Por Coletivo Passarinho, direto de Buenos Aires, especial para os Jornalistas Livres
Mais de 600 imigrantes participaram, na tarde desta quinta-feira (30/03), da Greve Geral de Imigrantes, contra medidas xenófobas do governo do presidente Mauricio Macri. Os manifestantes se concentraram na Praça do Congresso e seguiu em marcha até a Praça de Maio, na capital.
A pauta central do ato é o repúdio ao Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) 70/2017, publicado em 30 de janeiro deste ano, que quer estabelecer no país uma política anti-imigratória e inconstitucional – já que modifica a Lei de Imigrações 25.871, a Lei de Procedimento Administrativo, o Código Penas e o Código Processual Penal.
A medida amplia a lista de pressupostos que permite a proibição da entrada no país ou deportação quando a pessoa tem antecedentes criminais. Agora todos os crimes do Código Penal são contemplados, inclusive o exercício de atividades informais como camelô, ocupação de moradia e obstrução da via pública. Isso significa que todo imigrante que já tem documento regularizado pode ser considerado passível de expulsão porque ele está dentro do sistema penal. Além disso, o DNU diminui a chance de defesa do imigrante no processo de deportação, já que ele tem três dias para tal e o juíz decide a questão também num período de três dias.
A Argentina, que nas últimas décadas se tornou um país exemplar em políticas migratórias, agora é palco de propostas como o DNU 70/2017 e o Centro de Detenção Migrante, discriminando, criminalizando, excluindo e tolhendo direitos da coletividade imigrante.
Os manifestantes acusam o governo Macri de usá-los como “bode expiatório” para suas políticas e econômicas impopulares de ajuste. “Estamos em greve porque nos afirmamos como trabalhadores que migraram para se tornar parte do crescimento deste país, porque migrar não é um crime, é um direito humano”, diz o manifesto dos organizadores.
Houve faixas de “Nenhum ser humano é ilegal”, “Todos somos imigrantes” e, é claro, “Fora Temer”.
As celebrações na cidade começam um pouco antes das brasileiras: elas iniciaram na quarta-feira (22/02) com a tradicional “Queima do Mau Humor”, uma sátira interpretada por comediantes locais que zombam de algum personagem contemporâneo.
No final da apresentação, se atea fogo em um boneco do rabugento, buscando exorcizar a amargura para as festas. Este ano, a caricatura escolhida foi o novo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No entanto, ao invés, de queimar um fantoche do herdeiro nova yorkino, se incinerou uma representação da promessa de Trump de construir um muro na fronteira com os dois países.
Nesta terça-feira, o governo dos EUA criou novas políticas que buscam expandir o número de deportações, assim como aumentar o número de agentes migratórios e patrulhas nas fronteiras em 15 mil. As medidas permitem que praticamente qualquer pessoa sem documentação possa ser presa e deportada do país, mesmo que nunca tenha cometido um crime.
Uma infração de trânsito ou a suspeita de cometer um crime podem servir como base para deportações e simplesmente ser incapaz de confirmar a residência no país por mais de dois anos, já serve para deportação imediata, sem nenhuma audiência judicial.
Especula-se que essas novas diretrizes assinadas pelo presidente podem levar a milhões de deportados por ano. No mês passado, Trump já tinha anunciado a “construção imediata” de um muro na fronteira entre o México e Estados Unidos.
“Vejo nas notícias e sofro muito. Porque sei o que se passa lá e o que se vai passar lá”, me conta Lilian Garcia*, uma velha senhora de 50 anos que também participava do Carnaval.
Ela e seu marido, Leo Cerda* foram deportados há mais de dez anos, durante o governo Bush, junto com alguns filhos mais velhos ao serem parados por dirigir além do limite de velocidade. Então, foram separados de suas famílias e levados ao México, com nada além da roupa do corpo. O homem conta que viveram duas décadas nos Estados Unidos, conseguindo abrir uma empresa de mecânica e levar uma vida confortável.
Da noite para o dia, foram deixados a própria sorte em Monterrey, no Norte do México, sem trabalho ou contatos. “Vivíamos dividindo um sanduíche de 30 pesos (R$5,00) ao dia.” diz o senhor. “Mas, Lilian sofreu mais… muito mais.
Ela ficou sem poder ver seus filhos.” Segundo o casal, a mãe tentou retornar uma vez, buscando rever sua família. No final, foi recebida por policiais, que a encarceraram por seis meses e, ao final de sua pena, deportaram-na novamente. As crianças cresceram e se tornaram cidadãos americanos sem a mãe. Mesmo com anos sem os ver, ela me acompanha cada um nas redes sociais. “Olha como ele está bonito! E trabalha muito também, mas não gosto da sua namorada.” – diz ela, me mostrando a foto do filho no smartphone.
*Nomes ficctícios
Fotografia por Caio Santos e Alejandro Melendez
Por Raquel Wandelli, de Havana, Cuba, especial para os Jornalistas Livres
Exceto a imponente beleza marítima e arquitetônica da fortaleza erguida na entrada da Baía de Havana, o cenário não é muito diferente do característico de uma grande feira pública em qualquer país capitalista. Ônibus chegando e partindo, música, barracas vendendo bebidas, picolés, comida típica, parque de diversão para as crianças permeiam o caminho de milhares de cubanos que sobem o Morro em direção ao Complexo Militar San Carlos de La Cabaña, construído pelos colonizadores espanhois no século XVIII para defender Havana das invasões inglesas. O que diferencia essa grande concentração de pessoas de todas as idades é o objeto capaz de atrair durante dez dias multidões debaixo do sol caribenho: o livro. Com uma repercussão maior a cada ano, a Feria Internacional del Libro de Habana, que foi aberta no dia 9 de fevereiro e vai até o dia 19, é resultado dos investimentos desse país socialista em uma política pública de educação e no forte incentivo à arte e à leitura, conforme assinalou o presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular, Esteban Lazo, na cerimônia de inauguração.
Em sua 26ª edição, a feira anual reúne autores, editores e tradutores de 46 países, com destaque para os selos editoriais das Antilhas. O acontecimento aborda a exuberante paisagem histórica com hordas de jovens, famílias e crianças que brincam nos canhões ou se sentam nos gramados da colina debruçadas ao lado dos pais sobre os livros, que são vendidos por valores equivalentes a centavos de reais, com custos ainda mais baixos que os já praticados pelas livrarias cubanas. O público heterogêneo que sobe em procissões infindáveis até os estandes de livros ou salas de lançamento instaladas dentro dos quarteis do castelo de San Carlos evidencia a igualdade étnica e social em uma sociedade inclusiva, onde nenhuma criança pode ficar fora da escola e o jovem recebe apoio integral para se graduar nas universidades públicas.
Neste ano, o evento tem como país convidado de honra o Canadá, com quem Cuba mantém fortes acordos culturais. Há uma sala dedicada à literatura canadense, onde se realiza todos os dias a Jornada de Quebec. Ao lado dos franceses, alemães, do leste europeu, espanhóis, estadounidenses e latinoamericanos em geral, os canadenses são visitantes preferenciais desse país considerado o último reduto da experiência da humanidade na superação do capitalismo e das desigualdades produzidas pela sociedade de classes. Dezenas de poetas, ficcionistas e críticos canadenses, como Maya Ombasic, Patrick Léonard, Camille Robitaille, Louise Desjardins, Rose Ellicelny, Alexandre Belliard, Sophie Benvenue e Luc Chartrand participaram da feira lançando livros, proferindo palestras e conversando com os leitores no estande ou em espaços ao ar livre com proteção para o sol e a chuva.
Em três dias de feira, os frequentadores esgotaram os títulos de Leonardo Padura, considerado o maior narrador cubano vivo, autor de O homem que amava cachorros, romance histórico sobre o assassinato de Trotsky, publicado no Brasil pela Boitempo. Diários de Che na Bolívia, publicado no Brasil pela editora Record, leitura muito procurada pelos jovens, também havia acabado na ala de literatura social e política do Estande de literatura cubana, uma das áreas preferidas dos leitores, onde estão expostos também os discursos de Che, de Fidel Castro e do atual comandante chefe Raul Castro. O comandante chefe Fidel Castro foi homenageado como tema dos colóquios, mostras documentais e 24 novos títulos dedicados ao líder da revolução cubana e à análise crítica e autocrítica do período que o sucede.
Cada compartimento do castelo militar recebeu o nome de um grande escritor ou de um intelectual e foi transformado em uma sala para entrega de prêmios em diversas áreas da produção intelectual, lançamento de livros, oficinas, atelier de arte, exposições artísticas ou projetos culturais. As salas homenageiam nomes como Nicolas Guillén, José Antonio Portundo, Alejo Carpentier e José Lezama Lima. Em outros espaços distribuídos pela Fortaleza, se realizam exposições de arte e fotografia; projetos de publicação digital e jogos virtuais de leitura; conferências e painéis; Museu do Som; teatro de bonecos, contação de histórias e cozinha demonstrativa com apoio na emergente literatura culiniária.
Na Sala Alejo Carpentier, a poetisa e tradutora Susana Haug coordenou o painel internacional “Pensar-nos e nos reescrevermos como povos no romance histórico”, que mostrou a importância desse gênero como um dos grande pilares do canon latinoamericano. Participaram Luisa Valenzuela, representando a Argentina; Raúl Vallejo, pelo Equador; Paolo de Lima, pelo Perú e Rogelio Riverón, por Cuba. O autor de Volver al Oscuro Valle, Santiago Gamboa, considerado o sucessor de Gabriel García Márquez na literatura colombiana, foi um dos mais festejados romancistas latioamericanos com o lançamento de A síndrome de Ulisses, narrativa de um jovem colombiano aspirante a escritor que vai a Paris tentar se lançar no mundo da literatura.
Carregados de sacolas com livros, os cubanos aproveitam a feira para se atualizar em literatura didática, histórica e ficcional e cumprem o lema da feira, que é campanha nas rádios, nos jornais, nas ruas, nas escolas e nos cartazes: “Ler é crescer”. Do alto da colina banhada pelo mar do Atlântico, a maior fortaleza das Américas, com uma área de 10 hectares e 700 metros de muralha, torna-se, durante esse evento, alicerce maior da fortaleza simbólica de Cuba, que não é a sua economia, como acentua Osvaldo Martinez, economista e ex-assessor direto de Fidel Castro, mas a sua cultura. Construída de 1763 a 1774 por cerca de quatro mil prisioneiros mexicanos e indígenas escravizados pelo rei espanhol, a edificação tomada por Che Guevara torna-se também emblema da libertação de um povo. “Para ser livre é preciso ler”, dizem cartazes espalhados por toda a Ilha.
Prazer em tê-lo por aqui. Meu nome é Caio Coletti, e eu acredito no cinema. Não tenho o costume de me apresentar assim no começo de textos, e já há algumas semanas tenho escrito todas as sextas-feiras para o Jornalistas Livres sem fazê-lo, mas dessa vez achei propício. Durante essa semana, esbarrei com uma discussão complexa e fascinante nas redes sociais: o cinema tem impacto político? É só espelho que condena a nossa sociedade, ou é também martelo que molda a nossa realidade?
Meus 13 anos de pura paixão por essa forma de arte me dizem, instantaneamente, que o cinema é as duas coisas. Como manifestação artística, ele se enraíza e se entrelaça à nossa narrativa social, e serve não só para nos mostrar, agora e no futuro, qual é o estado da sociedade em que vivemos, como para incitar e provocar à ação. Filmes mudam pessoas, e pessoas mudam o mundo. É um processo lento, mas ignorá-lo é empobrecer imensamente a nossa percepção social.
Trump com sua ordem executiva recém assinada
Tome como exemplo o grande assunto dessa semana no plano internacional: a ordem executiva assinada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que foi recebida como uma proibição da entrada de imigrantes muçulmanos no país. Efetivamente, a ordem designa que imigrantes oriundos de sete países do Oriente Médio, todos de maioria muçulmana, não podem entrar nos EUA pelos próximos 120 dias. Além disso, a entrada de imigrantes sírios foi indefinidamente proibida, e o programa de aceitação de refugiados suspenso.
A ordem foi criticada tanto por seu conteúdo quanto por sua implementação, aparentemente mal-planejada pela administração Trump – um garoto de 5 anos, por exemplo, foi detido e algemado em um aeroporto americano, assim como um senhor de meia idade que trabalhou com o exército dos EUA no Iraque, e uma idosa que é portadora do Green Card desde 1997. Os agentes de imigração nos aeroportos não sabem exatamente o que a ordem executiva do presidente implica, e vários juízes por todos os cantos dos EUA estão usando a autonomia dos estados para bloquear ou limitar a sua efetividade.
O público também não ficou feliz com a ordem do presidente. Protestos espontâneos apareceram aos montes pelos aeroportos dos EUA e ao redor do mundo, como aconteceu na semana passada com a Marcha das Mulheres contra Trump, e mutirões da advogados ficaram a postos nos terminais para ajudar imigrantes que iriam lidar com uma recepção bem mais hostil do que aquela que esperavam.
E sim, frente a tudo isso, você pode me achar tolo por dizer que o cinema tem algumas respostas, mas dê uma chance a dois filmes: Brooklyn (2015), de John Crowley; e Invasão Zumbi (2016), de Sang-ho Yeun.
Saoirse Ronan em Brooklyn (2015)
Cinema como história comparada
Em Brooklyn, que foi indicado a 3 prêmios no Oscar (incluindo Melhor Filme), uma jovem irlandesa de nome Eilis se muda para os EUA em busca de maiores oportunidades do que aquelas que encontraria em sua sonolenta cidade litorânea. Lá, ela conhece o ítalo-americano Tony, se apaixona, e começa a ver uma possibilidade real de construir uma vida – ao visitar a Irlanda sob circunstâncias inesperadas, no entanto, ela percebe a solidão da mãe, e conhece outro pretendente, Jim. O dilema entre os dois homens na vida de Eilis serve como metáfora para a decisão entre o confortável e o arriscado, e traduz uma angústia muito típica do imigrante.
Brooklyn enfrentou críticas na época de seu lançamento por retratar a experiência imigrante de forma suave – ninguém no filme é adversário ou antagonista de Eilis, e o conflito dramático é mais interno do que externo. Como brincou o roteirista Nick Hornby, Brooklyn é “um filme sobre pessoas sendo legais umas com as outras”. Tudo isso é verdade, mas o que essas análises perdem na ansiedade de condenar o filme é uma reflexão do porquê a experiência de Eilis como imigrante é tão desimpedida, por assim dizer.
O filme se passa durante os anos 1950, na explosão industrial americana do Pós-2ª Guerra, e o governo americano precisava de imigrantes para preencher a mão de obra de um país em plena construção. É emblemática a experiência ítalo-americana, e é talvez por isso que o filme coloque Tony em cena, mas diversos países da Europa, especialmente os mais ostracizados pela guerra, mandaram jovens trabalhadores para os EUA, que justamente nessa época ganharam a fama de “terra da oportunidade”.
Em certa cena de Brooklyn, Eilis visita uma igreja comandada por um pastor irlandês, e acaba ajudando a alimentar moradores de rua, muitos deles imigrados da mesma terra que ela, largados à miséria após fazerem sua parte na construção da nação. Após o jantar, um dos imigrantes canta uma típica canção irlandesa, e o olhar da atriz Saoirse Ronan, que está excepcional durante todo o filme, traduz um coração quebrado que vai muito além da saudade de casa. Eilis aceita a bagagem da história de seu povo nos EUA e entende que aquele sentimento complicado de ser um “peixe fora d’água” nunca vai passar.
Como jornada emocional, Brooklyn é universal, mesmo que não o seja como experiência concreta. Como documento de história comparada, é mais valioso ainda, por que faz nas entrelinhas a pergunta essencial: se vocês queriam imigrantes antes, por que não querem agora?
Yoo Gong em Invasão Zumbi (2016)
Cinema como metáfora
Invasão Zumbi, que ganhou um título estranhamente explícito no Brasil (o original é apenas Trem para Busan, uma cidade coreana), é um terror de ação que continua uma longa tradição de metáfora social no subgênero. Afinal, esse é um mito que nasceu com A Noite dos Mortos-Vivos (1968), uma pouco velada crítica à paranoia comunista que assolava os EUA durante a Guerra Fria. O filme de George A. Romero brincava com o medo político dos “agentes disfarçados” do regime russo ao mesmo tempo em que postulava que deveríamos ter mais medo de nós mesmos do que dessas estranhas e elusivas criaturas.
Em Invasão Zumbi, acompanhamos um egoísta trabalhador do mercado financeiro, Seok Woo, que embarca em um trem para a cidade de Busan com a filha, Soo-an, a fim de visitar a mãe da menina, de quem é divorciado. O problema é que, durante a viagem, o apocalipse zumbi começa – e, presos no claustrofóbico ambiente do trem, Seok Woo, Soo-an e os outros passageiros precisam encontrar uma maneira de se salvarem de situações cada vez mais angustiantes.
O filme de Sang-ho Yeon é eficiente como entretenimento: com 118 minutos, parece ser muito mais longo, porque coloca o espectador em estado de alerta e é capaz de inventividade infinita quanto às situações precárias em que pode colocar seus protagonistas. Como metáfora, no entanto, é ainda mais potente – se para Romero os zumbis representavam a percebida ameaça do comunismo, para Yeon eles representam o terrorismo, e mais especificamente o terrorismo islâmico. Assim como Romero, no entanto, o diretor coreano aplica uma esperta reviravolta quanto ao vilão de seu filme.
Conforme o filme se aproxima do terceiro ato, passamos a odiar menos os zumbis, e mais Yong-Suk, que surge como um oficial do governo paranoico que usa de retórica tristemente familiar para jogar grupos de sobreviventes uns contra os outros. Alimentado por seu próprio medo, Yong-Suk convence um grupo de personagens secundários a trancar os protagonistas para fora do vagão seguro em que estavam abrigados, desconsiderando divisões de famílias e qualquer tipo de solidariedade humana no processo.
Não dá para dizer que o diretor e roteirista Yeon fez desse vilão um agente governamental por coincidência. Com a retórica anti-imigração crescendo no mundo todo, o sul-coreano encontrou uma boa oportunidade para nos mostrar, em um contexto ficcional, como essa lógica desumana funciona. A barreira entre um vagão de trem seguro e outro infestado por zumbis (que, vale lembrar, servem de “substitutos” para os terroristas nessa história) parece mais real para quem vê, e para quem está desde o começo mergulhado na perspectiva dos protagonistas, do que a fronteira entre dois países.
Como metáfora, o cinema tem poder de nos fazer ver o que talvez não conseguíssemos no caos do mundo real. Não muito diferente do jornalismo, ele pega uma multiplicidade de vozes e as organiza em uma narrativa em que elas se tornam mais fáceis de compreender. O cinema, às vezes, é instrumento bruto para forçar empatia na mente de quem não a pratica muito no mundo real – se for capaz de mudar uma opinião, afetar uma atitude ou adicionar um número em qualquer luta que seja, já está mudando o mundo.
*Caio Coletti é um jornalista de Itatiba (SP), formado na PUC-Campinas. Colaborador do Taste of Cinema e do Jornalistas Livres.
Essa é a hashtag que está bombando nas redes sociais nesse domingo (29) nos Estados Unidos. Centenas de pessoas, no Facebook e no Twitter, mostram as telas de seus celulares deletando o aplicativo do Uber. A maioria complementa com a indicação para baixar o aplicativo da Lyft.
São duas as razões principais. Os taxistas de Nova York se recusaram a pegar passageiros aeroporto JFK, por uma hora, em protesto às ordens de Trump contra nacionais de países de maioria muçulmana. Pediram apoio ao Uber que manteve o serviço. A segunda razão é que o diretor do Uber, Travis Kalanick, faz parte do conselho consultivo de negócios formado por Trump.
Por outro lado, John Zimmer e Logan Green, diretores da empresa Lyft, concorrente do Uber, divulgaram que doarão um milhão de dólares à União Americana de Liberdades Civis (American Civil Liberties Union), uma Ong muito forte na defesa de direitos humanos que já arrecadou 10 milhões de dólares desde que Trump assinou o banimento de imigrantes de 7 países de maioria muçulmana.
Para saber mais veja: http://www.aljazeera.com/news/2017/01/deleteuber-users-angry-trump-muslim-ban-scrap-app-170129082003307.html
Centenas de refugiados judeus foram rejeitados pelo governo dos EUA às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Muitos viriam a perecer nos campos de concentração do Holocausto. O Manifesto de Saint Louis (St. Louis Manifest), um novo e poderoso projeto no Twitter que leva o nome do navio que carregava essa preciosa carga humana, presta homenagem às suas vítimas no momento em que os EUA e outros países europeus banem muçulmanos fugindo de guerras catastróficas alimentadas pelo Ocidente.
Em maio de 1939, o MS St. Louis viajou de Hamburgo, Alemanha para Havana, Cuba. Quase todos os 937 passageiros do navio eram judeus, a maioria deles cidadãos alemães tentando escapar do regime nazista. Cuba, que era uma colônia virtual dos EUA na época, recusou-se a aceitar a maioria dos refugiados. Os jornais de direita e os políticos alimentaram o medo e a paranoia sobre aqueles que requeriam asilo, alegando que eram infiltrados comunistas.
Depois que Cuba os rejeitou, os passageiros do navio entraram em contato com o presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, pedindo asilo. Ele se recusou a responder. O Departamento de Estado e a Casa Branca decidiram rejeitá-los, agindo sob rígidas cotas de imigração e um sentimento xenófobo disseminado. Os refugiados foram forçados a retornar à Europa devastada, onde centenas morreram.
Meu nome é Lutz Grünthal. Os EUA me expulsaram na fronteira em 1939.
Fui assassinado em Auschwitz
@Stl_Manifest – 27 de janeiro de 2017
O Manifesto de St. Louis coloca um rosto humano nos refugiados que foram recusados, usando fotos e histórias documentadas pelo Museu do Memorial do Holocausto dos EUA. O projeto foi lançado no Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, que comemora o dia em 1945, quando Auschwitz-Birkenau, o maior campo de concentração nazista, foi libertado pelo Exército Vermelho da União Soviética.
Meu nome é Horst Rotholz. Os EUA me expulsaram na fronteira em 1939.
Fui assassinado em Auschwitz
@Stl_Manifest – 27 de janeiro de 2017
Russel Neiss, um educador e ativista judeu de St. Louis, cocriou o Manifesto de St. Louis com Charlie Schwartz, um rabino em Cambridge, Massachusetts. AlterNet entrevistou Neiss via e-mail.
“Foi feito por um desejo repentino, ontem à noite, ao longo de cerca de duas horas”, disse Neiss, referindo-se à quinta-feira, 26 de janeiro. “Seu objetivo principal é honrar a memória de um pequeno pedaço dos 10 milhões de vítimas dos nazistas em Dia Internacional da Memória do Holocausto”.
Meu nome é Selma Simon. Os EUA me expulsaram na fronteira em 1939.
Fui assassinado em Sobibor.
@Stl_Manifest 28 de janeiro de 2017
Os movimentos políticos de extrema-direita e a xenofobia antirefugiados estão em ascensão em todo o Ocidente, em meio a pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial.
No Dia Internacional da Memória do Holocausto na sexta-feira, 27 de janeiro, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva explicitamente racista proibindo refugiados e proibindo os nacionais de sete países de maioria muçulmana de entrarem nos Estados Unidos, incluindo aqueles com cidadania e vistos. (Cinco dos países da lista negra estão atualmente sendo bombardeados pelos EUA, e os EUA desestabilizaram os outros dois.)
Neiss traçou paralelos entre a situação dos refugiados judeus que foram afastados há 80 anos e os refugiados muçulmanos fugindo das guerras apoiadas pelo Ocidente hoje.
“’Nós nos lembramos’ e ‘nunca mais’ devem ser mais do que chavões vazios”, disse.
Neiss condenou, em particular, a Organização Sionista da América (Zionist Organization of America) por sua posição antirefugiados. Os principais grupos pró-Israel pegaram carona na popularidade de Trump e expressaram apoio ou permaneceram em silêncio sobre as exageradas políticas antimuçulmanas e antirefugiados de Trump. A Organização Sionista dos Estados Unidos chegou até a receber Steve Bannon, um racista de extrema-direita que foi acusado de antissemitismo, para falar em sua noite de gala.
Neiss também criticou as Federações Judaicas da América do Norte (Jewish Federations of North America), o Comitê Judaico Americano (American Jewish Committee) e o Conselho Judaico de Assuntos Públicos (Jewish Council on Public Affairs), “por seu silêncio sobre o assunto”.
“Se o objetivo dessas organizações realmente significa ‘Nunca mais’ e ‘Nós nos lembramos’, eles deveriam fazer algo para provar isso”, disse ele.
“A Liga Antidifamação foi o único dos principais grupos judaicos a tomar uma posição pró-refugiados sobre esta questão e eles devem ser elogiados”, acrescentou Neiss.
O sentimento antimuçulmano que assola os EUA e a Europa hoje ecoa o antissemitismo do início do século XX. De fato, muitos dos mitos islamofóbicos de hoje empregam a mesma linguagem dos estereótipos antissemitas do passado.
Na Segunda Guerra Mundial, os nazistas e seus aliados fascistas mataram mais de seis milhões de judeus em um dos piores genocídios da história humana. Eles também assassinaram milhões de comunistas, socialistas, anarquistas, sindicalistas, feministas, ciganos, afrodescendentes, homossexuais e deficientes. A Alemanha nazista só foi derrotada devido aos enormes sacrifícios da União Soviética. Pelo menos 26 milhões de soviéticos – mais da metade deles civis – perderam a vida na luta contra o nazismo. Em contraste, apenas cerca de 400.000 americanos e 400.000 britânicos morreram na guerra.
Cerca de 20 milhões de chineses, dos quais mais de três quartos eram civis, também morreram na guerra contra o império fascista japonês, aliado à Alemanha nazista e à Itália fascista.
Ben Norton é repórter do Projeto Grayzone da AlterNet. Você pode segui-lo no Twitter no @BenjaminNorton.