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Categoria: História do Brasil

  • No Vale do Jequitinhonha, euforia e emoção para receber Lula

    No Vale do Jequitinhonha, euforia e emoção para receber Lula

    Gritos, celulares capturando cada movimento e muitas pessoas disputando um espaço na porta do ônibus. A situação, que se assemelha muito à de um grande astro da música chegando para um show, era a do ex-presidente Lula passando por diversas cidades da região do Vale do Jequitinhonha nesta quarta-feira, dia 25 de outubro, no terceiro dia de sua caravana pelo estado de Minas Gerais. A região foi uma das que recebeu mais benefícios durante o seu governo.

    Caravana do Lula por Minas Gerais. Foto: Ricardo Stuckert

    Paradas não previstas

    Durante o percurso, que previa passagens pelas cidades de Itaobim, Itinga e Araçuaí, o ex-presidente acabou fazendo algumas pausas no meio do caminho, pois diversas pessoas o aguardavam ansiosamente. Uma desses lugares foi Catuji, cidade com o 4º pior IDH de Minas Gerais.

    Maria das Neves Pereira, de 62 anos, era uma das pessoas que aguardavam o petista e relatou como o Bolsa Família melhorou as condições dela e de sua família, composta por quatro filhos e dois netos. “O Lula foi o melhor presidente que já tivemos. Eu tenho um problema de saúde e não posso trabalhar. Com a ajuda do Bolsa Família, agora eu posso fazer compra, pagar uma conta de água e comprar alguns remédios que não consigo de graça”.

    Foto: Patrícia Adriely | Jornalistas Livres

    Outra parada improvisada foi em Padre Paraíso. Tanto que Manoel Nunes Pinheiro, de 44 anos, nem sabia que Lula iria passar por lá, mas assim que foi informado pelo filho sobre a mobilização das pessoas para a passagem do ex-presidente, fez questão de sair de Itaraí e viajar por cerca de 50km para vê-lo. “Toda vida eu fui do lado de Lula, não existe outra pessoa que para substituí-lo. Com o governo dele, eu consegui comprar duas motos e uma bicicleta. Antes dele, pobre não conseguia comprar uma bicicleta, só com muito trabalho”.

    José Ramos Vieira, de 72 anos, revelou que essa não foi a primeira vez que ele viu o Lula. “Conheço ele desde 1976, época da primeira greve em São Paulo. Eu também trabalhava por lá. O Lula foi o melhor presidente da república. O que ele fez, melhorou para mim e minha família, não temos nada a reclamar. Consegui comprar casa, carro e me aposentar. Com ele, foi tudo mais fácil. Pela próxima geração, eu apoio ele”.

    O último local não planejado que Lula passou foi Ponto dos Volantes. Lá, a jovem Karina de Oliveira Alves, de 28 anos, não disfarçava a excitação por ver o ex-presidente. “Ele permitiu a mudança e nos tirou da miséria. Com seu governo, pudemos ter televisão, carro, moto e viajar de avião”, afirmou.

    Grande público

    Entre a multidão admiradora que o esperava na cidade de Itaobim, estavam os jovens Rafael Batista, de 22 anos, João Vitor Alves, de 18 anos, Leron Tanan, 20 anos, e Vinícius Araújo, de 17 anos. Eles afirmaram que não foram diretamente beneficiados por programas implantados durante o governo Lula, mas que reconhecem a importância das ações realizadas. “O comércio da cidade gerava dinheiro e atualmente parou. Ainda estamos em cima do muro, então viemos aqui ouvir o que ele tem a dizer”, ressaltou Vinícius.

    Em Itinga, Lula foi acolhido por um aglomerado eufórico de moradores, com direito, inclusive a um “camarote”. Quem proporcionou isso foi a moradora Thaísa Cordeiro, que abriu as portas e varandas da sua casa para que diversos amigos pudessem ter um bom ângulo para ver e ouvir o ex-presidente. “As outras vezes também foram assim na minha casa. Faço isso porque somos simpatizantes de Lula e reconhecemos a facilidade que ele trouxe para nós moradores”.

    Itinga foi um dos primeiros municípios a receber a visita de Lula após a posse dele como presidente da República em 2003. O lugar ganhou destaque após a construção de uma ponte sobre o Rio Jequitinhonha, que facilitou a locomoção dos habitantes do local e a atuação do comércio. Apesar disso, alguns moradores gritaram “Fora Copanor”, demonstrando insatisfação a um problema recorrente na cidade: a falta de água. De acordo com os moradores Aelson Batista Aguilar e Glória de Fátima Gonçalves, todos os meses de outubro e novembro falta água. “Estamos sem água já tem uma semana”, afirmou Glória.

    Por fim, Lula realizou um grande ato em Araçuaí, cidade que também recebeu grandes investimentos durante o seu governo. No local, 17 mil pessoas foram beneficiadas pelo Bolsa Família e foi realizado a instalação de 1.159 cisternas de água para consumo e 308 para produção. Para a camareira Cleusa de Sousa Câmara, Lula foi o melhor presidente pois ajudou os pobres. “Antigamente, a gente não tinha condições de comprar uma lata de óleo, agora conseguimos ter as coisas”.

    No ato, a estudante Natália Nunes, de 18 anos, segurava uma bandeira do Movimento dos Atingidos pela Barragem. Moradora de Guaranilândia, município a 169km de Araçuaí, ela afirmou que apoia o Lula por querer um país melhor. “Com o passar de dois anos do rompimento da barragem, nada melhorou. Acredito que o Lula pode resolver isso e muito mais”. Nesta quinta-feira (26 de outubro), o presidente continua a caravana com uma visita ao Campus de Araçuaí do IFNMG e à cidade de Salinas.

    *Editado por Agatha Azevedo
    Caravana do Lula por Minas Gerais. Foto: Ricardo Stuckert
  • Não importa se dendê ou se maconha, não importa se explosivo ou pinho sol

    Não importa se dendê ou se maconha, não importa se explosivo ou pinho sol

    Nas últimas semanas, em algumas oportunidades, sugeri para algumas colegas que refletíssemos sobre a questão da proibição do dendê na Bahia. Um assunto até que já vem rendendo um caldo pelo mundo, o que acabei descobrindo nesta ocasião. A indústria de óleo de palma, um produto extraído do dendezeiro, passou a sofrer pressão na Europa depois que autoridades afirmaram que o produto aumentaria o risco de câncer. Na indústria do biocombustível, interesses econômicos se confrontam sobre a utilização do dendê versus outras matrizes energéticas. (ver também).

    Mas o meu convite se referia a uma comparação mais profunda, sobre a proibição da maconha do Brasil, essa sim em vigor a várias décadas, e a possibilidade da restrição do uso, comércio e produção do dendê. Todas as possibilidades estão abertas na Era dos Absurdos. Pena Hobbsbawn não ter sobrevivido…

    O café por exemplo, já foi uma bebida perseguida em diversos lugares do mundo. [O professor Henrique Carneiro nos narra muito bem a relação entre alimentos, drogas e proibição na história da humanidade].

    Na data de 4 de outubro de 1830, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro penalizava o pito de pango, “fumar maconha”, na postura que regulamentava a venda de gêneros e remédios pelos boticários. Ficaria proibida assim, a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor [multado] em 20$000, e os escravos, e mais pessoas que dêle usarem, em 3 dias de cadeia”. Ao escravo, seria destinada a prisão, portanto.

    As pessoas escravizadas, para as quais não eram reservados direitos e portanto, excluídas dos demais códigos jurídicos, não deixava de aparecer no entanto nas posturas criminais. Nesse caso, se destacaria inclusive entre as demais pessoas que usassem. Só poderiam ser consideradas cidadãs, pessoas portanto, para serem criminalizadas.

    A criminalização da população negra tinha relação com o controle da raça negra para que não boicotassem o projeto civilizatório das elites políticas brancas, que ao final do século XIX, às vésperas do fim da escravidão formal, se perguntavam: “O que fazer com o negro?”. [Questionamento que a professora Celia Maria Marinho Azevedo tentou observar].

    Antes mesmo da primeira constituição republicana, já se deixava bem claro com quem se esperava compor a população do Brasil a partir dali: É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos a ação criminal do seu país, excetuados os indígenas da Ásia ou da África, que somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos, de acordo com as condições estipuladas. Somente mediante a autorização do Congresso Nacional, importante frisar. [Quem muito bem escreve sobre os enlaces e entraves dessa dissimulação brasileira, é a autora Wlamyra Albuquerque, querida professora].

    O código penal de 1890, já continha as cartas que seriam usadas no começo do século seguinte para a repressão ao samba e à capoeiragem (perseguida pela lei desde o código do Império), assim como às pessoas consideradas vadias, através de uma caracterização ampla contida no termo de “desordem”, e outros códigos. Uma portaria no Rio de Janeiro em 1889, determinava que, em caso de conflito, a polícia deveria usar preferencialmente “meios suasórios”, “cacetadas, maus tratos e até tiros, se possível for”. (Ver sobre isso)

    Em 1915, o professor da Faculdade de Medicina da Bahia Rodrigues Dória, assume que criminalizar a maconha no Brasil era uma tarefa de controle da população negra egressa da escravidão. Ele afirma que, a raça (negra) outrora cativa, trouxera bem guardado consigo para ulterior vingança, o algoz que deveria mais tarde escravizar a raça opressora. (…) O vício de fumar a erva maravilhoso, que, nos êxtases fantásticos, lhe faria rever talvez as areias ardentes e os desertos sem fim da sua adorada e saudosa pátria, inoculou também o mal nos que o afastaram da terra querida, lhe roubaram a liberdade preciosa, e lhe sugaram a seiva reconstrutiva (sobre o tema). A maconha seria assim uma vingança dos negros contra os brancos por terem nos roubado a liberdade preciosa e sugado a seiva reconstrutiva.

    Em 1938, diversas autoridades se reúnem em Salvador para discutir a elaboração de instrumentos para coibir o comércio, o consumo e a produção da planta, no I Convênio Interestadual da Maconha, e assim, pôr em prática a decisão editada na lei de seis anos antes, e uma das orientações retiradas daqueles dois dias, de uma sala quente no centro da cidade da Bahia, foi a obrigatoriedade de inscrição dos terreiros de candomblé em autoridade policial, medida que não é suspensa até 1978.

    E a perseguição à planta deveria ser por todo o Brasil: “Uma luta sem tréguas contra os fumadores de maconha. No Rio de Janeiro, em Pernambuco, Maranhão, Piauí, Alagoas e mais recentemente Bahia, a repressão se vem fazendo cada vez mais enérgica e poderá permitir crer-se no extermínio completo do vício”, comemoravam os proibicionistas. A polícia sempre como agente de destaque para a manutenção da ordem e dos bons hábitos na cena urbana. Nas zonas rurais, outras milícias menos institucionalizadas, por assim dizer.

    A proibição da maconha surge não a partir dos efeitos da planta no organismo, dos seus usos, ou dos seus possíveis agravos, mas sim como uma nova engrenagem do projeto de controle da população negra egressa da escravidão, para manutenção dos mecanismos de hierarquia racial construída naquele período. E aqui eu misturo o dendê e o pinho sol.

    O jovem negro Rafael Braga deixou um casarão abandonado no centro do Rio de Janeiro, onde catava algumas quinquilharias, e não tinha ainda se dado conta de que haviam mais de 300 mil pessoas do lado de fora que se manifestavam contra a realização da Copa das Confederações no Brasil, e uma enorme confusão causada pela repressão policial. Em seu percurso para a casa de uma tia que morava próximo, onde pretendia deixar uma garrafa de água sanitária e outra com desinfetante que havia encontrado junto às escadarias do local onde estava, foi abordado por policiais e levado à delegacia.

    Dois policiais civis afirmaram que Rafael portava duas garrafas de plástico com um estopim laranja, e que o material parecia com coquetel molotov. O laudo técnico da Polícia Civil atestou que a água sanitária não poderia ser utilizada como material inflamável (para espanto de todos, surpreendendo até a obviedade). O desinfetante, no entanto, do jeito que estava, teria, no máximo, “mínima aptidão para funcionar como ‘coquetel molotov’”. O juiz Guilherme Schilling Polo Duarte, branco, resolveu assim, baseado naquele laudo e na declaração dos policiais, condenar Rafael Braga Vieira a cinco anos de reclusão, que deveriam ser cumpridos inicialmente em regime fechado. Rafael foi ainda condenado pelo diretor da unidade que cumpria pena a dez dias na solitária por ter tirado uma foto em frente a um muro, quando progrediu meses depois para o semiaberto. No muro, a frase: “Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima para baixo”. Pena de 2 m², sem acesso à luz e a outras pessoas.

    Quando saiu da prisão em 1º de dezembro de 2016, para o regime aberto com tornozeleira eletrônica, Rafael foi abordado de novo por polícias, 40 dias depois. Ao ser parado, Rafael afirma que foi chamado de “bandido” e conduzido até um beco, onde, foi agredido com socos no estômago e o ameaçado. Surgiram então 0,6 gramas de maconha, 9 gramas de cocaína e um rojão nos bolsos de quem havia deixado a casa da sua mãe com três reais para comprar o pão. Rafael foi condenado a 11 anos e nove meses de prisão. O juiz Ricardo Coronha Pinheiro, branco, impediu inclusive a verificação dos dados da tornozeleira que Rafael usava, pois isso colocaria em xeque o depoimento dos policiais que o prenderam.

    Jhonata Dalber Matos Alves tinha 16 anos quando foi atingido por polícias da UPP no Morro do Borel no Rio de Janeiro, que “confundiram” o saco de pipoca que ele tinha na mão com drogas*. O menino Joel morreu aos 10 anos dentro de casa no Nordeste de Amaralina, também numa operação policial. Luciana segue presa em Natal. Cláudia Ferreira foi arrastada em rede nacional.

    Chegamos então às conclusões que me trouxeram de um simples post para o facebook a uma tarde dedicada a escrever essa breves palavras para vocês.

    O que eu trazia para as minhas colegas em Salvador era que a questão da substância em si, maconha, pinho sol, dendê, explosivo, feijão, café ou açúcar, pouco importa para o processo criminalizador. A construção da pessoa criminosa no Brasil se dá antes mesmo da realização do crime. E ela tem raízes profundas no nosso processo de escravização, que é a maior parte da história brasileira. As noções de crime, castigo, punição, pena, em nosso país, são oriundos dos quintais da Casa Grande, e são a base do nosso sistema penal, como nos lembra a professora Ana Flauzina.

    A arquitetura punitiva herdada do modelo imperial-escravista, onde as práticas de controle se desenvolveram no terreno das relações entre o senhor e o escravo em séculos e, portanto, dentro do âmbito privado, ao transferir-se para o Estado republicano, gerenciado pelos mesmos senhores, esforçava-se na extensão do discurso da inferioridade negra, desenhando novos manejos que reforçassem a naturalização da subalternidade.

    Entre o conjunto de mecanismos que permitiam a gerência real sobre a circulação material do corpo negro na cena urbana, e que alimentava a apreensão racista do fenômeno do crime pelo conjunto responsável por normalizar a acusação social, e reproduzi-la, tornando o criminoso, construído anteriormente ao crime, um corpo real, material, a ser punido, encontraremos a perseguição à vadiagem para o processo almejado de profilaxia social, intimamente ligada ao controle do uso de substâncias psicoativas, sejam legais como o álcool, ou ilegais como a maconha. Mas os corpos foram criminalizados antes de alcançarem essas substâncias e as suas classificações legais. Afinal de contas, vejo jatinhos e helicópteros circulando livremente com insígnias oficias e proteção judicial… mas desde que não carreguem dendê ou pinho sol, tá tudo certo…. pros brancos.

    * História lembrada pela querida amiga Luísa Saad, a quem também agradeço aquele “revisãozinha pro broder”.

  • A vida de Neiva Moreira

    A vida de Neiva Moreira

    De uma cidade chamada Nova Iorque, no interior do Maranhão, nascia há um século, José Guimarães Neiva Moreira. Um dos grandes jornalistas que o Brasil produziu e um grande nacionalista.

    Com o espírito pioneiro desde púbere, criou o jornal periódico “A LUZ”, como também fundou em Teresina, onde foi estudar, o jornal “A Mocidade.” De volta ao Maranhão, agora em São Luís, foi trabalhar no Jornal “Pacotilha”, depois incorporado pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. No Rio de Janeiro trabalhou no jornal “Diário da Noite” e na revista “Cruzeiro”, ligados ao grupo de Chateaubriand.

    Neiva compreendia perfeitamente que sua função não era apenas informar, mas se utilizar dos jornais, revistas, TVs e rádios para transformar, para dar voz aos despossuídos de informação e direitos, e fazer desses meios de comunicação, notícia que gerasse ação, e consequentemente mudanças.

    Uma das premissas essenciais da carreira jornalística é contextualizar os acontecimentos, provocar reflexão acerca deles e suas implicações, e ser também um agente crítico.

    Levado para a política, em 1950 elegeu-se deputado estadual no Maranhão, onde defendeu as bandeiras nacionalistas, dentre elas, a criação da Petrobras e da Eletrobras tornando-se uma referência no campo progressista.

    Já como deputado federal eleito em 1954, fundou a Frente Parlamentar Nacionalista, que visava viabilizar uma plataforma voltada à coordenação da intervenção do capital estrangeiro na economia nacional, em especial no campo energético e na remessa de lucros para o exterior.

    Partidário do princípio de autodeterminação dos povos e da posição de não-alinhamento em relação aos blocos inerentes da Guerra Fria, Neiva Moreira apoiou as Reformas de Base, propostas pelo presidente João Goulart, e se aliou a Leonel Brizola. Sofreu as perseguições que o golpe militar impôs aos nacionalistas.

    Cassado seu mandato pelo AI-1 e posteriormente exilado, não perdeu a premissa da indignação. Continuou a exercer o jornalismo combativo, apaixonante, lutando contra as ditaduras e os interesses monopolistas de uma classe dominante que visa exclusivamente o capital.

    Em pleno exílio ousou enxergar além dos horizontes impostos pelos protagonistas da bipolarização mundial.

    Criador da revista “Cadernos do Terceiro Mundo” deu notoriedade ao processo de desenvolvimento da África massacrada, roubada, e vilipendiada pelos europeus. Mergulhou nas grandes causas do Oriente Médio, em suas culturas e seus desafios, revelou a face da brutalidade e selvageria das guerras civis na emancipação de Moçambique e Angola, dentre outros conflitos.

    Fez escutar personalidades como Nelson Mandela, Yasser Arafat, José Ramos Horta, Xanana Gusmão, quando estes ainda eram rotulados pejorativamente pelos barões do embuste midiático.

    Congregava dentro de sua atuação dois princípios – ética e paixão-, num jornalismo que serviu como referência no debate intelectual e na reflexão das raízes das desigualdades, e na luta pela soberania e na autodeterminação dos povos.

    Combativo em seu jornalismo enfrentou as ditaduras em nosso continente. Como um contestador nato, lutou o bom combate, se solidarizou e se irmanou às mazelas dos povos do terceiro mundo.

    Cepa ilustre do jornalismo e do Trabalhismo deixa um legado de honradez e de reflexão às gerações vindouras, e disso tudo podemos concluir que, é possível sim, um mundo mais igualitário, mais humano e com um jornalismo mais decente.

    Henrique Matthiesen, Bacharel em Direito, Jornalista, colaborador dos Jornalistas Livres

  • REVIRAVOLTA NA HISTÓRIA: Inscrições rupestres de Florianópolis seriam ideogramas chineses

    REVIRAVOLTA NA HISTÓRIA: Inscrições rupestres de Florianópolis seriam ideogramas chineses

    Semelhança das inscrições rupestres com ideogramas chineses despertou a investigação

    Foi o interesse apaixonado pela história da Ilha de Santa Catarina que levou Fausto Guimarães, filho de pescador, a “atravessar a ponte” para a China e a ser reconhecido no Oriente e nos Estados Unidos como o maior pesquisador do mundo sobre a presença dos chineses nesta região antes da chegada de Cabral. Agente de vigilância do INSS, ele lança, na sexta-feira (15), às 19 horas, no Restaurante Árabe Falah, em Florianópolis, sua quarta publicação sobre a passagem pelo Brasil de dois dos cinco almirantes da dinastia chinesa Ming, entre os anos de 1421 e 1423. Criado no Morro do Céu, Fausto tornou-se não apenas um grande especialista nas incursões chinesas pelo Novo Mundo, como autor de uma descoberta arqueológica capaz de revolucionar tudo que se sabe sobre as relações entre os indígenas que aqui habitavam e esse povo do Oriente. Capaz também de mudar o entendimento sobre as inscrições rupestres e os artefatos de pesca locais que, na sua hipótese, são uma transferência de tecnologia chinesa na troca de conhecimento com os índios Avás.

    Para início de compreensão da importância de suas pesquisas, a partir delas a origem das inscrições rupestres dos sítios arqueológicos teria uma versão muito diferente da conhecida: “Já temos evidências para demonstrar que nos desenhos dos dois costões do Santinho ou da Ilha do Arvoredo, por exemplo, há presença de caracteres chineses”, afirma Fausto. O encontro feliz entre o manezinho da Ilha e o mundo do Oriente aconteceu há 15 anos quando caminhava pela praia do Santinho e é tão 

    Inscrições rupestres poderiam indicar a troca de símbolos indígenas e ideogramas chineses (Ilha do Campeche)

    fascinante quanto a história que ele passou a contar a partir daí, traduzidas do português para o mandarim e para o inglês. Junto com as publicações, ele tem realizado inúmeras palestras em congressos internacionais sobre as incursões marítimas das dinastias chinesas pelas Américas no período pré-colombiano, patrocinadas pelo governo e por instituições de pesquisa na China e nos Estados Unidos, onde suas teses já são referência.

    Não limitado a publicar suas descobertas em forma de romance no primeiro livro “A rampa do Santinho, um legado chinês na Ilha de Santa Catarina” (Editora Insular, 2010), edição bilíngue português-mandarim de 456 páginas, o servidor recorre agora às histórias em quadrinhos para divulgar essa narrativa épica. “A grande maioria dos florianopolitanos e brasileiros – e mesmo os entendidos na cultura local – desconhece completamente os impactos da presença chinesa na Ilha”, enfatiza Fausto, 52 anos, que com o cabelo ruivo e os olhos claros foge ao estereótipo brasileiro. “Desconhecem inclusive o fato histórico das navegações marítimas chinesas”. Em A grande viagem às Terras do Oeste (Brasil) – 1421, a revista em quadrinhos que ele lança na sexta-feira vem para romper um pouco o silêncio sobre esse contato prodigioso entre dois povos fundadores da cultura local, na sua visão. Compõem as ilustrações um mix de tecnologia virtual com alguns desenhos dele mesmo e de outros autores, mas a maior parte são adaptações fotográficas, a exemplo das fotos aéreas da região dos Ingleses e do Santinho, explica Fausto, que trabalha na Previdência Social há 33 anos.

    Tanto livro como revista são, conforme o autor, coerentes com paradigmas e estudos já consolidados sobre as experiências dos chineses com outros povos. Sem referências exatas de realidade para compor uma etnografia, optou por preencher as lacunas com as suas suposições, narrando em forma de romance a relação desses exploradores com os índios Avás, que habitavam a Ilha de Santa Catarina e arredores. “Mas tudo que escrevi explorando a imaginação parte das minhas pesquisas e do

    Agente de vigilância lança sua quarta publicação

    conhecimento estabelecido por outros autores”, esclarece Fausto, que fará distribuição gratuita das revistas no lançamento. Com a ajuda das comunidades Guarani, árabe e chinesa, organizou para o evento uma grande performance com música, dança e teatro em torno de episódios do seu épico que mostram a pluralidade cultural dessas relações entre povos.

     

    Primeiro livro do autor é a história romanceada das relações entre chineses e os índios Avás na Ilha de Santa Catarina

    Até 15 anos atrás, antes da publicação do romance de Fausto, os pesquisadores canônicos só falavam das expedições europeias ao Brasil e ao Novo Mundo como um todo. Ao longo de seis séculos, a misteriosa passagem dos chineses manteve-se desconhecida dos historiadores modernos como um tesouro secreto. Com esse episódio, o romance entre a índia Iracema e o marinheiro Xiao também ficou guardado feito uma pérola em concha fechada para ser reinventado pela pena do autor. Interessado pela cultura chinesa desde que estudou acupuntura no Ceata, em São Paulo (1995), e desde a graduação no curso de História da UFSC (1997), Fausto fez sua primeira viagem à China em 2005. Ficara entusiasmado pelas viagens marítimas pré-colombianas ao ouvir de uma guia turística chinesa em São Paulo sobre sua presença no Amazonas. Essa informação reforçou a hipótese da presença chinesa também em Meiembipe (nome indígena de Florianópolis) e aumentou a suspeita de que as inscrições rupestres tinham a marca oriental.

    As investigações bibliográficas e em campo acabaram tomando conta do seu tempo livre e deram origem ao segundo livro, que apresenta a trajetória dos seus estudos e fundamenta suas hipóteses. Em Do Shan Hai Jing às épicas viagens do almirante Zheng He; estariam os chineses visitando as Américas e o Brasil há mais de quatro mil anos?, ele explica os elementos que foi interligando para creditar a narrativa sobre os rastros deixados pelos chineses na Ilha. Entre eles estão os registros do Padre Alfredo Rhor, no primeiro congresso local sobre Arte Rupestre, em meados de 1960, revelando ter tirado e extraviado na década de 40 a pedra com a imagem de uma santa que se atribuía à padroeira dos navegantes. Diante desse objeto sacralizado pela comunidade local, as mulheres dos pescadores faziam suas preces para pedir proteção antes de os homens se lançarem ao mar, numa espécie de ritual pagão.

    Depois de escrever o romance, Fausto recorreu a história em quadrinhos para divulgar essa história ignorada que desmonta a vulgata ocidental sobre o descobrimento

    Décadas depois, conversando com o pai pescador e com as mulheres mais velhas do Santinho, que alegaram ter ouvido a explosão da pedra quando crianças, Fausto verificou que o artefato tinha uma localização e um tamanho muito diferentes dos mencionada pelo arqueólogo. “Segundo os relatos, o santuário devia ter o tamanho de uma porta, e não os 33 centímetros informados pelo padre”. A descrição da imagem feita pelo padre também difere da apresentada pelas mulheres, o que levou Fausto ao seu primeiro grande achado: tratava-se, na verdade, não de uma santa católica, mas de uma mulher grande e forte, com um chapéu quadrado e um manto nas costas, que corresponde à figura de uma chinesa chamada Mazu. Hábil nadadora, essa personagem viveu de fato no século X na colônia de pescadores Meizhou, no litoral de China. Entre seus feitos, consta ter salvado vários homens de afogamento com seus braços fortes. Depois de sumir no mar, Mazu foi mistificada como uma espécie de padroeira dos pescadores.

    Com equipe de pesquisadores na China

    As surpresas não terminam por aí. Nesse trabalho de campo, o autor confirmou no costão esquerdo da Praia do Santinho, bem na entrada pelo mar, a existência de uma pedra com um furo de dinamite, provavelmente a da imagem da Santa dos Navegantes oriental, implodida pelo padre. E o mais importante: descobriu ao lado dela uma grande rampa cortada na pedra, visivelmente produto de manufatura humana e não da ação da natureza, que serviria ao atracamento das embarcações. Tomou o cuidado de registrar essa descoberta na certeza de que em breve suas evidências seriam confirmadas, assim como outros indícios impactantes: num museu de Hong Kong, identificou muitos instrumentos de pesca, como puçá, coca, jererê, tarrafa que os índios usavam na Ilha de Santa Catarina. “Todos esses artefatos para pegar siri existem na China”, diz Fausto, sustentando ainda a tese de que a sofisticação das técnicas de pesca na Ilha, identificadas pela presença abrupta e inexplicável de esqueletos de grandes peixes nos sambaquis, seria resultante desse contato profícuo entre Avás e orientais. “Sem falar na semelhança etimológica e material da jangada nordestina com um pequeno junco chinês”, comenta o pesquisador, com uns olhos arregalados de espanto pelas possibilidades de interconexões multiculturais que a investigação de sua Ilha lhe trouxe. Da mesma forma, reflete, os chineses, que têm como padrão de comportamento o contágio e a apropriação cultural devem ter aprendido muito com os índios.

    NO CONTEXTO DA MISSÃO CHINESA PELOS MARES

    Estudante de mandarim há seis anos, logo o vigilante-historiador se faria um dos grandes pesquisadores das expedições chegadas à Ilha por ordens do imperador Zhu Di. O chefe da dinastia alistou cinco almirantes para, sob o comando de seu homem de confiança, o almirante Zheng He, cumprirem uma desafiadora missão: descobrir terras além da África e cartografar todos os oceanos do mundo. O imperador estava decidido a implantar uma importante mudança cultural no mapa político e geográfico do planeta. Desejava romper definitivamente com uma tradição de milênios, pela qual os chineses mantinham-se fechados ao olhos do mundo. Nessa expedição, Hong Bao seria o responsável pela “descoberta” de terras, hoje conhecidas como Brasil. Junto com ele, outros chineses, indianos e um africano de nome Kebec, empreenderiam uma impactante relação com os índios Avás, que significa gente em Guarani e substitui a denominação europeia de Carijós (índios escuros e claros).

    Na hipótese do historiador, algumas inscrições são feitas de símbolos indígenas e outras de caracteres chineses

    Conta o livro, sempre preservando o tom solene e misterioso de um grande épico que versa sobre o encontro de dois povos de diferenças abissais: “Hong Bao é o comandante da missão que se dirige para a terra do Oeste. Sob suas ordens homens e mulheres viverão em comunhão com ideais confucianos. O mundo dos nativos Avás nunca mais será o mesmo. Os chineses levarão seu conhecimento e em troca receberão o respeito dos povos desta terra”. Além de criar a história amorosa de Iracema e Xiao, o romance fala da vida simples do cacique e de seu povo, a trama de Seci para roubar Xiao de Iracema e as armadilhas feitas pelas índias amazonas para capturar seus prisioneiros. Pergunto se essa relação não foi romantizada, considerando que na história mundial os países expedicionários sempre foram truculentos e dominadores com outros povos em suas explorações marítimas. E ele me responde com uma aula sobre o pensamento e a história chinesa, segundo a qual os ditadores que barbarizaram a Ásia não eram de fato chineses, mas pertenciam a outras nações que invadiram a própria China, como os mongóis e manchus. “Ao contrário das explorações europeias que marcaram nossa colonização, a base desse relacionamento chinês com outros povos sempre foi a paz e o respeito”, garante, citando várias fontes bibliográficas e episódios históricos.

    Revista em quadrinhos ilustrada pelo próprio autor

    Em 2013, Fausto viajou à China a convite da Universidade de Macau e da Universidade de Shanghai para participar do seminário Viagens Marítimas Chinesas do Século XV. Nessa expedição de rota contrária aos antepassados de Hong Bao, apresentou seu trabalho sobre as evidências arqueológicas da possível passagem dos chineses pela Ilha de Santa Catarina antes da chegada dos portugueses, na Associação Macau para promoção e Intercâmbio entre Ásia-Pacífico e América Latina (Mapeau) na cidade de Macau. Em dezembro de 2016, já era o maior especialista no assunto e viajou a vários centros acadêmicos de pesquisas sobre explorações marítimas da China, em cidades como Beijing, Nanjing, Guangzhou, Hong Kong, entre outras, para divulgar seu terceiro livro, em inglês: From the Shan Hai Jing to the Epic Journeys of Admiral Zheng He in the XV Century; Where the Chinese visiting the Americas and Brazil over 4000 years ago? Por todos os institutos de pesquisa onde passou, só recebeu um gesto de imediato reconhecimento de ideogramas chineses quando mostrou as inscrições rupestres do Santinho e da Ilha do Arvoredo: “tui, tui, tui” (sim, sim, sim), respondiam-lhe com aquele gesto de cabeça afirmativo típico dos chineses. 

    Na Califórnia, onde o interesse pelo tema é fortíssimo, há também inscrições rupestres com evidências de ideogramas. Os estudos apontam, contudo, que elas resultam de visitas chinesas mais antigas ao continente americano, de cerca de dois mil anos atrás, o que poderia perfeitamente ter ocorrido também no Brasil. “Quando se fala em história, tudo são possibilidades”, reconhece Fausto, que não tem a pretensão de ser a última palavra a vencer essa distância de séculos ou de milênios, mas coloca em dúvida a vulgata do pioneirismo ocidental a partir das pegadas orientais que encontra pelas praias e no próprio corpo dos Guarani. “Não podemos mais é manter no encobrimento a presença de culturas anteriores à chegada dos navegadores europeus”. 

    Em outubro, o pesquisador anônimo em sua terra, mas famoso entre os sinólogos do Oriente e dos EUA, apresentará seu trabalho num simpósio de quatro dias sobre diáspora chinesa pelo mundo e pelo Brasil, no hotel Hilton, em São Francisco, na Califórnia. Essas viagens a convite de outros países são sempre patrocinadas, mas as pesquisas documentais ou de campo resultam de investimentos do próprio bolso. De tanto estudar as expedições não-ocidentais ao Brasil antes da invasão europeia, ele próprio se tornou um navegador a refazer obstinadamente, pelos livros ou pelas explorações físicas, as pontes que fazem as ligações estreitas entre dois povos muito mais próximos do que nossa vã herança ocidental é capaz de imaginar…