Jornalistas Livres

Categoria: História do Brasil

  • A MAIORIA PODE ERRAR?

    A MAIORIA PODE ERRAR?

     

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com charge de Berzé 

     

     

    Contrariando as previsões dos especialistas, Jair Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos válidos, uma votação bem expressiva. O bolsonarismo, definitivamente, é um movimento de massas. Está presente em tudo quanto é lugar, em todos os segmentos da sociedade. A popularidade do presidente eleito é altíssima.

    Eu, que não votei em Bolsonaro, que tenho verdadeiro horror à sua figura pública, pergunto a mim mesmo e pergunto a você, leitor e leitora: será possível que tanta gente assim esteja errada? A maioria pode errar?

    É essa a discussão que proponho neste ensaio.

    Pra começar, argumento que a maioria pode, sim, errar, e isso acontece com alguma frequência. Por isso, a cultura política ocidental inventou arranjos institucionais para proteger a sociedade dos erros da maioria. Está errado quem acha que a democracia é a simples imposição da vontade da maioria. A democracia é bem mais que isso, seu funcionamento é bem mais complexo.

    Quando o que está em discussão é a vontade das massas, costumamos tomar dois caminhos opostos: ou fetichizamos ou desqualificamos a opinião da maioria.

    As duas soluções são fáceis e equivocadas. Na primeira, o erro está em acreditar que a verdade é uma simples questão de soma matemática. Se 1 + 1 + 1 + 1….. dizem que o mundo é de determinada maneira, é porque deve ser mesmo. A segunda é alimentada por uma perspectiva prepotente e elitista que desvaloriza a opinião da maioria pelo simples fato de ser maioria.

    Penso que o caminho correto a tomar é aquele que encara com muita naturalidade o fato de que as massas podem, simplesmente, errar na avaliação da realidade, assim como podem acertar também. A história contemporânea do Brasil nos apresenta alguns exemplos.

     

    1) As vitórias de Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998.

    A massa que elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso sabia o que estava fazendo. Na época, eu ainda não tinha maioridade eleitoral. Se tivesse, certamente teria votado em Lula. Mas não posso negar que as pessoas sabiam o que estavam fazendo. Fernando Henrique Cardoso representava o controle da inflação, que é uma das políticas sociais mais importantes na proteção das famílias mais pobres.

    A inflação é particularmente cruel com as famílias mais pobres. A classe média ainda tem onde cortar em sua cesta de consumo, consegue se adaptar. Muda a marca do sabão em pó, cancela o almoço no restaurante aos domingos. A família pobre, que já vive no limite do consumo básico, é destruída pela inflação.

    Lembro do meu avô, homem muito humilde, indo votar todo animado em Fernando Henrique Cardoso. O velho dizia: “Agora, com cem reais, a gente consegue encher o carrinho o mês inteiro”.

    Fernando Henrique Cardoso foi eleito e reeleito por essa racionalidade popular. Não seria o meu candidato, mas não dá pra dizer que o povão estava errado.

     

    2) A reeleição de Lula em 2006 e a eleição de Dilma em 2010.

    É uma obviedade que não foram os governos dirigidos pelo Partidos dos Trabalhadores que inventaram as políticas públicas de amparo à pobreza. Se engatarmos uma marcha-ré na linha do tempo, passaremos pelos governos de Fernando Henrique Cardoso, pelos governos dos militares (especialmente pelo de Geisel), pelos direitos trabalhistas criados por João Goulart e Getúlio Vargas e chegaremos sabe Deus onde.

    Porém, sem dúvida, os governos do PT levaram essas políticas sociais a níveis de alcance e eficiência até então inéditos na história do Brasil.

    Como nunca antes no nosso país, a pobreza extrema foi combatida. O miserável foi transformado em pobre. O impacto na vida das pessoas foi enorme. Como mostra o pioneiro estudo de André Singer sobre as eleições de 2006, as pessoas perceberam isso e manifestaram eleitoralmente essa percepção.

    O Partido dos Trabalhadores, que até esse momento tinha enorme dificuldade em furar a bolha da classe média progressista e dos movimentos sociais organizados, se tornou o preferido da grande massa de brasileiros e brasileiras mais pobres.

    Há pouco, conversando com uma senhora muito humilde, em um bar aqui de Salvador, ouvi algo muito ilustrativo: “O Fernando Henrique dava um pozinho pra misturar na comida das crianças. Lula deu o Bolsa Família pra gente comprar um gás, um desodorante”.

    A maioria reelegeu Lula em 2006 e elegeu Dilma em 2010 movida por um diagnóstico correto da realidade. Não foi apenas o desejo da mudança, o mesmo que elegeu Lula em 2002. Nem o medo do retrocesso, que reelegeu Dilma em 2014.

    Em 2006 e em 2010, a maioria acertou na avaliação, partindo de uma experiência real de distribuição de renda e de melhoria na qualidade de vida. Temos aqui racionalidade política, cálculo eleitoral.

     

    3) A vitória de Jair Bolsonaro em 2018.

    A disputa eleitoral de 2018 foi atravessada pelos temas da corrupção e da violência urbana. Tudo mais ficou em segundo plano. Esses dois assuntos têm especial poder de afetar os sentidos das pessoas.

    A criatura liga a TV às 20 horas, depois de um dia inteiro de trabalho repetitivo e estafante, e é bombardeada por denúncias de corrupção em série. Pouco importa se os devidos processos legais confirmaram ou não as tais denúncias. Foi pra TV, no horário nobre. É o que basta para aumentar a sensação de corrupção.

    Naquele papo no portão, a pessoa fica sabendo que o filho da vizinha foi assaltado, logo depois dela mesma ter sido assaltada. Na TV, Datena espetaculariza cada evento de violência. Pouco importam as estatísticas. A sensação de insegurança já está plantada.

    Jair Bolsonaro foi capaz de se alimentar desse duplo sentimento para se apresentar como o candidato da mudança, como um antissistema. Grande parte de sua vitória se explica pelo sucesso em construir essa narrativa. Não foi apenas isso, é claro. Mas foi isso também.

    Mas esperem aí: Bolsonaro é deputado há 28 anos. Foram sete mandatos. Deputado federal pelo Rio de Janeiro, Bolsonaro nunca fez nada pela segurança pública do Estado conhecido com o mais violento do Brasil. Até 2016, Bolsonaro era filiado ao PP, o campeão da corrupção.

    Diante de uma realidade tão gritante, como ele conseguiu convencer 55% do eleitorado de que era um outsider capaz de “mudar tudo isso aí”?

    Está aqui o erro da maioria. Um gravíssimo erro de avaliação. Diferente dos casos anteriores dos quais falei há pouco, nas eleições desse ano a maioria, simplesmente, avaliou errado, errou e errou muito.

    O que levou a maioria ao erro?

    Uma campanha poderosíssima de destruição da imagem do petismo, a única força política capaz de fazer frente ao bolsonarismo; o impedimento de Lula; a indústria de fake news pelo WhatsApp… sem dúvida todos são aspectos importantes, mas que devem ser lidos com cuidado, para não corrermos o risco de endossar a velha tese da “manipulação da massa”.

    O povão não é gado. O povão erra o caminho, toma a trilha do abate, mas faz porque quer. As pessoas olham para a realidade e agem, conduzidas por uma lógica própria. O eleitor médio brasileiro viu, erradamente, Bolsonaro como um outsider porque quis ver, porque se sentiu afetado pela imagem de Bolsonaro, se identificou com ele.

    O tiozão tomando café da manhã numa mesa toda bagunçada, olhando para a tela do celular por cima dos óculos pendurados na ponta do nariz. Vocabulário estreito. Soluções fáceis para os problemas mais complexos. Falta de pudor em verbalizar uma agenda comportamental de controle dos corpos de mulheres e gays. A empatia levou ao erro.

    A maioria não foi manipulada. A maioria, simplesmente, errou.

    E agora? Temos um governo não empossado e que em menos de um mês depois de eleito já foi capaz de provocar dois incidentes internacionais, comprometendo diretamente o fluxo de exportação de proteína animal para os países árabes e os serviços de saúde que Cuba exportava para nós.

    Como proteger a sociedade de um gravíssimo erro cometido pela maioria?

    Novamente, as instituições da República, que desde o início da crise estão falhando, serão testadas.

    Não interessa se o governo eleito pela maioria quer flexibilizar o porte de armas de fogo. Os estudiosos da segurança pública dizem que essa não é a solução. Cabe ao Ministério Público contrariar a vontade da maioria.

    Se a maioria quer a criminalização das mulheres que interrompem gravidez, é função do STF contraditar e garantir o direito individual ao controle feminino do processo reprodutivo. Não importa se a medida é impopular. Nem sempre a opinião pública está correta.

    Não se trata de autoritarismo, ou de falta de respeito à democracia. A democracia não é a simples tradução da vontade da maioria. A democracia é o império do bem comum. Nem sempre a maioria sabe o que é o bem comum. A função da minoria ilustrada, nesses momentos, é evitar a destruição total, salvando a sociedade dela mesma.

    É função da democracia proteger as minorias da tirania da maioria.

    Resta saber se as instituições que até aqui faltaram com a República serão capazes dessa intervenção messiânica. Tomara que sim. Temo que não.

     

  • O lugar de Temer na história do Brasil

    O lugar de Temer na história do Brasil

     

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Michel Temer está se despedindo do Palácio do Jaburu. Pois sim, apesar do grande esforço para ser presidente, mesmo sem voto, Temer não quis morar no Palácio do Planalto. Ficou com medo dos fantasmas, dizem as boas línguas. Deve ser um lugar com energia carregada mesmo.

    Resta saber qual será o destino de Temer: a cadeia ou algum cargo no governo de Jair Bolsonaro. Só o tempo dirá. O que dá pra fazer agora é tentar entender os impactos do governo de Michel Temer na sociedade brasileira.

    Qual é o lugar de Michel Temer na história do Brasil?

    Foram apenas dois anos e meio de governo. Mas como a cronologia não é ciência exata, nesses dois anos e meio cabem 70 anos de história, da longa história de um projeto desenvolvimentista por muito tempo fracassado e que, finalmente, se sagrou vitorioso. Temer foi o arquiteto dessa vitória.

    Mas que projeto desenvolvimentista é esse?

    Vamos lá, à velha e boa síntese histórica, que sempre ajuda a orientar as ideias.

    O “Brasil Moderno” nasceu na década de 1930, quando uma revolução administrativa foi realizada no período que aprendemos a chamar de “Era Vargas”. Essa revolução transformou o Estado, o poder público, no agente idealizador e organizador do desenvolvimento nacional. Isso não quer dizer que em períodos anteriores não existiram experiências de centralização política e administrativa. O Estado brasileiro não nasceu em 1930, é claro. O protagonismo do governo central já tinha se manifestado antes, mas nada comparado ao que começou a acontecer depois da chegada do grupo político chefiado por Getúlio Vargas ao poder.

    Onde tem governo existe oposição. Sempre foi assim. No mesmo tempo em que o projeto getulista ganhava contornos mais nítidos, surgiu outro projeto de desenvolvimento, um projeto rival.

    Esse outro projeto, representado por um partido político chamado UDN, propunha que o desenvolvimento do Brasil deveria ser organizado e estimulado pelo mercado nacional e internacional, pela iniciativa privada. Na época, esse projeto ficou conhecido como “entreguista”. Pra usar uma linguagem mais sóbria, vou chamá-lo aqui de “privatista”.

    Importante mesmo é saber que desde então a história brasileira é movida pelo conflito entre esses dois projetos de desenvolvimento. De um lado, o desenvolvimento tutelado pelo Estado. Do outro lado, o desenvolvimento impulsionado pelas forças mercado.

    A UDN, liderada por um sujeito chamado Carlos Lacerda, fez o que podia (e o que não podia) pra derrotar o projeto estatista, hegemônico na década de 1950.

    A UDN Tentou inviabilizar o segundo governo de Getúlio, que começo em 1951 e terminou de forma trágica em 1954.

    A UDN tentou impedir a posse de Juscelino Kubitschek, tentou governar junto com Jânio Quadros.

    A UDN ajudou a tocar fogo no país durante o governo de João Goulart e acabou se associando aos militares, com a expectativa de chegar ao poder através de um golpe de Estado.

    A UDN deu com os burros n’água. Os militares assumiram em 1964 e Carlos Lacerda saiu corrido do Brasil. Foi mordido pela cobra que ajudou a alimentar.

    No geral, a agenda de desenvolvimento efetivada pela ditadura militar esteve mais perto do projeto estatista do que do projeto privatista. Os anos passaram e as coisas mudaram. No final da década de 1980, os defensores do mercado encontraram um novo amor: Fernando Collor de Melo.

    Collor falava em diminuir o Estado, em atacar os privilégios do funcionalismo público, em combater a corrupção. Era o caçador dos marajás. Por trás do discurso, estava o velho projeto de entregar o desenvolvimento nacional ao controle das forças do mercado. Não deu certo. Ainda não foi dessa vez.

    Fernando Henrique Cardoso subiu a rampa em 1995, levando junto o projeto privatista. Agora vai? Será que foi?

    Foi até foi, mas foi bem mais ou menos.

    A coisa andou, o projeto privatista conseguiu algumas vitórias, entre elas a aprovação da Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000, no finalzinho da era FHC. A LRF trouxe uma novidade: agora, o Estado não teria mais poderes plenos para investir, para estimular o desenvolvimento nacional. O investimento ficaria limitado ao “equilíbrio das contas públicas”. Foi uma vitória do projeto privatista, sem dúvida. Mas foi pouco. A LRF e meia dúzia de privatizações. Os tucanos não entregaram tudo que prometeram.

    Fernando Henrique Cardoso prometeu acabar com a Era Vargas e refundar o Estado brasileiro. Não conseguiu. Tentou, mas não conseguiu.

    Chega 2003 e é a vez de Lula subir a rampa.

    Apesar de ter mantido parte da cultura administrativa formulada por FHC, os governos do PT brecaram o projeto privatista. O Estado voltou a ser o tutor do desenvolvimento nacional. Isso é especialmente verdadeiro para os governos de Dilma Rousseff, muito menos tolerantes com as ambições do mercado que os governos de Lula. Dilma é herdeira direta do projeto desenvolvimentista getulista, que chegou a ela através do filtro do brizolismo. Dilma jogou duro, talvez até demais.

    Dilma levou à ideia de que cabe ao Estado conduzir o progresso da nação ao limite do exagero, segundo alguns.

    Não à toa, o golpe parlamentar de 2016 se travestiu de impeachment usando exatamente a Lei da Responsabilidade Fiscal. Aconteceram ali dois golpes: o golpe óbvio se deu pelo afastamento da presidenta eleita sem comprovação de crime de responsabilidade. O golpe simbólico se manifestou no pretexto, que foi um ataque ao projeto estatista. É como se as forças do mercado, avalistas do golpe estivessem dizendo: o Estado não pode mais tutelar a economia. Se o ciclo é de crise, o Estado deve obedecer a tendência do mercado.

    O golpe parlamentar de 2016 criminalizou o movimento anticíclico do Estado brasileiro. Essa foi uma vitória do projeto privatista. Não parou por aí.

    Michel Temer conseguiu fazer em dois anos e meio o que os militares não fizeram (ou não quiseram fazer) em 21 anos, o que FHC não conseguiu fazer em oito anos.

    Michel Temer refundou o Estado moderno brasileiro. Temer, o refundador!

    Somente um governo não eleito e comandado por um político extremamente habilidoso e experiente poderia chegar tão longe, conseguiria fazer tanto e em tão pouco tempo. Isso não é um elogio, que fique claro.

    A PEC 55 (a PEC dos Gastos ou a PEC do Fim do Mundo) é o símbolo dessa refundação.

    Temer terminou o que FHC começou. A PEC 55 é a complementação da Lei da Responsabilidade Fiscal. Agora, o Estado está subordinado ao mercado por 20 anos. Não é mais o interesse público que condiciona o investimento do Estado, mas, sim, os limites dados pelo crescimento do mercado. O projeto privatista, finalmente, venceu.

    Mas ainda existia o risco das eleições de 2018. Ah, as eleições. O projeto privatista é escaldado com esse papo de eleição. Sempre perdeu muito mais do que ganhou. Historicamente, as urnas rejeitaram o projeto privatista.

    O projeto privatista deu um jeito para contornar o problema, um jeito engenhoso, habilidoso. Nem precisou recorrer à baioneta e à farda verde oliva. A formalidade democrática foi mantida, a formalidade.

    Primeiro, o candidato favorito, o principal antagonista do projeto privatista, foi impedido de concorrer. A expectativa era o retorno dos tucanos. Não foi possível. Sobrou Bolsonaro. O projeto privatista topou o risco.

    Depois, a discussão moral foi trazida para o centro do debate eleitoral. Corrupção pra cá, kit gay pra lá, mamadeira erótica acolá. Não houve confronto entre projetos. O segundo turno passou sem que sequer um debate acontecesse. Nenhum debate!

    A língua de Paulo Guedes coçou. Ele começou a falar. Foi silenciado. Bolsonaro foi eleito sem dizer como pretende governar o Brasil. Qualquer um minimamente atento sabe como Bolsonaro pretende governar o Brasil.

    Bolsonaro pretende seguir a trilha aberta por Temer.

    Temer é o refundador do Estado brasileiro. É este o lugar que ele ocupa na história do Brasil. Bolsonaro é figura secundária e tem a única função de manter o que foi feito, de evitar retrocessos. Pra isso, o PT precisa ser destruído. Lula deve morrer preso, mudo e longe de qualquer palanque.

    Bolsonaro vai se contentar com esse lugar secundário? Vai aceitar ser um mero coadjuvante? Ou ele vai se deixar levar pela histeria ideológica e moralista, tentando imprimir sua marca pessoal nessa “nova era”? Será Bolsonaro um presente de grego para o projeto privatista, como foram Jânio Quadros e Collor?

    A ver o que acontece. Só dá pra escrever história se for do passado.

     

  • Caxias sobe a rampa do Palácio do Planalto com Bolsonaro

    Caxias sobe a rampa do Palácio do Planalto com Bolsonaro

    Por Caetano Manenti, na página Jornalismo em Pé

    O Brasil terá um militar como presidente depois de 34 anos. Será um retorno retumbante: à sombra do capitão Bolsonaro e do general Mourão, ao subir a rampa do Palácio do Planalto, dia primeiro de janeiro de 2019, estará o Marechal Duque de Caxias, o Patrono do Exército brasileiro. É isso que o presidente eleito fez questão de ressaltar, com especial ênfase, na noite em que foi eleito, diante da única pergunta que respondeu ao único jornalista que pôde se aproximar do grande vitorioso da eleição de 2018.

    – Durante a campanha, houve momentos de divisão entre os eleitores. Que palavras você daria agora para pacificar o país?, perguntou Paulo Renato Soares.

    – Não sou Caxias, mas sigo o exemplo deste grande herói brasileiro, vamos pacificar o Brasil! — respondeu Bolsonaro.

    Naquele mesmo momento, do outro lado de um aparelho de televisão, diversas lideranças do movimento negro pelo Brasil afora sentiram um frio na espinha ao ouvir o nome de Caxias. Sabiam que Bolsonaro estava mandando um recado.

    Ao escolher o Marechal como seu referencial político, as histórias de Caxias — e as disputas de narrativas que se mantêm sobre sua figura — voltam a ser relevantes para o Brasil mesmo quase 140 anos além de sua morte. Qual Caxias e qual pacificação Bolsonaro evoca?

    Militares x movimento negro: uma noite de maio de 1988

    Luis Alves de Lima e Silva, o marechal Duque de Caxias, é um homem dos anos 1800, mas será um caso de 1988, já no fim do século XX, que servirá de introdução para esta história.

    Diversos grupos do movimento negro do Rio de Janeiro organizaram, para a semana em que se completariam 100 anos da abolição da escravidão no Brasil, uma imensa marcha na avenida Presidente Vargas, no centro do Rio. Em vez de celebração, uma manifestação para denunciar o que chamavam de Farsa da Abolição e criticar o racismo no Brasil. Aquela noite foi um marco na história do movimento negro carioca e brasileiro, que se expandia com a abertura política. A ideia era percorrer a avenida desde a igreja da Candelária até o busto de Zumbi dos Palmares.

     

    Movimento Negro faz Marcha contra a Farsa da Abolição em maio de 1988 — Arquivo: Januário Garica, foto retirada de www.projetomemoria.art.br

    Mas o Exército simplesmente não permitiu! Alguns apontaram aquela como a maior repressão desde o fim da ditadura. Milhares de militares impediram a marcha de passar ao lado do Panteão de Caxias, uma monumental construção que recebe os restos mortais do Marechal e avança sobre a avenida Presidente Vargas, bem em frente ao Palácio Duque de Caxias, onde hoje encontra-se o Comando Militar do Leste. A desculpa dos militares para tamanho autoritarismo era de que os manifestantes pretendiam atacar a homenagem ao militar, uma enorme estátua que galopa sobre a avenida.

    Não há qualquer prova de que havia esse plano. E as imagens e áudios do ato indicam que essa intenção de fato não existia. O desejo era marchar pacificamente até o busto de Zumbi. Mas por que esse medo, então? Segundo artigo do historiador Rodrigo Bueno de Abreu, a desconfiança se dava, entre outras coisas, porque figuras como Frei Davi (militante do movimento) defendiam uma revisão da história brasileira “no sentido de derrubar os “falsos heróis” e substituí-los pelos “verdadeiros””.

    Documentário mostra detalhas da Marcha contra a Farsa da Abolição

    Sobre uma cartilha elaborada por uma comissão de padres e religiosos negros, em 1987, editada pela editora Vozes, Frei Davi disse o seguinte:

    “Na cartilha, nós estávamos propondo derrubar todos os falsos heróis e colocar no lugar os verdadeiros heróis. E elencávamos como um dos principais falsos heróis da história do Brasil o Duque de Caxias. E propúnhamos, portanto, derrubar todas as estátuas do Caxias do Brasil e colocar no lugar Zumbi dos Palmares”.

    Estação Duque de Caxias do VLT X Movimento Negro: uma disputa de 2018

    30 anos depois da Marcha da Farsa da Abolição, o nome e a memória de Caxias seguem em disputa no centro do Rio neste fim de 2018. A linha 3 do Veículo Leve sobre Trilhos está sendo construída em direção à Central do Brasil. A obra passa por cima da história dos negros do Rio de Janeiro — mais especificamente, sobre o que foi o Cemitério dos Pretos-Novos de Santa Rita, local dedicado a enterrar escravos recém-chegados à cidade entre a década de 20 e 70 dos anos 1700. A situação preocupou alguns grupos do movimento negro da cidade. Uma comissão foi criada para cobrar da Prefeitura do Rio e do VLT, que já construiu os trilhos sobre o cemitério, ações para valorizar ali, no percurso, a história da cultura negra da cidade.

    Uma dessas ações sugeridas foi a de dar às estações do VLT nomes ligados à história negra da cidade. O VLT não aderiu à ideia e defendeu que as estações deveriam obedecer a nomenclatura do local onde estão. Assim, a estação em frente ao Panteão de Caxias se chamaria, pois, Estação Duque de Caxias!

    — Perguntamos o nome das Estações. Nos responderam: “Estação perto da Central Duque de Caxias, mais a frente Camerino, mais a frente Santa Rita”. Nós dissemos “não queremos esses nomes! Principalmente Duque de Caxias, racista, assassino, esse nunca!” — disse um dos líderes da comissão, em audiência para debater a questão.

     

    Linha 3 do VLT passa por cima do antigo cemitério dos Preto-Novos de Santa Rita. Movimentos negros não admitem a instalação da Estação Caxias

    Como descrever Caxias de uma maneira objetiva?

    Luis Alves de Lima e Silva nasceu em 1803, nas proximidades do Rio de Janeiro. Cresceu no centro do Rio, onde seu pai, também militar, morava. Por ali, ainda jovem militar, também serviu nos quartéis da região — um deles, virou o Palácio Duque de Caxias, onde está seu Panteão.

    Ele foi o único homem a receber o título de Duque durante o Império do Brasil. Caxias foi protagonista de diversos momentos marcantes da política brasileira dos anos 1800. Ele debelou rebeliões por diversas partes do Brasil no período Regencial (1831–1840) e foi homem fiel ao reinado de Pedro II (1840–1889).

    Esteve na Bahia (1823), no Maranhão (Balaiada,1838–1841), em Minas e São Paulo (Revoltas Liberais, 1842) e no Rio Grande do Sul (Farroupilha, 1835–1845). Além de um líder militar nos campos de batalha, Caxias atuava como negociador em muitas das discussões. Era firme contra quem enfrentava o projeto imperial, que tinha como objetivos principais a integração do território sob uma monarquia católica, o centralismo político e a conservação da base social e econômica escravocrata. Tudo justamente num período em que a escravidão era duramente enfrentada em quase todas partes do planeta.

     

    Pintura que retrata o Massacre dos Porongos, que dilacerou os Lanceiros Negros, guerreiros negros da Revolução Farroupilha

    Com a vitória do império sobre as revoltas provinciais, seja as populares, como no Maranhão, ou elitistas, como no Rio Grande do Sul, Dom Pedro II foi entronizado imperador do Brasil aos 14 anos, em 1840. Caxias viraria então um especial aliado do imperador, um líder do Partido Conservador. Foi presidente da província do Rio Grande do Sul, ministro da Guerra, presidente do Conselho de Ministros, participou de diversos gabinetes imperiais. Como deputado e senador, colaborou para a instalação de um hegemônico poder dos conservadores, projeto político conhecido como Saquarema, que lançou bases de diversas atividades do Brasil-Nação, como o ensino, as referências de pensamento e uma instituição de crescente ascendência, o Exército Nacional. Caxias era sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, primeira e mais importante instituição da historiografia brasileira.

    Caxias, já mais velho, é também protagonista das mais volumosas operações militares no estrangeiro. Ele, que já havia lutado na Guerra Cisplatina (1825–1828), região da Argentina e Uruguai, foi fundamental também na Guerra do Paraguai (1864–1870). O Brasil saiu vitorioso das guerras após marchar sobre Assunção, e Caxias ganhou em importância. Ele morreu extremamente rico em 1880, com muitas terras e, possivelmente, ainda com muitos escravos.

    O Império caiu em 1889, mas a figura de Caxias será eternizada durante a República de inúmeras maneiras. Ruas, avenidas, praças, prédios, cédulas de dinheiro, no ensino da história: Caxias se tornou aquilo que poucos brasileiros conseguiram, um herói nacional.

    Em 1949, no governo do militar Eurico Gaspar Dutra, os restos mortais de Caxias e de sua esposa deixaram o cemitério do Catumbi em direção ao Panteão de Caxias, instalado no lugar mais prestigiado na República, na recém-inaugurada avenida Presidente Vargas, ao lado da Central do Brasil, centro pulsante da Era Vargas.

    Em 1962, na antessala do golpe militar, o Exército consagrou Caxias como o Patrono do Exército. Durante os 21 anos de governos militares, a história desse “gigante do civismo brasileiro” — predicado que está no título da obra de Paulino Jacques (1980) — será valorizada pelos militares como conteúdo obrigatório da disciplina de Educação Moral e Cívica.

    Versões sobre Caxias I: a de Bolsonaro

    A introdução deste livro de Paulino, que rodou as escolas do Brasil, expõe contundentemente quem é Caxias para este projeto de memória, que agora Bolsonaro assina embaixo.

    “Não se forja uma nação sem muita vitalidade e espiritualidade. (…) Uma grande nação nasce do espírito de um povo que sabe querer e desejar com vigor. A construção de uma grande pátria é verdadeira obra de arte, que consiste em obter, pelos mais variados recursos, a união nacional, união forjadora das grandes nações. Neste sentido, a lição pacificadora de Duque de Caxias, que, reunindo todas as virtudes civis e militares, fortaleceu a unidade nacional, é o melhor caminho para realizarmos um Brasil grande e forte.

    (…) O insigne (ilustra) Marechal Duque de Caxias, durante mais de meio século, brandiu o gládio (espada) para convencer e harmonizar brasileiros inconformados, tanto quanto para submeter e amparar estrangeiros irredentos”.

    A narrativa de um homem duro, viril, um pacificador da espada, capaz de “convencer e harmonizar brasileiros inconformados” se espalha pelo país. Na biografia resumida oficial do Exército, Duque de Caxias é figura de destaque de pretensos acordos de paz, como no caso do “Poncho Verde” na Revolução Farroupilha. “Pois, com justa razão, proclamam Caxias não só Conselheiro da Paz, senão também o Pacificador do Brasil — epíteto perpetuado em venera nobilitante”.

    A ver pelas declarações de Bolsonaro, a versão que o presidente eleito corrobora é esta: Caxias é o militar dos militares que, através da espada, “convenceu” e “submeteu” “inconformados e irredentos” para “pacificar” o país.

    Versões sobre Caxias II: a versão dos irredentos

    Irredento surge no dicionário como aquele que não foi redimido, aquele que não conseguiu redimir. São muitos que não aceitaram as condições, as mortes, as prisões e a escravização durante os mais 60 anos de luta contra o império brasileiro e, portanto, contra Duque de Caxias. Contar mortos em guerra nunca foi algo fácil, mas nos anos de 1800 eram ainda mais difícil. De toda forma, a contabilidade de mortos nas missões de Caxias impressiona: centenas de milhares na Guerra do Paraguai, dezenas de milhares nas revoluções populares do norte do país e mais alguns milhares na Revolução Farroupilha.

    Entre revoltas populares e elitistas, a diferença do tratamento dos exércitos de Caxias impressiona. Enquanto era implacável contra escravos e outras classes inferiorizadas, mantinha diálogo muito mais cortês com as elites. Notícia do Jornal do Comércio de 1838 registra que Caxias trabalhou também na captura de escravos, atividade que era dividida entre privados e militares durante o segundo império.

    O jornalista e historiador Juremir Machado é um dos mais dedicados à revisão da história da Revolução Farroupilha e, portanto, da figura de Caxias. Ele garante que a Caxias não cabe a memória de um pacificador.

    “Caxias não foi um pacificador. Historicamente falando, ele não foi um pacificador. Ele teve um papel importante como homem conservador que era, ligado à alta esfera política do período regencial. Caxias teve um papel de sufocador as rebeliões nas províncias. Teve um triste papel, a bem da verdade, no Maranhão, onde asfixiou a Balaiada. Ali era uma revolta popular, absolutamente popular. Nesta situação o que se tem é um Caxias absolutamente a serviço — não da pacificação — mas do sufocamento. Claro, se pode entender isso como pacificação na medida que não sobrou muita gente para discordar.

    Na Farroupilha, ele teve um papel com alguma diferença. Ele veio para sufocar a Revolução, trabalhou muitas vezes com os mesmos métodos da Balaiada, e ele atingiu o seu objetivo. Mas no Rio Grande do Sul, uma revolução da elite, foi preciso fazer concessões ao final. Não houve um tratado de paz, como se diz muitas vezes, mas o Império aceitou algumas concessões de anistiar os principais líderes. Caxias pegou mais leve. Mas de pacificador ele não teve nada.

     

    Detalhe do quadro Batalha do Avaí, óleo de Pedro Américo sobre um dos últimos episódios

    Na Guerra do Paraguai, ele foi um ás da negociação, mas também um militar responsável por asfixiar movimentos de insurreição e de sedição. Assim, por ter vencido, colaborou para a unidade da nação, mas não no sentido de pacificação, a não ser pela pacificação pela eliminação. Foram milhares de mortos”, disse, em entrevista, Juremir.

    O historiador Rodrigo Perez Oliveira, da Universidade Federal da Bahia, é mais um que contesta a figura de Caxias como pacificador. Ele utiliza o trabalho da historiadora Adriana Barreto “Duque de Caxias — o homem por trás do monumento” para descrever a carreira de Caxias como de “muita violência”.

    “A pacificação é um tipo de memória que positiva essa figura. Mas há outras perspectivas. Havia um projeto de nação, cuja base produtiva era a escravidão, com vínculos com a Igreja Católica e coordenada a partir do Rio de Janeiro. Caxias era o braço militar deste projeto de nação Saquarema. Mas no período regencial, pelo Brasil, se viram muitas rebeliões provinciais com projetos de nação alternativos, muitos de teor separatista. Então o que foi a pacificação? Foi Duque de Caxias indo a campo e sufocando na violência essas revoltas. A pacificação foi um processo violentíssimo, de imposição de um projeto de nação, de uma monarquia católica e escravocrata, controlada pelo Rio de Janeiro, contra outros projetos alternativos que questionavam esse stablishment.

    Quando o Bolsonaro evoca Caxias, essa memória é seletiva, como toda memória é. Ele está mobilizando uma alegoria de um país dividido rachado, entre petistas e antipetistas, e ele está se propondo a ser um pacificador. Mas os desdobramentos dessa alegoria podem ser cruéis e muito perigosos. Porque Caxias “pacificou”, entre aspas, na violência, na intensa violência. E eu não acho que o Bolsonaro esteja longe disso” disse, também em entrevista, Rodrigo Perez.

    Juremir Machado, em “História Regional da Infâmia — O destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras”, destaca a violência de Caxias ao final da campanha no Maranhão.

    Ao final da balaiada, a insurreição negra que desbaratou no Maranhão, onde ganhou título de nobreza e nome de Caxias, Lima e Silva exprimiu-se claramente em relatório: “Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados, todos os chefes foram mortos, presos ou enviados para fora da província… Se calcularmos em mil os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o numero dos capturados e aprisionados durante o meu governo passante de quatro mil, e para mais de três mil os que reduzidos à fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação do decreto de anistia, temos pelo menos oito mil rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos que com as nossas tropas lutaram, e dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: toda esta província o sabe”.

    A pacificação que Bolsonaro é com ou sem banho de sangue incluído?

    O que aflige as populações irredentas, que não querem simplesmente se redimir às decisões do governo Bolsonaro é que, como Caxias, Bolsonaro promete ser implacável. Em pronunciamento uma semana antes das eleições, o então candidato subiu o tom e disse que iria “varrer do mapa esses bandidos vermelhos”. O recado era direcionado ao PT e aos maiores movimentos sociais do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e o Movimentos dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

    Longe de ser apenas uma disputa por perspectivas de história sobre um personagem da nossa história, o debate, em toda sua complexidade, expõe um país rachado entre aqueles que acreditam — ou dizem acreditar — que haverá uma “pacificação” do Brasil através da espada e aqueles que não irão tolerar que, em nome de uma “pacificação”, um banho de sangue negro, pobre e indígena ocorra no país.

    Nesta semana, no Panteão de Caxias, as opiniões dos apressados pedestres variavam, é claro. Enquanto a maioria admitia não saber quem foi Caxias, os eleitores do Bolsonaro mantinham confiança no presidente eleito:

    — Eu sou mais linha dura, sabe? Acho que tem que botar ordem, assim como fez Caxias, como fizeram no regime militar e como Bolsonaro vai fazer.

    Outros, oposição a Bolsonaro, desconfiavam. Trocavam as épocas, mas sabiam o que queriam dizer.

    — O Bolsonaro é bicho muito ruim. Elogia torturadores da ditadura. Caxias é mais um! Não aceita grupos rivais! Sou contra!

  • O 18 BRUMÁRIO DE JAIR BOLSONARO

    O 18 BRUMÁRIO DE JAIR BOLSONARO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Pelicano


    Demonstro nesse livro como a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que possibilitaram a um personagem medíocre e grotesco desempenhar um papel de herói.”

    Assim, com essas palavras, Karl Marx inicia o livro “O 18 Brumário de Luís Napoleão Bonaparte”, publicado em 1852. No texto, Marx se pergunta como um sujeito medíocre e grotesco conseguiu se tornar o líder máximo da sociedade que meio século antes havia experimentado a mais importante revolução social da história moderna.

    Aqui, neste ensaio, me inspiro em Marx para formular minha própria pergunta:

    Por que Jair Bolsonaro, até então um deputado medíocre, inexpressivo, foi eleito presidente da quarta maior democracia do mundo?

    Meu esforço aqui é o de entender o capital político que impulsionou o bolsonarismo. Esse capital político é substância composta e heterogênea. Neste texto, pretendo decompor essa substância, trazendo à luz cada um dos seus elementos.

    1°) O antipetismo

    Desde o final da década de 1980 que o antipetismo é fator decisivo nas eleições presidenciais brasileiras. Até aqui nenhuma novidade. Porém, dessa vez algo mudou. Ao velho macarthismo, que durante tanto tempo inviabilizou Lula, somou-se uma dupla interdição moral.

    A primeira camada de moralidade refere-se ao sentimento anticorrupção. Desde 2005, existe o esforço articulado pela grande mídia e por órgãos do aparato policial e judicial do Estado (Polícia Federal e Ministério Público) de colar no Partido dos Trabalhadores a pecha de partido mais corrupto do sistema político brasileiro. Essa frente antipetista sempre teve um modus operandi muito claro: a espetacularização seletiva dos escândalos de corrupção. É impossível compreender a ascensão de Bolsonaro sem a atuação dessa frente antipetista.

    A segunda camada de moralidade refere-se ao plano do comportamento.

    Nos últimos 30 anos, vimos no Brasil e no mundo o fortalecimento dos direitos civis das minorias (mulheres, pretos e pretas e LGBTs). Essa discussão já estava presente na cena brasileira desde a redemocratização, nos anos 1980, tendo sido contemplada parcialmente pela Constituição de 1988. Avançamos nessa agenda tanto nos governos de Fernando Henrique Cardoso como nos governos petistas. Poderíamos ter avançado mais, é claro.

    É uma obviedade dizer que o Brasil é um país conservador e que, por isso, a pauta dos direitos civis das minorias tem grande impacto ofensor na moralidade dominante. Essa moralidade dominante foi ainda mais radicalizada com a ascensão do cristianismo neopentencostal, do qual a Igreja Universal do Reino de Deus é a principal representante.

    Hoje, a formação política de parcela considerável da sociedade brasileira não acontece na universidade, tampouco na escola, muito menos nos sindicatos e associação de moradores. As igrejas evangélicas neopentencostais estão formando a consciência política de milhões de brasileiros e brasileiras, de todas as classes sociais.

    Sem dúvida, a aliança costurada entre a candidatura de Jair Bolsonaro e a Igreja Universal do Reino de Deus foi elemento decisivo para o desfecho da corrida eleitoral. No Brasil inteiro, as igrejas se transformaram em verdadeiros núcleos de campanha. A campanha de Bolsonaro conseguiu convencer as pessoas que os direitos civis das minorias representam um ataque à família brasileira e que o PT seria o principal promotor desse ataque.

    Resumindo: O velho antipetismo foi turbinado e caiu no colo de Jair Bolsonaro.

    Mas por que Bolsonaro e não outro antipetista qualquer?

    2°) A sensação da insegurança pública

    Nas grandes cidades brasileiras, as pessoas estão assustadas. Os índices de violência urbana são similares aos observados em países em situação de guerra.

    Como bem lembrou Marcelo Freixo, as esquerdas brasileiras sempre tiveram dificuldade em discutir o tema da segurança pública, pois costumam enfrentar o assunto com ideias abstratas como “direitos humanos”, ou com projetos que ofendem a tal moralidade da qual falei há pouco, como a “descriminalização do consumo de drogas”.

    Enquanto isso, Jair Bolsonaro evocou a velha máxima do “bandido bom é bandido morto”. Foi o bastante para que as pessoas, assustadas, fossem tomadas por certo sentimento hobbesiano, aceitando de boa vontade abrir mão de algumas liberdades em nome de um Estado autoritário e violento, capaz de trazer a sensação de segurança. O medo é afeto político muito poderoso.

    3°) A narrativa da ineficiência da democracia

    Foram muitos os desdobramentos dos eventos que aprendemos a chamar de “jornadas de junho de 2013”. Ainda não entendemos bem o que aconteceu naquele momento e o próprio significado de “2013” está sendo disputado.

    Mesmo diante de tantas incertezas e caminhando em terreno ainda pouco sólido, estou muito convencido de que junho de 2013 passou uma mensagem para a sociedade brasileira: a democracia representativa criada nos anos da redemocratização seria corrupta e ineficiente na gestão dos serviços públicos e na promoção do Bem-Estar Social.

    Os números mostram outra realidade. Desde a década de 1990, o Brasil vem caminhando relativamente bem no que se refere à qualidade e a eficiência dos serviços públicos.

    Não, leitor e leitora, não estou louco!

    Todos os dados apontam para a evolução no acesso à educação e à saúde, no combate à mortalidade infantil, no aumento da rede de atendimento na saúde básica.

    Mas como o que importa é a tal da “percepção”, os dados estatísticos são pouco relevantes. As “jornadas de 2013”, tão bem exploradas e cooptadas pela mídia hegemônica, pintaram para a sociedade brasileira um quadro de total colapso e ineficiência na gestão dos serviços públicos. Se o quadro não é totalmente falso, está longe de ser completamente verdadeiro.

    A mensagem foi transmitida com sucesso e continuou a alimentar a revolta social em 2015 e 2016. O saldo desse ativismo da sociedade civil pode ser resumido por um sentimento de “fora todos”, de “tudo está errado”, “tem que mudar tudo isso aí”. Temos aqui terreno fértil para o surgimento de lideranças que se apresentam como antissistemas, como “outsiders”. Jair Bolsonaro era um dos poucos políticos que conseguiam caminhar com tranquilidade entre a multidão, justamente porque foi capaz de se apresentar como um crítico ao sistema vigente (a democracia) e um defensor da ordem política superada (a ditatura), que passou a ser objeto de toda tipo de saudosismo.

    A percepção geral da ineficiência da democracia alimentou a utopia autoritária representada por Jair Bolsonaro.

    4°) A falta de compromisso do capitalismo com a civilização

    Uma das principais motivações para o golpe parlamentar que destituiu Dilma Rousseff em agosto de 2016 foi sua recusa em adotar a agenda de desmonte do Estado que na época foi chamada de “Ponte para o Futuro”.

    Não há nenhum voo interpretativo aqui. O próprio Michel Temer disse, em palavras cristalinas: “Dilma caiu porque não quis adotar a Ponte para o Futuro”. Essa é uma novidade do golpe brasileiro: os golpistas assumem que foi golpe, sem nenhum constrangimento.

    É antigo o projeto de desmonte do Estado brasileiro. Podemos encontrar sua origem lá na década de 1950, com o udenismo. Porém, esse projeto sempre teve dificuldades para se transformar em realidade. Nem mesmo a Ditadura militar o fez. Na década de 1990, os tucanos avançaram, mas nem tanto.

    Os governos petistas interromperam a marcha, que foi acelerada com Temer. Em dois anos, Michel Temer conseguiu o que três gerações de políticos e economistas liberais não foram capazes de fazer: tirar do controle do Estado o planejamento do desenvolvimento nacional, entregando-o ao mercado. A famosa “PEC dos Gastos” é o grande símbolo desse sucesso.

    As forças do mercado sabiam muito bem que as eleições de 2018 representavam um risco para continuidade desse projeto. O primeiro movimento foi garantir que Lula ficasse de fora da corrida presidencial. Depois, foi colocada em movimento uma campanha negativa, visando a destruição do Partido dos Trabalhadores. O objetivo era fortalecer o outro polo do sistema político, aquele que até então era o dono do antipetistmo: o PSDB.

    Jair Bolsonaro atravessou o processo e as forças do capital não hesitaram em abandonar o antigo aliado e firmar matrimônio com um novo amor. A popularidade de Bolsonaro se tornou a garantia da legitimação eleitoral da agenda econômica do golpe parlamentar. Não houve debate econômico, projetos de desenvolvimento nacional não foram discutidos. Jair Bolsonaro foi eleito, exclusivamente, na base do antipetismo repaginado e do sentimento hobbesiano alimentado por uma população assustada. Paulo Guedes foi silenciado durante toda a campanha.

    As forças do mercado comemoraram a eleição de Bolsonaro. O ideal mesmo seria Alckmin, mas Bolsonaro, com a chancela de Paulo Guedes, serve também. Machista, autoritário, violento, homofóbico? Sim, não importa. O capitalismo não tem o menor compromisso com a civilização.

    A eleição de Bolsonaro inquieta e assusta o mundo inteiro. Dentro e fora do país, aqueles que têm um mínimo compromisso com os valores que fundam a civilização se perguntam: como isso aconteceu? Como foi possível?

    Ainda vamos nos debater muito com essas perguntas. Historiadores, sociólogos e cientistas políticos vão propor inúmeras hipótese explicativas.

    Fato mesmo é que Bolsonaro não surgiu ontem. Ele está aí há muito tempo, no submundo da política brasileira. Ignoramos, não prestamos atenção, subestimamos, debochamos. Acreditamos que o Brasil não se rebaixaria tanto assim. No fundo, bem no fundo, nos iludimos, achando que o Brasil tinha melhorado. Melhorou não. É isso aí mesmo. Sempre foi.

     

  • O Império Bolsonaro no vale da miséria

    O Império Bolsonaro no vale da miséria

    O cunhado não gostou quando uma parte de sua fazenda, fruto de invasão de terras, virou quilombo. Capangas destruíram a nova plantação de bananas assim que o processo de reconhecimento da área foi finalizado, em setembro passado. Por sua vez, em 2015, uma das irmãs se apossou do lote urbano de mais de 800m2 que foi regularizado por um programa voltado a pequenos posseiros. Seis meses depois, ela vendeu o lote para o prefeito do município. Já o núcleo familiar da caçula dos cinco irmãos de Jair Bolsonaro alugou 3 imóveis, sem licitação e na faixa dos R$ 8 mil por mês, para prefeituras do Vale do Ribeira, uma das áreas mais pobres do Estado mais rico do Brasil.

    É nessa região que Jair Bolsonaro morou até os 18 anos de idade, quando saiu para o serviço militar. Filho de um dentista prático e de uma dona de casa, viveu na pacata cidade de Eldorado Paulista. O município hoje tem pouco mais de 15 mil habitantes, 40% deles ganhando menos de dois salários mínimos. Não por acaso, o município sofre com o segundo pior índice de mortalidade infantil do Estado.

    Mas Eldorado Paulista também é o quarto maior município em extensão territorial de São Paulo. No começo do século passado, foi apelidado de “Amazônia Paulista” e, em 1993, reconhecido pela Unesco como “Reserva da Biosfera do Patrimônio Mundial”. Cerca de 70% do território é coberto por Mata Atlântica protegida por reservas e parques, estações ecológicas e áreas de proteção ambiental naturais tombadas, além de 26 quilombos e cerca de 50 comunidades remanescentes de quilombos. Mas Bolsonaro diz que não quer saber de nada disso. É obcecado por minérios como nióbio (usado em siderurgia) e tório, um elemento químico radiativo.

    Natural de Campinas, foi em Eldorado que Bolsonaro se criou. E é aquela região que explica algumas das obsessões do ex-capitão, a começar pela idolatria à caserna. Bolsonaro adora dizer que sua “vocação” militar foi despertada no começo dos anos 1970, quando a região do Vale do Ribeira viu-se ocupada por 2.500 homens do Exército, auxiliados por um contingente não determinado de policiais cedidos pelo governo de São Paulo, que caçavam míseros 17 militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), sob o comando do guerrilheiro Carlos Lamarca, este sim, um mito. Pois não é que os soldados, depois de bloquear a BR-116, a Rodovia Régis Bittencourt, além de estradas vicinais, depois de prender 120 pessoas e varrer a Mata Atlântica com helicópteros, depois – por fim – de bombardear áreas civis suspeitas de abrigarem os guerrilheiros com bombas de napalm jogadas de cargueiro B-26 da FAB; depois disso tudo, Lamarca conseguiu furar o bloqueio do Exército e fugir.

    Nada menos do que 41 dias de fome e cerco depois, e Lamarca conseguiu escapar da maior mobilização da história do II Exército, atual Comado Militar do Leste. O baile que o guerrilheiro deu no Exército marcou indelevelmente o psiquismo do menino Jair Bolsonaro, que até hoje promete vingar-se da esquerda.

    A família do candidato à presidência – que chama ocupantes de terras e fazendas improdutivas de “terroristas” e pretende não “dar nenhum centímetro” de terra para reservas indígenas e quilombolas – está espalhada por todo o Vale do Ribeira. Lá, os Bolsonaros construíram um império. Em municípios como Barra do Turvo (o mais pobre do Estado), Jacupiranga, Pariquera-Açu, Miracatu e outros que compõem a área de baixíssimos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), o clã dos Bolsonaro contabiliza mais de 60 imóveis. Agregam-se ao sobrenome presidenciável os dos cunhados José Orestes Fonseca Campos e Theodoro da Silva Konesuk, considerados os mentores financeiros da família. Mas não só de casas, fazendas e terrenos vive a próspera família. Além das propriedades, eles são donos de empresas. Muitas.

    Um levantamento na Junta Comercial de São Paulo aponta, pelo menos, 19 foram registradas em oito municípios. Se forem contabilizadas as filiais das lojas “Campos Mais” (Magazine Campos Mais, Campos Móveis e Campos Materiais de Construção), e da “Art’s Móveis”, de móveis e produtos eletrônicos, em 13 cidades, são cerca de 30 empreendimentos, de acordo com uma reportagem da revista Época de setembro passado.

    A crise econômica parece que não abalou a família: 14 lojas foram abertas nos últimos oito anos. À boca miúda, diz-se que o shopping em construção em Eldorado também é do grupo, assim como um empreendimento em hotelaria no centro de Cajati, no litoral Sul.

    Um dos negócios mais peculiares da família em Eldorado é a casa lotérica “Trilha da Sorte”, registrada como “Casa Lotérica Bolsonaro ME Ltda”. O empreendimento está no nome do irmão do candidato, Angelo Guido Bonturi Bolsonaro, e desperta a curiosidade. Uma rápida busca no Google, afinal, explica como loterias fazem lavagem de dinheiro sujo: basta o criminoso pagar mais do que o prêmio em troca de um bilhete sorteado.

    Na cidade, também fica a loja de sapatos da mãe, dona Olinda Bonturi Bolsonaro, de 92 anos. Ela mora no mesmo prédio do comércio. Todo esse patrimônio, no entanto, não inclui aquele formado pelo próprio núcleo familiar do candidato à presidência e seus três filhos políticos.

    Uma série de reportagens publicada no começo do ano pelo jornal Folha de S. Paulo apontou que os quatro acumulariam mais de R$ 15 milhões em 13 imóveis. Entre eles, os de Brasília – apesar de o candidato à presidência e seu filho Eduardo, que é deputado federal, receberem R$ 6,1 mil por mês de auxílio-moradia pela Câmara dos Deputados, benefício a que teriam direito apenas os parlamentares sem casa em Brasília.

    A conta feita pra estimar o patrimônio, porém, não contabiliza bens como carros que vão de R$ 45 mil a R$ 105 mil, um jet-ski, além de aplicações financeiras, em um total de R$ 1,7 milhão, como consta na Justiça Eleitoral e em cartórios. As dúvidas sobre transações suspeitas de lavagem de dinheiro e de enriquecimento após começar a atuar na política não foram esclarecidas pelo Bolsonaro-pai nem pelos Bolsonaros-filhos.

    Toda a família e seus tentáculos, por sinal, estão proibidos por Jair Bolsonaro de dar entrevistas. Apesar disso, os Jornalistas Livres foram atrás dos personagens, empreendimentos e atividades do clã no Vale do Ribeira. A partir de documentos, relatos, dados fornecidos por cartórios de registros de imóveis, pela Junta Comercial de São Paulo e no Tribunal de Justiça de São Paulo, traçamos, ao menos em parte, pistas do império dos Bolsonaros.

    O cunhado fazendeiro que não gosta de quilombos

    Theodoro da Silva Konesuk é casado com Vânia Rubian Bolsonaro, a caçula dos irmãos do candidato à presidência pelo PSL. Há pouco mais de um mês, Konesuk perdeu uma área de 55 hectares de uma de suas fazendas para a Associação dos Remanescentes de Quilombos da Barra de São Pedro do bairro Galvão, em Iporanga. A propriedade, em áreas devolutas que pertencem à União e ao Município, foi ocupada por seu pai, que foi prefeito da cidade de Eldorado por dois mandatos, entre os anos 60 e 80. Os quilombolas aguardavam a regularização da terra desde 2013, quando a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e o governo paulista entraram como o processo de reintegração de posse. Theodoro Konesuk não se manifestou. Mas parece que não gostou da sentença.

    Dias depois de os quilombolas receberem o direito à terra, lideranças do quilombo contam que os capangas do cunhado de Jair Bolsonaro destruíram o cercado e as recém-plantadas mudas de bananeiras das 32 famílias da comunidade, segundo reportagem do site www.deolhonosruralistas.com.br.

    O relatório técnico do Itesp realizado em 2000, época de análise dos territórios do bairro Galvão, chamou atenção para os altos níveis de violência na região e até um assassinato ocorrido em conflitos de grilagem das terras. Ao defender a demarcação das terras quilombolas, o documento feito pela antropóloga Maria Celina Pereira de Carvalho afirma que “o sistema agrícola dessas comunidades permanece o mesmo que era praticado pelos antepassados há duzentos, trezentos anos, apoiado em um saber-fazer que exige profundos conhecimentos da natureza e seus ritmos”.

    Aponta ainda que há décadas os descendentes de homens e mulheres negros escravizados lutam contra a construção de uma barragem, ao longo do rio Ribeira de Iguape, que forneceria energia elétrica para uma empresa do grupo Votorantim, e também contra mais três barragens que seriam construídas pela Companhia Energética de São Paulo que, segundo dados do Instituto Socioambiental, inundariam cerca de 60% do território de inúmeras comunidades negras da região.

    Além da propriedade em Iporanga, constam em nome de Konesuk, nos serviços registrais de imóveis, ocorrências nas cidades de Apiaí, Cananéia, Eldorado, Iguape, Itanhaém, Jacupiranga, Miracatu, Peruíbe, Registro e Sorocaba. Em sua fazenda em Registro, há negócios de extração de areia e gado de corte em sociedade com o empresário Maurici Ribeiro Botelho Junior, dono de uma empresa de terraplenagem e de uma transportadora que tem em seu registro de atividades o comércio atacadista de ferramentas, cigarros, cigarrilhas e charutos, artigos de viagem, tecidos, lustres, couros, lãs e peles, jóias, relógios e bijuterias, inclusive pedras preciosas e semipreciosas lapidadas.

    A irmã Vânia e os aluguéis para prefeituras: sem licitação

    Ela é casada com o empresário que perdeu parte de suas terras para quilombolas, Theodoro da Silva Konesuk, e começou seus negócios na venda de artigos para pesca e camping, há 23 anos. Mudou de ramo em 2011 e hoje o casal tem 11 lojas Art’s Móveis. As seis no nome de Vânia Bolsonaro estão registradas como de pequeno porte e as do marido como Eireli, que separa o patrimônio empresarial do pessoal.

    ImovelAlugadoparaPrefeitura_Vania

    Os portais de transparência dos municípios da região apontam que Vânia e Theodoro Konesuk já alugaram imóveis para as prefeituras de Cajati, Iguape e Jacupiranga. Todos sem licitação. Entre eles, locação firmada em 2014 do imóvel que hospeda a Delegacia Civil em Cajati. Em Iguape, o nome de Vânia consta como locadora do imóvel destinado à administração do Paço Municipal. Em um ano de aluguel, a partir de março de 2015, a irmã do presidenciável embolsou R$ 90 mil. A locação foi estendida por mais um ano, a R$ 8.325 mensais, totalizando outros R$ 99.906 até março de 2017. Em Jacupiranga, desde 2010, o imóvel onde funciona a Câmara Municipal é do marido, Theodoro Konesuk. Atualmente, ele cobra R$ 8.000 mensais pelo espaço.

    Maria Denise: a empresária-posseira e fazendeira

     

    Na cidade de Barra do Turvo, a mais pobre do Vale do Ribeira, houve regularização de fundiária urbana realizada pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) em 2015. Maria Denise Bonturi Bolsonaro, irmã do candidato à presidência que já declarou a intenção de criminalizar movimentos sem-terra, foi beneficiada pelo programa “Minha Terra”. Ela recebeu a concessão de um lote de 869,28 m2 na cidade. A propriedade do terreno era do município.

    De acordo com o site do Itesp, o programa “Minha Terra” consiste em um projeto social do Governo do Estado de São Paulo “voltado a pequenos posseiros da cidade ou do campo que, devido à insegurança dominial sobre os imóveis que ocupam, convivem com conflitos pelo uso e posse da terra e com sérios obstáculos para o desenvolvimento social e econômico das comunidades.” Seis meses depois de receber o lote, entretanto, Maria Denise Bonturi Bolsonaro o vendeu para o atual prefeito da cidade, o médico Jefferson Luiz Martins, eleito pelo PSDB em 2014.

    Constam, nos registros da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo, 12 (doze!!!) menções a imóveis no CPF de Maria Denise nas cidades de Eldorado, Jacupiranga, Itanhaém e Miracatu. Vale citar só alguns:

    • Uma casa residencial de 762,50m² no perímetro urbano da cidade de Jacupiranga

    • Uma área de terra urbana de 941,96m² no perímetro de Jacupiranga

    • Uma área de terra urbana com 190,48m², na cidade de Pariquera-Açu

    • Um lote de terreno urbano na cidade de Barra do Turvo

    Documento original

    Separada há 5 anos, ela foi casada por 30 anos com José Orestes Fonseca Campos, dono da rede de materiais de construção “Campos Mais”, que inclui 14 filiais da Magazine “Campos Mais” (saiba mais no perfil abaixo). Seus filhos também são empresários. Osvaldo está no mesmo ramo da família. Já a empresa de Orestes oferece peças de vestuário, calçados, suprimentos de informática e suporte técnico em tecnologia da informação. Os Bolsonaro Campos também são donos de duas fazendas, uma de gado e outra de banana.

     

    O ex-cunhado José Orestes e o impressionante crescimento em tempos de crise

    2015 foi um ano excelente para o ex-cunhado de Jair Bolsonaro José Orestes Fonseca Campos, que foi casado com Maria Denise Bolsonaro Campos, quando ele inaugurou mais três filiais da Magazine “Campos Mais”. O crescimento do negócio de materiais de construção de fato impressiona. Em cinco anos, entre 2005 e 2010, foram abertas oito lojas espalhadas por todo o Vale do Ribeira e litoral Sul. O último empreendimento, no ano passado, foi em Jacupiranga. Mas, para ampliar ainda mais os negócios, José Orestes montou outra empresa. Agora é dono da incorporadora, construtora e administradora de bens imobiliários “Campos Mais”. Além da gestão de imóveis, as atividades da empresa incluem construção de edifícios e hotéis. Na cidade onde mora, Cajati, está construindo um hotel e espaço de eventos.

    Diante de todas essas informações, fica evidente que os ataques do candidato Jair Bolsonaro às comunidades quilombolas e a movimentos, como o MST e o MTST, são hipócritas e criminosos. Os sem-terra e os sem-teto são humildes e pobres que ocupam propriedades improdutivas, enquanto os parentes de Jair Bolsonaro, riquíssimos, invadem terrenos públicos para transformá-los em objeto de especulação imobiliária e cobiça. Eles querem auxílio-moradia, mas só para eles!

  • Assassinato de Luiz Eduardo Merlino pela ditadura tem novo julgamento

    Assassinato de Luiz Eduardo Merlino pela ditadura tem novo julgamento

    O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, iria julgar na próxima terça-feira, 23 de outubro, o recurso da denúncia criminal do Ministério Público Federal contra três agentes públicos pela morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino, em julho de 1971.

    Segundo informações o julgamento foi adiado, sem data prevista ainda.

    Os denunciados são o delegado aposentado Aparecido Laertes Calandra e o delegado da Polícia Civil de São Paulo Dirceu Gravina, acusados de homicídio doloso qualificado (com intenção de matar), por motivo torpe e com emprego de tortura que impossibilitou a defesa da vítima. O médico Abeylard de Queiroz Orsini, à época, legista, é acusado pelo crime de falsidade ideológica, decorrente da falsificação do laudo necroscópico do jornalista. Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi, também havia sido denunciado, mas a punibilidade criminal contra ele foi extinta com sua morte, em 2015.

    Na última quarta-feira, 17 de outubro, sob alegação de prescrição, a Justiça de São Paulo extinguiu a ação na área cível movida pela família de Merlino contra Ustra. Em 2012, uma decisão de primeira instância havia condenado o coronel reformado ao pagamento de uma indenização às proponentes.

    Veja o depoimento de Aparecido Laertes Calandra na Comissão Nacional da Verdade .

    Apresentada em setembro de 2014, a denúncia do MPF contra os agentes foi rejeitada pelo juiz federal Fábio Rubem David Müzel, sob a alegação de que os acusados estariam cobertos pela Lei de Anistia. Em outubro do mesmo ano, o MPF recorreu da decisão. O caso será analisado nesta terça-feira por três desembargadores – o relator é José Lunnardeli.

    A tese da denúncia é que de acordo com normas internacionais às quais o Brasil está submetido, delitos como o assassinato de Merlino são considerados crimes contra a humanidade, impassíveis de anistia e imprescritíveis.

    O crime ocorreu nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), centro de tortura comandado por Ustra entre outubro de 1969 e dezembro de 1973.

    Merlino era jornalista. Trabalhou nas publicações Jornal da Tarde e Folha da Tarde. Era militante do Partido Operário Comunista (POC).

    • mais em:

    Tribunal de SP tortura e mata novamente o jornalista Luiz Eduardo Merlino

    Coronel Ustra pode ser condenado esta semana por tortura e assassinato