 4 de dezembro de 1995, os pedidos de assentos de óbito de pessoas mortas ou desaparecidas no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial de 1964 a 1985 podem ser instruídos com os deferimentos da CEMDP de requerimentos de seus familiares; resolve:

     

    Art. 1º Estabelecer procedimento para emissão de atestados para fins de retificação das anotações da causa e outras circunstâncias de morte nos assentos de óbito das pessoas reconhecidas como mortas ou desaparecidas políticas, nos termos da Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995 e da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011 – doravante denominadas “mortos e desaparecidos políticos”-, conforme disposto na presente Resolução.

     

    Art. 2º A CEMDP emitirá os atestados de óbito de mortos e

    desaparecidos políticos, de maneira individualizada, após consulta aos familiares respectivos – doravante denominados “familiar(es)”-, sobre seu interesse em proceder à correção dos assentos de óbito.

    Parágrafo único. A presente medida é adotada em cumprimento à Recomendação n. 07, da Comissão Nacional da Verdade CNV), instituída pela Lei nº 12.528, de 2011, e em consonância com o disposto na Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a Lei de Registros Públicos (LRP).

     

    Art. 3º A CEMDP consultará o(s) familiar(es), sobre seu in-

    teresse em proceder à correção dos assentos de óbitos, mediante comunicados enviados individualmente, por via digital ou postal, e coletivamente, mediante ampla divulgação, por qualquer meio disponível, via internet e pela imprensa.

    Parágrafo único. Fica criado o endereço eletrônico cemdp.certidao@mdh.gov.br exclusivamente para receber os pedidos de providências para correção de assentos de óbito.

     

    Art. 4º O(s) familiar(es) que tiver(em) interesse na retificação

    deve(m) enviar o pedido respectivo ao endereço eletrônico acima citado, bem como cópia da certidão de óbito, cujo assento deva ser corrigido.

     

    Art. 5º Cada pedido de retificação será autuado como procedimento administrativo no sistema SEI do Ministério dos Direitos Humanos (MDH) no âmbito do qual será emitida uma minuta de atestado, que, por sua vez, será submetida ao(s) familiar(es) interessado(s), em resposta pelo mesmo endereço eletrônico.

    • 1º Os atestados emitidos para fins de retificação de assentos de óbito devem indicar as circunstâncias da morte ou desaparecimento de mortos ou desaparecidos políticos, com base nos procedimentos administrativos da CEMDP e no Volume III do Relatório da CNV.

     

    • 2º Em caso de versões conflitantes entre as fontes acima citadas, prevalecerá a constante do Relatório da CNV, a menos que as circunstâncias apontadas pela CEMDP constituam fato novo apurado após o encerramento dos trabalhos da CNV, em dezembro de 2014.

     

    • 3º O atestado será assinado pela presidência da CEMDP e

    conterá, nos termos do art. 81, da Lei nº 6.015, de 1973 (LRP), com a maior especificidade possível, as circunstâncias da morte, tais como hora, data, local, e que a morte não foi natural, mas violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial de 1964 a 1985.

     

    • 4º Como nome dos atestantes, conforme exigido pelo mesmo artigo da Lei nº 6.015, de 1973 (LRP), deverá constar dos assentos respectivos: “Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”, com a indicação das páginas do Relatório da CNV ou do procedimento administrativo da CEMDP, de onde as afirmações foram extraídas.

     

    Art. 6º Após a definição do texto final de cada atestado em

    conjunto com o(s) familiar(es) respectivo(s), este(s) deverá(ão) assinar a petição de que trata o art. 111, da Lei nº 6.015, de 1973 (LRP), e a CEMDP providenciará a retificação administrativa junto ao cartório e juízo de registros públicos onde a certidão original tiver sido emitida.

     

    Art. 7º A CEMDP envidará esforços para que o Conselho Na-

    cional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) enviem comunicados aos juízos e  promotorias com atuação junto a cartórios de registros públicos para que determinem que as correções referidas nessa Resolução, sejam feitas de maneira célere e sem

    obstáculos burocráticos, considerada a sua natureza de reparação moral.

     

    Art. 8º De posse da certidão devidamente corrigida, a CEMDP

    providenciará a sua entrega ao(s) familiar(es) respectivo(s), se possível, pessoalmente, em cerimônia previamente agendada.

     

    Art. 9º Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.

     

    EUGÊNIA AUGUSTA GONZAGA


    LISTA DE MORTOS E DESAPARECIDOS DA DITADURA BRASILEIRA

    Abelardo Rausch de Alcântara

    Abílio Clemente Filho

    Adauto Freire da Cruz

    Aderval Alves Coqueiro

    Adriano Fonseca Filho

    Afonso Henrique Martins Saldanha

    Aides Dias de Carvalho

    Albertino José de Farias

    Alberto Aleixo

    Alceri Maria Gomes da Silva

    Aldo de Sá Brito Souza Neto

    Alex de Paula Xavier Pereira

    Alexander José Ibsen Voerões

    Alexandre Vannucchi Leme

    Alfeu de Alcântara Monteiro

    Almir Custódio de Lima

    Aluísio Palhano Pedreira Ferreira

    Alvino Ferreira Felipe

    Amaro Felix Pereira

    Amaro Luiz de Carvalho

    Ana Maria Nacinovic Corrêa

    Ana Rosa Kucinski Silva

    Anatália de Souza Melo Alves

    André Grabois

    Angelina Gonçalves

    Ângelo Arroyo

    Ângelo Cardoso da Silva

    Ângelo Pezzuti da Silva

    Antogildo Pascoal Viana

    Antônio Alfredo de Lima

    Antônio Bem Cardoso

    Antônio Benetazzo

    Antônio Carlos Bicalho Lana

    Antônio Carlos Monteiro Teixeira

    Antônio Carlos Nogueira Cabral

    Antônio Carlos Silveira Alves

    Antônio de Araújo Veloso

    Antônio de Pádua Costa

    Antônio dos Três Reis de Oliveira

    Antonio Ferreira Pinto

    Antonio Graciani

    Antônio Guilherme Ribeiro Ribas

    Antônio Henrique Pereira Neto

    Antônio Joaquim de Souza Machado

    Antônio José dos Reis

    Antonio Luciano Pregoni

    Antônio Marcos Pinto de Oliveira

    Antônio Raymundo de Lucena

    Antônio Sérgio de Mattos

    Antônio Teodoro de Castro

    Ari da Rocha Miranda

    Ari de Oliveira Mendes Cunha

    Ari Lopes de Macêdo

    Arildo Valadão

    Armando Teixeira Fructuoso

    Arnaldo Cardoso Rocha

    Arno Preis

    Ary Abreu Lima da Rosa

    Ary Cabrera Prates

    Augusto Soares da Cunha

    Aurea Eliza Pereira

    Aurora Maria Nascimento Furtado

    Avelmar Moreira de Barros

    Aylton Adalberto Mortati

    Batista (desaparecido político)

    Benedito Gonçalves

    Benedito Pereira Serra

    Bergson Gurjão Farias

    Bernardino Saraiva

    Boanerges de Souza Massa

    Caiupy Alves de Castro

    Carlos Alberto Soares de Freitas

    Carlos Eduardo Pires Fleury

    Carlos Lamarca

    Carlos Marighella

    Carlos Nicolau Danielli

    Carlos Roberto Zanirato

    Carlos Schirmer

    Carmem Jacomini

    Cassimiro Luiz de Freitas

    Catarina Helena Abi-Eçab

    Célio Augusto Guedes

    Celso Gilberto de Oliveira

    Chael Charles Schreier

    Cilon Cunha Brun

    Ciro Flávio Salazar de Oliveira

    Cloves Dias de Amorim

    Custódio Saraiva Neto

    Daniel José de Carvalho

    Daniel Ribeiro Callado

    Darcy José dos Santos Mariante

    David Capistrano da Costa

    David de Souza Meira

    Dênis Casemiro

    Dermeval da Silva Pereira

    Devanir José de Carvalho

    Dilermano Mello do Nascimento

    Dimas Antônio Casemiro

    Dinaelza Santana Coqueiro

    Dinalva Oliveira Teixeira

    Divino Ferreira de Souza

    Divo Fernandes d’Oliveira

    Djalma Carvalho Maranhão

    Dorival Ferreira

    Durvalino de Souza

    Edgar de Aquino Duarte

    Edmur Péricles Camargo

    Edson Luiz Lima Souto

    Edson Neves Quaresma

    Edu Barreto Leite

    Eduardo Antônio da Fonseca

    Eduardo Collen Leite

    Eduardo Collier Filho

    Eiraldo de Palha Freire

    Eliane Martins

    Elmo Corrêa

    Elson Costa

    Elvaristo Alves da Silva

    Emmanuel Bezerra dos Santos

    Enrique Ernesto Ruggia

    Epaminondas Gomes de Oliveira

    Eremias Delizoicov

    Eudaldo Gomes da Silva

    Evaldo Luiz Ferreira de Souza

    Ezequias Bezerra da Rocha

    Feliciano Eugênio Neto

    Félix Escobar Sobrinho

    Fernando Augusto da Fonseca

    Fernando Borges de Paula Ferreira

    Fernando da Silva Lembo

    Fernando Santa Cruz

    Flávio Carvalho Molina

    Francisco das Chagas Pereira

    Francisco Emanuel Penteado

    Francisco José de Oliveira

    Francisco Manoel Chaves

    Francisco Seiko Okama

    Francisco Tenório Júnior

    Frederico Eduardo Mayr

    Gastone Lúcia Carvalho Beltrão

    Gelson Reicher

    Geraldo Bernardo da Silva

    Geraldo da Rocha Gualberto

    Gerardo Magela Fernandes Torres da Costa

    Gerosina Silva Pereira

    Gerson Theodoro de Oliveira

    Getulio de Oliveira Cabral

    Gilberto Olímpio Maria

    Gildo Macedo Lacerda

    Gilson Miranda

    Grenaldo de Jesus da Silva

    Guido Leão

    Guilherme Gomes Lund

    Gustavo Buarque Schiller

    Hamilton Fernando da Cunha

    Hamilton Pereira Damasceno

    Helber José Gomes Goulart

    Hélcio Pereira Fortes

    Helenira Rezende de Souza Nazareth

    Heleny Teles Ferreira Guariba

    Hélio Luiz Navarro de Magalhães

    Henrique Cintra Ferreira Ornellas

    Higino João Pio

    Hiram de Lima Pereira

    Hiroaki Torigoe

    Honestino Monteiro Guimarães

    Horacio Domingo Campiglia

    Iara Iavelberg

    Idalísio Soares Aranha Filho

    Ieda Santos Delgado

    Iguatemi Zuchi Teixeira

    Inocêncio Pereira Alves

    Íris Amaral

    Ishiro Nagami

    Ísis Dias de Oliveira

    Ismael Silva de Jesus

    Israel Tavares Roque

    Issami Nakamura Okano

    Itair José Veloso

    Iuri Xavier Pereira

    Ivan Mota Dias

    Ivan Rocha Aguiar

    Jaime Petit da Silva

    James Allen da Luz

    Jana Moroni Barroso

    Jane Vanini

    Jarbas Pereira Marques

    Jayme Amorim Miranda

    Jean Henri Raya

    Jeová Assis Gomes

    João Alfredo Dias

    João Antônio Santos Abi-Eçab

    João Barcellos Martins

    João Batista Franco Drummond

    João Batista Rita

    João Bosco Penido Burnier

    João Carlos Cavalcanti Reis

    João Carlos Haas Sobrinho

    João de Carvalho Barros

    João Domingues da Silva

    João Gualberto Calatrone

    João Leonardo da Silva Rocha

    João Lucas Alves

    João Massena Melo

    João Mendes Araújo

    João Pedro Teixeira

    João Roberto Borges de Souza

    Joaquim Alencar de Seixas

    Joaquim Câmara Ferreira

    Joaquim Pires Cerveira

    Joaquinzão

    Joel José de Carvalho

    Joel Vasconcelos Santos

    Joelson Crispim

    Jonas José de Albuquerque Barros

    Jorge Alberto Basso

    Jorge Aprígio de Paula

    Jorge Leal Gonçalves Pereira

    Jorge Oscar Adur

    José Bartolomeu Rodrigues de Souza

    José Campos Barreto

    José Carlos da Costa

    José Carlos Novaes da Mata Machado

    José Dalmo Guimarães Lins

    José de Oliveira

    José de Souza

    José Ferreira de Almeida

    José Gomes Teixeira

    José Guimarães

    José Humberto Bronca

    José Idésio Brianezi

    José Inocêncio Barreto

    José Isabel do Nascimento

    José Jobim

    José Júlio de Araújo

    José Lavecchia

    José Lima Piauhy Dourado

    José Manoel da Silva

    José Maria Ferreira Araújo

    José Maurílio Patrício

    José Maximino de Andrade Netto

    José Mendes de Sá Roriz

    José Milton Barbosa

    José Montenegro de Lima

    José Nobre Parente

    José Porfírio de Souza

    José Raimundo da Costa

    José Roberto Arantes de Almeida

    José Roberto Spiegner

    José Roman

    José Sabino

    José Silton Pinheiro

    José Soares dos Santos

    José Toledo de Oliveira

    José Wilson Lessa Sabbag

    Juan Antonio Carrasco Forrastal

    Juares Guimarães de Brito

    Juarez Rodrigues Coelho

    Juvelino Andrés Carneiro da Fontoura Gularte

    Kleber Lemos da Silva

    Labibe Elias Abduch

    Lauriberto José Reyes

    Leopoldo Chiapetti

    Líbero Giancarlo Castiglia

    Lígia Maria Salgado Nóbrega

    Lincoln Bicalho Roque

    Lincoln Cordeiro Oest

    Lorenzo Ismael Viñas

    Lourdes Maria Wanderley Pontes

    Lourenço Camelo de Mesquita

    Lourival Moura Paulino

    Lúcia Maria de Souza

    Lucimar Brandão Guimarães

    Lucindo Costa

    Lúcio Petit da Silva

    Luís Alberto Andrade de Sá e Benevides

    Luisa Augusta Garlippe

    Luiz Affonso Miranda da Costa Rodrigues

    Luiz Almeida Araújo

    Luiz Antônio Santa Bárbara

    Luiz Carlos Augusto

    Luiz Carlos Almeida

    Luiz Eduardo da Rocha Merlino

    Luiz Eurico Tejera Lisbôa

    Luiz Fogaça Balboni

    Luiz Ghilardini

    Luiz Gonzaga dos Santos

    Luiz Hirata

    Luiz Ignácio Maranhão Filho

    Luiz José da Cunha

    Luiz Paulo da Cruz Nunes

    Luiz Renato do Lago Faria

    Luiz Renato Pires de Almeida

    Luiz René Silveira e Silva

    Luiz Vieira

    Luiza Garlippe

    Lyda Monteiro da Silva

    Manoel Aleixo da Silva

    Manoel Alves de Oliveira

    Manoel Custódio Martins

    Manoel Fiel Filho

    Manoel José Nunes Mendes de Abreu

    Manoel José Nurchis

    Manoel Lisboa de Moura

    Manoel Raimundo Soares

    Manoel Rodrigues Ferreira

    Márcio Beck Machado

    Marco Antônio Brás de Carvalho

    Marco Antônio da Silva Lima

    Marco Antônio Dias Baptista

    Marcos José de Lima

    Marcos Nonato da Fonseca

    Margarida Maria Alves

    Maria Ângela Ribeiro

    Maria Augusta Thomaz

    Maria Auxiliadora Lara Barcelos

    Maria Célia Corrêa

    Maria Lúcia Petit da Silva

    Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo

    Maria Regina Marcondes Pinto

    Mariano Joaquim da Silva

    Marilena Villas Boas

    Mário Alves de Souza Vieira

    Mário de Souza Prata

    Massafumi Yoshinaga

    Maurício Grabois

    Maurício Guilherme da Silveira

    Merival Araújo

    Miguel Pereira dos Santos

    Miguel Sabat Nuet

    Milton Soares de Castro

    Míriam Lopes Verbena

    Napoleão Felipe Biscaldi

    Neide Alves dos Santos

    Nelson José de Almeida

    Nelson Lima Piauhy Dourado

    Nelson de Souza Kohl

    Nestor Vera

    Newton Eduardo de Oliveira

    Nilda Carvalho Cunha

    Nilton Rosa da Silva (Bonito)

    Norberto Armando Habeger

    Norberto Nehring

     

    Odijas Carvalho de Souza

    Olavo Hanssen

    Onofre Ilha Dornelles

    Onofre Pinto

    Orlando da Silva Rosa Bonfim Júnior

    Orlando Momente

    Ornalino Cândido da Silva

    Orocílio Martins Gonçalves

    Osvaldo Orlando da Costa

    Otávio Soares Ferreira da Cunha

    Otoniel Campo Barreto

    Paschoal Souza Lima

    Pauline Reichstul

    Paulo César Botelho Massa

    Paulo Costa Ribeiro Bastos

    Paulo de Tarso Celestino

    Paulo Guerra Tavares

    Paulo Mendes Rodrigues

    Paulo Roberto Pereira Marques

    Paulo Stuart Wright

    Paulo Torres Gonçalves

    Pedro Alexandrino de Oliveira Filho

    Pedro Carretel

    Pedro Domiense de Oliveira

    Pedro Inácio de Araújo

    Pedro Jerônimo de Souza

    Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar

    Péricles Gusmão Régis

    Raimundo Eduardo da Silva

    Raimundo Ferreira Lima

    Raimundo Gonçalves Figueiredo

    Raimundo Nonato Paz

    Ramires Maranhão do Vale

    Ranúsia Alves Rodrigues

    Raul Amaro Nin Ferreira

    Reinaldo Silveira Pimenta

    Roberto Cietto

    Roberto Macarini

    Roberto Rascardo Rodrigues

    Rodolfo de Carvalho Troiano

    Ronaldo Mouth Queiroz

    Rosalindo Souza

    Rubens Beyrodt Paiva

    Rui Osvaldo Aguiar Pfützenreuter

    Ruy Carlos Vieira Berbert

    Ruy Frazão Soares

    Santo Dias da Silva

    Sebastião Gomes dos Santos

    Sebastião Tomé da Silva

    Sérgio Roberto Corrêa

    Sérgio Landulfo Furtado

    Severino Elias de Mello

    Severino Viana Colou

    Sidney Fix Marques dos Santos

    Silvano Soares dos Santos

    Solange Lourenço Gomes

    Soledad Barret Viedma

    Sônia Maria Lopes de Moraes Angel Jones

    Stuart Edgart Angel Jones

    Suely Yumiko Kanayama

    Telma Regina Cordeiro Corrêa

    Therezinha Viana de Assis

    Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto

    Tito de Alencar Lima

    Tobias Pereira Júnior

    Túlio Roberto Cardoso Quintiliano

    Uirassu de Assis Batista

    Umberto Albuquerque Câmara Neto

    Valdir Sales Saboya

    Vandick Reidner Pereira Coqueiro

    Virgílio Gomes da Silva

    Vitor Carlos Ramos

    Vítor Luíz Papandreu

    Vitorino Alves Moitinho

    Vladimir Herzog

    Walkíria Afonso Costa

    Walter de Souza Ribeiro

    Walter Kenneth Nelson Fleury

    Walter Ribeiro Novaes

    Wânio José de Mattos

    Wilson Silva

    Wilson Souza Pinheiro

    Wilton Ferreira

    Yoshitane Fujimori

    Zoé Lucas de Brito Filho

    Zuleika Angel Jones

  • Matem o que uma pessoa mais ama e valoriza, e o que resta é um cadáver ambulante

    Matem o que uma pessoa mais ama e valoriza, e o que resta é um cadáver ambulante

    Por Antonio Acioli Cancellier especial para os Jornalistas Livres:

    “Decorridos 30 dias, sem nenhuma manifestação do Ministro da Justiça, fomos surpreendidos pela informação de que a referida delegada foi promovida à superintendente da PF em Sergipe. Surpresa, decepção e muita indignação, pois pelas normas do serviço público federal, servidores que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida… Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade”.

    No DIA dois de dezembro lembramos, com pesar e saudades, a passagem de dois meses da morte do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o meu querido irmão Cau. Em 14 de setembro, os responsáveis pela operação OUVIDOS MOUCOS arrancaram Cau de sua cama. Levaram não um santo, não um herói, mas um homem digno, um professor respeitado, um jornalista competente, um estudioso do Direito, um jurista, pessoa cordial, sempre aberto ao diálogo.

    Como um condenado foi conduzido a uma prisão de segurança máxima, permanecendo nu por cerca de duas horas na frente de outros prisioneiros, submetido à vexatória revista invasiva íntima, algemado nas pernas e mãos. Alguém conhece a súmula vinculante número 11 do Supremo Tribunal Federal? Vestiu o uniforme laranja e mandado para a cela; claro, sem esquecer as piadinhas óbvias.

    Irmãos Cancellier, Acioli e Júlio, na formatura do reitor em Direito

    Mas como réu condenado, foi tratado também pela imprensa, pois repercutiram e ampliaram uma informação falsa, divulgada pelo próprio Facebook e site oficial da Polícia Federal, que a operação investigava o desvio 80 milhões de reais do programa de Ensino à Distância na UFSC. Era mentira: Cau não foi acusado de desviar um centavo da UFSC, mas 80 milhões de reais são belas manchetes para alimentar a fúria justiceira de uma matilha impregnada de ódio, alimentada pelas manchetes da TV e replicada ad infinitum nas redes sociais.

    Como jurista, Cancellier sabia muito bem que as acusações que pesavam contra ele não tinham consistência alguma. Ao mesmo tempo, imagino que em sua cabeça martelava a máxima de outro luminar, Rui Barbosa: “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada.” E como cidadão, acostumado ao dia a dia das operações midiáticas e espetaculosas, certamente imaginava que dificilmente poderia se livrar da mácula que lhe foi gravada na alma a ferro e fogo.

    No dia 2 de outubro, se atirou do quarto andar de um shopping center de Florianópolis. Junto ao seu corpo destroçado, um bilhete: “MINHA MORTE FOI DECRETADA QUANDO FUI BANIDO DA UNIVERSIDADE!!!” Nove palavras que valem por um testamento. Nove palavras que sintetizam todos os manuais de psicologia: matem o que uma pessoa mais ama e valoriza, o que resta é um cadáver ambulante.

    Nos devolveram um simulacro daquele grande homem que nos roubaram. Seus ossos estavam quebrados, o corpo estraçalhado, ensanguentado; mas não satisfeitos, os carrascos também o cobriram de excrementos, pois aos fascistas não basta a morte clínica, necessitam também cobrir o cadáver com as marcas de desonra. E os fascistas se travestem de democratas nas redes sociais, muitas vezes vestem togas, como disse o desembargador Lédio Rosa de Andrade. Mas também se escondem sob o manto de jornalistas honestos em veículos hipócritas, que vendem à sociedade a ideia que a corrupção deve ser banida, quando, na realidade, a eles só interessam defender os privilégios dos seus apaniguados.

    Acioli, diante do cadáver do irmão: “Nos devolveram um simulacro daquele grande homem que nos roubaram” Foto: Pipo Quint Agecom/UFSC

    No dia 31 de outubro, entregamos ao Ministro da Justiça uma representação solicitando a abertura de PROCEDIMENTO DE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL contra a delegada da Polícia Federal Érika Mialik Marena, responsável pela operação Ouvidos Moucos. Decorridos 30 dias, sem nenhuma manifestação do Ministro da Justiça, fomos surpreendidos pela informação que a referida delegada foi promovida à superintendente da PF em Sergipe. Surpresa, decepção e muita indignação, pois pelas normas do serviço público federal, servidores que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida… Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade.

    O que nos conforta é o apoio e solidariedade que diversos segmentos da sociedade têm emprestado à família. Juristas, juízes, desembargadores, professores, alunos, servidores públicos, membros do Legislativo e alguns órgãos da imprensa que apoiam a família e nos incentivam nesta árdua caminhada em busca da Justiça.

    Nos conforta saber que pessoas como a médica do trabalho Edna Maria Niero, depois de preencher o minucioso formulário do Sistema Nacional de Agravos de Notificação com os seus dados e as condições do óbito, a médica atestou que o nexo causal da morte do reitor é relacionado ao trabalho: “Não tive nenhuma dúvida”, afirma ela. “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”.

    Edna Maria Niero: “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”

    Segundo ela, as circunstâncias da morte do reitor tiveram imediata repercussão entre os profissionais que integram a área da saúde do trabalhador, entre médicos, psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, assistentes sociais, antropólogos etc. “Nós discutimos o caso amplamente em congressos, reuniões e fóruns virtuais da área. Para o conjunto de técnicos não houve dúvidas de que se tratava de acidente do trabalho: “Em todo o Brasil ficou claríssimo para os profissionais da saúde do trabalhador: foi acidente do trabalho, um transtorno mental que levou ao óbito. A proibição de circular na universidade onde realizou a maior parte de sua trajetória de vida e a humilhação que sofreu levaram-no à decisão de acabar com o seu sofrimento.” Tirar o trabalho de alguém é, portanto, tirar a sua vida. E nós sabemos que a universidade era a vida do reitor”. (Reportagem completa em https://jornalistaslivres.org/2017/12/exclusivo-suicidio-do-reitor-cancellier-foi-notificado-como-acidente-do-trabalho-provocado-por-constrangimento-moral-insuportavel/)

    No dia 31 de outubro, o Congresso Nacional se reuniu em sessão solene para homenagear a memória do Professor Cancellier.

    Dentre as várias personalidades que fizeram uso da palavra naquela ocasião, calou fundo em nossos corações e mentes o brado da ex-senadora Ideli, do qual recorto o seguinte trecho: “E é desse corpo caído, do nosso querido Cau, do Reitor da nossa Universidade Federal de Santa Cataria, que ecoa o grito por justiça e por respeito ao Estado de direito para todos, para brancos e pretos, para homens e mulheres, para ricos e pobres. É esse corpo caído, essa vida que se joga, que exige que milhares, milhões de corpos se levantem. Que a vida se erga para barrar o Estado de exceção. Que se erga contra o avanço do fascismo e do autoritarismo. Que se erga pelo Estado de direito.

     

    Cau presente, hoje e sempre!

     

     

  • EXCLUSIVO: Médica notifica suicídio de Cancellier como acidente do trabalho, provocado por assédio moral insuportável

    EXCLUSIVO: Médica notifica suicídio de Cancellier como acidente do trabalho, provocado por assédio moral insuportável

    PESADELO DE KAFKA: Proscrito da universidade, cercado por calúnias de todos os lados, o reitor não viu chances de provar sua inocência e foi levado ao óbito

    Completados hoje dois meses da tragédia que consternou o país, a União, a Polícia, a Justiça e o Ministério Público Federal continuam ignorando os notórios abusos e excessos de poder que levaram ao linchamento moral e à morte do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, já amplamente denunciados por renomados juristas. No entanto, uma atitude corajosa e mantida até agora no anonimato, pode mudar o curso dessa história de horror e impunidade. Enquanto as associações corporativistas dos juízes federais do Brasil e de Santa Catarina; dos procuradores da república e dos delegados da Polícia Federal emitia uma nota oficial isentando esses agentes de qualquer falha na condução da “Operação Ouvidos Moucos”, silenciosamente, uma médica do trabalho do Hospital Universitário notificou a morte de Cancellier ao Ministério da Saúde como fruto de assédio, humilhação e constrangimento moral relacionados ao trabalho. Com a notificação, o suicídio do reitor fica tipificado como acidente do trabalho e passar a constituir um importante instrumento para responsabilizar o Estado brasileiro pela sua morte.

    Antes de se aposentar por tempo de contribuição, a médica Edna Maria Niero, 55 anos, coordenadora da equipe do Ambulatório de Saúde do Trabalhador do hospital da UFSC, cumpriu o que havia prometido a si mesma e aos colegas de profissão de todo o país no dia da morte de Cancellier. A profissional conta que só esperou passar um pouco a forte comoção causada pela tragédia para poder fazer as investigações necessárias e levantar os dados pessoais do professor junto à Reitoria, ao setor do Pessoal da UFSC e ao prontuário médico. E no dia 24 de outubro, depois de preencher o minucioso formulário do Sistema Nacional de Agravos de Notificação com os seus dados e as condições do óbito, a médica atestou que o nexo causal da morte do reitor foi sofrimento no trabalho: “Não tive nenhuma dúvida”, afirma ela. “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”. O abalo emocional que ele sofreu está incluído na lista de doenças de notificação compulsória do MS e integra agora as estatísticas epidemiológicas de morte do trabalhador.

    “Em todo o Brasil ficou claríssimo para os profissionais da área: foi acidente do trabalho” (Edna Maria Niero)

    A proibição de se aproximar da universidade onde realizou a maior parte de sua trajetória de vida e a humilhação que sofreu levaram-no à decisão do suicídio, afirma Edna. Segundo ela, as circunstâncias da morte do reitor tiveram imediata repercussão entre os profissionais que integram a área da saúde do trabalhador, entre médicos, psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, assistentes sociais, antropólogos etc. “Nós discutimos o caso amplamente em congressos, reuniões e fóruns virtuais da área. Para o conjunto de técnicos no Brasil ficou claríssimo que se tratava de acidente do trabalho: um transtorno mental que levou ao óbito”. Quem atua nessa área compreende que na nossa sociedade o trabalho é a identidade da pessoa e se confunde com a sua própria vida, explica. “Tirar o trabalho de alguém é, portanto, tirar a sua vida. E nós sabemos que a universidade era a vida do reitor”, pontua a médica que, como Cancellier, fez toda sua formação e carreira profissional na UFSC, desde que saiu do município de Tubarão, no Sul de Santa Catarina, aos 16 anos. Graduada em Medicina em 1986, fez mestrado em Ergonomia e Doutorado em Engenharia de Produção na mesma instituição, buscando preencher o aspecto interdisciplinar da sua especialidade.

    Embora conterrânea do professor Cancellier, Edna só o conheceu antes da sua eleição para reitor, quando foi chamada a contribuir com o processo de implantação de uma equipe de Saúde do Trabalhador. “O ambulatório de ST do Hospital Universitário foi criado por iniciativa e incentivo de sua gestão”, reconhece, lembrando que o reitor era entusiasta de projetos que fortalecessem o cuidado com as condições do ambiente do trabalho a fim de evitar casos de doenças psíquicas e emocionais ligadas ao estresse e à depressão. “Ele sempre dizia a nossa equipe da Reitoria: trabalhem, mas preservem sua alegria. O trabalho não pode gerar sofrimento”, conta Maria de Lourdes Borges, secretária de Cultura e Artes da UFSC.

    A médica responsável pela notificação (na ponta à direita), ao lado dos gestores da UFSC na assinatura de acordo para implantação do Ambulatório de Saúde do Trabalhador no HU. Foto: Agecom/ UFSC

    Com o nexo causal atestado pela autoridade médica, o suicídio do reitor entra para os dados epidemiológicos do Ministério da Saúde como morte provocada por abalo emocional resultante de assédio moral insuportável. Embora já fosse conhecida nos fóruns restritos ao campo da medicina do trabalho, a iniciativa da servidora manteve-se no anonimato até há pouco. Na véspera da realização da “Aula Pública Resistência ao Abuso de Poder e ao Fascismo”, realizada na Universidade Federal de Santa Catarina no dia 27 de novembro, tomei conhecimento da notificação através da assistente social do Fórum da Justiça da Trindade, Maris Tonon, integrante, como eu, do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção. No dia seguinte, ao discursar em nome do Coletivo que promovia o evento, revelei a atitude da médica, que não estava na plateia, mas foi muito aplaudida pelo auditório lotado do Garapuvu, em Florianópolis. Assista ao vivo https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/643048125819068/

    Hoje, ao completar dois meses do falecimento de Cancellier, contatei Edna por telefone na cidade de Joinville, onde ministra um curso na área de saúde. Em uma longa conversa, a médica se disse feliz pelo acolhimento de sua iniciativa e desejou que ela se desdobre em outras ações capazes de restabelecer a justiça e a verdade para o professor. Lembrou que as consequências jurídicas ou penais da notificação competem a outras instâncias, mas a tipificação do óbito para que sejam tomadas providências no sentido de evitar novos casos são de sua atribuição. “Ainda que isso não devolva a vida do reitor, é meu dever fazê-lo”.

    Como profissional da área, esclarece que agiu em nome da sua obrigação ética e profissional de trazer as causas do óbito à luz dos órgãos públicos responsáveis pela saúde do trabalhador. “São as estatísticas que monitoram as ações na área e geram intervenções capazes de prevenir outros acidentes de trabalho dessa natureza”, explica. Hoje, a cada dez trabalhadores atendidos pelo Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor na UFSC, sete apresentam sintomas de depressão ligados ao falecimento trágico do reitor, segundo informação também da assistente social Maris Tonon. Outros cinco casos de suicídio ocorreram na UFSC após a tragédia, dois deles de estudantes, mas não se pode afirmar que haja relação com a morte de Cancellier porque as circunstâncias e causas ainda estão sendo estudadas.

    Responsável também pelas pesquisas em torno dos danos à saúde do trabalhador catarinense provocados pelo Amianto, que determinaram a proibição do seu uso em Santa Catarina, a médica diz que não cabe a ela entrar no mérito da culpa. Revela, contudo, que ficou chocada com a manifestação das associações corporativistas de juízes e delegados ao defenderem a normalidade dos procedimentos abusivos da delegada e da juíza “sem sequer citaram o suicídio como consequência da operação”.

    Ao saber pelos Jornalistas Livres da decisão concretizada pela médica, o irmão mais velho do reitor, o professor aposentado do INPE, Antônio Aciolli Cancellier de Olivo, disse que atitudes como a dela confortam a família e encorajam a sua luta por justiça. Afirmou ainda que o nexo causal do óbito relativo ao trabalho é confirmado pelo bilhete encontrado junto ao cadáver do irmão com os dizeres: “Minha morte foi decretada no dia em que fui banido da universidade”. Para o irmão mais novo, o jornalista Júlio Cancellier, a atitude de notificar o óbito como relacionado ao trabalho “é mais um elemento importante para confirmar que Cau foi vítima de atos ilegais, desumanos e cruéis”. E acrescentou: “Já se passaram dois meses de sua morte e nada do que fopi alegado para prendê-lo e bani-lo da universidade foi comprovado”.

    Da esquerda para a direita: o irmão Júlio, o filho Mikhail, o irmão mais velho Acioli e o reitor: perda irreparável. Foto: acervo pessoal

    Uma fonte da reitoria, que prefere não se identificar, assegura que antes de tomar a decisão de pôr fim à vida, Cancellier recebeu, por canais indiretos, informação do Ministério Público Federal de que seu retorno ao cargo de reitor não seria mais autorizado. Como professor de direito administrativo, nesse momento ele teria compreendido também que não havia condições morais de retornar ao exercício em sala de aula quando era acusado pela massa ignara de um desvio de verbas que sequer ocorrera na sua gestão. Cercado de todos os lados pela mídia, pela Polícia, pela Justiça Federal, o reitor não viu chances para provar sua inocência no pesadelo, digno de um romance de Kafka, no qual fora enredado pelo corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado.

    Sem provar nada contra seus indiciados, sem retificar as informações distorcidas que inflamaram o ódio na opinião pública e midiática, sem pedir desculpas aos familiares pela perda traumática de um irmão e de um pai inocente, a “hollywoodiana” operação Ouvidos Moucos conseguiu apenas arrancar do reitor o único bem que ele tinha, além de um apartamento de classe média: seu trabalho e sua vida.

    DELEGADA ERIKA MARENA: PROCESSADA E PROMOVIDA

    Delegada foi promovida ao cargo de superintendente da Polícia Federal de Sergipe, uma “premiação” ambígua, típica dos aparatos de repressão brasileiros historicamente negados ao reconhecimento dos seus crimes

    A notificação do suicídio do reitor como acidente do trabalho traz um instrumento jurídico fundamental para os processos futuros ou vigentes de responsabilização da União por essa morte e pelos danos irreparáveis causados pela perda à família e à comunidade universitária. Exemplo disso é a denúncia apresentada no dia 31 de outubro pela família ao Ministério da Justiça contra a delegada federal Érika Mialik Marena requerendo a instauração de inquérito para apurar sua responsabilização administrativa, cível e criminal pelos episódios de abuso de poder que levaram ao suicídio do reitor, conforme anunciado com exclusividade pelos Jornalistas Livres. https://jornalistaslivres.org/2017/11/dossie-exclusivo-2-postagens-inveridicas-que-levaram-ao-linchamento-publico-do-reitor-da-ufsc-continuam-nas-paginas-oficiais-da-pf/

    Entregue ao ministro Torquato Jardim, a denúncia também alega violação da lei do sigilo de operações policiais antes da sua conclusão, argumentando que ao convocar a mídia para cobrir a prisão, a delegada feriu o dever de proteção à imagem de um cidadão que não era sequer investigado ou citado no processo e jamais havia respondido a um processo administrativo em sua carreira. Conforme a carta-denúncia, a delegada descumpriu a própria determinação da juíza Janaína Cassol, que autorizou o pedido de prisão sob a condição de que a imagem da universidade e dos envolvidos fosse resguardada e que o sigilo da operação fosse mantido até a sua conclusão.

    Aula Pública na UFSC reúne mais de mil pessoas contra o Estado de Exceção no dia 27/11. Foto: Henrique Almeida Agecom/UFSC

    Até agora, o irmão Acioli Cancellier, que assina a representação, bem como os advogados da família, não receberam resposta do Ministério da Justiça. Ao contrário, no dia 28 último, a ex-coordenadora da Lava-Jato em Curitiba foi nomeada ao cargo de superintendente da Polícia Federal do Estado do Sergipe pelo novo diretor geral da PF, Fernando Segóvia, o que configura uma “premiação” ambígua, típica dos aparatos de repressão brasileiros historicamente negados ao reconhecimento dos seus erros e crimes perante as vítimas.

    “Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade”, afirmou Aciolli Cancellier em carta enviada aos Jornalistas Livres, na qual considerou um deboche a nomeação da delegada ao cargo de superintendente do Sergipe. “Que eu saiba, servidores públicos que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida”.  (Ver a respeito artigo do Regime Jurídico Único que rege a questão no funcionalismo público: Decreto nº 59.310 de 23 de Setembro de 1966).  Júlio Cancellier afirmou que apesar da nomeação de Érika Marena, o caso não vai cair no esquecimento. “O Ministério da Justiça já mandou investigar a operação”. Os advogados que apoiam a família também estudam outras ações, segundo ele. Além do requerimento para apurar sua responsabilidade no Ministério da Justiça, a delegada é alvo de investigação na Corregedoria da Polícia Federal.

    Ao mesmo tempo em que recebe uma “promoção”, a delegada também é afastada do foco do escândalo na Superintendência da PF em Santa Catarina, onde os desastres de sua atuação conseguem ser unanimidade entre os setores de esquerda e os que apoiaram o impeachment de Dilma. É o caso do procurador geral do Estado, João dos Passos Martins, que condenou a prisão do reitor como uma afronta ao Estado de Direito, e emitiu nota pública se manifestando pela punição dos agentes responsáveis. “Limitar o poder é condição básica da democracia e do direito”, afirmou durante a Aula Pública.

    Atualização: No dia seguinte ao fechamento desta edição, o  Estadão publicou, em reportagem que cita o trabalho dos Jornalistas Livres no caso, informação de que a “petição foi processada e tramita na forma de processo administrativo, atualmente na Polícia Federal”. O repórter Luiz Maklouf Carvalho acrescenta ainda: “Na PF, segundo o Ministério da Justiça, a corregedoria abriu procedimento para verificar a notícia-crime descrita na petição da família. O procedimento está sendo analisado pelo Núcleo de Polícia Judiciária. Ao fim da análise, que está em fase de execução, haverá um parecer sobre a existência do crime. A depender do que diga o parecer, abre-se um inquérito sobre a delegada”.

    http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,suicidio-de-reitor-poe-pf-sob-suspeita,70002105813

    Presidente da Associação Kantiana Brasileira, Maria Borges: “A prisão do reitor com requintes de crueldade pode ser analisada à luz do mal no direito”. Foto: Raquel Wandelli

    REQUINTES DE CRUELDADE

    A violência de Estado contra o reitor pode ser analisada sob a ótica do mal no Direito, argumentou a filósofa Maria de Lourdes Borges, ao falar sobre seus projetos futuros de investigação durante a defesa do seu Memorial para o cargo de professora titular do Curso de Filosofia da UFSC, no dia 29 de novembro. Presidente da Associação Brasileira de Filosofia Kantiana e especialista em Hegel, a professora afirmou que podem ser vistos como requintes de crueldade a prisão espetacularizada por mais de cem agentes da Polícia Federal; o fato de um cidadão desarmado e sem antecedentes criminais ter sido algemado nas mãos e acorrentados nos pés, submetido a revista íntima, despido e humilhado durante duas horas em frente aos outros presos e encarcerado num presídio de segurança máxima, sem a constituição de denúncia e sem o direito à defesa. Esses fatos abusivos indicam, segundo ela, o exercício do mal pelos aparatos policiais e pelo sistema jurídico como um todo. https://www.facebook.com/raquelwandelli/videos/1556866457739067/

    Agasalhando sem nenhum cuidado acusações de que estava atrapalhando as investigações imputadas pelo corregedor Hickel do Prado (que, ao contrário do seu acusado, apresentava antecedentes por crime de calúnia e difamação), a Polícia e a Justiça Federal trataram um homem de ficha limpa como prisioneiro de guerra. Essa figura analisada pela filosofia do direito refere-se ao sujeito animalizado e judaizado diante da opinião pública, cegada e incitada ao ódio pelo poder. Em nome da necessidade do coliseu de satisfazer sua fome de violência, toda injúria física e tortura psicológica contra o prisioneiro pode ser legitimada. Não apenas a supressão dos seus direitos, mas a violação do seu corpo e da sua dignidade.

     

    Nota do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção

    Pela apuração imediata das responsabilidades civis e criminais: há dois meses morria o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, vítima de abuso de poder!

    Mais de dois meses depois da espetaculosa operação “Ouvidos moucos”, protagonizada pelos agentes públicos Polícia Federal e Ministério Público Federal, sob a chancela da Justiça Federal, e precisamente 60 dias após a morte do professor Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, um silêncio cúmplice e profundo das autoridades públicas do estado se faz sentir, na comunidade universitária e sociedade em geral.

    Prevalece até aqui a impunidade e nenhuma ação concreta de apuração e investigação de responsabilidades foi instaurada contra os agentes do fascismo. Ademais, outros cinco professores e um técnico-administrativo continuam banidos da UFSC: Marcos Baptista Lopez Dalmau, Gilberto de Oliveira Moritz, Rogério da Silva Nunes, Eduardo Lobo e Marcio Santos (professores); Roberto Moritz da Nova (funcionário da FAPEU). Todos tiveram suas vidas expostas e foram julgados e condenados pelo tribunal da mídia tradicional, parceira e cúmplice, desde as primeiras horas da manhã, da PF, MPF e Justiça Federal.

    O Coletivo Floripa contra o Estado de Exceção vem à público exigir que as autoridades constituídas de Santa Catarina, a saber o governo estadual e os deputados estaduais, ajam no sentido de instaurar o devido processo legal de apuração de responsabilidades das autoridades envolvidas no flagrante abuso de autoridade e ruptura do Estado Democrático de Direito.

    Na Sessão Solene fúnebre do Conselho Universitário da UFSC do dia 03 de outubro, o governador em exercício, Eduardo Pinho Moreira, assumiu como posição oficial a nota emitida pelo Procurador Geral do Estado, João Martins dos Passos Neto: “Por isso, respeitado o devido processo legal, é indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas”.

    Em recente Sessão na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), em homenagem ao reitor morto, o desembargador e professor da UFSC, Lédio Rosa de Andrade, também cobrou uma posição do Executivo estadual e do próprio parlamento catarinense. É preciso investigar quem autorizou a transferência do reitor e dos demais presos da Superintendência da Polícia Federal para o Presídio de Florianópolis, no qual foram submetidos a toda sorte de humilhações. Qual autoridade autorizou a entrada do professor Cancellier e dos demais presos no sistema prisional de SC? É sempre bom lembrar: a “espetacular” e desastrada operação mobilizou 105 policiais para prender seis professores e um técnico-administrativo da UFSC. A PF os chamou, leviana e irresponsavelmente, de “quadrilha”, que havia “desviado R$ 80 milhões do programa de ensino à distância”. Uma mentira que o site da Polícia Federal mantinha no ar, até dias atrás, porque na verdade esse era o montante do programa em mais de 10 anos. O suposto desvio, ainda sob investigação, teria sido, algo entre R$ 300 a R$ 500 mil, em período anterior à gestão de Cancellier.

    Enquanto a comunidade universitária e a sociedade aguardam providências concretas do governo de SC e da Assembleia Legislativa, num gesto de escárnio, a delegada responsável pela tal operação é “severamente promovida” para o cargo de Superintendente da Polícia Federal, no estado de Sergipe. É mais uma agressão vil aos familiares, amigos, colegas de profissão que continuam a luta em defesa da Autonomia Universitária e do Estado Democrático de Direito.

    Contra todo tipo de golpe e perda de direitos!

                Pela aprovação urgente da Lei Cancellier de Abuso de Autoridade na Câmara Federal!

                Pelo absoluto respeito aos Direitos Individuais e Coletivos assegurados na Constituição!

                Em defesa da UFSC, da Autonomia Universitária, da Soberania Nacional e do Estado Democrático de Direito!

                Não ao Estado de Exceção!

    Florianópolis (SC), 02 de dezembro de 2017.

     Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção

    Aula Pública na UFSC “Resistência ao Aubso de Poder e ao Fascismo” marcou os dois meses de morte trágica do reitor. Foto: Henrique Almeida da Agecom/UFSC
  • ESPECIAL: Postagens inverídicas que levaram ao linchamento moral do reitor da UFSC continuam nas páginas oficiais da PF

    ESPECIAL: Postagens inverídicas que levaram ao linchamento moral do reitor da UFSC continuam nas páginas oficiais da PF

    Família apresentou ao Ministério da Justiça requerimento de abertura de inquérito para apurar a responsabilidade administrativa, cível e penal da delegada Érika Marena nos abusos de poder que culminaram com a prisão, afastamento da universidade, linchamento moral e suicídio de Cancellier

    Passados dois meses da prisão do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier de Olivo e 48 dias do seu suicídio, as informações comprovadamente inverídicas do anúncio da Polícia Federal sobre o seu envolvimento na Operação Ouvidos Moucos permanecem inalteradas nas páginas oficiais do órgão. A mesma postagem que levou ao linchamento moral e midiático do reitor continua no dia de hoje (19/11) alimentando julgamentos e informações caluniosas nas redes sociais e nos meios de comunicação. Uma representação contra a delegada da Superintendência da Polícia Federal em Santa Catarina, Érika Mialik Marena, foi protocolada e entregue ao ministro da Justiça e Segurança Torquato Jardim, no dia 31 de outubro, pelo irmão Acioli, em nome do irmão Júlio e do filho do reitor, Mikhail Vieira Cancellier de Olivo, mas até agora os advogados da família não obtiveram qualquer resposta. A denúncia requer a abertura de procedimento investigativo para “apurar com rigor responsabilidade administrativa, cível e penal da delegada pelos abusos e excessos cometidos no trágico desfecho e prevenir a ocorrência de novos episódios”.

    Representação contra a delegada federal assinada por Acioli Cancellier (ao centro), ladeado pelo irmão Júlio Cancellier e o o reitor (de branco).     Foto: Arquivo Pessoal

    Na postagem do dia 14 de setembro, a Polícia Federal anuncia que estava deflagrando uma batida no Brasil, com a prisão de sete integrantes da UFSC (incluindo o reitor), como suspeitos pelo desvio de verbas de R$ 80 milhões do Ensino a Distância dentro da autodenominada “Operação Ouvidos Moucos”. Essas informações induziram a mídia e seus leitores a tomarem a verba total repassada pela Capes ao Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) e aplicada em cursos, projetos e bolsas do Ensino a Distância no período de dez anos como o valor de recursos sob suspeita de desvio. No entanto, o valor investigado está, conforme amplamente esclarecido no dia seguinte pela universidade e reconhecido pela própria juíza Janaína Cassol, restrito a duas listagens de valores das bolsas supostamente transferidos indevidamente, uma no montante de R$ 300 mil e outra de R$ 200 mil. O valor sob suspeição não passa, portanto, de R$ 500 mil.

    Na representação, os familiares denunciam que no dia da deflagração da operação a delegada convocou coletiva de imprensa e deu entrevista ao vivo, divulgada pelo canal do Youtube da Polícia Federal para “denunciar” o suposto desvio de mais de 80 milhões de reais na UFSC, “antes mesmo de concluir a oitiva de Luiz, que durou mais de 5 (cinco) torturantes horas”.

    Essa informação oficial, seja na coletiva ou nas páginas do órgão, foi decisiva para o julgamento público que defenestrou a reputação pública de Cancellier, conforme argumenta o pedido de inquérito. Durante o velório do professor, no dia 2 de outubro, uma universitária deu a maior prova disso, ao interromper a cerimônia fúnebre para esmurrar o caixão em frente aos familiares e amigos ainda compungidos de dor gritando: “Ladrão, ladrão, devolva os R$ 80 milhões que roubou da universidade!”

    O documento mostra que as postagens e a entrevista coletiva da Polícia Federal no dia da prisão produziram uma segunda distorção, igualmente grave e incriminadora: a de que Cancellier, jornalista por profissão, graduado, mestre e doutor em Ciências Jurídicas, e professor de Direito Administrativo, havia sido indiciado por envolvimento nas suspeitas de desvio. (Veja aqui a coletiva convocada pela delegada da PF e publicada no seu canal do Youtube: http://(https://www.youtube.com/watch?v=n8nIa-NKcVU&feature=youtu.be)

    Veículos de comunicação que tomaram esses dados oficiais como verídicos e definitivos, sem ouvir o contraditório, tiveram que esclarecer na sequência que o reitor não era indiciado, nem sequer citado nas investigações da operação que apurava possíveis desvios praticados num período de seis anos atrás, fora, portanto da sua administração, iniciada em maio de 2016. Conforme foi retificado na sequência pela Reitoria da UFSC e pela juíza, a prisão se referia à denúncia de tentativa de interdição das investigações da Polícia Federal, levantada pelo titular da Corregedoria Geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, hoje afastado para licença de saúde de 61 dias. O processo da operação foi avocado pela Corregedoria Geral da União, que também responde pelo pedido de investigação da sua conduta, encaminhado pela reitoria da UFSC.

    A arguição mostra que a delegada extrapolou suas funções institucionais, acolhendo sem o menor cuidado denúncia infundada de um declarado desafeto político do reitor, contra o qual fez diversos pronunciamentos na imprensa local, inclusive o acusando de redução salarial. Soube-se mais tarde que o corregedor, ao contrário de Cancellier, não era mais um homem público de ficha limpa desde 2013. No momento em que fez a acusação, Hickel respondia a seis processos na justiça envolvendo crime de trânsito contra a coletividade, com tentativa de carteiraço e crime de calúnia e difamação com abuso de autoridade, pelo qual foi condenado na instância cível e penal. Além disso, respondeu a duas ações de indenização movidas pela ex-mulher e ex-noiva por tortura psicológica e física, conforme reportagem investigativa publicada pelos Jornalistas livres em 30 de outubro. https://jornalistaslivres.org/2017/10/exclusivo-corregedor-que-denunciou-reitor-a-pf-ja-foi-condenado-por-calunia-e-difamacao/

    O primeiro a observar a permanência da notícia caluniosa foi o próprio irmão do reitor, Acioli Cancellier de Olivo, matemático, pesquisador e professor de pós-graduação aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do MCTI em São José dos Campos, provocado pela insistência do erro de alguns veículos de imprensa, mesmo depois de amplamente corrigidos. A postagem da PF, que consta da representação da família, foi printada pelos denunciantes no dia 31 de outubro, com 789 curtidas e 159 compartilhamentos. Chama atenção o grau de ódio, proporcional ao grau de desinformação dos comentários:

    Vera Trancoso: “Parabéns, guerreiros, vocês são os heróis desta nação, pena que não há leis severas para eles e nem cadeias comuns para pagar as punições, abraços”.

    Selma Cabulon: “Parabéns PF. O povo só pode contar com vcs pra acabar com esse bando de corruptos sem vergonha o Brasil não tolera mais isso chega e enquanto isso o povo morre por falta de recursos”.

    Acompanhados sempre da hashtag de cunho promocional #EuconfionaPF, o texto das postagens da PF começa com o número de agentes mobilizados pela operação: “105 policiais federais para cumprir 16 mandados de busca e apreensão, 7 de prisão temporária e 5 de condução coercitiva, além do afastamento de 7 pessoas de funções públicas que exercem”. Informa ainda que a Operação Ouvidos Moucos, também sempre citada em formato de hashtag, “contou com o apoio do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União – CGU e do Tribunal de Contas da União – TCU para desarticular organização criminosa que desviou recursos para curso de Educação a Distância (EaD) da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC”. O texto é assinado também por hashtags promocionais da PF #euconfionapf e #issoaquiépf.  Abaixo do texto, a imagem-símbolo da campanha com a manchete sobreposta e acesa por detalhes em amarelo:

    #OpOuvidosMoucos

    Combate desvio de mais de R$ 80 milhões de recursos para EaD

    Com base nessas afirmações, o reitor foi acusado de ser o chefe da quadrilha e a UFSC, uma universidade com largo renome no país, um antro de corrupção, de acordo com o próprio desabafo que ele assinou , em artigo publicado em 28 de setembro, no jornal O Globo, quatro dias antes do suicídio.

    “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira… Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.” https://oglobo.globo.com/opiniao/reitor-exilado-21879420

    Em busca da uma informação atualizada ou revisada em outros canais da Polícia Federal, encontramos no seu site oficial, o release sobre a operação, com as seguintes afirmações comprometedoras:

    “As investigações começaram a partir de suspeitas de desvio no uso de recursos públicos em cursos de Educação à Distância oferecidos pelo programa Universidade Aberta do Brasil – UAB na UFSC. A operação policial tem como foco repasses que totalizam cerca de R$ 80 milhões. Foi identificado que docentes da UFSC, empresários e funcionários de instituições e fundações parceiras teriam atuado para o desvio de bolsas e verbas de custeio por meio de concessão de benefícios a pessoas sem qualquer vínculo com a Universidade. O programa UAB foi instituído em 2006 pelo Governo Federal com o objetivo de capacitar prioritariamente professores da rede pública de ensino em regiões afastadas e carentes do interior do país”.

    “Os alvos da operação são investigados pelos crimes de fraude em licitação, peculato, falsidade documental, estelionato, inserção de dados falsos em sistemas e organização criminosa. Também chamou a atenção dos policiais a pressão que a alta administração da UFSC exerceu sobre integrantes da Corregedoria da universidade que realizavam internamente a apuração administrativa, o que resultou na prisão de um integrante da alta gestão da instituição.” http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2017/09/pf-desarticula-organizacao-criminosa-que-desviava-recursos-da-ufsc

    Nota-se que o release oficial da PF revela a data de implantação do programa UAB na UFSC (2006), mas omite um dado fundamental, que poderia denunciar o próprio caráter ilógico e descabido da prisão: o período dos desvios, naturalmente bem conhecidos pela delegada e pelo corregedor que alimentou a operação. Eles eram anteriores à gestão de Cancellier, referentes aos anos de 2011 e 2015, conforme nota divulgada pela Administração Central nda UFSC no mesmo fatídico 14 de setembro.  Da forma como foi divulgado pela PF, o release leva ao engano de que os supostos desvios aconteceram na gestão atual.  Depois de disseminada a informação, não houve quem conseguisse conter a calúnia e difamação nas redes sociais e convencer os ardorosos fãs da PF e correligionários de Bolsonaro de que o reitor não tinha qualquer envolvimento pessoal com os alegados desvios de verbas. 

    A manutenção do erro na fonte oficial de informação explica, na avaliação de Acioli, porque a Folha de S. Paulo, por exemplo, persiste na divulgação do desvios de R$ 80 milhões, mesmo depois de uma errata do próprio jornal que chamou a atenção da ombudswoman Paula Guimarães e a levou a fazer uma vigorosa crítica à redação em sua coluna dominical.  Ainda assim, o erro continuou se repetindo, mesmo em artigos francamente favoráveis ao reitor e críticos dos desmandos da operação, como o de Élio Gaspari. (Leia aqui a coluna: http://m.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2017/10/1925311-jornalismo-de-ouvidos-moucos.shtml)

    Na denúncia, os irmãos alegam que Cancellier era réu primário, sem registro de nenhum antecedente criminal. “Nunca foi processado, sequer administrativamente, tendo fixado residência em Florianópolis nas proximidades da UFSC, que era a extensão de sua casa até o dia em que, como relatou em seu bilhete de despedida, foi defenestrado e banido daquele espaço público”. O documento também denuncia a “larga e instantânea cobertura da imprensa local e nacional, que, apesar do sigilo, contou com o fornecimento de informações processuais privilegiadas, a exemplo da exato momento de cumprimento dos mandados de prisão”. Essa espetacularização midiática foi confirmada durante entrevista coletiva ao reitor pró-tempore Ubaldo Balthazar pelo jornalista Carlos Damião, blogueiro e colunista do Notícias do Dia, que disse ter recebido o aviso da prisão do reitor no seu e-mail pessoal às 7:20 do dia 14 de setembro, antes portanto, da operação ser deflagrada. O requerimento de Aciolli copia a decisão que deferiu as medidas de prisão, busca e apreensão pela juíza Janaína Cassol, na qual foi determinado sigilo da operação, nos seguintes termos:

    De acordo com a Lei 4.898, de 1965, que regulamenta a representação nos casos de abuso de autoridade, dispõe, em seu artigo 4º, constitui abuso “submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei” e praticar “ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”, segundo enfatiza o requerimento. Alega a denúncia ainda que a autoridade policial “não só submeteu o falecido reitor à imensurável vexame ao conduzir sua prisão, em local inadequado (penitenciária), como causou mácula irreparável à sua honra, ao divulgar a informação de que ele estaria envolvido em suposto desvio milionário, quando o próprio caderno investigativo afirma que seu envolvimento estaria restrito à alegada interferência administrativa”.

    Coletiva convocada pela delegada para discutir reitor morto quebrou o sigilo determinado por lei

    A ausência do necessário sigilo garantido por lei, com a divulgação excessiva de informações equivocadas pela PF, foi decisiva na produção do discurso de ódio que viralizou como ato contínuo à prisão, avaliam os irmãos. “Todos os investigados foram estigmatizados, mas especialmente o reitor, em cuja figura a participação em um falso desvio milionário foi atribuída pela autoridade presidente do inquérito e, posteriormente, pela mídia”, argumenta Acioli. A divulgação de sua imagem de forma espetaculosa em primeiro plano pelos jornais e veículos de televisão personalizou e sintetizou na figura de Cancellier a representação máxima de um país onde a corrupção descontrolada teria tomado conta até das instituições universitárias.

     

    O pedido de inquérito afirma nas primeiras linhas: “Luiz Carlos Cancellier de Olivo não resistiu à pressão de ser humilhado publicamente pela injusta acusação por um fato anômalo jamais praticado (tentativa de obstrução administrativa), tendo este fato sido determinante para a prática do ato extremo que culminou em seu falecimento precoce e que tem acarretado danos irremediáveis aos familiares”. E conclui, ao final de seis páginas, afirmando: “Agora, além da imensurável tristeza para os familiares e amigos por esta insuperável perda, fica a reputação manchada por inverdades indevidamente divulgadas pela representada aos meios de comunicação, que se estendem a todos da família de Luiz Cancellier”.

    A Justiça brasileira levou 38 anos para reconhecer a culpa da Ditadura Militar pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog, por “tortura e maus tratos”. Quanto tempo a República de Temer e Mouro levará para admitir perante a comunidade universitária e perante todo o país a culpa pelo suicídio de Luiz Cancellier?

    Prestes a completar dois meses da tragédia que consternou o país, o Estado finge ignorar os escandalosos erros, abusos e excessos nesse caso, já denunciados pela Ordem dos Advogados do Brasil, bem como por renomados juristas e cientistas políticos. É notória “a ilegalidade, arbitrariedade, a forma absolutamente desproporcional como as duas medidas, a de prisão e de afastamento do cargo foram incorporadas”, diz o criminalista Fábio Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito Democrático (em entrevista ao jornalista Fernando Morais, do Nocaute). Mas a resposta da sociedade civil organizada vem crescendo como uma avalanche que tende a tornar o sacrifício de Cau um grande levante contra o Estado de Exceção.

    Essas manifestações extravasam da política para a linguagem artística, provocando apresentações teatrais, como Luz em Einstein, da diretora Carmem Fossari, que terminou sua estreia com a projeção de uma tela dedicando a obra, que fala do estado de exceção na ciência, ao reitor suicidado. “A peça remete ao tema da intolerância política e étnica que levou ao fascismo europeu nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial e que hoje retorna no Brasil e no cenário mundial em formas ainda mais sofisticadas, representando um profundo recuo civilizatório”, analisa o professor de arquitetura e vereador Lino Peres (PT).

    Um grito silencioso cortou a escuridão do campus universitário no dia 9/11 à noite, durante o Projeto Experimenta, da Secretaria de Cultura e Arte, quando a professora e “artivista” Clélia Mello exibiu uma montagem com todos os textos, manchetes, imagens de jornais, sites e páginas que ela foi capaz de recolher pela internet. Partindo da pergunta “Quem matou o reitor Cancellier?”, projetada ao centro, e a palavra “Silêncio” nas laterais, a intervenção impactou a comunidade universitária com a projeção dos recortes de mídia em ritmo motocontínuo, como ela explica. Cinco aparelhos simultâneos projetaram os textos e imagens em alta velocidade nas paredes da Reitoria da UFSC, “único lugar onde o reitor pôde adentrar na UFSC depois da invasão policial, já morto, para ser velado dentro de um caixão”, ela anota.

    Intervenção “artivista” de Clélia Mello, projetada à noite nas paredes da universidade

    Com as luzes da universidade completamente apagadas, seguiram-se 12 vídeos editados em frequências diferentes com fotofilmes dos protagonistas da operação, entre eles o corregedor, a delegada, a juíza, a delatora, a vice-reitora, os policiais que prenderam, algemaram e acorrentaram o reitor etc. “A partir da invasão da UFSC pela Polícia Federal, eu me centrei no estado policialesco que vai culminar com a morte de Cancellier como uma vítima de toda essa caça esdrúxula”. A professora do Curso de Cinema esclarece que não filtrou as mensagens, nem impôs um posicionamento a priori. O efeito de arrancar a comunidade universitária do silêncio causado pelo trauma surge da própria afecção e sensibilidade provocadas no inconsciente imagético das pessoas. “Cada um é despertado a fazer seu próprio balanço e sua própria síntese dos elementos que se interligam na tragédia”.

    Já são também pelo menos três documentários produzidos sobre o caso, um deles lançado na abertura do XXVI do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi), realizado na capital do Maranhão, São Luís, entre os dias 15 a 17 de novembro de 2017. O documentário CAU provoca uma profunda reflexão crítica sobre o papel e as ações que autoridades públicas e a mídia desempenham ao ferir as garantias fundamentais do direito.

    Em nome da Inocência: JUSTIÇA, outro documentário, é assinado por Jailson Lima da Silva, Lédio de Rosa Andrade e Sérgio Graziano. Será lançado junto com o livro homônimo,  em Sessão Especial proposta pelo deputado Rodrigo Minotto (PDT). A homenagem ocorrerá no plenário deputado Osni Régis da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, no dia 21 de novembro, às 19 horas.

    O terceiro documentário está sendo dirigido pelo cineasta Eduardo Paredes, autor do premiado Novembrada, que será exibido no Palácio Cruz e Sousa, no dia 30 de novembro, data do aniversário do célebre levante organizado por estudantes da UFSC e trabalhadores no apagar das luzes do governo do general Figueiredo em visita a Florianópolis. A sessão igualmente homenageia a memória do reitor, que participou desse protesto contra a ditadura militar quando era um jovem líder estudantil, em 1979.

     

    Sem provar nada contra seus indiciados, sem retificar as informações distorcidas que inflamaram o ódio na opinião pública e midiática, sem pedir desculpas aos familiares pela perda traumática de um irmão e de um pai inocente, a “hollywoodiana” operação Ouvidos Moucos, como é qualificada pela denúncia, conseguiu apenas arrancar do franciscano reitor o único bem que ele tinha, além de um apartamento de classe média: sua vida e sua reputação. A Justiça levou 38 anos para reconhecer a culpa da Ditadura Militar pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog, divulgando um novo laudo que comprova a sua morte por “lesão e maus tratos” no “II Exército (DOI-CODI)”. Quantos tempo a República “Ordem e Progresso” de Temer e Mouro levará para admitir perante a comunidade universitária e perante todo o país a culpa pelo suicídio de Luiz Cancellier?

    Sobre Vladmir Herzog https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/09/herzog-morreu-torturado-justica.html

     

    NO SENADO

    A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado realiza audiência pública na terça-feira (21), às 9 horas, para analisar as circunstâncias que levaram à morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. O requerimento para a audiência pública é da senadora Regina Sousa (PT-PI), atendendo ao pedido de investigação entregue no dia 31 de outubro por uma rede de mais de cem juristas brasileiros. Foram convidados para o debate Claudio Lamachia, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); José Sérgio da Silva Cristóvam, conselheiro estadual da OAB-SC; Diana Dias Sampaio, secretária-geral da Associação Nacional dos Técnicos de Nível Superior; Luis Eduardo Acosta, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; e Juliano Scherner Rossi, procurador federal junto a UFSC.

    Senadora acatou pedido de instauração de inquérito e já começa na terça, 21/11, a investigar episódios que levaram o reitor ao suicídio. Foto: Senado

    Antes, no dia 31 de outubro  já havia sido realizado uma sessão solene no Senado em homenagem ao reitor que se tornou um grande manifesto político multipartidário que tomou o caso do reitor da UFSC como um vigoroso exemplo de combate aos abusos de poder e ao Estado de Exceção. A título de ser uma homenagem ao professor suicidado, a cerimônia ocupou o espaço na tribuna para uma sucessão de discursos vigorosos contra as condições da prisão e afastamento do reitor da universidade, que revezaram ao microfone vozes de vários partidos, que vão do deputado Armindo Chinaglia (PT), o senador Roberto Requião (MDB histórico), o desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade, o ex-senador Nelson Wedekin (MDB histórico), o deputado Esperidião Amin (PP), até a ex-senadora e líder do governo Lula e Dilma Ideli Salvatti (PT). https://www.facebook.com/lediorosa/videos/10203996144980494/

    AULA PÚBLICA:

    SC se levanta contra Estado de Exceção na UFSC e no Brasil

    A partir da aula pública em Florianópolis deve se articular uma Frente Nacional de Luta contra o Estado de Exceção

    A Universidade Federal de Santa Catarina realiza a Aula Pública: “Resistência ao abuso de poder e ao fascismo: em defesa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e da Autonomia Universitária”, por iniciativa do Coletivo Floripa contra o Estado da Exceção, com aclamação unânime do Conselho Universitário. O evento ocorrerá no Teatro Garapuvu, no dia 27 de novembro, às 14 horas, com a participação do desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade, senador da República Roberto Requião, autor do projeto de Lei Cancellier contra o Abuso de Autoridade, o jurista e deputado Patrus Ananias, o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, o procurador de Estado João dos Passos Martins, o Padre Vilson Groh, da União Arquidiocesana das Comunidades Eclesiais de Base e o Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça.

    O Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção conclama todos os cidadãos que defendem a verdade e a justiça a divulgarem esse evento que se projeta como um marco nacional na defesa do Estado Democrático e de Direito. Toda a comunidade mais ampla está convidada a vir participar, compreender e debater o significado dos episódios de abuso de poder que violaram a autonomia da universidade, levaram à prisão ilegal de seis dos seus integrantes no dia 14 de setembro, humilharam e baniram o reitor Luiz Carlos Cancellier da UFSC, culminando com a sua perda trágica. O convite para a Aula Pública registra:

    “Que o suicídio do professor Cancellier, encarcerado no Presídio de Florianópolis sem a constituição de denúncia, nem direito à defesa, algemado nas mãos e acorrentado nos pés, alvo de uma acusação infundada e caluniosa agasalhada sem a devida verificação pela Polícia e pela Justiça Federal, sirva para levantar o Brasil contra a afirmação de um estado policialesco que tende ainda a vitimar muitos outros inocentes.”

     

     

     

    Senador Roberto Requião e Patrus Ananias estarão em Florianópolis no mesmo dia 27, junto com os deputados Pedro Uczai, Celso Pansera e Décio Lima para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Eletrosul. O ato que se insurge contra a privatização e entrega do setor estratégico de energia, ocorrerá às 9 horas no auditório Deputada Antonieta de Barros, na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Participam parlamentares federais, estaduais e municipais, Frente Brasil Popular, Intersul, Intercel e outras entidades que defendem a soberania nacional.

  • DOSSIÊ EXCLUSIVO: Corregedor que entregou reitor à PF já foi condenado por calúnia e difamação

    DOSSIÊ EXCLUSIVO: Corregedor que entregou reitor à PF já foi condenado por calúnia e difamação

    Em um dos casos, Hickel foi condenado pelo mesmo método que usou contra Luiz Cancellier: forjou uma denúncia de ameaça com porte de arma, acionou uma operação policial espetaculosa e ainda apresentou contra a vítima queixa-crime de obstrução à ação policial

     

     

     

     

    Sem poder suportar a demolição moral que sofreu a partir das armadilhas de uma personalidade reincidente na prática da calúnia e da perseguição, o reitor Luiz Carlos Cancellier morreu aos 59 anos. Ou melhor, desistiu de viver ao sentir que não havia saídas para a trama em que foi encurralado dentro dos aparatos do Estado. O destino do reitor e da universidade poderiam ser outro se os antecedentes criminais e o perfil do seu principal acusador tivessem sido previamente levantados e viesse à tona o depoimento de suas vítimas. Antes de a Justiça e a Polícia Federal darem crédito à rede de intrigas e acusações que empurraram o reitor para um beco escuro, sem esperança de reivindicar sua inocência aos “ouvidos moucos” dos aparelhos punitivos, o corregedor geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, 58 anos,  já respondia por inúmeras denúncias de calúnia, difamação, ameaças, intimidações, agressões físicas e morais. Em seis processos localizados pela reportagem, nos quais em ao menos dois ele foi condenado em instância criminal e cível, um traço do seu caráter permanece: o abuso de autoridade de quem se aproveita da influência e posição para lançar falso testemunho e intimidar pessoas inocentes.

    Atropelado em sua tentativa de acomodar as divergências políticas internas e colocar em prática seu projeto conciliador de universidade, o reitor nunca teve acesso à ficha criminal do servidor da Advocacia Geral da União (AGU), que foi nomeado para o cargo de corregedor da UFSC  um dia depois da sua vitória nas urnas. Antes de ser conduzido à estrutura de gabinete pela ex-reitora Roselane Neckel, candidata derrotada à reeleição, ninguém sabia quem era de fato Rodolfo Hickel do Prado. Nem ela mesma, de quem ele teria se aproximado como promessa de manter controle estratégico num território eleitoralmente perdido, valendo-se do apelo fácil do combate à corrupção. Os objetivos da célula de fiscalização que Hickel viria a assumir eram os mais nobres possíveis: “A criação da Corregedoria dá mais visibilidade e instrumentaliza a execução de processos que zelam pelo bom encaminhamento da administração e sua transparência”, anunciou a então reitora quando a criação do órgão foi aprovada pelo Conselho Universitário, no dia 19 de agosto de 2014. Só que não. Depois da sua nomeação, em 4 de maio de 2016, o obscurantismo, a perseguição pessoal e o terror psicológico começaram a minar a vida da comunidade universitária.

    Afastado da universidade, cercado pelo corregedor por todos os lados e sem chances de provar inocência, reitor preferiu o fim. FOTO: Divulgação

    Violada em sua autonomia e mergulhada em uma crise política e emocional sem precedentes, a universidade poderia ter sido preservada, caso a ficha criminal do novo corregedor tivesse sido minimamente investigada, como pede  um cargo dessa natureza. Todos os processos que mostram conduta de desequilíbrio, falso testemunho e agressividade poderiam ter sido localizados no site do Tribunal de Justiça do Estado pela Superintendência da Corregedoria Geral da União. “Com essa ficha corrida ele nunca poderia ter sido nomeado para cargo nenhum”, afirma o ex-procurador da UFSC Nilton Parma. “A Corregedoria Geral da União deveria ter investigado”.

    A morte do reitor tem sido amplamente apontada como culminância da criminalização generalizada que usa o combate necessário à corrupção e às irregularidades nos órgãos federais para condenar homens públicos antes de serem julgados. “Em nome da transparência e do controle social, dirigentes públicos têm sofrido toda sorte de humilhações e pré-julgamentos por segmentos dos órgãos de controle, Justiça Federal, Polícia Federal e da mídia”,  diz nota do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. O manifesto do Conif reconhece os avanços no controle social das instituições públicas, mas alerta sobre os riscos que o desrespeito às instituições democráticas e aos direitos humanos impõem ao Estado brasileiro.  Trata-se, segundo o Manifesto dos Reitores das Redes Federais, de “uma campanha sórdida para o descrédito das instituições, dos servidores e dos gestores públicos”.

    Nessa campanha de “sepultamento do Estado de Direito” que sepultou o próprio reitor e a possibilidade de paz na comunidade universitária, o corregedor da UFSC teve, com sua conduta pessoal e seus antecedentes criminais escondidos da comunidade, um papel chave. O resultado é angústia, sofrimento coletivo, acirramento das divisões políticas e um luto vivido em guerra. A reitoria está esvaziada como um cemitério, com 16 renúncias de primeiro escalão, e um corregedor que age sozinho, depois de os outros dois eleitos também se exonerarem, assim como a quase totalidade da equipe de assessores, como vamos detalhar mais adiante.

     

    INVASÃO MILITAR A DOMICÍLIO BASEADA EM FALSA DENÚNCIA

    Numa primeira investigação, verificamos que Hickel deixou de ser réu primário já em 7 de novembro de 2011, quando foi condenado pela Justiça Criminal pela prática continuada do crime de difamação. O processo, pelo qual foi sentenciado a quatro meses e 24 dias de detenção, além de pagamento de multa, refere-se ao mesmo crime três vezes repetido contra o procurador de Justiça estadual, Ricardo Francisco da Silveira, falecido em 2013, pouco antes de receber a ação indenizatória no processo cível. Depois de promover uma espetaculosa e ilegal invasão da Polícia Militar à casa do seu amigo, o professor gaúcho Flávio Cozzatti, Rodolfo Hickel imputou-lhe a falsa acusação de “obstruir a ação policial”, um padrão recorrente nas suas acusações. Consta dos autos que, ao comandar a operação no condomínio Forest Park, no bairro de Coqueiros, em Florianópolis, o servidor da AGU e então síndico do prédio referiu-se a ele para os policiais nos seguintes termos: “Esse procuradorzinho de merda, vem aqui querendo dar carteiraço”. (Processo nº 082. 10.004574-1 Juizados Especiais Criminais da Capital).

    O caso, que se desdobrou em vários processos, parece um ensaio em menor escala da cilada policial que Hickel armaria seis anos mais tarde para prender o reitor, vítima fatal da difamação. Logo depois de retornar de Joinville, onde atuava pela AGU, o corregedor conseguiu se eleger síndico do condomínio de Coqueiros. “Depois de eleito, ele começou a botar terror em todos os moradores e a implicar com o charuto ou o cachimbo que eu fumava na sacada e daí começou um processo de perseguição”, conta Flávio Antonio Cozzatti, ainda morador do edifício. Conforme os autos,  Hickel cortou a fiação da TV a cabo do vizinho, segundo  foi comprovado com laudo da empresa Viamax. “Abri a caixa e cortei o resto dos fios. Subimos para dormir quando formos surpreendidos pelo aparato policial em nosso lar”, narra o professor. Como justificativa do chamado, Hickel alegou que estava sendo ameaçado de morte com arma de fogo pelo vizinho.

    No dia 3 de junho de 2010, mais de cinco viaturas com oito homens da Polícia Militar armados, sendo três do Bope portando fuzis e metralhadoras, arrombaram e invadiram o apartamento do professor Cozzatti. Quando viu o síndico alcançar uma escada para que os policiais subissem pela sacada do seu apartamento, o professor pediu à mulher que chamasse por telefone o socorro do irmão (como ele se refere ao procurador Ricardo da Silveira dentro e fora dos autos), que acabara de deixar a residência. A cena narrada nos autos logo remete à humilhante prisão do reitor Cancellier na manhã do dia 14 de setembro. 

     

    Nos autos, procurador conta que Flávio foi detido com uma gravata por homens do Bope

    Em frente à garagem do prédio, interditada pelos policiais, o procurador Ricardo da Silveira viu a movimentação dos policiais e soube por eles que estavam fazendo um “flagrante de ameaça à mão armada” na casa da família que considerava como sua. Chegou a tempo de presenciar os policiais arrebentando a porta com armas em punho, puxarem Flávio Cozzatti pelo braço e aplicarem nele uma gravata na frente da esposa e dos dois filhos (um rapaz de 24 anos e uma adolescente de 14). Foi quando tentou intermediar a situação, perguntando se havia mandado de busca em domicílio.

    Nos autos, o procurador, já falecido, deixou o seguinte testemunho: “Meu irmão estava prestes a ser espancado pelos policiais quando eu cheguei”. Tendo o síndico como guia da operação, os agentes responderam que não precisavam de mandado porque se tratava de um flagrante. Um deles, da corporação do BOPE, dirigiu-se a Flávio ameaçando-o com um par de algemas no rosto: “Colabora, professorzinho de merda!!!! Se não, te algemo e toda a tua família, e levo para a Delegacia presos”, diz o diálogo reproduzido no processo. Ficou comprovado, na tentativa de flagrante, que não havia arma em posse da vítima. “Nunca tive. Sempre me manifestei publicamente contra o armamento”, atesta o professor. Flávio e Ricardo tinham na época 50 anos, por coincidência, a mesma idade de Rodolfo.

    Ainda conforme o testemunho nos autos, Cozzatti só não foi preso algemado porque o procurador alegou que seria uma ilegalidade contra uma pessoa rendida sem apresentar qualquer resistência. “Depois soubemos que Rodolfo Hickel do Prado se utilizou do artifício de ser filho de um oficial da PM”, conta Flávio. O reitor Cancellier, que era também um jurista, não teve a mesma sorte. Algemado nas mãos, acorrentado nos pés, sofreu abusos vexatórios ainda maiores: foi despido durante duas horas na frente dos outros presos em um presídio de alta periculosidade, vestiu uniforme laranja e foi submetido a exame íntimo anal, antes de vestir o uniforme laranja, conforme denunciado pelo desembargador Lédio Rosa de Andrade em célebre discurso na cerimônia do Conselho Universitário que o homenageou um dia após o suicídio. Lédio e outros juristas apontaram o amigo Cau como primeira vítima fatal do novo estado de exceção.

    Antecedentes criminais de Hickel anexados ao processo por crime de trânsito revelam outro crime de trânsito ocorrido no Norte da Ilha e com agressão física

     

    No caso antecedente de difamação e abuso de autoridade, testemunhas ouviram Hickel referir-se a Ricardo com o mesmo desprezo, como “um procuradorzinho de merda”, e de acusá-lo de “barrar o trabalho dos policiais”, sempre segundo os autos. A mesma acusação seria levantada contra o reitor, capaz de fazer a delegada Érika Marena pedir à juíza federal Janaína Cassol Machado a sua prisão temporária e o seu afastamento da universidade, mesmo sem antecedentes criminais e sem processo legal constituído contra Cancellier, que sequer foi citado na investigação.

    Foi o próprio Hickel quem entrou primeiro com representação na Corregedoria Geral do Ministério Público contra o amigo-irmão de Cozzatti, acusando-o de interdição do trabalho da polícia e da justiça, exatamente como fez com o reitor. Mas diferente da atitude da delegada e da juíza, o corregedor geral do MP na época, Paulo Ricardo da Silva, não se deixou engambelar pelas intrigas: não só mandou arquivar o processo por julgá-lo improcedente, como deu uma canetada no acusador, no dizer do jargão judicial. “Na época avaliei que não havia nenhum indício de que o acusado tivesse dado um carteiraço, como ele alegava, nem motivos para a prisão”, comenta Paulo, hoje procurador de Justiça, que fez o comentário a partir do processo localizado no site do Tribunal de Justiça e dos documentos fornecidos por Cozzatti à reportagem.

    Ainda segundo os depoimentos nos autos, Cozzatti foi levado de casa aos empurrões, metido numa viatura com três homens da PM e humilhado na frente de “um corredor polonês de vizinhos de rua espantados e indagando os motivos da prisão”. O professor foi levado à delegacia de polícia de Coqueiros e do centro da cidade, onde Hickel iniciou um processo de queixa-crime contra ambos. Mas o mais perverso estaria por vir no dia seguinte à invasão: O então síndico espalhou cartazes de edital pelo Forest Park, convocando os condôminos para uma reunião em que deveriam apreciar as atitudes do professor e aplicar-lhe multa. Os pretensos crimes cometidos por Cozzatti estavam discriminados em letras maiúsculas: ameaça de morte com arma de fogo; depredação do patrimônio do prédio; interdição do trabalho da polícia. O futuro corregedor da UFSC também espalhou cartazes pelo condomínio anunciando que estava proibida a entrada de Ricardo, que era coproprietário do apartamento de Flávio Cozzatti, do qual tinha chave e controle remoto. O processo contra os policiais lançados pelo síndico à operação foi arquivado pela justiça militar, mas os PMs foram condenados na justiça comum em 15 de julho de 2014 por abuso de poder e receberam anotação na ficha funcional, conforme sentença que acessamos. (Processo 00000959-56.2012.8.24.0082)

     

    Os “amigos-irmãos”, cuja aliança começou aos 18 anos no movimento estudantil, lutando contra a ditadura militar, em Porto Alegre, entraram com ações individuais de indenização em 18 de março de 2013. Hickel foi condenado na vara cível a pagar R$ 15.000,00 pelos danos morais causados ao procurador e recorreu alegando não ter dinheiro. Ricardo solicitou que fosse anexado o imposto de renda e contra-cheque de servidor da AGU e estavam acordando a forma de pagamento quando a sentença foi extinta com o seu falecimento repentino, de “mal súbito”, como consta no atestado de óbito, em outubro de 2013. O procurador não deixou herdeiros. (Ver Processo nº 0004770-92.2010.8.24.0082 – 2ª Vara Cível da Capital). Enquanto isso, a ação cível de Cozzatti prosperou para fase final e ele abriu outros processos que estão em grau de recurso por parte de Hickel. (Processo nº 0002768-18.2011.8.24.0082, 2ª Vara Cível do Continente). Entre eles, está a acusação de ter sido destituído pela assembleia do condomínio da função de síndico pelos desmandos praticados. E também de não ter até hoje prestado contas do dinheiro gasto em sua gestão, além de ter tentado cobrar os custos do processo calunioso que promoveu da conta dos condôminos, sempre segundo o professor.  “Esse homem é um crápula perigoso, que se acostumou a aterrorizar as suas vítimas, em geral pessoas que discordam dele”, diz. “O meu desconforto é pouco; o que me agride é essa situação quando uma pessoa desrespeita as regras mínimas de convivência, é mau, calhorda e continua agindo de forma impune. O reitor foi a primeira perda, quando será a próxima?”

    CRIME DE TRÂNSITO E CARTEIRAÇO

    Desde 7 de abril de 2017, Hickel está sendo processado também pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina por prática de crime de trânsito, sob suspeita de fuga. O processo foi gerado a partir de registro de ocorrência do dia 23 de março de 2016, às 17 horas, quando foi autuado por “direção perigosa”, considerada “imprudente” e “totalmente irresponsável” pelas testemunhas. Poucos dias antes da posse como corregedor geral, Hickel foi flagrado por uma viatura com quatro policiais no seu Renan Fluence, trafegando na contramão em alta velocidade, em via perigosa e área de risco, na rua Marco Aurélio Homem, na entrada do Morro da Serrinha, em Florianópolis. Foi denunciado pelo juiz por colocar em risco a vida “da coletividade”.

    Hickel foi surpreendido por quatro policiais do DEIC, Arthur de Oliveira Rocha, Renato Gamba Torres, Thiago Elpídio Cardoso e Filipe Bueno da Silva, que o viram ultrapassar vários veículos, inclusive, a viatura policial. Segundo o testemunho de Arthur, ao ser parado pela viatura com a sirene e as luzes ligadas, o advogado apresentou sua carteira da OAB e só mostrou a CNH quando o pedido foi reiterado. O futuro corregedor justificou que estava ultrapassando um caminhão em manobra de conversão à direita da pista. Todavia, após verificar imagens das câmeras de residências locais, os policiais registraram que “a versão do condutor era inverídica, pois não havia nenhum caminhão conforme fora mencionado”.  

    As testemunhas e os autos afirmam o que as imagens das câmeras constataram: “O motorista estava alterado, falando em alto e bom som que iria falar com todos os policiais somente na corregedoria”.  Registram ainda o “comportamento alterado do condutor,  a esbravejar que isto não vai ficar assim e que iria até a corregedoria da polícia civil relatar o caso”. As testemunhas declaram que o motorista “não lhes dirigia mais a palavra após a chegada dos policiais militares, afirmando em tom ríspido que iria provocá-los na Corregedoria”. Depois de Hickel ter assinado o termo circunstanciado na Delegacia de Investigações Criminais (Deic), em 27 de abril deste ano, o processo foi encaminhado para o Juizado Especial Criminal da Comarca.  Uma audiência está marcada para novembro. (Processo nº 0001348-41-2017.8.24.0090 Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade, Florianópolis).  

    Como de hábito, Hickel entrou com ação de notícia-crime na Justiça  por abuso de autoridade. Todavia, dessa vez, os policiais foram salvos pelas câmeras de vigilância dos vizinhos, que comprovaram de quem foi o abuso, inclusive o trecho percorrido na contramão pelo futuro corregedor e a sua tentativa de intimidar os policiais. Ainda assim, Hickel recorreu e o Ministério Público se manifestou de novo pelo arquivamento. 

     

     

    INVASÃO DA CASA DO VIZINHO HÁ SETE ANOS FOI ENSAIO DE ABUSO DE PODER

     

    DA PRISÃO ILEGAL AO ESVAZIAMENTO DA UNIVERSIDADE

    Gabinete do reitor sepultado pelos agentes do estado de exceção

    A perseguição de Hickel ao reitor começou quando ele lhe solicitou que tivesse mais cuidado com as pessoas da comunidade. Cancellier recebia diariamente queixas de servidores, professores e alunos se dizendo tratados com truculência pelo corregedor, conforme seu chefe de gabinete, Áureo Moraes.  “Não se pode tratar alguém sob suspeita que mais tarde pode não ser confirmada como se fosse uma sentença de condenação. É preciso ter cortesia e civilidade com todas as pessoas, não importa a que classe pertençam”, pronunciou-se o jornalista José Hamilton Ribeiro, que esteve na UFSC no dia do falecimento para dar uma palestra no Curso de Jornalismo. “Isso seria a volta à Ditadura Militar”, completou.

    Quando estava prestes a ser denunciado por um pedido de Processo Administrativo Disciplinar, movido por um professor que ele teria ameaçado e desacatado, Hickel acusou Cancellier de interdição do trabalho da Polícia Federal na Operação Ouvidos Moucos. A denúncia motivou uma emboscada militar, com um contingente de 105 homens da Polícia Federal de várias partes do Brasil, que algemou e prendeu o reitor ainda em casa, de pijama, quando nem havia iniciado o dia de trabalho na universidade.

    Na TV Globo, Folha de S. Paulo e outras mídias comerciais, a prisão cinematográfica foi justificada pelo roubo de R$ 80 milhões de verbas do Ensino a Distância, correspondente à verba total do Programa Universidade Aberta. Soube-se tardiamente que o montante dos desvios, ainda não comprovados, ocorridos dez anos antes da gestão de Cancellier e sem nenhum envolvimento pessoal dele, não passam de R$ 500 mil. Hickel, de fato, denunciou o reitor por tentativa de obstrução dos trabalhos, mas a divulgação maliciosa da verba total do programa, como se fosse o valor do desvio sob suspeita, continuou a ser criminosamente espalhada após corrigida. E continua a sê-lo mesmo após o suicídio.

    Na UFSC e nos meios jurídicos, não faltam notícias de professores, servidores, estudantes e profissionais da área jurídica tratados como suspeitos, intimidados ou insultados pelo corregedor no trato profissional. “Ele exerce o poder de forma cruel e excessiva”, diz Nilto Parma, advogado do professor de Administração Gerson Rizzatti Júnior na representação que move contra Hickel. Apresentada em 5 de julho deste ano, a denúncia foi retida pelo próprio reitor para não gerar conflitos. Com o seu falecimento e a pressão do apelante, deu origem a uma portaria determinando o seu afastamento por 60 dias para abertura de Processo Administrativo Disciplinar, assinada pelo chefe de gabinete Áureo Moraes. Sua revogação pela reitora Alacoque Lorenzini Erdmann é hoje motivo de grave crise institucional na universidade. (Veja o processo na íntegra ao final do dossiê)

    Considerada uma atitude de covardia e traição à autonomia universitária, a anulação desencadeou uma renúncia em massa gradual. O primeiro a pedir exoneração foi o próprio chefe de gabinete, acompanhado nos dias seguintes por 16 ocupantes de cargos de primeiro escalão, num total de 20, incluindo pró-reitores e secretários com status de pró-reitor. Pediram demissão os seguintes gestores, todos confirmados hoje pela manhã à reportagem: Álvaro Lezana, diretor geral do gabinete; Gelson Albuquerque, assessor institucional; Pedro Manique, pró-reitor de Assuntos Estudantis; Jair Napoleão, pró-reitor de Administração; Rogério Cid Bastos, pró-reitor de Extensão; Sérgio Freitas, pró-reitor de Pós-graduação; Vladimir Fey, secretário de Planejamento; Cláudio Amante, secretário de Inovação; Carla Búrigo, pró-reitora de gestão de pessoas; Alexandre Marino, pró-reitor de Graduação; Luiz Henrique Cademartori, secretário de Aperfeiçoamento Institucional; Gregório Varvakis, secretário de Educação a Distância; Edison Souza, secretário de Esportes; Paulo Pinto da luz, secretário de obras e Lincoln Fernandes, secretário de Assuntos Internacionais.

    Em reunião interna com os pró-reitores, a medida foi atribuída por Alacoque a ameaças de processo por improbidade administrativa que teria sofrido do Ministério Público Federal e da Superintendência da Corregedoria Geral da União. O afastamento de Hickel e a permanência do PAD para investigar os desvios de conduta do corregedor é um ponto de honra para todos esses dirigentes. Eles acreditam que a partir do gesto de coragem do professor Gerson, muitas outras vítimas dos excessos do corregedor vão romper o silêncio. “Vai ser como o caso do médico Abdelmassih: uma denúncia moverá muitas outras”, aposta o ex-procurador.

    Depois da forte reação contra a derrubada da portaria, a reitora em exercício encaminhou o PAD à consulta na Corregedoria Geral da União, algo visto pelos insurgentes como entregar o julgamento ao próprio carrasco. Uma comissão de apuração foi definida pelo Conselho Universitário na terça-feira (24), com o objetivo de investigar os acontecimentos relativos à Operação Ouvidos Moucos e às circunstâncias que levaram ao suicídio do reitor.  Em entrevista de vídeo ao site Notícias da UFSC, na sexta-feira, a reitora afirmou que essa comissão tem 30 dias prorrogáveis por mais 30 para realizar o seu trabalho e clamou pela pacificação da universidade. Enquanto Alacoque gravava a entrevista, uma reunião dos gestores no Centro de Cultura e Eventos decidia pela debandada geral dos que ainda estavam indecisos.

    A debandada de integrantes dos órgãos de gabinete, contudo, começou logo com a posse de Hickel. Para se ter uma ideia da crise instaurada, os dois corregedores eleitos para compor a corregedoria sob a chefia dele pediram afastamento por não suportarem a sua conduta intimidadora e destemperada, conforme o ex-chefe de gabinete da reitoria, Áureo Moraes. Entre eles estão Ronaldo David Vianna Barbosa, um crítico dos seus métodos, que deixou a corregedoria poucos dias após sua nomeação e Marcelo Aldair de Souza, que também pediu para ser removido de setor. Ambos chegaram a ir ao corregedor Geral da União, Fabrício Colombo, para reclamar dos procedimentos abusivos de Hickel. “Além da contumaz truculência, a principal queixa é o fato de o corregedor tratar suspeitas que ele mesmo levanta como sentenças de condenação”, diz um servidor que era lotado na Procuradoria Geral e também pediu pra sair.

    Marcelo, Ronaldo, e Rodolfo, seguidos por César Obregão de Azambuja (procurador-chefe na PGF/UFSC, reitora Roselane e a vice na posse dos corregedores
    Com pedido de exoneração dos dois corregedores eleitos (à esquerda de Hickel, ao centro), equipe do novo órgão de controle restringe-se hoje ao chefe. Foto: Agecom/UFSC.

    Além de Ronaldo e Marcelo, quatro servidores alegaram não suportar as grosserias e intimidações do corregedor e solicitaram ao gabinete remanejamento para outro setor da UFSC, entre eles duas servidoras com cinco anos de trabalho na procuradoria, e outros dois auxiliares recém-designados para o novo órgão. Uma delas é Karina Jansen Beirão, bacharel em Direito da Procuradoria, que já conhecia a atuação do inquisidor quando vinha à universidade orientar a criação do órgão. Ao saber da escolha de Hickel para o cargo, não pensou duas vezes: saiu em licença-maternidade e no retorno pediu remoção. A outra, Ana Peres, administradora, suportou dois meses e pediu para sair, conforme informações do ex-chefe de gabinete, Áureo Moraes, a quem alegou inclusive assédio sexual e moral, que foi meses depois publicamente relatado por ela em assembleia do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC, conforme Dilton Rufino, dirigente da entidade. Até o estagiário de jornalismo do gabinete, Marcus Vinícius dos Santos se demitiu. Hoje, Hikel comanda uma corregedoria solitária, na qual é chefe dele mesmo, mas feitor de todos os que discutem suas ordens, como o professor Rizzatti, ex-colaborador da corregedoria.

    Na segunda-feira (23), único dia em que ficou afastado pela portaria, Hickel não interrompeu a fome inquisidora: continuou a fazer intimidações, conforme servidores da Reitoria. Ao todo, ele já emitiu três portarias determinando a instauração de Processos Administrativos Disciplinares contra professores, servidores e alunos de diversos cursos, sem sindicância anterior e com afastamento preventivo. Os investigados foram suspensos de todas as suas atividades na UFSC e proibidos de entrar no campus, incluindo um professor já com tempo de aposentadoria e longa ficha de serviços prestados à comunidade científica. “O problema é que ele nunca dá motivo para as intimidações”, diz Rizzatti. A falta de sindicância foi um dos argumentos utilizados pela reitora em exercício para anular a instauração do PAD que investiga as denúncias contra o corregedor.

    Incentivados pelo ambiente hostil da corregedoria, Marcone José de Souza Cunha e Camila Trapp Sampaio, servidores formados em Direito, que auxiliavam no trabalho de controle, pediram exoneração da UFSC para fazer outros concurso. A professora Mônica Salomón Gonzáles, do Departamento de Economia e Relações Internacionais do Centro Sócio-econômico, nomeada com o professor Gerson Rizzatti, foi quem mais sofreu nas mãos do inquisidor. Ela disse ao titular da Secretaria de Aperfeiçoamento Institucional, Luiz Henrique Cadermatori, e ao ouvidor da UFSC, Arnaldo Podestá Júnior, que foi interrogada pelo corregedor durante cerca de três horas, como se estivesse numa delegacia. Chamou a isso de “tortura psicológica”.

    O próprio advogado de Gerson, Nilto Parma, se disse desrespeitado e insultado por ele, assim como a advogada Marina Ferraz Miranda, professora da Udesc e seu aluno cliente, que deverão testemunhar na representação contra o corregedor. “Apenas argumentei que não cabia acusação de improbidade administrativa contra meu cliente porque é facultado ao servidor o direito legal de solicitar dispensa de encargos que não se julgue capaz de cumprir e fui insultado por ele”, afirma Parma. O Advogado do Sintufsc, Guilherme Querne, também relatou ao SEAI muitos problemas e dificuldades para fazer a defesa de servidores por conta do temperamento hostil de Hickel.

     

    PROCESSOS POR AGRESSÃO A MULHERES

    O relacionamento de Rodolfo Hikel com as mulheres é um capítulo à parte, que deveria ser objeto de outra investigação mais aprofundada, tanto no exame dos processos quanto na apuração de campo. Uma ação amplamente conhecida e comentada nos bastidores jurídicos foi impetrada em 2003 pela sua segunda ex-mulher, Iôni Heiderscheidt, advogada e professora da UFSC, na época professora da Univali. Ao reclamar indenização por prejuízos financeiros e danos morais com a descoberta de que Rodolfo mantinha durante a união um relacionamento paralelo, ela relata com riqueza de detalhes a vida que teve como sua esposa durante um ano. Conta como perdeu o bebê depois de várias agressões físicas e psicológicas e anexa nos autos testemunhas e cópia do protocolo de sua entrada na Maternidade Carlos Corrêa com dores e forte sangramento.

    Num processo de 685 páginas, Iôni, que foi advogada dela mesma, narra que depois de controlados os riscos de sua gravidez nessa ocorrência, foi agredida novamente até sofrer um aborto do feto já de quatro meses. Entre cada episódio de violência, o agressor a perseguia, buscava reconciliação, dizia-se arrependido e prometia mudança para, em seguida, voltar ao padrão de conduta. Conta ainda como as perseguições no local de trabalho a intimidavam e como acabou sendo demitida da faculdade após licenças por depressão e faltas sem justificativas provocadas pelas brigas.  O conjunto dessas narrativas não esteva em questão na ação por ela movida, nem foi desmentido pelo juiz. Ele chegou a ponderar que embora os atos atribuídos por ela a Hickel fossem moralmente condenáveis, julgava improcedente a ação indenizatória pela ausência de provas, como exame de corpo de delito e Boletim de Ocorrência.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Em outra ação, impetrada pela ex-namorada ou ex-noiva de Rodolfo, Lúcia Helena Cardoso, também professora universitária, alega os mesmos padrões de comportamento do acusado: perseguição, intimidação, assédio psicológico e repetidos episódios de agressão física e moral. Sem saber que o ex-noivo mantinha ao mesmo tempo um casamento no religioso com Iôni, Lúcia Helena depôs no processo a favor da outra quando as duas descobriram a trama, mas sua ação foi igualmente julgada improcedente por falta de provas.

     

    PERFIL DE CORREGEDOR: EQUILÍBRIO, SENSIBILIDADE E PACIÊNCIA

    Qualquer que seja o gestor acadêmico ou administrativo da UFSC com quem se fale a respeito do corregedor já ouviu falar dessas ações públicas ou sigilosas envolvendo o homem que concentra hoje o poder de fiscalização, denúncia e punição de irregularidades na instituição. Comentários sobre essas ações passam de boca em boca, como narrativas de corredor que ninguém investiga. Mas essas e outras histórias são terrivelmente reais e concretas para as vítimas e as suas famílias. E, à medida que não são de fato apuradas, só servem para amedrontar e acovardar as pessoas prejudicadas e aumentar ainda mais os poderes do inquisidor para intimidar pessoas, fortalecer as divergências políticas internas e espalhar a discórdia no seio da universidade.

    Foto: Agecom/UFSC Ex-reitora Roselane Neckel empossando o corregedor geral da UFSC e inaugurando o novo órgão, em 4 de maio de 2016

    Por ora o fato mais importante diz respeito ao perfil de Rodolfo para o cargo de corregedor, no momento em que a universidade é devastada por uma crise desencadeada pelo falecimento precoce e trágico do reitor e pela presença de um estado policialesco. As orientações que regulamentam a implantação das corregedorias seccionais pelo decreto federal 5.480 estabelecem em 11 itens as habilidades e características de comportamento que compõem o perfil necessário a um ocupante do cargo. Pelo menos oito itens parecem apontar exatamente para o oposto do comportamento da primeira pessoa a preenchê-lo. Conforme o item 3, por exemplo, o candidato deve ter sensibilidade e paciência; o 4, indica capacidade de escuta; o 5, equilíbrio emocional; o 6, capacidade de trabalhar sob situações de pressão; o 7, proatividade e discrição; o 9, independência e imparcialidade; o 10, adaptabilidade e flexibilidade e o 11, maturidade na prevenção, apuração e solução de conflitos.

    Envolvido também em queixas de assédio moral contra alunas da universidade, que chamou a depor com base em suas manifestações e curtidas em postagens nas redes sociais, conforme já publicaram os jornalistas Luiz Nassif e Paulo Henrique Amorim, Hickel visivelmente não apresenta a conduta exigida para o cargo de corregedor. Talvez o único requisito que preencha o perfil recomendado hoje é o primeiro, referente à “larga experiência em processos disciplinares”, que ele não tinha, conforme auxiliares que se afastaram da corregedoria, mas adquiriu intensamente depois de assumir o cargo. E também o oitavo item, que se refere à análise crítica, aspecto enfaticamente exercido em relação à administração de Cancellier, o que não significa “independência à administração”, requisitada no item 2, como salienta Rizzatti.

    Mais do que crítico ao reitor, Rodolfo tinha uma mágoa contra ele que declarou em suas entrevistas aos jornais locais logo depois da prisão, quando denunciou que estava sendo perseguido. Em entrevista ao Diário Catarinense, publicada no dia 19 de setembro, sob a manchete: “‘Pressões começaram logo após a minha posse’, diz corregedor que investiga desvio de bolsas na UFSC”. Na reportagem, ele  acusa o reitor de rebaixar o seu salário de CD-3 para CD-4, o que implicaria numa perda de R$ 1 mil.

    Pessoas que atuam na área de recursos humanos na universidade ficaram estarrecidas com essa alegação monetária do corregedor.  “Houve uma alteração na estrutura da administração e a função dele foi igualada à da auditoria interna”, explica o chefe de gabinete recém-exonerado, garantindo que não foi uma redução da gratificação. “Várias pessoas passaram por esse reenquadramento”.

    TIRANIA PESSOAL ENCORAJADA PELO ESTADO DE EXCEÇÃO

    Esse primeiro levantamento realizado nos autos judiciais indicam que os antecedentes de Hickel não o credenciariam sequer para o cargo de síndico, quanto menos para a responsabilidade do controlador máximo de irregularidades de um órgão público tão importante e tão necessitado de harmonia quanto a universidade, como lembrou o ex-procurador. Foi na condição de síndico de condomínio que Rodolfo Hickel sofreu a primeira condenação criminal por calúnia e difamação e quase destruiu a vida da família de Cozzatti. “Os traumas psicológicos em mim, na minha mulher e nos meus filhos foram imensuráveis”, diz ele, com o rosto lavado por um pranto convulsivo pelas lembranças que o fizemos reviver durante vários dias de apuração.

    FOTO: Arquivo especial. Irmãos Cancellier, na formatura do reitor em Direito

    A dor da família de Cancellier, sua revolta contra o homem que levou o irmão ao gesto de desespero e o estado de exceção que o agasalhou e encorajou suas calúnias é ainda mais dilacerante. Hickel foi nomeado por Roselane em 4 de maio de 2017, seis dias antes da posse do novo reitor, num momento de grande alegria e júbilo para os irmãos Cancellier que, segundo Accioli, o mais velho dos três, selaria o início da desgraça de um homem público de carreira ilibada.

    Ao menos quatro dos 14 candidatos preteridos devem entrar com recurso contra a escolha. “Há irregularidades na eleição. Fiz um recurso ao Conselho Universitário quando o professor Cancellier assumiu, mas ele mesmo, sempre tentando soluções pacificadoras, me pediu para desistir porque não queria ser acusado de perseguir o corregedor nomeado pela gestão anterior”, testemunha Fabrício Guimarães, graduado em Direito, ex-assistente administrativo da Procuradoria da UFSC, que trabalhou 17 anos com processos disciplinares. O principal argumento do seu recurso para anulação das eleições: “A lista tríplice foi escolhida não pelo CUN, mas por uma comissão designada pela então reitora, que elegeu Rodolfo Hickel após submeter essa lista a uma reunião esvaziada do CUN, um dia após a vitória de Cancellier nas eleições”, argumenta Guimarães.

    Lançado ao linchamento público por um desvio de verbas que não cometeu, reitor foi preso no dia 14 de setembro e nunca mais retornou à universidade FOTO: Agecom/UFSC

    O traço persecutório, difamador, abusivo e ameaçador demonstrado neste inventário de conduta encontrou alimento em outra personalidade semelhante que chegou à UFSC depois de ter sido proscrita de outros órgãos. Agindo juntos, os parceiros da perseguição ganharam crédito de uma juíza e de uma delegada da Polícia Federal no contexto nacional de supressão geral dos direitos democráticos desde o golpe de 2016. E a tramoia cresceu no terreno fértil do estado de exceção não-declarado que o país vive, encorajando as ações policialescas que desrespeitam as garantias constitucionais e excitam a opinião pública com a fúria injusta dos coliseus. Envolvido num conjunto de suspeitas de irregularidades iniciadas 10 anos antes de sua gestão, sem acesso à universidade, distante dos amigos pelo terror psicológico que os afastou, e sem direito à defesa, o reitor não viu outra saída para acabar com a dor da humilhação a não ser lançar-se ao precipício como denúncia.

    NOTA DA REDAÇÃO: Os Jornalistas Livres encaminharam 16 perguntas ao corregedor em torno dos processos judiciais aqui abordados, com questões sobre seus métodos de trabalho e de tratamento pessoal, bem como a onda de denúncias acerca de sua conduta na universidade e a sua relação e possível influência nos órgãos federais da Justiça, Polícia e Corregedoria da União. Perguntamos ainda se ele havia apresentado sua solidariedade à família. Propusemos como teto para recebimento das respostas as 19 horas de domingo (29/10), mas até o fechamento da edição desta reportagem não houve retorno.

     

    Representação movida pelo professor Gerson Rizzatti contra Rodolfo Hickel por desvios de conduta

     

  • JUSTIÇA PARA REITOR DA UFSC:  Entidades deflagram amplo movimento contra Estado de Exceção

    JUSTIÇA PARA REITOR DA UFSC: Entidades deflagram amplo movimento contra Estado de Exceção

    Nos corredores do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, onde o reitor Luiz Carlos Cancellier se formou bacharel, mestre e doutor em Direito e atuou como estudante, professor e diretor, ainda reina pesado o constrangimento de um luto trágico e, sobretudo, desnecessário. O silêncio só é quebrado pelo grito dos cartazes em fundo negro que seus alunos penduraram no teto e nas paredes dos quatro andares do prédio,  no dia seguinte ao seu gesto de desespero político, em 2 de outubro. Levado ao suicídio após um vexaminoso processo de linchamento judicial, policial e midiático contra o qual ele não teve o menor direito de defesa ou a menor chance de escapar vivo com dignidade, Cancellier é homenageado a partir da crítica que ele próprio fazia em sala de aula à justiça brasileira do período da ditadura.

    Afixados nas portas, paredes, entradas das salas de aula, esses cartazes que maltratam a consciência dos justos martelam frases como: “Se falhamos enquanto sociedade, não falhemos enquanto justiça”; “Não à espetacularização da justiça”; “Por trás dos autos sempre há vidas”, “Prisão não faz investigação”, “Acusação não é sentença de condenação”. Um deles responsabiliza claramente a mídia pela tragédia: “Contra o processo penal midiático e a banalização da prisão”.  Outro, particularmente, é muito emblemático para este tempo quando o espetáculo midiático levou as massas a aplaudirem um perigoso estado policialesco que namora com o fascismo e, do qual, o reitor da UFSC tornou-se, a vítima fatal mais contundente: “A mais perfeita das ditaduras é feita em nome da justiça”. Várias personalidades brasileiras que foram alvo da Lava-Jato, como a ex-primeira dama Marisa, cuja morte por AVC é atribuída em grande parte a sua perseguição judicial e à do marido Lula, também são vítimas do estado de suspensão dos direitos. O suicídio, porém, expõe uma face ainda mais cruel que remete aos resultados dos excessos e abusos praticados por processos semelhantes ao brasileiro, como o Mãos Limpas, na Itália.

     

    No intervalo de 18 dias entre a prisão e a morte,  Cancellier foi arrancado abruptamente de sua universidade por 120 agentes da Polícia Federal convocados de várias partes do Brasil, passou por exame íntimo algemado nu antes de ser trancafiado no Presídio de Florianópolis, foi submetido à reclusão domiciliar e à proibição de se aproximar da UFSC.  Tudo isso sem processo judicial, sem nenhum antecedente criminal e sem direito à defesa. Percebendo que com o isolamento a que foi condenado sem sentença não havia saída para enfrentar o processo demolidor de sua moral nas mídias golpistas e nas redes sociais, optou por um gesto interpretado largamente por juristas e amigos intelectuais como uma atitude política. O reitor sacrificou a própria vida para denunciar o curso que as ações judiciais e policialescas vinham tomando, levando o país a um estado de exceção que ele, conciliador e amigo da diplomacia, nunca imaginara vivenciar. “Professor Cancellier, teus alunos preservarão tua universidade”, diz uma faixa na entrada do Centro que ele dirigiu. Da prisão no dia 14 de setembro ao suicídio no Shopping Beira Mar, os alunos do Centro de Ciências Jurídicas parecem nunca ter posto em dúvida a inocência do mestre, aliás, a presunção de inocência é um princípio básico do Direito.

    O amplo e corajoso grupo que passou a fazer reuniões e a organizar uma reação contra os abusos judiciais que levaram ao suicídio do reitor também nunca colocou em dúvida esse direito.  Depois de vários encontros de trabalho, o coletivo lança nesta quarta-feira (18/10), um manifesto intitulado “Em defesa do Estado Democrático de Direito e da Autonomia Universitária: Floripa contra o Estado de Exceção!”. Subscritas nessa carta, centenas de instituições da área jurídica, acadêmica, social; entidades classistas; organizações suprapartidárias; OnGs em defesa dos direitos humanos; personalidades políticas e intelectuais expressivas na defesa dos direitos democráticos deflagram a partir do documento um conjunto de ações contra o estado de exceção instaurado no país.

    A ideia é encorpar esse coletivo e transformá-lo numa grande frente nacional contra o estado de exceção, incluindo nomes expressivos da esquerda e do PMDB histórico, também assombrados com o desdobramento ditatorial do momento político do país.  O calendário das ações será detalhado pelo coletivo nos próximos dias, mas dois momentos fortes já estão previstos: no dia 26 de outubro, à tarde, haverá um grande ato em frente ao prédio da Polícia Federal, na Beira-mar Norte, em Florianópolis, com entrega oficial do documento à Seção Regional da OAB, já incluindo o abaixo-assinado com as adesões não cessam de chegar de todo o Brasil. Uma aula pública explicando o sentido e os procedimentos do estado de exceção também está sendo organizada para o dia 6 de novembro, com a participação do senador Roberto Requião, autor do Projeto da Lei Cancellier Contra o Abuso de Poder e o advogado Patrus Ananias, que foi ministro do Desenvolvimento Agrícola do Governo Dilma. Ambos participam, nesse mesmo dia, de um ato paralelo contra as privatizações, com o lançamento, para todo o país, da Frente Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional.

    Denunciando ataque à autonomia universitária sem precedentes na história do país, o coletivo exige no manifesto apuração de linchamento moral do reitor por práticas hediondas de desmoralização pública, com a responsabilização de todas as autoridades policiais, jurídicas e administrativas envolvidas nesse crime. Por fim, se pronuncia pela aprovação da Lei Cancellier (PL 7596/17) pela Câmara Federal, cujo nome já foi aprovado pelo Senado Federal, definindo os crimes de abuso de autoridade cometidos por servidores públicos e membros dos três poderes.

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