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Categoria: Internacional

  • Temer declara guerra al pueblo

    Temer declara guerra al pueblo

    El gobierno Temer escanó su cara. Con un decreto firmado hace poco, convocó las Fuerzas Armadas para reprimir manifestaciones.  Además de una máquina de corrupción, el usurpador del Planalto (sede del Poder Ejecutivo Federal brasileño) mostró manejar una máquina de guerra en contra el pueblo.

    Más de cien mil personas se reunieron pacíficamente en Brasília pidiendo la renuncia del títere, elecciones directas y dando un sonoro no a las reformas liquidadoras de la jubilación y de los derechos trabajistas. Qué encontraron? Soldados armados hasta los dientes y dispuestos a atacar una manifestación democrática.

    Hay decenas de heridos. Al menos uno de ellos fue afectado por una bala y está en el hospital. Bombas de gas y de efecto (i)moral son disparadas incesantemente contra trabajadoras, trabajadores y jóvenes desarmados. Un escenario típico de los tiempos de dictadura militar.

    Temer y su banda no tienen cualquier condición de continuar en el poder. Su ofensiva en contra la manifestación de hoy no deja dudas. Más y más, el gobierno golpista solo puede recurrir a la represión. No hay argumentación capaz, en una democracia, de defender ni por un día más a un mandatario sucio de los pies hacia la cabeza por la corrupción explícita y teñido con la sangre de los manifestantes.

    La permanencia en el Planalto del títere Temer al servicio de intereses reaccionarios es una verdadera provocación al pueblo brasileño. Los números no mienten: 14 millones de desempleados, millones de familias en desesperación, millares de empresas cerrando, incumplimiento de deudas se extendiendo. Ahora, vivimos una represión cobarde en gran escala. Todo eso es obra de una administración ilegitima y desmoralizada incluso entre muchos que embarcaron en la aventura golpista.

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    Portuguese: https://jornalistaslivres.org/2017/05/temer-declara-guerra-ao-povo/

    English: https://jornalistaslivres.org/2017/05/temer-declares-war-on-the-brazilian-people/

     

  • O INVERSO – um artigo para ajudar a entender o que acontece na Venezuela

    O INVERSO – um artigo para ajudar a entender o que acontece na Venezuela

    Um artigo redigido pela professora e pesquisadora venezuelana Pasqualina Curcio, carregado de ironias, questiona as afirmações da oposição venezuelana e da direita da Assembleia Nacional do país, bem como daqueles que no cenário internacional os apoia, como o secretário geral da OEA, Luis Almagro.

    Dentre outras ironias, a autora cita os atos violentos promovidos pela oposição, como o recente incêndio em um Hospital Materno Infantil, do qual foi necessário evacuar recém-nascidos e parturientes. Para Curcio, a ironia é dizer que a “responsabilidade” pelo ocorrido é do governo Maduro por haver controlado a situação e dispersado os manifestantes que atacavam o local.

    O texto, dividido em tópicos, traz ainda números comparativos que ajudam a compreender melhor a situação política da Venezuela e a alegada “crise econômica” pela qual passa o país.

     

     

    O INVERSO

    Por: Pasqualina Curcio

    “Faz cento e trinta anos, depois de visitar o país das maravilhas, que Alice se meteu em um espelho para descobrir o mundo do inverso. Se Alice renascesse em nossos dias [e na Venezuela], não precisaria atravessar nenhum espelho; bastaria-lhe olhar pela janela.” – Eduardo Galeano

     

     

     

    A Venezuela é um dos poucos países, se não o único, com um regime ditatorial cujo ditador exerce a tirania depois de ter abandonado o cargo. Mas, além disso, sendo ditador, dá-se um auto-golpe: em janeiro de 2017 a Assembleia Nacional, em votação da representação majoritariamente opositora ao Governo Nacional, decidiu que o presidente Nicolás Maduro tinha “abandonado o cargo”; um mês mais tarde, os mesmos representantes deputados, incorporaram em seu discurso que estávamos diante de uma “ditadura” encabeçada pelo Presidente da República (o mesmo que abandonou o cargo um mês antes). E um mês mais tarde, já sendo “ditador”, e segundo os mesmos representantes, o próprio presidente deu um “golpe de estado”.

    2. Entre 1958 e 1998, ou seja, em 40 anos realizaram-se 24 processos eleitorais, uma média de 1 eleição a cada 2 anos. Depois de 1999, em 18 anos, realizaram-se 25 comícios, incluindo referendos revogatórios e constitucionais, ou seja, uma média de quase duas eleições anuais. Houve 3 eleições nos últimos 4 anos, desde 2013. Mas segundo os elementos que atualmente fazem oposição ao governo nacional, a partir de 1999 os venezuelanos estiveram submetidos a um regime ditatorial, cada vez mais tirano, sobretudo depois de 2013 (ano das últimas eleições presidenciais).

    3. Das mais de 1.000 emissoras de rádio e televisão às quais o governo outorgou permissões para operar no espectro eletromagnético, 67% são privadas, 28% estão em mãos das comunidades e 5% são de propriedade estatal. Dos 108 jornais que existem no país, 97 são privados e 11 públicos. Cerca de 67% da população venezuelana tem acesso à internet. Mas segundo os elementos políticos que fazem oposição ao governo nacional, “na Venezuela não há liberdade de expressão”.

    4. O Presidente da República, em pleno exercício de suas funções, no marco do período presidencial de 6 anos, ante os atos de violência de parte de elementos locais que procuram a desestabilização econômica, social e política, convocou setores da oposição à um diálogo pela paz. Mas a oposição não compareceu ao chamado, preferiu promover atos de violência nas ruas. Ou seja, o Presidente é um “tirano e ditador”, os “democratas” são os da oposição.

    5. Todas as organizações políticas (os partidos) encontram-se em um processo de renovação através da Convocatória realizada por um dos cinco poderes públicos, o Conselho Nacional Eleitoral. Todos compareceram ao chamado de renovação. Estão neste momento às portas das eleições regionais e municipais. Mas enquanto isso, dirigentes e seguidores desses elementos de oposição, vociferam: “Estamos em uma ditadura”!

    6. Na Venezuela “se está violando todos os direitos humanos, terão que lhe aplicar a Carta Democrática Interamericana”. É o que afirmava em Washington, Luis Almagro, secretário geral da Organização de Estados Americanos. Simultaneamente, em Genebra, a Organização das Nações Unidas, aprovava de maneira absoluta o ‘Exame Periódico Universal’ apresentado pela Venezuela. Exame que tem como objeto fiscalizar a situação dos direitos humanos em cada um dos 193 países membros desta organização.

    7. A ultradireita, que faz oposição ao governo nacional, financia e promove ações de violência e terrorismo: bloqueia ruas, avenidas e principais trechos; atenta contra escolas e estabelecimentos de saúde; em um ato fascista, terrorista e demencial se valem de mercenários para assediar e incendiar o Hospital Materno Infantil “Hugo Chávez Frias”, do qual foi necessário evacuar 58 recém-nascidos e parturientes asfixiados pela fumaça. Mas segundo estes elementos políticos de oposição, a responsabilidade é do governo nacional por haver controlado a situação, dispersado os mercenários e evacuado do local, mulheres e crianças.

    8. Há escassez de alguns alimentos, medicamentos e produtos de higiene. As empresas encarregadas de sua produção, importação e distribuição, as grandes transnacionais, receberam do governo nacional divisas com taxa preferencial; receberam ainda a matéria-prima a preço subsidiado; tiveram um ajuste do preço dos produtos de quase 4.000% em menos de um ano (2016); mas o povo venezuelano faz largas filas para adquirir estes produtos e os bens seguem sem aparecer nas prateleiras. Ou seja, na Venezuela isto não é ineficiência da empresa privada, é o “fracasso do modelo socialista”.

    9. Apesar de ter aumentado seu preço em 3.700% (passou de 19,00 bolívares em março de 2016 a 700,00 bolívares em dezembro), cifra muito superior à inflação anual, centenas de clientes fazem largas filas para adquirir a farinha de milho pré-cozida para a “arepa” (o pão dos venezuelanos). Os donos das empresas, ao ver todos esses clientes fazendo largas filas para adquirir sua marca, responderam, não reduzindo seu preço, mas diminuindo em 80% a produção da farinha.

    10. Escuta-se nos programas de opinião das rádios, sobretudo aquelas com uma linha editorial expressamente contrária ao governo nacional: “Estamos na pior crise econômica, requeremos ajuda humanitária, estamos morrendo de fome, não há comida, exigimos que se abra um canal humanitário”. E em seguida se escuta: “E agora nossa publicidade… convidamos você a visitar o Restaurant “X”, ali poderão degustar variedades em carnes e pescados, deliciosas sobremesas, leve toda sua família neste fim de semana”… ou ainda “Querido amigo, querida amiga, vai aproveitar este feriado de Semana Santa?, não deixe de passar pelo supermercado “E”, ali você vai encontrar tudo o que precisa, variedade e frescura a bons preços para desfrutar do feriado e descansar como você merece”. Final da publicidade: “Retornamos com nosso convidado de hoje, perito em economia, e seguimos conversando a respeito da necessidade urgente de abrir o canal humanitário na Venezuela pela falta de alimentos”.

    11. Nos últimos 4 anos os camponeses abasteceram de frutas, verduras e hortaliças o povo venezuelano. São pequenos produtores do campo, sem muita capacidade financeira para resistir à situações econômicas e financeiras difíceis. Isso porque as grandes empresas nacionais e transnacionais do agronegócio, grandes monopólios e oligopólios com capacidade de cartelizar-se, e sem dúvida com grande capacidade financeira, não abasteceram o povo apesar de receberem [incentivos como] matéria-prima subsidiada e divisas em taxa preferencial.

    12. Entre 1980 e 1998, no marco do sistema capitalista neoliberal, a pobreza aumentava ao mesmo tempo que o crescimento econômico. Em 1999, com a aprovação popular de uma nova Constituição, troca-se o modelo econômico e social por um de justiça social. Desde esse ano os aumentos na produção implicam em diminuição da pobreza. Mas para alguns venezuelanos “fracassou o modelo socialista”, aprovado em 1999.

    13. A principal empresa do Estado venezuelano, ‘Petróleos da Venezuela’, provê CERCA DE 95% das divisas do país, os outros 4% correspondem a outras empresas do Estado. As empresas privadas geram o 1% restante. Mas na Venezuela, as empresas privadas são eficientes e bem-sucedidas, e as do Estado são “ineficientes”.

    14. Na Venezuela, o valor da moeda no mercado ilegal é o marcador dos preços internos da economia. Quando são manipulados intencional e desproporcionalmente esses valores nos mercados ilegais induzem a inflação. O governo, ante a inflação induzida, e para proteger o poder aquisitivo da classe trabalhadora, decreta aumento de salários. Mas, claro, o responsável pela inflação é o governo por ter aumentado os salários e não os terroristas da economia que vem manipulando 38.732% desse tipo de câmbio ilegal desde 2013 até esta data.

    15. A produção nacional per capita na Venezuela nos últimos 4 anos é, em média, 9% maior que a dos últimos 30 anos. A taxa de desocupação, é historicamente a mais baixa em 30 anos, 6,6%. Mas a Venezuela está “na pior das crises” e no “caos econômico”.

    16. As principais indústrias do setor farmacêutico, as que importam, produzem e distribuem mais de 90% dos medicamentos e material médico-cirúrgico na Venezuela, receberam por parte do governo nacional, e a taxa preferencial, US$ 1.660 milhões em 2008 para importar os bens. Em 2015 receberam US$ 1.789 milhões (mais que em 2008). Em 2008 não havia escassez de remédios, em 2015 sim. Mas o responsável por não haver remédios é o governo.

    17. A República pagou mais de US$ 60 bilhões pelo compromisso de dívida externa durante os últimos 4 anos. Fez de maneira completa e pontual. Mas a Venezuela é qualificada como o país com o “maior índice de risco financeiro no mundo”.

    18. O Citibank decidiu de maneira repentina fechar as contas bancárias do governo nacional onde se realizavam os pagamentos e transferências para cumprir com os compromissos financeiros e comerciais no exterior. A razão foi que o Estado venezuelano é “muito arriscado”. Mas o Citibank não fechou as contas dos clientes privados. Possivelmente porque o Estado venezuelano é muito arriscado já que conta com a principal reserva de petróleo em nível mundial, a segunda de gás, de água doce, de minério coltán, diamantes, ouro, e outros recursos mais. Tal condição deve implicar em “alto risco” para o Citibank.

    19. No Salão Ayacucho do Palácio de Miraflores, sede do Poder Executivo, em 12 de abril de 2002, se autonomeava como “Presidente da República” Pedro Carmona Estanga, logo depois de dar um golpe de estado contra o Presidente Hugo Chávez. No evento de autonomeação, leu-se o seguinte decreto: “suspendem-se de seus cargos os deputados principais e suplentes da Assembleia Nacional, destituem-se de seus cargos o presidente e demais magistrados do Tribunal Supremo de Justiça, assim como o fiscal geral da República, O controlador geral da República, o ministério público, e os membros do Conselho Nacional Eleitoral”. Os presentes neste ato, no que se dissolveram todos os poderes públicos, mediante um decreto que constitui a maior ofensa à Constituição Nacional, gritavam emocionados: “liberdade e democracia!”.

    20. Os mesmos que gritavam “liberdade e democracia!”, naquele 12 de abril de 2002 no Salão Ayacucho, aprovam hoje o suposto “abandono do cargo” do Presidente da República. E são os mesmos que hoje gritam “abaixo o ditador!”, referindo-se ao presidente constitucionalmente eleito com a maioria dos votos do povo venezuelano. Ante os olhos de alguns, esses são os “democratas”.

    21. Escuta-se de alguns venezuelanos, possivelmente confundidos ou mal informados: “Tomara que o Comando Sul dos Estados Unidos tome logo a decisão de nos invadir, assim acaba com este modelo fracassado, e o país pode prosperar”. Bem, o Iraque, a Líbia e a Síria, para mencionar alguns países bombardeados e invadidos pelos Estados Unidos, encontram-se em guerra, não prosperaram e estão destruídos. Esses que dizem isso, teriam algum exemplo de país invadido pelos Estados Unidos que tenha prosperado?

    22. A Venezuela é uma “ameaça extraordinária e incomum” para os Estados Unidos. Isso decretou o ex-mandatário Barack Obama, então presidente do império e grande potência militar mundial, responsável por invasões e guerras.

    Nós, venezuelanos patriotas, povo de paz, insistimos que é o inverso.

     

    Tradução e edição: Juliana Medeiros

  • Stephen Cohen: Relação entre EUA e Rússia atravessa o pior momento desde a Crise dos Mísseis

    Stephen Cohen: Relação entre EUA e Rússia atravessa o pior momento desde a Crise dos Mísseis

    O secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, viajou a Moscou para se reunir com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e seu chanceler, Serguei Lavrov. O encontro ocorre em um momento de aumento da tensão entre Washington e Moscou. Na semana passada, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse durante uma entrevista coletiva que as relações bilaterais com a Rússia haviam chegado a seu pior momento na história. Trump fez os comentários um dia depois de a Casa Branca ter acusado o Kremlin de tentar acobertar o suposto envolvimento do governo sírio no ataque com armas químicas que recentemente provocou a morte de 87 pessoas. A Rússia rechaça a acusação estadunidense a afirma que Washington se precipitou ao acusar o presidente da Síria, Bashar Assad, pelo ataque.

    No Conselho de Segurança da ONU, a Rússia barrou uma resolução para denunciar o ataque químico e pedir a cooperação do governo sírio com uma investigação internacional. Ao mesmo tempo, Moscou acusou Washington de violar leis internacionais ao bombardear uma base aérea síria. Enquanto isso, Trump parece ter mudado de opinião a respeito da Otan, qualificada por ele durante a campanha à presidência como “obsoleta” e “custosa”. Sobre este assunto, Amy Goodman e Nermeen Shaikh conversaram com Stephen Cohen, professor emérito de política e estudos russos nas universidades de Nova Iorque e Princeton, e Jonathan Steele, ex-correspondente do Guardian em Moscou, chefe de reportagem do Middle East Eye e autor de “Eternal Russia: Yeltsin, Gorbachev, and the Mirage of Democracy”.

    AMY GOODMAN: Como você interpretou a reunião entre os chanceleres Lavrov e Tillerson com a presença do presidente Putin?

    STEPHEN COHEN: A liderança russa conhece o senhor Tillerson muito bem. Durante seis ou sete anos, lidaram diretamente com ele, inclusive Putin, na discussão de um dos maiores contratos de energia já assinados pela Rússia com uma gigante do Ocidente, no caso a ExxonMobil. Não haveria aquele acordo, de muitos bilhões de dólares se eles não achassem que o senhor Tillerson fosse um homem sério, competente e honrado. Agora, nós podemos ter nossas próprias opiniões sobre a influência das empresas globais de petróleo em questões internacionais, mas trata-se de uma relação bilateral muito importante. Portanto, quando Tillerson foi a Moscou em sua nova condição, eles sabiam estar tratando com alguém de imensa experiência, pois a ExxonMobil tem o seu próprio Departamento de Estado, seus próprios serviços de informação e um homem que eles acreditam que seria franco com eles. E eles tinham perguntas para o senhor Tillerson. Escutamos apenas ecos delas nas declarações públicas. Uma delas foi:

    O que está acontecendo em Washington?

    Que conversa é essa de que Putin é um fantoche?

    Vocês estão realmente partindo dessa suposição?

    A segunda, e é muito importante:

    Quem é o responsável em Washington pela política em relação a Moscou?

    Lembre-se que quando o presidente Barack Obama fechou um acordo com Putin no ano passado para uma cooperação militar na Síria, o Departamento de Defesa dos EUA sabotou o acordo bombardeando um acampamento militar sírio. E Putin questionou publicamente: “quem é o responsável pela política em Washington?” Então eu penso que estas são duas perguntas fundamentais que precisamos fazer. E a terceira pergunta, creio eu que feita por Putin a Tillerson, foi: “nós tínhamos entendido que vocês haviam aceitado a nossa posição, que mantínhamos havia anos e que o presidente Obama rejeitava, de que a escolha é ter ou o presidente Assad ou o Estado Islâmico em Damasco. Vocês disseram aceitar nossa posição. Mas depois desse ataque químico, vocês aparentemente recuaram. Nós precisamos saber agora qual é a posição de vocês, pois vamos basear nossos cálculos militares em relação à Síria no que você nos disser hoje. Encerro esta resopsta dizendo que Tillerson e o presidente Trump disseram uma coisa de extrema importância que acabou relegada a segundo plano: as relações entre EUA e Rússia talvez estejam em seu pior momento na história. Isto é importante demais. Atrai nossa atenção ao essencial. E Tillerson declarou: “não existe confiança mútua”. E isto não é aceitável quando o assunto é o relacionamento entre duas superpotências nucleares. E a mídia tradicional, que ouve o que bem entende e tem sua própria narrativa, deixou de lado uma informação muito importante. É uma notícia muito ruim, mas é uma notícia que precisa ser divulgada.

    NERMEEN SHAIKH: Mas quando você diz que a Rússia quer saber quem é o responsável por formular a política em Washington, de quem você suspeita, já que não é Trump nem Tillerson? Quem poderia ser o responsável por formular a política estadunidense?

    STEPHEN COHEN: De quem você suspeita?

    NERMEEN SHAIKH: Diga-nos você.

    STEPHEN COHEN: Bem, nós – quero esclarecer que não sou um teórico da conspiração, mas dispomos de alguns dados. Eu não votei no presidente Trump, mas pessoalmente sou favorável a sua promessa de campanha de que o desenvolvimento da cooperação com a Rússia seria, como ele chegou a dizer, ótimo. E se vocês me derem um minuto, deixem-me explicar por que acho isso ótimo. Eu penso – e o faço há 40 anos, desde que estudo as relações russo-americanas há 40 anos, tanto como professor quanto participando ocasionalmente –

    que atravessamos o pior momento das relações entre Washington e Moscou

    desde pelo menos a Crise dos Mísseis, em Cuba.

    E indiscutivelmente o momento atual é mais perigoso, por ser mais complexo. Ao mesmo tempo, vemos em Washington o que considero acusações não fundamentadas de que Trump estaria de alguma maneira comprometido com o Kremlin. Desta forma, neste péssimo momento das relações russo-americanas, temos um presidente preso ao pior cenário imaginável. Não há precedentes. Vamos parar e pensar. Nunca antes um presidente dos Estados Unidos foi acusado essencialmente de traição. E é disso que falamos aqui, que ele ou pessoas a ele ligadas cometeram traição. Imagine, por exemplo, John Kennedy no meio da Crise dos Mísseis. E o público que tiver uma certa idade vai ser lembrar de que o governo Kennedy mostrou fotos tiradas por sistemas de vigilância. As evidências foram mostradas para nós. Não havia dúvidas de que os soviéticos estavam construindo silos de mísseis em Cuba. Hoje não nos é apresentada nenhuma evidência de nada. Imagine se Kennedy tivesse sido acusado de ser um agente do Kremlin soviético. Ele ficaria de mãos amarradas. E a única maneira que ele teria de provar o contrário seria iniciando uma guerra com a União Soviética. E naquela época, a opção era de uma guerra nuclear. Então a pergunta que surge naturalmente é: por que Trump lançou 50 mísseis Tomahawk em uma base aérea síria onde, Deus nos ajude com isso, algumas pessoas foram mortas, mas de valor estratégico mínimo? Estaria ele tentando mostrar que não é um “agente do Kremlin”? Pois numa situação normal, qualquer outro presidente teria feito o seguinte: iria às Nações Unidas pressionar por uma investigação para determinar o autor do ataque com armas químicas. E só depois dessa investigação seria decidido o que fazer. Mas fazer isso enquanto se está jantando com o líder chinês, que saiu profundamente humilhado, pois é um aliado da Rússia…

    AMY GOODMAN: Comendo uma torta de chocolate, como o próprio Trump relatou.

    NERMEEN SHAIKH: E primeiro ele se confundiu dizendo que atacou o Iraque, e não a Síria.

    STEPHEN COHEN: Pois é, eu não pretendo sair criticando Trump se ele fizer alguma coisa certa. Temos de nos ater ao que temos. Por isso nos perguntamos: por que Trump fez isso? Teria ele recebido informações erradas ou duvidosas? Temos um longo histórico disso nos Estados Unidos. E é por isso que os russos quiseram perguntar a Tillerson quem é o responsável por essa política, pois essa narrativa não é verdadeira. E permitam-me acrescentar algo mais. É muito importante, depois eu paro. O número 2 no Kremlin hoje é o primeiro-ministro Dmitri Medvedev. Ele é considerado o integrante mais pró-Ocidente dentro do governo russo. E foi em cima dele que o presidente Obama e a secretária de Estado Hillary Clinton basearam toda sua reformulação de política. E se conseguíssemos – ele era o presidente na época – simplesmente mantê-lo no poder? Eis que depois de tudo isso vem o primeiro-ministro Medvedev, alguém de quem todo mundo gosta, e diz: “Estamos à beira de uma guerra. As relações russo-americanas estão totalmente arruinadas”.

    Portanto, se a facção pró-Ocidente do Kremlin diz isso,

    será que eu preciso dizer o que os tais patriotas estão dizendo a Putin neste momento?

    É por isso que a palavra de Tillerson era tão importante.

    NERMEEN SHAIKH: O filho adulto de Donald Trump, Eric, mencionou as tensões entre EUA e Rússia como evidência de que pessoas ligadas a Trump não conspiraram com Moscou para tentar influenciar as eleições presidenciais de 2016. “Se teve uma coisa que a Síria conseguiu foi validar o fato de que não há conexão russa”, disse Eric Trump numa entrevista ao jornal inglês The Telegraph.

    AMY GOODMAN: Estamos também com Jonathan Steele, ex-correspondente do Guardian em Moscou, chefe de reportagem do Middle East Eye e autor de “Eternal Russia: Yeltsin, Gorbachev, and the Mirage of Democracy”. Jonathan, o significado da declaração do filho de Trump, a mesma coisa para a qual o professor Cohen estava apontando, é uma amostra do que acontece hoje em Washington? Donald Trump está tentando provar de uma vez por todas que não tem ligação com a Rússia?

    JONATHAN STEELE: Acredito que se alguém se beneficou desse terrível incidente com gás em Khan Sheikhoun, certamente não foi Assad, e muito menos o governo russo. Os beneficiários foram as pessoas que estão se defendendo da alegação de que Trump de alguma maneira seria um fantoche de Moscou;

    foi o complexo industrial-militar de Washington;

    foi o que Eisenhower chamou de “deep state”,

    o Estado por trás do Estado,

    aquela aliança entre os militares, os fabricantes de armas e os serviços de espionagem,

    verdadeiramente temorosos de que Trump de alguma forma saia de controle e realmente abra a possibilidade de boas relações com a Rússia e querendo que ele retome a tradicional rota de confrontação com a Rússia; além, claro, da oposição armada a Assad, que de repente obteve uma sobrevida, pois estava prestes a perder seu último território importante, nos arredores de Idlib, no noroeste da Síria. Eles já conseguiram um ataque aéreo e certamente estão esperando por mais, talvez serem defendidos pela Otan. E com certeza eles não vão ceder em Genebra. Então todos que se beneficiaram não estão nem ao lado da Síria nem ao lado da Rússia.

    NERMEEN SHAIKH: Mas há quem alegue que Assad beneficiou-se ao advertir os rebeldes a pararem de combater o governo.

    JONATHAN STEELE: Mas não com o uso de armas químicas. Por isso considero tão improvável que os sírios tenham recorrido a armas químicas. […] Como disse Lavrov em sua entrevista coletiva conjunta com Tillerson, o governo sírio convidou a Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) a investigar, e ofereceu acesso à base bombardeada pelos Estados Unidos, mas exigiu, com toda a legitimidade, que os rebeldes deem acesso ao lugar onde o gás sarin foi liberado, para determinar se isso aconteceu por causa de um ataque aéreo ou se alguém em terra agiu sorrateiramente com o objetivo de desacreditar a Síria.

    NERMEEN SHAIKH: Pergunto a Stephen Cohen o seguinte: se de fato tanto a Rússia quanto a Síria dizem nada ter a ver com este ataque de armas químicas, quem eles acham que é o responsável?

    STEPHEN COHEN: Voltemos ao início. Foi isso que eles perguntaram a Tillerson. Eles apresentaram as informações de que dispunham. Putin então disse – talvez ele não devesse, mas todo mundo diz que ele é dissimulado quando na verdade ele é muito sincero e diz o que pensa: “às vezes eu troco os dias por causa do fuso-horário de Moscou. Foi uma provocação”. Ele usou a palavra russa, dá no mesmo, provokatsiya. Ele disse que alguém está tentando provocar uma guerra entre os Estados Unidos e a Rússia. Ele não disse quem. Mas Jonathan nos deu uma sugestão de que forças poderosas em Washington não gostaram da política de detente declarada por Trump, como costumávamos chamar, cooperação, e têm feito tudo o que podem para destruir essa possibilidade. Mas vamos falar como adultos. Muita gente já veio aqui manifestar profundas suspeitas em relação aos serviços secretos estadunidenses, mas de repente todo o Partido Democrata agora parece acreditar que, abre aspas, “relatórios de inteligência” são tão inquestionáveis que pessoas como eu, que simplesmente os questionam, devem ser consideradas defensoras de Putin. O que sabemos é que, já faz algum tempo, informações têm sido vazadas para o Washington Post, o New York Times, a CNN e todo o resto de maneira altamente prejudicial não só para Trump como presidente, mas para a política de Trump para a Rússia. Então eu não acho que o que Jonathan Steele diz deveria ser excluído como possibilidade, de que forças poderosas estão ali para garantir que não haverá melhoras nas relações com a Rússia. Agora deixe-me apenas mencionar uma coisa que talvez vocês não tenhamr notado: a única conquista do presidente Obama, a meu ver, além de um acordo com o Irã de congelar um possível programa nuclear bélico, foi o acordo feito com Putin em 2013 para destruir as armas químicas de Assad. Acho que todos vocês se lembram. E quando olhamos para trás, esse foi o grande feito do presidente Obama, porque a alternativa era ir à guerra. E isso só foi possível porque ele e Putin trabalharam em conjunto. Então isso serve de modelo para que o que poderia ser possível nas relações russo-americanas. E o que nós temos agora? Temos uma nova narrativa na mídia estadunidense de que Putin mentiu, de que Obama foi enganado, quando disseram que aquelas armas tinham sido destruídas. Mas isso é uma deturpação. Obama e Putin entregaram a questão das armas às Nações Unidas. A ONU dispõe de uma unidade especial de coleta e destruição de armas de destruição em massa. A ONU fez isso com as armas de Assad. E foram as Nações Unidas, e não Putin, que certificaram que as armas tinham sido destruídas.

    Portanto, se alguém mentiu

    – e acho que ninguém o fez –

    ao dizer que Assad não tinha mais armas químicas, foi a ONU.

    Não foi Putin.

    Então, o mínimo que podemos fazer, se estamos à beira de uma guerra, como o número 2 da política russa diz, é dispor de informações corretas.

    AMY GOODMAN: Por fim, qual a probabilidade neste momento de uma confrontação direta entre os Estados Unidos e a Rússia?

    STEPHEN COHEN: Se eu soubesse a resposta, eu iria ao Jóquei e resgataria grande parte do dinheiro que perdi ao longo dos anos. Mas eu diria perto demais, possível demais. As outras novas frentes da Guerra Fria estão todas esquentando. Isto é, na região do Báltico, os pequenos Estados bálticos e a Polônia, onde a OTAN está se reforçando muito além do razoável; na Ucrânia, onde o governo apoiado pelos EUA em Kiev está se desfazendo; na Síria, é claro. Há muitas tropas por lá. Não sabemos quantas. Eles as chamam de tropas de operações especiais. Mas provavelmente há mais do que nos contaram haver. Os aviões estadunidenses estão voando por lá. A batalha por Raqqa, que simbólica ou real, é a capital do Estado Islâmico na Síria, está se aproximando. Os dois lados querem vencê-la: a coalizão estadunidense e a coalizão russo-sírio-iraniana. Numa situação ideal, elas cooperariam entre si e tomariam a cidade juntas. Mas ao competirem pela captura da cidade, haverá aeronaves estadunidenses e russas voando muito perto entre si. Em relação à falta de disposição da Rússia para abandonar Assad, creio haver uma questão mais profunda. A Rússia não está interessada na pessoa de Assad, e diz isso com frequência. Uma hora Assad irá cair, mas a Rússia prefere deixar essa decisão nas mãos do povo sírio. Na avaliação da Rússia, Assad representa o Estado sírio. Há Estados extremamente personificados em algumas regiões mundo, e é disso que se trata. Se Assad for morto ou preso, o Estado sírio se desfaz, assim como aconteceu no Iraque, assim como aconteceu na Líbia, onde simplesmente assassinamos os líderes daqueles países. Se o Estado sírio se desfizer, o Exército sírio se desfaz – e são os soldados sírios os responsáveis pela maior parte do combate em terra contra o Estado Islâmico. Muitos soldados sírios desertariam.

    Então o que eu pergunto a todos os estadunidenses que vilanizam Assad é:

    se o Estado sírio for destruído, quem vai combater os terroristas na Síria?

    Vocês vão pedir à Rússia que envie tropas? Nós vamos enviar nossas tropas? Então, para a Rússia, a questão é essa. Não se trata de Assad. Eles iriam no máximo chiar se algo acontecesse a ele ou à família. O que importa é o que vai ser do Estado sírio. E é por isso que a Rússia vai ficar ao lado de Assad até que haja alguma espécie de vitória militar. Depois vem o que chamamos de processo de paz, e então Assad estará por conta própria.

    Nota

    1 Entrevista publicada originalmente por DemocracyNow em https://www.democracynow.org/2017/4/13/stephen_cohen_this_is_most_dangerous

  • “Ato Ilegal de guerra”

    “Ato Ilegal de guerra”

    A matéria que segue foi originalmente publicada no site CommonDreams e revela as ações e os discursos de muitas associações em todo o mundo, incluindo norte-americanas, contrárias aos ataques perpetrados por Trump. Denunciam a ilegalidade da ação e apontam a contradição do presidente que, no início do ano, proibiu a entrada de refugiados sírios nos Eua e agora, ao bombardear a Síria, se diz compadecido das crianças sírias, atingidas por armas químicas.

    Grupos e ativistas pacifistas em todo o mundo condenaram, nesta sexta-feira (07/04), os ataques de mísseis do presidente Donald Trump contra a Síria.

    Classificam a ação de imprudente, ilegal e hipócrita.

    Nos Estados Unidos, uma coalizão de organizações – incluindo CREDO, MoveOn.org, Peace Action e Win Without War – advertiu que o movimento de Trump não era “liderança” e “não tornará nosso país mais seguro, nem acabará com o trágico sofrimento humano na Síria. “

    “Não se engane, este foi um ato ilegal de guerra, lançado em violação da Constituição dos EUA e da lei internacional. O Congresso deve cancelar imediatamente seu recesso, debater e votar antes de qualquer novo engajamento militar por Donald Trump na Síria”, disseram os grupos .

    A deputada Barbara Lee (Democrata – Califórnia), único voto discotdante, em 2001, no projeto de lei de Autorização para o Uso da Força Militar (AUMF), tuitou quinta-feira:

    “Este é um ato de guerra.

    O Congresso precisa retornar e debater.

    Qualquer ação menor, estaremos abdicando de nossa responsabilidade.”

    A American Civil Liberties Union (ACLU) também tuitou: “Os ataques químicos na Síria foram horríveis, mas a nossa resposta não pode violar a Constituição, que exige a aprovação do Congresso para a força militar”.

    Protestos também estão sendo planejados nos EUA e no Canadá.

    No Reino Unido, o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, disse que os ataques unilaterais podem agravar o conflito na região e pediu o reinício das negociações de paz. “A ação militar unilateral sem autorização legal ou verificação independente corre o risco de intensificar um conflito multifacetado, que já matou centenas de milhares de pessoas”, disse ele.

    O grupo britânico Stop the War Coalition, que Corbyn presidia, pediu um protesto de emergência na noite de sexta-feira e qualificou os ataques aéreos de “xenófobos e reacionários”.

    “Além de aprofundar a tragédia do povo sírio, esse ato irresponsável ameaça ampliar a guerra e levar o Ocidente a um confronto militar com a Rússia”, disse o grupo, além de criticar severamente a primeira-ministra, Theresa May, por seu apoio aos ataques. “É vergonhoso que Theresa May tenha se apressado em apoiar este ato, lançado pelo mais xenófobo e reacionário presidente dos EUA na história”, disse a coalizão. O protesto do grupo está programado para acontecer das 17h às 19h, hora local, no 10 Downing Street.

    A Unidade da Esquerda, membro da Esquerda Europeia, declarou na sexta-feira: “Ações como estas não contribuirão para um acordo político ou para pôr fim ao conflito na Síria e aos trágicos acontecimentos que ali se desenrolam. Apelamos aos Estados Unidos para que cessem os ataques à Síria e se engajem no diálogo internacional com os países vizinhos e com a comunidade internacional “.

    Muitos também salientaram a contradição entre às inúmeras tentativas de Trump de proibir os refugiados sírios de entrarem nos EUA com sua afirmação de que ele se sentiu compelido a agir depois de saber que crianças sírias foram mortas em ataques químicos no começo desta semana.

    Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch (HRW), tuitou:

    “Então, agora Trump retirará sua proibição insensível

    contra refugiados sírios fugindo dessa matança?

    Ou ele oferece apenas força e não compaixão?”

    Texto de Nadia Prupis, publicado em http://www.commondreams.org/news/2017/04/07/illegal-act-war-trumps-unilateral-attack-syria-condemned, tradução de César Locatelli, para os Jornalistas Livres.

  • Entenda o ataque dos EUA sobre a Síria

    Entenda o ataque dos EUA sobre a Síria

    Os Jornalistas Livres conversaram com o professor Lúcio Flávio de Almeida, do departamento de política da faculdade de ciências sociais da PUC-SP, sobre o mais recente ataque estadunidense sobre uma base militar do governo da Síria. Os EUA de Trump justificaram o ataque como uma resposta ao uso de armas químicas, cuja responsabilidade, em menos de uma semana e sem qualquer investigação séria, foi atribuída ao governo de Bashar al-Assad. Apenas a Rússia, aliada do governo Sírio denunciou a estranha pressa dos EUA em acusar Assad. China e Irã condenaram o ataque enquanto Inglaterra, França e Alemanha e Israel apoiaram.

    Lucio Flavio traça um cenário da geopolítica mundial que nos ajuda a entender as incertezas do mundo, apontando diversas razões não explicadas pela grande mídia para o ataque, e levantando pontos importantes do aumento da tensão no mundo.

    Síria, Rússia e Trump

    Para o professor não haveria interesse em um ataque desse tipo por parte do governo Assad. Internamente o presidente sírio tem garantido vitória sobre as forças rebeldes e do Estado Islâmico, contendo ou recuperando territórios. Já no contexto internacional o governo sírio estava negociando um acordo de paz, desde o começo do ano – que andava a passos lentos, mas andava. O ataque químico, atingindo e matando muitas crianças tem um grande impacto sobre a opinião pública e não traria qualquer benefícios à Síria. Ao contrário, complicaria ainda mais a difícil situação do governo diante da ofensiva do EI e da pressão internacional. Ele ainda lembrou que em 2013 houve um acordo internacional para que o governo sírio entregasse as armas químicas, que foi respeitado.

    Tudo isso levanta a suspeita de não haver sido o governo sírio o autor do ataque e sim as forças rebeldes (muitas vezes apoiadas com armas e dinheiro pelo próprio governo americano) para atribuir o ataque ao governo de Assad e minar as vitórias recentes do regime rumo à pacificação do país.

    Para Trump, ao contrário, o ataque se traduz em um ganho político significativo. Ele sai fortalecido com a ataque. Internamente responde a quem o acusava de ser próximo do governo Russo (existe uma investigação federal nos EUA para averiguar a proximidade de Trump e o governo Russo durante as eleições presidências) e mostra a diferença entre sua política externa e a de seu antecessor, Obama, acusado por ele de ser pouco contundente com as ações do governo Assad. Além disso, unifica apoio de democratas e republicanos, que não criticaram ataque, e da opinião pública que sempre se unifica diante das guerras em que os EUA se mete. Além do amplo apoio internacional da maioria das grandes nações aliadas aos EUA .

    China

    O professor relembra também que com esse ataque os acordos internacionais para o pós guerra na Síria voltam à estaca zero, uma vez que os acordos de paz voltam a estar suspensos e com isso a China volta para a mesa de negociação.

     

     

  • Síria: A Fissão Tóxica

    Síria: A Fissão Tóxica

    *Por Pepe Escobar

    US Navy – Ford Williams/AFP

     

    “Esses atos hediondos do regime de Assad não podem ser tolerados”. Assim falou o Presidente dos Estados Unidos.

    Tradução instantânea: Donald Trump – e/ou a sopa de alfabeto das agências de inteligência dos EUA, sem nenhuma investigação detalhada – estão convencidos de que o Ministério da Defesa Russo está simplesmente mentindo.

    É uma acusação muito séria. O porta-voz do Ministério da Defesa Russo, Major-General Igor Konashenkov, enfatizando a informação “totalmente objetiva e verificada”, identificou um ataque da Força Aérea da Síria lançado contra um armazém “rebelde moderado” ao leste da cidade de Khan Sheikhoun usado para produzir e armazenar conchas contendo gás tóxico.

    Konashenkov acrescentou que os mesmos produtos químicos foram usados ​​por “rebeldes” em Aleppo no final do ano passado, de acordo com as amostras coletadas por especialistas militares russos.

    Ainda assim, Trump sentiu-se obrigado a telegrafar o que agora é sua própria ‘linha vermelha’ na Síria: “Militarmente, eu não gosto de dizer quando vou nem o que estou fazendo. Não estou dizendo que não farei nada, mas de uma forma ou de outra, certamente não vou dizer a vocês [imprensa]”.

    Ao lado dele, no gramado da Casa Branca, o patético Rei da Jordânia elogiou Trump: “abordagem realista para os desafios na região.”

    Isso pode parecer um esboço do Monty Python [grupo de comédia britânico]. Mas infelizmente, é a realidade.

     

    O que está em jogo em Idlib

    Histeria desencadeada – mais uma vez -, a opinião pública ocidental esqueceu convenientemente que as declaradas armas químicas mantidas por Damasco foram destruídas em 2014 a bordo de um navio dos Estados Unidos, e mais, sob a supervisão da ONU.

    E a opinião pública ocidental, convenientemente, esqueceu também que antes de ser teoricamente transpassada a chamada “linha vermelha de Barack Obama sobre armas químicas”, um relatório secreto da inteligência dos EUA deixou claro que Jabhat al-Nusra, também conhecido como o comandante da al-Qaeda na Síria, dominava o ciclo de produção de gás sarin e era capaz de produzi-lo em quantidade.

    Sem mencionar que a administração Obama e seus aliados, a Turquia, a Arábia Saudita e o Qatar fizeram um pacto secreto em 2012 para criar um ataque de gás sarin e culpar Damasco, preparando o cenário para um replay de ‘Shock and Awe’ [Choque e Pavor – doutrina militar baseada no uso de força avassaladora]. O financiamento para o projeto veio da conexão NATO-GCC [OTAN-Militares e Governos], juntamente com uma conexão CIA-MI6 [CIA-Agência Britânica de Inteligência], também chamada de rat.line, de transferir todo o tipo de armas da Líbia para Salafistas-jihadistas [movimento ortodoxo ultraconservador dentro do islamismo sunita] na Síria.

    Assim, essas armas tóxicas que “desapareceram” – em massa – dos arsenais de Gaddafi em 2011 acabaram por incrementar a Al-Qaeda na Síria (não o Estado Islâmico/Daesh), re-batizaram Jabhat Fatah al-Sham e os amplamente descritos nos ‘Beltway’ [idioma do establishment norteamericano] como “rebeldes moderados”.

    Encurralados na província de Idlib, esses “rebeldes” são agora o principal alvo do Exército Árabe Sírio (SAA) e da Força Aérea Russa. Damasco e Moscou, ao contrário de Washington, estão empenhados em esmagar toda a galáxia Salafista-jihadista, não só o Daesh. E se o SAA continua a avançar, e esses “rebeldes” perdem Idlib, é ‘game over’.

    Assim, a ofensiva de Damasco tinha de ser manchada, sem impedimentos, para toda a opinião pública global.

    Além disso, não faz qualquer sentido que apenas dois dias antes de outra Conferência Internacional Sobre a Síria, e imediatamente após a Casa Branca ser forçada a admitir que “o povo sírio deve escolher o seu destino” e que não se fala mais em “Assad deve ir”, Damasco lance um ataque de gás contraproducente antagonizando todo o universo da OTAN.

    Isto caminha – e fala – mais como o tsunami de mentiras que antecederam a doutrina ‘Shock and Awe’ no Iraque em 2003, e certamente vai no mesmo caminho que a renovada turbinada de uma campanha “al-CIAda”. Jabhat al-Nusra nunca deixou de ser um dos bebês da CIA no cenário preferido para a mudança de regime sírio.

    Seus filhos não são tóxicos o suficiente

    A embaixadora de Trump na ONU, a proprietária da Heritage Foundation Nikki Haley, previsivelmente foi balística, monopolizando todo o ciclo de notícias do Ocidente. Perdido no esquecimento, também previsivelmente, foi o discurso do vice-embaixador da Rússia, Vladimir Safronkov, quebrando em pedaços a “obsessão por mudança de regime” na Síria, que segundo ele “é o que dificulta este Conselho de Segurança”.

    Safronkov sublinhou que o ataque químico em Idlib foi baseado em “relatórios falsificados dos Capacetes Brancos”, uma organização que foi “desacreditada há muito tempo”. De fato; Mas agora os capacetes são vencedores do Oscar , e este crachá de honra da cultura pop os torna inatacáveis ​​- para não mencionar imunes aos efeitos do gás sarin.

    Seja qual for, Trump ou Pentágono, quem eventualmente surgir, um analista de inteligência americano independente, avesso ao pensamento coletivo, foi inflexível: “Qualquer ataque aéreo contra a Síria exigiria coordenação com a Rússia, e a Rússia não permitiria qualquer ataque aéreo contra Assad. A Rússia tem os mísseis defensivos lá que podem bloquear o ataque. Isso será negociado fora. Não haverá ataque já que um ataque pode precipitar uma guerra nuclear. ”

    Os “filhos da Síria” mortos são agora peões em um jogo muito maior e perverso. O governo dos Estados Unidos pode ter matado um milhão de homens, mulheres e crianças no Iraque – e não houve clamor sério entre as “elites” do espectro da OTAN. Um criminoso de guerra ainda em liberdade admitiu, e registrou [vídeo acima com Madeleine Albright, ex-Secretária de Estado do governo Bill Clinton], que a extinção, direta e indireta, de 500.000 crianças iraquianas foi “justificada”.

    Por sua vez, o Prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, instrumentalizou a ‘Casa de Saud’ [Arábia Saudita] para financiar – e armar – cerca de 40 uniformes especiais “examinados” pela CIA na Síria. Vários desses uniformes de fato já se fundiram, ou foram absorvidos, por Jabhat al-Nusra, agora Jabhat Fatah al-Sham. E todos eles se engajaram em seus próprios massacres de civis.

    Enquanto isso, o Reino Unido continua alegremente armando a ‘Casa de Saud’ em sua busca para reduzir o Iêmen a uma vasta área de fome identificada por cemitérios de “danos colaterais”. O espectro da OTAN certamente não está chorando por essas crianças iemenitas mortas. Eles não são tóxicas o suficiente.

    Publicado originalmente em Sputnik News

    *Pepe Escobar é correspondente itinerante da Asia Times/Hong Kong, analista da RT e TomDispatch, e colaborador frequente de sites e programas de rádio que vão desde os EUA até a Ásia Oriental. Nascido no Brasil, é correspondente estrangeiro desde 1985 e viveu em Londres, Paris, Milão, Los Angeles, Washington, Bangkok e Hong Kong.