Jornalistas Livres

Categoria: Índios

  • Todo macaco no mesmo galho e a tristeza não é senhora

    Todo macaco no mesmo galho e a tristeza não é senhora

     

    Na noite do dia 16 de abril, durante um debate no bairro do Bixiga em São Paulo, descubro que a serenidade e a vida longa são atributos de mulheres que decidiram seguir um caminho entre livros, mato, rios e índios. A descoberta me acende quando observo, entre as pessoas da plateia, as fotógrafas Maureen Bisilliat e Claudia Andujar, ao lado de Betty Mindlin, antropóloga.

    Foto: Luz del Fuego

    Carmen Junqueira, também antropóloga e professora emérita da PUC, uma das palestrantes, revela sua apreensão e melancolia , após a exibição de um vídeo inédito registrando o recente contato com a etnia Mahsco Piro, que transita na fronteira entre Peru e Brasil. “Quero dizer que esses grupos, que deveriam ser a base de nossa democracia são, ao contrário, aqueles que têm de ser moídos, porque é o que se faz desde sempre. Aqueles índios do passado que conseguiram sobreviver ou aqueles que conseguiram se equilibrar dentro da comunidade. Que não foram laçados ou para trabalhar em fazendas ou, as meninas, postas a trabalhar como domésticas nas cidades vizinhas aos territórios”. Sem resiliência, o caminho do índio tem sido uma via crucis na nossa história, com exceção de um breve período de Marechal Rondon, no início do século 20,em que a matança de índios teve uma trégua. Apesar de toda gravidade, a antropóloga enaltece o privilégio que o Brasil tem de ser contemporâneo de povos que vivem em comunidades quase igualitárias. “Isso para um país que vive com uma vergonhosa distribuição de renda, com uma exploração terrível, só essa lembrança de um futuro que nós almejamos em igualdade já é alimento para nós lutarmos a favor dessas populações”, conclui. Na inusitada casa do bairro paulistano que abrigou o debate reuniram-se o médico Douglas Rodrigues, coordenador do Projeto Xingu, um programa cinquentenário de extensão da Escola Paulista de Medicina, além de André Villas-Bôas, secretário executivo do Instituto Socioambiental. Foram mediados pela jornalista Laura Capriglione, do Jornalistas Livres. “O desvendamento da questão indígena, apesar de estarmos no século XXI, é a proposta desse debate e o desvelamento é uma tradição desse território dos Jornalistas Livres”, diz Laura Capriglione.

    Foto: Hélio Carlos Mello

    Jornalistas Livres, para quem não o conhece, é um coletivo de comunicadores, recentíssimo, que tem como pressuposto a defesa da democracia. Laura afirma que pela primeira vez em muitos anos, décadas, tem gente com coragem de chegar numa avenida e defender a intervenção militar, e defender a ditadura militar, e torturadores se apresentando no meio da avenida Paulista sendo aclamados como heróis do povo brasileiro, torturadores que ceifaram tantas vidas e infelicitaram tanto uma parcela enorme de nossa juventude. Nesse exato momento, os Jornalistas Livres constituíram-se com base em dois princípios: o amor irrestrito pela democracia e o respeito apaixonado pelos direitos humanos. Por isso, para esse grupo, é tão importante destacar a questão indígena, como concernente a uma das parcelas da população mais violentadas por um modelo de desenvolvimento que ignora o direito à autodeterminação dos povos e o próprio direito à sobrevivência, conclui ela.

    O médico Douglas Rodrigues toma a palavra, aludindo à motivação que os coletivos instigam e à revelação de novas etnias, que excita os indigenistas. Ele revela à plateia do século 21 que o país ainda tem muitos grupos indígenas que vivem em estado de isolamento, abstenção essa que mais parece uma estratégia desses grupos para enfrentar o desenvolvimento. Ele explica que o contato é apenas o momento oficial de nossa sociedade com os “descobertos”, pois os avistamentos são apontados pelas populações do entorno dessas regiões.

    Foto: Mídia NINJA

    A primeira consequência disso pode ser a depopulação do território provocada por agentes patológicos, bem como por conflitos. A imunização é fundamental nessa para evitar os grandes riscos de mortalidade. As referências de contato de índios isolados nesse momento no território brasileiro chegam a 102, sendo os grupos já identificados 27. Douglas revela que esses grupos estão fugindo, o isolamento é uma estratégia de sobrevivência frente aos vários programas de infraestrutura para financiar esse projeto de desenvolvimento do novo século, que possui vários equívocos. Diz ainda que, às vezes, infelizmente o contato é a última fronteira de proteção dos isolados. Falta hoje uma política clara que tire o índio da invisibilidade, que haja coragem e seja continuada, conclui ele.

    Por fim, o indigenista André Villas-Bôas, do ISA, revela o quanto foi influenciado na sua juventude, em seu empenho indigenista, pelas fotos das revistas Cruzeiro, Atualidade e a revista norte-americana Life. Aliás a fotografia foi fundamental na manutenção de territórios tradicionais às etnias. A fotografia é arte fundamental na decisão desse caminho. A geração à qual André pertence testemunhou toda violência da década de 70, do regime militar com a construção de estradas, tais como as BRs 364, 163, 158, Transamazônica, Perimetal Norte, que ensejaram grandes etnocídios , mas ao mesmo tempo, contraditoriamente, foi no período militar que alguns dispositivos legais trouxeram um mínimo de segurança. Destoando com o que até então, foram dados os primeiros passos para que se constituísse legitimidade para a demarcação territorial para os povos tradicionais. Talvez possamos um dia fazer uma análise sociológica desse fenômeno militar que batia com uma mão e protegia com a outra.

    Foto: Hélio Carlos Mello

    Temos vários momentos na história brasileira em que isso fica patente com os povos indígenas. Essa geração de André também testemunhou o período da Assembleia Constituinte, e celebrou conquistas incríveis para os índios, face à fragilidade que existia na legislação. Hoje, é muito duro testemunhar o ataque e retrocesso que se pretende em relação a esses direitos conquistados em 1988. É algo que nos abate permanentemente. Essa PEC 215 enseja uma discussão muito mais profunda do que se os índios devem ter terra ou não. Essa PEC nos faz refletir sobre o país que nós queremos para o futuro, conclui.

     


     

    Saiba mais sobre os Jornalistas Livres

    #JornalistasLivres em defesa da democracia: cobertura colaborativa; textos e fotos podem ser reproduzidos, desde de que citada a fonte e a autoria. mais textos e fotos em facebook.com/jornalistaslivres.

  • Parlamentares versus parentes

    Parlamentares versus parentes

    Brasília, 16 de abril de 2015, terceiro dia de Mobilização Nacional Indígena no 11º Acampamento Terra Livre. É hora de mais de 500 indígenas se pintarem para a guerra, descerem até o poder legislativo da República e ocuparem o Congresso Nacional, organizados em fila indiana para passar pelo cordão de isolamento da Polícia Legislativa. E lá vou eu de novo, junto com esse povo que (não) sou eu, pisar naquele chão de elite branca que (não) é meu.

    Foto: Mídia NINJA

    Rompido o cordão de isolamento, a rampa do Congresso Nacional é do povo indígena — o que valeu apenas para aqueles que tivessem nome e sobrenome passados à Câmara pela organização da Mobilização Nacional Indígena.

    Foto: Mídia NINJA

    Como a provar que todo dia é dia de demagogia nas duas casas legislativas do Brasil, deputados e senadores são uníssonos em comemorar e homenagear o Dia Nacional do Índio, o 19 de abril, data solitária paliativa num oceano de 364 outros dias. A Câmara dos Deputados recebe com carinho e reverência o espetáculo multicolorido de “parentes” vindos de avião, ônibus e carro das cinco regiões do Brasil com S.

    Foto: Mídia NINJA

    A casa toda se levanta para cantar, em português, o Hino Nacional Brasileiro. Alguns indígenas cantam junto, outros mantêm silêncio (ir)reverente.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Assentados nos postos rotineiramente ocupados pelos deputados, @s índi@s batucam a internet dos parentes brancos e produzem a cena espetacular de ocuparem, uma vez na vida, os assentos mais poderosos do país que antigamente era só deles. A Rede Globo e demais emissoras (multi)nacionais ignoram solenemente o espetáculo extraordinário de cores e significados.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Enquanto isso, nos subterrâneos, os astutos senhores atualmente liderados pelo peemedebista Eduardo Cunha preparam o bote apelidado PEC 215. Sob a tarja de Proposta de Emenda à Constituição, a 215, esse é o eufemismo ruralista-especulativo para designar o estupro (mais um estupro) que pretende sequestrar do poder executivo para o legislativo (ou seja, para os homens — e algumas mulheres — de Cunha e do também peemedebistaRenan Calheiros) a tarefa de (não) demarcar e homologar terras para os habitantes originários do Brasil que foi ficando com Z.

    (“Parente” é o termo amoroso pelo qual os descendentes indígenas de nosso país se tratam e se reconhecem uns aos outros.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Superstar entre os parentes na sessão matinal na Câmara, a ex-senadora acreana Marina Silva, da (não-)Rede e do (não-)PSB, é estrela maior entre uma constelação de cocares, penas de pássaros e tons não-pálidos de peles humanas. A terceira colocada nas eleições presidenciais de 2014 diz que “não sabia que iria falar”, antes de observar que esta é sua primeira aparição pública desde a campanha e de sacar de um papel apontamentos para um discurso de forte identificação e empatia com os parentes presentes.

    O discurso é mais brando que o que Marina fez menos de 24 horas antes na plenária pública da tenda de circo do acampamento instalado no gramado da Esplanada dos Ministérios, no qual reafirmou lealdade às causas indígenas, criticou as incoerências político-eleitorais e a política de demarcações da presidenta Dilma Rousseff e afirmou ter se aliado “a uma das candidaturas” do segundo turno de 2014 por causa, entre outras, do compromisso da candidatura em questão em não apoiar a PEC 215.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Na Câmara, Marina demonstra que as demarcações diminuíram drasticamente nos governos petista, em comparação aos governos tucanos pré-2003, e troca a ordem dos fatores: não menciona a aliança que fez no segundo turno, mas nomina o tucano Aécio Neves em pessoa, dando conta de um suposto compromisso do senador mineiro com a não-aprovação da PEC anti-indígena pró-ruralista.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    A demagogia pró-indígena dos congressistas recende a antídoto para a feia cena de dezembro passado, quando a Câmara usou de violência para impedir a entrada dos parente numa sessão da “casa do povo” (leia aqui como a mídia tradicional inverteu a notícia, acusando índios de “invasores” e agressores). Sob os crucifixos católicos que adornam os plenários laicos de Câmara e Senado, agora tudo é paz, todos amam os índios, tudo é festa preparatória para a chegada do 19 de abril.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    O músico paraibano Chico César toma o microfone para saudar os “parentes” e entoar uma canção provocadora decalcada das epopeias folk do (não)parente do norte Bob Dylan.

    Pajelanças à parte, o tratamento “diferenciado” se conserva. No início da sessão, mais deputados que índios ocupam as tribunas (onde está a Rede Globo, que ainda não chegou para dar holofotes indigenistas aos representantes do povo?). Mais indígenas que congressistas são relegados às últimas falas.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Irredutível diante do dominador, o cacique caiapó (e mato-grossense) Raonidiscursa em sua própria língua. ”O homem branco não quer ouvir o que temos a dizer”, lamenta ao microfone um cacique faminto do almoço que começa a tardar.

    Foto: Mídia NINJA

    (Na noite de quarta-feira, depois de ouvir Marina discursar, assisti a uma minúscula reportagem da Globo do Distrito Federal sobre a marcha indígena do dia. Não houve nenhuma ínfima menção à PEC 215, menos ainda ao que ela significa. O locutor afirmou que a passeata era a favor da reforma agrária — termo que não ouvi da boca de nenhum indígena nesses dias. A manifestação interrompeu o trânsito, sublinhou a Globo, que, definitivamente, não é — ou não quer ser — parente de ninguém que seja não-branco. Sim, nós somos racistas, sinhozinho.)

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Os parentes não se mostram convencidos pela encenação parlamentar. Balançam chocalhos (arcos e flechas foram proibidos de entrar), fazem algazarra contra o pretendido estupro à Constituição de 1988, forçam no grito manso os deputados a vestir a camiseta “não à PEC 215″ que trouxeram como presente de índio para branco. ”Veste! Veste! Veste!”, exigem com firmeza inclusive de uma inicialmente hesitante Marina Silva. A parenta que quase foi presidenta acaba por cobrir parte do vestido verde-amarelo-elegante com a camisa que diz ser sua para sempre.

    Foto: Mídia NINJA

    O festim demagógico se repete como farsa na parte da tarde, no auditório do Senado. A segunda casa legislativa se revela mais exclusiva, exclusivista, restrita e restritiva que a Câmara. Agora a polícia legislativa não quer permitir nem mesmo a entrada dos chocalhos. Na iminência de ser privados de mais uma parte importante de suas identidades, índias e índios ameaçam ir embora para o acampamento, e dali para casa. A comissão de Direitos Humanos do Senado consegue desenlaçar o impasse: os chocalhos entram no salão azul dos brancos homens (e algumas mulheres).

    Foto: Mídia NINJA

    Sob o crucifixo católico que (como na Câmara) adorna o topo da mesa diretora, o aparentemente parente João Capiberibe, do PSB do Amapá, preside uma sessão à qual pouquíssimos parentes-de-Senado estão presentes. Homens e mulheres pintados, seminus e calçados de havaianas tomam assento nas cadeiras paulistas em que cotidianamente se refestelam, lado a lado, os senadores José Serra, Aloysio Nunes (PSDB) e Marta Suplicy (PT ou ex-PT?).

    Foto: Mídia NINJA

    Parente paranaense, me vejo sentado na cadeira do conterrâneo Roberto Requião (PMDB), antes de notar que, no Senado, ele se senta lado a lado com os irmãos-adversários de aldeia Gleisi Hoffman (PT) e Álvaro Dias(PSDB). Não é só no aldeamento demarcado: também no parlamento os parentes rivais são forçados (forçados?) a dividir o mesmo lugar no espaço uns com os outros.

    São tristonhos os primeiros discursos de senadores na tribuna. “Veste! Veste! Veste!”, os agora cerca de 80 parentes no Senado constrangem os parlamentares a assumir a camisa-emblema que só na hora do voto eles revelarão no duro se é ou não é a sua. Capiberibe e um senador do PR de Tocantins se (des)ajeitam na camisa anti-PEC. Os chocalhos balançam, felizes, mas não necessariamente crédulos. O paraibano Cássio Cunha Lima, do PSDB, aparece sorridente para cumprimentar conterrâneos indígenas, mas não cobre peito com o “não à PEC 215″. Os chocalhos sabem a hora de emudecer.

    Foto: Mídia NINJA

    Um cacique põe o dedo na ferida de poderosos sejam executivos, legislativos, judiciários, laicos ou religiosos, em discurso que não será ouvido pelos ausentes Marta, Serra, Aloysio, Aécio, Renan, Requião, Gleisi, Álvaro: “Não adianta falar que defendem os índios, os LGBTs, os quilombolas ou as mulheres, se vocês não defendem de verdade”. Dos assentos onde poderiam estar os senadores, os chocalhos gritam, misturados a trinados que evocam os pássaros das florestas brasileiras com S.

    Foto: Mídia NINJA

    Capiberibe anuncia que vai se ausentar da presidência da sessão para acompanhar uma ainda mais exclusiva delegação indígena ao encontro do vice-presidente da República, Michel Temer, do PMDB. É o mais perto que os parentes chegarão da presidenta Dilma nesta jornada, pelo menos até o instante em que este #JornalistaLivre tem de debandar da “casa do povo” e do convívio com parentes e (não-)parentes, para voar de volta à terra adotiva dos bandeirantes de São Paulo.

    (Você viu no Jornal Nacional da quinta-feira 17 se Dilma ou Temer recebeu nossos parentes indígenas? Você viu nossos parentes na tela da Globo?)

     

  • Um rio de urucum flui sobre Brasília

    Um rio de urucum flui sobre Brasília

    A passeata transcorre tranquila, 100% pacífica, sem incidentes. Os manifestantes evoluem pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, portando cartazes corteses e educados, cantando, dançando, festejando. Há muitas famílias, famílias inteiras — exceto as crianças, que em sua maioria ficaram em casa, sem engrossar o contingente de algo entre 1.200 e 1.500 pessoas.

    Os manifestantes são índios, índios braSileiros (afora alguns hermanos fronteiriços latino-americanos), índias e índios de várias idades, famílias de índi@s. Famílias inteiras, tribos, etnias. Do Norte, do Nordeste, do Centro-Oeste, do Sudeste, do Sul do BraSil. Mas nesta terça-feira, 15 de abril, não há helicópteros sangrando o céu de Brasília. Nem robocops nem globocops se interessam por monitorar do alto a marcha indígena sobre Brasília.

    A timidez da mídia tradicional e o sumiço da Rede Globo na cobertura da 11ª edição da Mobilização Nacional Indígena, promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do BraSil (Apib), causam estranheza aos olhos de quem, como eu, está presente na cena multicolorida. Brasília é uma usina de imagens feéricas que hoje, somadas às pinturas e vestimentas dos habitantes originários do país, seriam dignas de um filme em tecnicolor de Glauber Rocha. Na tela da bola multicolorida que é a Globo, o teatro coletivo ficaria um colosso. Mas aquela que se diz a maior rede tradutora do BraZil não demonstra nutrir qualquer simpatia pelos índios braSileiros.

    A Globo, parece, não está aqui. Ou, se está, não se mostra interessada em propagandear o caráter pacífico e familiar da festa, menos ainda fazer carnaval com o farto banquete de imagens oferecido pelo Acampamento Terra Livre no gramadão em frente ao Congresso Nacional.

    Os dois dias que separam o dia de hoje da nova jornada de marchas reacionárias, no domingo, 12 de abril, guardam a profundidade de um abismo. Atiram ao chão, por exemplo, a tese do chefão máximo do ~jornalismo~ da Globo, Ali Kamel, autor de um livro de comédias chamado Não Somos Racistas (em referência aos braZileiros, às braSileiras).

    Constrastados os dias 12 e 15, uma entre duas conclusões é inevitável: ou o BraZil é, sim, um país racista, ou a suposta rede braSileira Globo é que o é. Não há outra explicação possível para a discrepância chocante entre a cobertura histérica da mídia ~nacional~ para as manifestações brancas da direita e o silêncio ensurdecedor diante das coloridas reivindicações d@s não-branc@s que já moravam no BraSil antes que os homens europeus aqui chegassem. Não há explicação plausível para o buraco ético que se abre entre as selfies com policiais militares de domingo e o cerco militar protetor que abraça, de braços bem fechados, o Supremo Tribunal Federal de hoje, “contra” os perigos representados pelos índios.

    E quais seriam os tais perigos? A líder indígena Sônia Guajajara, do Maranhão, define três objetivos básicos da mobilização no encontro de apresentação do acampamento à imprensa (o SBT, a TV Brasil e o UOL estão presentes; a Globo se faz invisível). Primeiro objetivo: denunciar a grave situação de ataques sistemáticos aos direitos indígenas. Segundo objetivo: reafirmar os direitos conquistados pela Constituição de 1988 (e até hoje não cumpridos). Terceiro objetivo: sensibilizar a comunidade nacional e internacional para a causa indígena. “Estamos aqui pela 11ª vez para pintar Brasília de urucum”, resume Sônia.

    Representando povos indígenas do Nordeste, de Minas Gerais e dos Espírito, o líder Sarapó Pankararu traz ao plenário instalado debaixo de uma colorida lona gigante de circo um dos grandes temas de ataque do momento: a Proposta de Emenda à Constituição 215. “Manifestamos nosso repúdio à PEC 215, que tira a responsabilidade de demarcar e homologar terras indígenas do poder executivo e traz para o legislativo”. Eis aí uma causa que, diferentemente da sacrossanta ~corrupção~, não sensibiliza (pelo menos não publicamente) a mídia braZileira. “Nós não vamos deixar essa PEC ser aprovada”, promete Pankararu, provocando o balançar de chocalhos e os gritos rituais uníssonos da plenária lotada.

    O guarani-kaiowá Anastácio Peralta, do Mato Grosso do Sul, também concentra na denúncia do horror da PEC 215 a tentativa de sensibilizar os jornalistas convidados ao Acampamento Terra Livre. “Nós nunca tivemos valor, empatamos o progresso na mentalidade deles que são colonizadores”, afirma, como se gritasse para ser ouvido pelo Congresso Nacional. “A mentalidade do colonizador está até hoje no BraZil. O agronegoçante negoceia nosso país. Não respeita a Constituição de 1988. A PEC 215 não ofende apenas nós, indígenas. Peço a todo braSileiro que seja contra a PEC 215 e a favor dos povos indígenas”. Irmanada com o Congresso Nacional, a Globo, autoproclamado porta-voz do BraZil, não dá indícios de escutar o clamor do curumim-BraSil vocalizado pelo líder guarani-kaiowá.

    O cacique Romancil Cretã, do Paraná, toma a fala para criticar frontalmente o preconceito e o racismo fomentados no Sul do país contra os braSileiros não-brancos. À sua voz se somará, na caminhada a seguir rumo ao STF, os cartazes que pedem conjuntamente a devolução de direitos de povos indígenas e remanescentes quilombolas.

    Cretã coloca no contexto indígena outro tópico do ataque especulativo lderado no poder legislativo pelo ultra-midiático presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha: “O Brasil está terceirizado para a soja. A monocultura terceirizada da soja só serve para alimentar porcos na Alemanha e gado na Holanda”.

    A presidenta Dilma Rousseff não escapa das críticas, notadamente por parte de lideranças indígenas femininas que tomam a palavra após a rodada de diálogo com a imprensa. Como demarcara inicialmente Sônia Guajajara, o Estado braSileiro não está preparado para enfrentar as questões e necessidades dos primeiros entre seus braSileiros e braSileiras. Manifestantes que tomam o microfone sublinham que foi com o voto deles que Dilma subiu pela segunda vez consecutiva aos palácios localizados atrás da Câmara e do Senado.

    Muito menos está interessada no assunto a mídia que governa a informação no BraZil. O Jornal Nacional da noite de 14 de abril ignora solenemente o rio de urucum que flui festivo e musical sobre a esplanada no primeiro dia do Acampamento Terra Livre.

    Nós, #JornalistasLivres que navegamos no rio-chuva de urucum, convidamos a leitora e o leitor de informação a vasculhar na manhã do 15 a imprensa braZileira e encontrar, em suas páginas, uma única entre as tantas falas das lideranças e das famílias não-brancas que povoaram este texto e povoam a capital braSileira (ou braZileira?).

    Estuprando Jorge Ben e Baby Consuelo, a fórmula “nenhum dia será dia de índio@” norteia a mídia não-braSileira na semana que antecede o dia 19 de abril, data de aniversário do cantor Roberto Carlos, do político Getúlio Vargas e, por convenção, de tod@s @s índi@s que nos chamamos BraSil.

    (Com fotos de Jardiel Carvalho, do R.U.A. Foto Coletivo.)

    (O jornalista Pedro Alexandre Sanches viaja a Brasília com passagens aéreas oferecidas pelo Greenpeace à rede #JornalistasLivres; as demais despesas foram custeadas do próprio bolso.)


    Originally published at farofafa.cartacapital.com.br on April 14, 2015.

     

     

  • A solidão da guarda

    Pensar um homem idoso e uma menina, sozinhos na aldeia, na defesa da terra de seu povo é algo épico e cinematográfico nos dias de hoje, mas é a cena pura numa manhã vazia de sábado numa metrópole sul americana. O que dizer diante do fato ao pé da grande montanha do Jaraguá e sua floresta insólita? Isso tudo às margens da grande mancha urbana envolvente e da rodovia Anhanguera, Bandeirantes, Rodoanel.

    Foto: Helio Mello

    Nos passos ligeiros do adversário, e nesse jogo a camisa do time varia muito; ora é empreiteira ou construtora, ora é líder do tráfico, ora é político escaldado na senha humanista de antigos movimentos partidários, mas nem tanto humanitário diante da feroz especulação imobiliária de São Paulo no tempo presente.

    Ser índio no Brasil não é para iniciantes, tampouco é esotérico ou romântico.

    O fato é que a terra era do índio sempre, sua roça, seus remédios, sua ideia de pensar o mundo. Concessões foram feitas a outros porque tudo parecia terra sem dono, e a outorga ou usura sempre foram palavras gratas na cultura da lei tupiniquim.

    Foto: Hélio Mello

    Os índios Guarani e suas aldeias remanescentes na cidade de São Paulo , são eles uma etnia amante da andança pelo mundo e tomam as relações entre os parentes como uma brincadeira que vale a pena, índios que desenvolveram o referencial cultural na busca da terra sem males, mas sabem há tempos que a terra é puro conflito.

    Foto: Hélio Mello

    Meu pensamento voa diante de disputas entre um sábio cacique e um velho político alinhado. Um grito ecoa entre o cacique Ari Karaí e o ex-deputado constituinte Tito Costa, testemunha viva dos grandes movimentos dos anos 70 e 80 no ABC.

    Foto: Hélio Mello

    Hoje a pendenga é a posse e uso da terra e liminares e recursos infinitos na disputa de direitos.

    De um lado vemos um território, a aldeia Itakupe (atrás da pedra), usado há décadas por populações originárias, terra essa que em 2015 é o último reduto de roça de avaxi ete’i (milho), mandio (mandioca), takua re’ê (cana) e manduvi (amendoim).

    Foto: Hélio Mello

    De outro lado a posse antiga de Antônio Tito Costa, 93 anos, advogado, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex-deputado constituinte, sem título ou escritura da terra apresentada aos juízes envolvidos na causa.

    Mais do que dez ou dez milhões, velhos homens se envolvem nas leis e direitos, e nesse mundo rolo-compressor vamos morrendo afogados em nós mesmos.

    1-AANKJkizJ55BaFNNlkn2ng