Jornalistas Livres

Categoria: Machismo e misoginia

  • A quem interessa ser profeta do caos?

    A quem interessa ser profeta do caos?

    Por Jacqueline Muniz, Ana Paula Miranda e Rosiane Rodrigues
    Imagens de autoria dos Jornalistas Livres, capturadas em protestos, no último final de semana, em São Paulo e na França
    A advertência de não realização de manifestações políticas, fundada no medo e na promoção do pânico social, é um atentado à democracia, uma forma de extorsão de poderes, de dirigismo monopolista das pautas plurais e das reivindicações divergentes de sujeitos que são diversos em cor, classe, renda, gênero, orientação sexual, instrução, etc. A advertência sob a forma de ameaça produz paralisia decisória de lideranças, imobilismo social e lugares resignados de fala, que seguem aprisionados nas redes sociais, na política emoticon do “estamos juntos” até o próximo bloqueio, diante da comunhão de princípios com diferença de opiniões: “você deve ir ao shopping, mas não a passeata”.
    A fabricação de conjecturas apocalípticas e suposições catastróficas com roupagem analítica é um recurso de persuasão de via única, impositiva, que aponta para um sentido hierárquico e, até mesmo autoritário, de quem se acha portador de uma verdade ‘revelada’ sobre os atos políticos e de uma razão superior sobre os fatos da política. A fala profética é uma fala moralista, ilusionista, que, por meio do uso da fé e do afeto, inocula nas pessoas uma culpa antecipada por suas escolhas para desqualificar seus arbítrios e fazê-las rebanho dependente de um guia despachante do juízo final. Este projeto de poder necessita fazer crer que o pessimismo visionário e proselitista é mais real que a própria realidade vivida e que deve fazer parte do cálculo das ovelhas boas e más, dos aliados e opositores de ocasião. A fala profética serve aos senhores da paz, da guerra e do mercado, sem distinção. É um jogo ardiloso do ganha ou ganha em qualquer circunstância ou resultado obtido.
    A quem interessa ser o profeta do caos? Ao próprio profeta que, inventor do jogo do quanto pior melhor, sacrifica seus seguidores feito gado, gasta a tinta das representações com seu próprio manifesto e promove a tensão entre espadas para se manter como o grande  conselheiro conciliador.  
    Os profetas do caos são como uma fênix que ressurgem da crise que criam. Eles se apresentam como proprietários das representações políticas, à direita ou à esquerda, em cima e embaixo. Eles se oferecem como mediadores dos conflitos que provocaram, como tradutores intérpretes na Torre de Babel que criaram entre nós.  A ameaça (do caos, da morte e do cerceamento da liberdade) não serve como advertência. Os profetas do caos produzem o medo, moeda de troca fundamental para a construção de milícias, para vender os seus remédios (previsíveis, amargos e inócuos). Para eles, não importa se os doentes morrem ou vivem, o que importa é que, doentes ou não, consumam suas previsões do passado.
    É notório que as polícias no Brasil têm tradição em policiar eficazmente o entretenimento lucrativo dos blocos de carnaval, shows e aglomerações em campeonatos de futebol. Nesses casos, sua atuação se dá na manutenção do status quo dos públicos, constituída a partir das atividades de contenção e dispersão das multidões. Já para o controle de pessoas que ocupam o espaço público sob a forma de protestos de todos os matizes políticos, apesar de ser um fenômeno relativamente recente e não haver protocolos policiais escritos e validados, sabemos que esses eventos se tornam encenações, nas quais janelas são abertas para oportunistas de todas as ordens, para acertos de contas da polícia dos bens com a polícia do bem, incluindo os ‘caroneiros’ de manifestação que comparecem por motivos completamente alheios às pautas dos protestos.
    Nesses espetáculos públicos que encenam os jogos da política aprendemos coisas muito básicas, sejamos nós manifestantes ou espectadores: sempre haverá a presença de agentes infiltrados (que ajudam na contenção) e de provocadores, para providenciar a dispersão. A infiltração de agentes de inteligência por dentro dos movimentos sociais remonta uma antiga estratégia estadunidense da década de 1960. Ou seja, muito antes do surgimento dos Black Bloc. Nos últimos 60 anos, acumulou-se um aprendizado sobre o uso do espaço
    público relativo ao círculo do protesto (aglomeração, deslocamento,  ato de encerramento e dispersão) que permite que os movimentos saibam lidar com esses elementos internos. 
    Neste mesmo período aprendemos, também, que o que torna legítimo um protesto não é a quantidade de indivíduos reunidos em um território específico por um período de tempo determinado, mas os modos de ocupação do espaço público e a construção coletiva de uma agenda política que os mobilize e tenha impacto na sociedade. A produção de dossiês intimidatórios, com a participação de agentes públicos, também não é novidade. Os constrangimentos da exposição de dados acabam por jogar na lama do “tribunal digital” os adversários, fortalecendo a promoção de linchamentos virtuais, de direita ou de esquerda.
    O governo Bolsonaro não é o único que tem disseminado o medo para sabotar os mecanismos de cooperação e mobilização sociais, substituindo práticas de coesão por coerções e cruzadas moralistas vindas de cima, de baixo e ao redor. Discursos do medo contra ou a favor de Bolsonaro são péssimos conselheiros porque dão a #Elenão um tamanho e uma agilidade política irreal, retirando-o do isolamento político em que se encontra para nos fazer acreditar que, quando chegarmos às ruas, imediatamente um cabo e um soldado fecharão o Congresso, o STF e tirarão as emissoras e os portais de internet do ar. O medo transforma Bolsonaro num bicho papão, num monstro mítico incontrolável que atira hordas de zumbis (com cabelos tingidos de acaju) contra todos nós.
    O medo disseminado faz com que as pessoas vejam gigantes onde há sombras e abram mão de seus direitos e garantias em favor de um ‘libertário do agora’ que prometa proteção. Mas o profeta-liberador de hoje será o seu tirano de amanhã!
    O rigor científico não permite que nós, pesquisadores, determinemos como os movimentos sociais devem se comportar, nem que sejam pautados por oráculos que anunciam profecias que se autorrealizam. A contemporaneidade produziu os ativismos acadêmicos, mas eles não devem substituir jamais a liberdade dos sujeitos de decidir suas agendas, nem servir de chofer dos movimentos sociais em direção à “Terra sem Males”, um mundo idílico sem conflitos e, por sua vez, sem a política. A ciência pode contribuir com diagnósticos da realidade e oferecer alternativas que considerem, inclusive, que a negação dos conflitos monopoliza o debate e as representações, obscurecendo as negociações dos interesses em disputa. Quando a decisão científica está acima da pactuação social ela deixa de ser ciência e passa a ser doutrina, retira da sociedade a responsabilidade pelas escolhas que faz, para o bem e para o mal.
    Ao  olharmos a história vemos que os discursos de “lei e ordem” são utilizados sempre a serviço dos interesses do Estado e seus grupos de poder. Viver sob o jugo da espada não é novidade para as pessoas para quem o isolamento social é uma prisão histórica dos direitos de cidadania, e não um privilégio de classes. A juventude, principalmente a negra, conhece de perto a violência policial, e sabe que nem em casa está protegida.
    Sobre as autoras do texto: 
    JACQUELINE MUNIZ,antropóloga, professora da UFF.
    ANA PAULA MIRANDA, antropóloga, professora da UFF
    ROSIANE RODRIGUES, antropóloga, pesquisadora do INEAC/UFF.
  • Miguel: quantos como ele correm perigo nas casas das patroas de suas mães?

    Miguel: quantos como ele correm perigo nas casas das patroas de suas mães?

    https://www.youtube.com/watch?v=sMvyTtB070M

    Se nesse momento a história da trágica morte do menino negro, Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, filho da empregada doméstica, Mirtes Renata Santana da Silva, fosse inversa em todas os seus detalhes: se ele fosse o filho branco da patroa, Sari Mariana Gaspar Corte Real, e tivesse morrido depois de despencar do 9º andar por desleixo e irresponsabilidade da empregada doméstica, certamente essa mulher negra estaria, neste exato momento, encarcerada.

    Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos de vida, é vítima do racismo arraigado na vida cotidiana de pessoas como Sari, uma mulher que, ironicamente, possui sobrenome supremacista branco “CORTE REAL”.

    Mas esse não é o pior dos detalhes. Nesse episódio trágico, a imprensa pernambucana, majoritariamente branca, portanto “limpinha”, não quis desagradar a mulher do prefeito da cidade de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB).

    Até agora não há sequer uma menção realmente incisiva sobre a responsabilização de Sari na morte do menino.

    O mesmo aconteceu com o delegado Ramón Teixeira, que acolheu o caso inicialmente. Preferiu preservar a identidade de Sari Mariana Gaspar Corte Real.

    Sari não dispensou Mirtes por causa da pandemia. Sari não quis limpar sua própria merda, não quis varrer seu chão, não quis colocar  suas roupas na máquina de lavar, não quis cozinhar sua própria comida. Sari não quis levar seu cachorro para passear. Sari colocou a vida de sua empregada em risco, exposta à COVID-19. Sari matou o filho de Mirtes.

    Que tipo de gente é essa?  Miguel, 5 anos, queria ver a mãe, que saiu para levar o cachorro da patroa a passear. Insistiu, fez birra, como qualquer criança faria. E não se curvou ao racismo de Sari. Por isso entrou no elevador. Por isso foi ao nono andar. Sozinho, porque Sari não se importa, não se importou com o fato de ele ser um menino. Ele era filho da empregada, não era nada. E ele caiu do nono andar. Ele morreu. Quando um filho morre, a mãe é a primeira que desce à cova. Era um filho negro. Na casa da patroa branca. A mãe negra, a empregada, não percebeu isso ainda. Em meio à dor, em estado de choque, ela humildemente lamenta a “falta de paciência” da patroa assassina.

    Miguel
    Miguel com sua mãe, Mirtes. Ao lado, Sari Corte Real, a patroa que colocou a empregada e seu filho em risco.

    O FATO – O menino foi vítima de homicídio na terça-feira (2). Caiu do 9° andar da sacada de um prédio de luxo no Centro do Recife, em Pernambuco, conhecido como Torre Gêmeas. A informação inicial era de que, na hora do acidente, a empregada estaria trabalhando no 5° andar do prédio, mas hoje foi revelado que, na verdade, a empregada estava cumprindo a função de passear com os cachorros da família, enquanto a patroa cuidava de Miguel. Sari foi presa inicialmente, mas pagou uma fiança de R$ 20 mil e responde em liberdade, mesmo depois da divulgação de vídeos mostrando que Sari colocou Miguel sozinho no elevador de serviço, o único que dava acesso para a área desprotegida da qual o menino despencou para a morte. Os elevadores para pessoas como Mirtes e seu filho, na prática, ainda são diferentes no Brasil. E foi lá que a patroa o deixou.

    Apartamento onde Miguel estava
    Planta de um apartamento no prédio de luxo de Sari, marcado por corrupção e tragédia

     

    Um corpo negro que vale 20 mil reais? Realmente vivemos um pesadelo legitimado pela racismo institucional do judiciário

    Liana Cirne Lins, professora da Faculdade de Direito da UFPE, relatou em suas redes sociais que muitos têm defendido a tese de que, inclusive, houve homicídio DOLOSO, configurando dolo eventual. “Afinal, que adulto coloca uma criança de cinco anos, que está chorando pela mãe, sozinha, num elevador, e não calcula a possibilidade de um acidente?” Miguel não tinha intimidade com elevadores. Morava com os pais em uma casa pobre, num bairro humilde.

    Sari sabia dos riscos e não faria o mesmo com os próprios filhos. Aliás, essa é uma pergunta que gostaríamos de fazer à patroa de Mirtes: como você acabaria com a birra de seus filhos?

    Certamente Sari não os colocaria em risco. O centro desse debate é, sem dúvida, a herança de nossa cultura escravocrata e racista.

    Outra declaração importantíssima de Liana Cirne é sobre o local e a data simbólica do homicídio: “O local é nas famigeradas Torres Gêmeas, esse lugar horroroso que tem essa energia do mal, do crime, da corrupção. Elas são um aborto em nossa paisagem e cenário de vários escândalos, desde que a [construtora] Moura Dubeux as ergueu, entre liminares. Nesse momento, mais do que em outros, queria que a sentença demolitória do juiz Hélio Ourém tivesse sido executada. Sobre a data: Miguel morreu no dia em que a PEC das Domésticas completou cinco anos! E é assim que se celebra o aniversário da legislação de proteção das Domésticas, o que diz muito sobre nosso país, que não superou sua herança escravagista.”

    Os Jornalistas Livres se solidarizam demais, profundamente, com mais esse fato absurdo, horroroso, que tem como alimento o racismo.

    Miguel, presente!

     

     

     

    Leia mais sobre o racismo que mata no Brasil:

    A Polícia de Wilson Witzel matou João Pedro, um jovem estudante. Ele poderia ser seu filho

     

  • Hoje, o movimento feminista se despede de Helena Nogueira, militante incansável

    Hoje, o movimento feminista se despede de Helena Nogueira, militante incansável

    Por Helena Zelic, da Marcha Mundial das Mulheres, para os Jornalistas Livres

     

    Nesta manhã de março, com muita dor e saudade, nos despedimos de nossa grande companheira Helena Nogueira. Helena era uma feminista incansável, batalhadora, amiga, solidária… sempre que podia, estava nas ruas de São Paulo contra as injustiças do mundo. No último 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, aconteceu a última grande mobilização antes da quarentena. Nós estávamos lá, mas parecia que tinha uma peça faltando… já estávamos sentindo muita falta da Helena, que se resguardava, com a saúde frágil demais para sair.

    Helena foi diagnosticada com leucemia há poucos meses. Foi internada em um hospital em Indaiatuba. Foi preciso muita organização entre a família, em São Paulo, junto com as companheiras de Campinas e da capital, para contornar as precariedades desse sistema desigual, que impõe às mulheres negras e pobres uma saga para salvar a própria vida. Há poucas semanas voltou para casa, para fazer o tratamento fora da internação. Depois de muitos dias de espera por uma vaga, ela começaria hoje seu tratamento. Nesta manhã, seu corpo, depois de tanta luta, não aguentou.

    A companheira Lourdes Simões, de Campinas, que ajudou no período de internação, destacou “a coragem da Helena em enfrentar o desconhecido. Ali, naquele momento, ela enfrentou algo que não tinha controle, mas com coragem. Dentro do hospital, ela, de novo, foi muito solidária, dessa vez com sua companheira de quarto”.

    A cerimônia de cremação será realizada amanhã, dia 25, às 10:30 no  Memorial Parque Paulista, em Embu das Artes, com duração de quarenta minutos. Devido aos riscos de exposição ao COVID-19 de muitas companheiras que estão no grupo de risco, faremos também uma homenagem virtual durante estes quarenta minutos. Apesar da situação de isolamento, não iremos deixar esta triste perda passar batido.

    Helena, uma vida de luta

    Militante da Marcha Mundial das Mulheres e também do PT, não faltava a uma reunião, atividade, encontro, manifestação. Participou das Marchas das Margaridas e de todas as caravanas para Curitiba por Lula Livre. Não tinha como não gostar da Helena, com sua animação, coerência, companheirismo e sensibilidade.

    “A história de Helena se mistura com a história da Marcha Mundial das Mulheres, que ela ajudou a construir diariamente, nunca abrindo mão da luta radical, feminista, antirracista, socialista, por um mundo novo”, diz a nota do movimento. As militantes estão, todas, muito tristes com essa grande perda, e o isolamento imposto pela pandemia torna o consolo à distância mais difícil. “Nesse estranho momento do mundo, não sabemos bem o que o futuro nos reserva. Mas sabemos que a luta continua e que, na próxima vez que formos para as ruas e nos encontrarmos todas, da forma como gostamos, com nossas bandeiras e batuques, não haverá uma militante que não sentirá a falta de Helena, sempre presente”.

    A Marcha das Mulheres Negras também expressou seu pesar: “Que o Órun a receba em festa! Virou nossa ancestral e fará imensa falta na luta”. No ano passado, Helena fez uma fala pública muito emocionante sobre sua ancestralidade, durante o ato do Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, dia 25 de julho.

    No ato de homenagem e denúncia no marco de um ano do assassinato de Marielle, Helena também fez uma fala poderosa: “Marielle representava a voz preta da comunidade, a voz das pessoas pobres, das mulheres e pessoas LGBT. Nós estamos aqui para honrar o nome de Marielle Franco. Ela não tinha medo, como nós aqui. Nós não temos medo”.  E continuou: “as armas e o ódio estão no Brasil. Nós, mulheres negras, mulheres de luta, estamos aqui para combater esse ódio. Nosso trabalho é trazer a paz, a luta e a coragem”. E, por tudo isso e muito mais, seguiremos, levando o jeito único de Helena na lembrança.

    As companheiras da Marcha Mundial das Mulheres enviaram algumas mensagens homenageando Helena e recordando grandes momentos. Vou começar e passo a palavra para as outras:

    “Este é um dia triste. Daqui de casa, sem saber quando vamos poder nos aglomerar de novo, me sinto desorientada, sem entender direito o que realmente significa perder uma pessoa como essa, uma mulher que tinha, ao mesmo tempo, muita luta pela frente e também muita história pra contar. Uma perda enorme. Sei que não vou ouvir mais o “e aí, xará?” de praxe, de toda vez que a gente se encontrava… e como era bom ouvir, e como é triste só poder lembrar.”

    “Perdemos mais uma. Helena juntava um alto astral, uma indignação, a radicalidade bem própria, olhava pro que a maioria não vê, baita mulher. Que energia e disposição militante para mudar o mundo, ensinar, aprender. Linda, linda.” Tica Moreno

    Uma frase sobre a Helena: alegria de viver. Em todas as vezes em que me relacionei com ela, nas atividades da Marcha e também no hospital, ela sempre via o lado bom das coisas. Alegria de viver de quem enfrenta a dificuldade com esperança. Aquela risada boa, gostosa, que ela dava. Ela sabia que a dificuldade estava vindo, mas não abaixava a guarda.” Lourdes Simões

    “Hoje perdemos uma companheira gigante. Helena estará sempre conosco em nossas lutas. Uma vida inteirinha de luta para nos inspirar.” Fabiana Oliveira

    “Ela nos deixa um grande legado a seguir, um misto de combatividade e alegria, ela não se curvou nunca! Ela seguirá conosco, em nossa luta, até que todas sejamos livres! Temos que nos apegar às coisas boas que a Helena nos ensinou. Coerência, essa força que ela emanava por onde passava… cada sorriso largo… as lembranças incríveis… lembram quando ela deu umas porradas no capanga do Alexandre Frota? E ela ia nas padarias da região para retirar alimentos e distribuir para os moradores de rua em Pinheiros. Muito solidária. Lembram que na Marcha das Margaridas comemos um super lanche coletivo? Comemos salgadinhos e bolos de uma dessas coletas.” Fátima Sandalhel

    “Ela era livre, tão livre e forte. E esperançosa. Vai ser muito difícil seguir em frente nessa despedida.” Vick Rocha

    “E no dia do golpe da Dilma, que ela subiu a rampa do planalto? Helena nos lembrava todo dia que precisamos ser rebeldes!” Carla Vitória

     “Que tristeza, companheiras! A Helena foi mulher muito batalhadora, engajada, divertida. Se envolvia com tudo. Fará muita falta!” Jéssika Martins

    “Que triste essa notícia. Era uma pessoa rara. Estava sempre disposta a compartilhar sua energia, alegria e capacidade de luta quando se tratava de ajudar as pessoas.” Maria Luiza Costa

    “Helena fará muita falta para nós pessoalmente, para o feminismo e para o PT, ela era uma militante de esquerda no PT, sempre muito disposta na luta, não faltou em nenhuma caravana por Lula livre. À Helena, toda nossa gratidão. Por ter lutado por mundo mais justo, feminista e antirracista.” Sonia Coelho

    “Ela era muito solidária. Lembro que, na primeira vez que fui a Brasília com a Marcha, ela me deu uma marmita e água, com todo cuidado comigo porque eu estava ali pela primeira vez. Jamais vou esquecer como ela me recebeu pra de braços abertos.” Salete Borges

    “A Helena era dessas pessoas que a gente não precisa nem conhecer para saber que são fundamentais. Se percebe pelo jeito que os outros falam dela. A Helena sabia que feminismo não tem nada a ver com obediência. Nada. E lembrava a gente disso. Ela não titubeava, não pedia licença. O peito dói muito de tristeza, mas dá muita alegria lembrar destes momentos e saber que a vida é tão maior que esse projeto de morte que pretendem pra nós. A Helena nos ensinou isso. A não aceitar o inaceitável. Não aceitar que a vida seja uma coisa miserável. Não pode ser que seja.” Natália Lobo

     

     

     

     

  • 8 de março: feministas enchem as ruas de todo o país e exigem “Fora Bolsonaro”

    8 de março: feministas enchem as ruas de todo o país e exigem “Fora Bolsonaro”

    Enfrentando o autoritarismo e o conservadorismo que ascenderam no Brasil, assim como em diversos países da América Latina e de outras partes do mundo, fomos às ruas no Dia Internacional de Luta das Mulheres, 8 de março, para denunciar a política de Bolsonaro e exigir mais democracia, mais direitos, trabalho digno e justiça para Marielle.

    Por Marcha Mundial das Mulheres

    Conectando o enfrentamento a essa conjuntura, em que a vida das mulheres se precariza cada dia um pouco mais, com as lutas permanentes do feminismo, pelo fim do capitalismo e do patriarcado, nos manifestamos em todos os cantos desse país, marcando nossa diversidade e irreverência.

    O 8 de março foi, também, data do lançamento da 5ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM). Por todo o mundo e em cada território, as mulheres organizaram atividades públicas, retomando a história do movimento e pautando os motivos para estar em marcha hoje. Com o lema “Resistimos para viver, marchamos para transformar”, a Ação Internacional celebra 20 anos desde que a Marcha foi às ruas pela primeira vez, dizendo não ao neoliberalismo e às políticas econômicas que atentam contra a vida das mulheres.

    O 8 de março abre uma intensa agenda de mobilizações no país. Só neste mês, já estão agendadas manifestações nos dias 14 (por justiça para Marielle no marco dos dois anos de seu assassinato) e 18 (por democracia sob o mote “ditadura nunca mais!”). Sonia Coelho, da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo, fez uma convocação durante o ato de ontem: “quem foi que matou Marielle? Nós sabemos, mas queremos justiça! Então, chamamos todas para o dia 14. E, depois, porque somos mulheres, feministas, trabalhadoras, estaremos todas no dia 18, fazendo uma grande manifestação por democracia. Ditadura nunca mais! Fora Bolsonaro! Cada uma aqui deve convidar sua amiga, garantir a presença da sua organização. É só luta até pôr esse lixo autoritário para fora!”

    O calendário da Ação Internacional da MMM também segue depois de março: em 24 de abril, por todo o mundo, a Marcha fará suas 24h de Solidariedade Feminista, denunciando as empresas transnacionais que exploram o trabalho e a vida das mulheres; e, entre 28 e 31 de maio, acontece uma grande ação nacional em Natal (RN), com presença de delegações de todos as regiões do Brasil.

    Agora, confira como foram as mobilizações nos estados.

     

    Rio Grande do Norte
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    Em Natal, capital do Rio Grande do Norte, as mulheres da MMM participaram do ato que teve como mote “Mulheres em resistência: pela vida e por direitos”, que saiu da Praça das Flores e caminhou até a Praça dos Pescadores. Ao final, elas também lançaram a 5ª Ação Internacional da Marcha.

    Já em Mossoró, A Caravana da Marcha Mundial das Mulheres percorreu os bairros da cidade dizendo que as mulheres querem trabalho digno, liberdade, democracia, Justiça para Marielle e fora Bolsonaro e toda a sua a sua política antipovo.

    No Rio Grande do Norte, as mulheres se preparam para receber as militantes da MMM de todo o Brasil, que irão em maio para Natal, durante a Semana de Luta Anti-imperialista, para participar do momento nacional da 5ª Ação Internacional da Marcha.

     

    Ceará

    photo5130143581451954213Dez mil mulheres estiveram presentes ontem (8) no Festival 8 de Março – Pela vida das Mulheres Contra o Fascismo, Machismo, Racismo e LBTfobia – Em Defesa dos Direitos e da Democracia, em Fortaleza.

    Mulheres do movimento feminista, da periferia, do campo, mulheres estudantes, sindicalistas, partidárias e tantas outras estiveram presentes na atividade, que contou com debates, oficinas, caminhada pelas ruas da praia de Iracema e se encerrou na Praça do Centro Dragão do Mar com um ato político-cultural.

    Com faixa, batucada, palavras de ordem e pirulitos, a Marcha Mundial das Mulheres do Ceará exibiu um grande Fora Bolsonaro em suas mensagens.  “Quem está nesse governo está fazendo uma política de desmonte para a mulheres, é a política do capital”, afirmou Mitchele Meire, da MMM, durante o ato político.

     

    Distrito Federal
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    Em Brasília, as mulheres fizeram uma grande mobilização no dia 8, com a presença de diversos movimentos. A batucada puxou o ato, junto com uma grande faixa com o lema da 5ª Ação. O ato começou logo cedo, às 8h, com o mote “Pela vida de todas as mulheres contra o racismo, o machismo e o fascismo”. Uma hora antes, aconteceu o lançamento da 5ª Ação. Hoje (9), as mulheres do MST ocuparam o Ministério da Agricultura, denunciando as políticas violentas de Bolsonaro para o campo, como a privatização de terras, a liberação de agrotóxicos e os cortes em programas públicos.

     

     São Paulo

    Na capital paulistana, as atividades começaram já pela manhã, com o lançamento da 5ª Ação Internacional, na Avenida Paulista, onde aconteceu um piquenique agroecológico e intervenções culturais. Estavam presentes delegações de mais de dez cidades, como Registro, Barra do Turvo, Peruíbe, Campinas, Ubatuba, Sumaré, Diadema, São Bernardo, Guarulhos.

    Em seguida, as mulheres se juntaram às mais de 40 entidades, movimentos, coletivos e partidos que organizaram o ato “Mulheres contra Bolsonaro! Por nossas vidas, democracia e direitos! Justiça para Marielle, Claudias e Dandaras!”. A chuva não impediu a presença de milhares de mulheres afirmando que queremos outro país e o fim da política de morte desse governo.

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    Em Campinas, o ato aconteceu no sábado (7) e também levou muitas mulheres para as ruas para manifestar a indignação coletiva com esse governo. Foram mais de 50 entidades construindo coletivamente a mobilização. As militantes da Marcha fizeram várias atividades preparatórias para o dia 8. Houveram panfletagens, oficinas de materiais e coleta de assinaturas em espaços públicos.

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    Em Ubatuba, as marchantes fizeram juntas uma atividade dinâmica de construção da linha do tempo da luta das mulheres brasileiras destacando, mais ou menos umas 20 mulheres, desde Dandara, liderança quilombola, até os tempos atuais de Dilma e Marielle. Também houve caminhada pela cidade.

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    São muitas pautas: em defesa da educação e saúde públicas, de denúncia das reformas trabalhista e da previdência, por uma vida livre da violência, contra as privatizações, pela autonomia sobre nossos corpos e sexualidades, pelo direito à moradia, pelo direito dos povos tradicionais caiçaras, quilombolas, indígenas, por trabalho com direitos, pela democracia, contra o fascismo etc.

     

    Rio de Janeiro
    WhatsApp Image 2020-03-08 at 13.58.53No Rio de Janeiro, o ato unitário do 8 de março acontece nesta segunda-feira (9), às 17h, na Candelária, na região central da cidade. No domingo (8), as militantes da MMM se reuniram para um ensaio da batucada feminista.

    A batucada é um instrumento político de luta que expressa nossa ação feminista. Com a batucada, buscamos democratizar a fala nas ruas. Latas, mulheres, tambores e baquetas em ritmo contra o machismo. Os instrumentos da batucada são feitos prioritariamente de materiais reciclados ou que fazem parte do nosso cotidiano.

     

    Espírito Santo
    No Espírito Santo, as mulheres fizeram uma caminhada pelo centro de Vitória na sexta (06), junto com outros coletivos de mulheres, com o tema “Basta de violências: Mulheres nas ruas por direitos!”. O ato foi marcado pelo posicionamento contrário ao machismo e ao governo Bolsonaro. A atividade contou com algumas intervenções culturais e panfletagem de convites para o ato cultural que aconteceu no Parque Moscoso, no centro da cidade, neste 8 de março.

     

    Bahia

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    Dias antes do 8 de março, as militantes da MMM de Salvador já preparavam as latas para a batucada feminista que daria o tom do ato, que foi realizado na manhã deste domingo (8). “Resistência tem nome de mulher! Assédio não! Retirada de direitos não!” foi o mote da manifestação que levou uma multidão para o Farol da Barra.

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    Minas Gerais

    WhatsApp Image 2020-03-08 at 20.44.49A Marcha Mundial das Mulheres em Belo Horizonte construiu o 8 de Março em articulação com as organizações da Frente Brasil Popular e com os blocos de carnaval. Essa unidade vinha sendo tocada desde os atos do Ele Não na cidade. “Só da luta brota liberdade” foi o lema do ato, que começou pela manhã na Ocupação Pátria Livre. Em Juiz de Fora (MG), o ato unificado “É pela vida das mulheres” aconteceu no dia 7, com o Festival Marielle Franco, que contou com uma feira de economia solidária e feminista. O dia 8 ficou para o lançamento, com piquenique e batucada. Em Simonésia, teve manifestação no final da tarde, reunindo mulheres no centro da cidade. Em Viçosa, as mulheres organizaram uma apresentação artística, cultural e política.

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    Rio Grande do Sul
    No Rio Grande de Sul, houveram mobilizações em diversas cidades. Nova Prata, Canoas, Caxias do Sul, Viamão, Osório, Encruzilhada do Sul, Santa Maria e Porto Alegre, além de um ato binacional, da fronteira de Santana do Livramento e Rivera (Uruguai). Em consonância com as articulações nacionais, as mulheres se manifestaram contra o atual governo e também lançaram a 5ª Ação Internacional da MMM. Em Porto Alegre, o lançamento da Ação foi na Praça em frente à orla do Guaíba, junto com bloquinhos de carnaval. Em Santa Maria, as mulheres fizeram um evento junto às artesãs da economia solidária, e denunciaram a situação de desemprego e superexploração através de um “jogo da vida real”.

    Marchantes em Canoas
    Marchantes em Canoas
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    Atividades em Porto Alegre

     

    Pernambuco

    b9192bad-c7c2-4596-8429-ee833d937f8e (1)Em Recife, o ato unificado está marcado para segunda-feira (9). As mulheres da Marcha aproveitaram o 8 para fazer uma pré-mobilização em Brasília Teimosa, com batucada na rua e panfletagem. Em Caruaru, o lançamento aconteceu no Armazém do Campo, com show de Gabi da Pele Preta. O ato será no dia 12, com o lema “Nem ca mulésta!”. E a preparação está intensa: elas estão preparando cartazes elencando tudo aquilo que as mulheres não aceitam. Nem ca mulesta a ditadura, o conservadorismo, o feminicídio, a LGBTfobia, o racismo, o capitalismo… “Resistimos aos ataques do capital, ao conservadorismo, a violência, a opressão. E marchamos para transformar esse cenário social, político e econômico”, sintetizou a militante Ranuzia Netta.

     

    Maranhão
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    O lançamento da 5ª Ação Internacional em São Luís foi na Feirinha Benedito Leite, no Centro Histórico da cidade. Em um palco cheio de apresentações culturais feministas, a batucada entoou canções de luta.

     

    Paraíba
    Em João Pessoa, o lançamento da 5ª Ação aconteceu com um festival político-cultural, intitulado “Basta de violações! Juntas por direitos!”, que se estendeu pela tarde. Durante o festival, as mulheres fizeram uma homenagem a Paula Adissi, militante da Marcha que faleceu há poucos meses e deixou saudade nas companheiras. Em Cajazeiras também teve lançamento, com música e decoração de cartazes.

     

    Paraná
    WhatsApp Image 2020-03-08 at 09.37.46Em Curitiba, as mulheres foram às ruas. Nos cartazes, se evidenciou o tema da democracia e o rechaço aos golpes de Estado. “Contra os ataques da aliança neoliberal e conservadora”, presente em um dos cartazes, foi um destaque do chamado à 5ª Ação Internacional da MMM. 

     

     

    Sergipe
    As mulheres participaram da construção e da condução do ato em Aracaju, que se concentrou no terminal de ônibus na praia de Atalaia. Nas faixas e cartazes, além do lema da Ação, as frases: “pela vida das mulheres! Ditadura nunca mais” e “vivas por Marielle”.

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    Tocantins
    WhatsApp Image 2020-03-08 at 17.48.41Em Palmas, a luta foi na Feira do Aureny I. As mulheres estiveram na Feira dialogando com as/os feirantes e moradores do setor sobre as reivindicações neste 8 de março. O lançamento da 5ª Ação Internacional também foi por lá. “Levamos nossa batucada, linguagem e irreverência feminista pra feira”, disse, satisfeita, a militante Carol Azevedo. Em Araguaína, a Marcha lançou sua 5ª Ação Internacional no decorrer da manifestação, reivindicando “a construção de um feminismo anticapitalista e antirracista concreto e em movimento na nossa cidade”, além de saúde, moradia, educação, soberania popular e uma vida sem violência.

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    Alagoas
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    Em Maceió, as feministas organizaram um festival cultural de mulheres, com o nome “Mulheres unidas pelo direito de viver sem violência”. Na ocasião, elas promoveram diversas discussões, que aconteceram entre apresentações artísticas e falas políticas, marcadas pelo enfrentamento aos governos Bolsonaro, assim como estadual e municipais. Elas reafirmaram a denúncia a Braskem e fizeram um jogral da Marcha com todo ato.

     


    Santa Catarina

    WhatsApp Image 2020-03-08 at 15.30.37Em Florianópolis, o lançamento da 5ª Ação foi realizado durante o 1º Encontro Nacional das Mulheres Indígenas Guarani Yvyrupa. Em uma tenda, as mulheres organizaram uma programação de falas, atividades culturais, música e batucada feminista. Do Encontro, saiu um manifesto das mulheres guarani. Em Blumenau, as marchantes fizeram uma manifestação junto às demais organizações feministas, sindicais e populares. Teve brechó, pintura de camisetas e batucada. Na cidade de Lages, também teve lançamento: na praça, junto a uma feira de economia solidária, com roda de conversa e exposição de cartazes.

  • Editorial: Conhecereis os fatos e a verdade aparecerá

    Editorial: Conhecereis os fatos e a verdade aparecerá

    O jornalismo, assim como a ciência, não se pretende detentor da “verdade”. Nossa matéria-prima são os fatos. E os fatos bem apresentados a leitores, ouvintes e telespectadores são fundamentais para cidadãos tomarem decisões políticas. Jornalistas sérios, como a colega Patrícia Campos Mello, apuram, documentam e relatam fatos importantes para a compreensão da realidade cotidiana. Foi exatamente isso que ela fez na premiada série de reportagens que demonstrou, com dados, fatos e documentos, a contratação de empresas de “marketing” para o ilegal e milionário disparo em massa de mensagens de WhatsApp destinadas a favorecer a candidatura de Jair Bolsonaro e outros políticos de extrema direita  nas eleições de 2018. Como atestaram entidades do porte da Organização dos Estados Americanos, o Brasil foi o primeiro caso documentado em que as fake news (MENTIRAS, em bom português) distribuídas massivamente por celulares tiveram papel decisivo nas eleições majoritárias de uma grande democracia. Mais tarde, reportagem do jornal britânico The Guardian trouxe uma pesquisa provando que 42% de mais de 11 mil mensagens virais utilizadas durante a campanha eleitoral no Brasil traziam conteúdo falso (MENTIRAS) que favoreciam o então candidato de extrema direita à presidência.

    Os fatos, portanto, são que campanhas de extrema direita por todo país, incluindo a presidencial, se utilizaram de recursos ilegais e fake news para eleger seus candidatos. Os fatos são que os órgãos de fiscalização das eleições, como o Tribunal Superior Eleitoral, viram isso acontecer e não tomaram, à época, as atitudes que deveriam tomar. Os fatos são que o homem que ocupa a presidência e seus asseclas se elegeram e governam por meio de mentiras e ilegalidades. O fato é que por meio dessas mentiras, o governo caminha rapidamente para um fascismo aberto e ataca diariamente todas as instituições democráticas brasileiras, especialmente as que trabalham com fatos, como o jornalismo. E os fatos são que, apesar de gostarem de usar um versículo bíblico associando verdade e liberdade, o que se tem são mentiras e agressões diárias contra pessoas que trabalham com fatos, como cientistas e jornalistas.

    Ontem, o Brasil viu estarrecido a escalada de um novo patamar nas mentiras, baixarias, calúnias e difamações, apoiadas e divulgadas pelo governo, contra uma jornalista e, portanto, contra toda a imprensa séria nacional. Patrícia Campos Mello foi alvo, em pleno Senado da República, não somente de mentiras sobre sua atuação profissional impecável no caso, mas também de calúnias de conteúdo sexual, o que demonstra, mais uma vez com fatos, que esse governo não apenas é fascista e mentiroso, como também machista e misógino. A Patrícia, toda a nossa solidariedade e apoio, tanto pessoal como profissional.

    É passada a hora de a imprensa brasileira dar um basta nas mentiras e agressões desse governo que tomou posse há mais de um ano num evento grotesco em que os jornalistas foram confinados longe dos políticos e ameaçados de serem baleados se tentassem se aproximar. Não é possível que os colegas da mídia hegemônica sigam aceitando as “coletivas” da porta do Palácio do Planalto em que o homem que ocupa a presidência os xinga, manda calarem a boca, destrata os veículos para os quais trabalham e foge cada vez que é feita uma pergunta diferente da que ele quer responder. É urgente que jornais, rádios, TVs e portais noticiosos PAREM de tratar esse governo como “normal” e usem as palavras corretas para designar os fatos. Mentiras são mentiras. Fascismo é fascismo. Extrema direita é extrema direita. Retirada de direitos é retirada de direitos. Autoritarismo é autoritarismo. Corrupção é corrupção. Milícia é milícia. E bandidos são bandidos.

    A sociedade e os democratas brasileiros devem exigir das autoridades que ainda não foram totalmente cooptadas por esse governo fascista que façam funcionar as instituições democráticas. Os mentirosos e caluniadores precisam ser processados. Os crimes, inclusive de morte como da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, precisam ser investigados e punidos. Os políticos que se beneficiaram de esquemas de corrupção, financiamento ilegal de campanhas e difusão em massa de mentiras precisam ser cassados, ainda que se faça necessário anular as eleições de 2018.

    Não é a mentira manipulada com o uso versículos bíblicos para enganar a população de boa fé que vai nos libertar. Nossa libertação como nação virá da VERDADE proveniente dos FATOS. E para isso, uma imprensa forte e independente é fundamental.

  • NILCEA FREIRE (1953-2019): “A DOR DA GENTE NÃO SAI NO JORNAL”

    NILCEA FREIRE (1953-2019): “A DOR DA GENTE NÃO SAI NO JORNAL”

    Nilcea Freire, que nos deixou neste sábado (28/12), vítima de câncer, aos 66 anos, foi uma mulher extraordinária, muito à frente de seu tempo. Médica, feminista, reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi ministra de Políticas para as Mulheres do Governo Lula, cargo análogo ao ocupado atualmente pela pastora evangélica Damares Alves –e só por aí já se pode fazer uma idéia do quanto o País ficou mais fanático, mais intolerante, mais triste, mais ignorante.

    Reitora da UERJ entre 2000 e 2004, Nilcea –pela primeira vez na história do Brasil implantou com a política de cotas (reserva de vagas para alunos negros de baixa renda e formados por escolas públicas). Embora as cotas estivessem em consonância absoluta com a reivindicação do movimento negro, a sua implantação em uma das principais universidades do País deu ensejo a uma violenta onda de repúdio que varreu toda a grande mídia brasileira e boa parte dos círculos intelectuais. Para estes, o ingresso de negros e estudantes de baixa renda no ambiente elitista da academia afigurava-se como uma afronta ao preceito do mérito.

    Previu-se a derrocada do ensino superior, o caos, a falência da formação em terceiro grau. Mas, em vez disso, os novos ingressantes no ensino superior abriram linhas de pesquisa inéditas, trouxeram experiências ainda desconhecidas para o coração acadêmico, transformaram-se em vetores de uma universidade renovada e muito mais inclusiva, colorida e diversa. Logo as cotas tornaram-se paradigma no ensino superior, obrigando mesmo as mais vetustas instituições de ensino brasileiras, como a USP, a também criarem ações afirmativas para a inclusão de novas parcelas sociais em sua comunidade de professores, alunos e funcionários. Nilcea, corajosamente, mostrou o caminho.

    Mulher de esquerda desde a juventude, Nilcea militou nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro nos anos da Ditadura Militar. Por causa disso, amargou o exílio no México, entre 1975 e 1977. Em 1989, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, partido em que permaneceu até 2016. Em 27 de janeiro de 2004, Nilcea foi empossada Ministra-Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Luiz Inácio Lula da Silva –inaugurou-se aí um período de impressionante mobilização feminista.

    Delicadeza e resolutividade com a dor dos outros

    A 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em julho do mesmo ano, reuniu mais de 120 mil mulheres de todo o país. No final de 2004, saiu do forno o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que impulsionou os mais relevantes avanços com vistas aos direitos das mulheres: Lei Maria da Penha, criação do ‘Ligue 180’ e do Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência, garantia de direitos às trabalhadoras domésticas, políticas focadas na melhoria das condições de vidas das trabalhadoras do campo e para as mulheres negras, promoção da memória da mulher brasileira e articulação em torno da garantia de direitos sexuais e reprodutivos, inclusive fazendo uma clara defesa da autonomia da mulheres nesse campo, foram também marcos de sua gestão.

    Em uma palestra realizada em julho de 2015, Nilcea falou sobre as mortes de mulheres em decorrência de abortos realizados na precariedade da clandestinidade e da pobreza. Foi uma fala grave e crua, que cobrava da sociedade brasileira a coragem de elaborar políticas públicas que pudessem impedir as perdas de vidas de mulheres pela desassistência e desamparo. Nada de Jesus na goiabeira, nada de meninos de azul e meninas de rosa. Nada de gritos. Nilcea passou a vida a exigir atenção à dor de quem sofre. E o fez com delicadeza e sentido de responsabilidade. Por isso, ela foi imprescindível. Por isso estamos tão tristes hoje.

     

    https://youtu.be/RrvPUzbEzXo