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Categoria: fascismo

  • Antifa: um olhar sobre o movimento antifascista enfrentando supremacistas brancos nas ruas

    Antifa: um olhar sobre o movimento antifascista enfrentando supremacistas brancos nas ruas

    O presidente Trump está enfrentando críticas generalizadas por seus últimos comentários sobre o protesto mortal de supremacistas brancos em Charlottesville, Virgínia. Falando na Trump Tower na terça-feira, Trump disse que a violência foi em parte causada pelo que ele chamou de “esquerda alternativa” (alt-left). O comentário do presidente Trump foi amplamente criticado. O ex-candidato presidencial republicano Mitt Romney escreveu no Twitter: “Não, não [são] o mesmo. Um lado é racista, intolerável, nazista. O outro se opõe ao racismo e à intolerância. Universos moralmente diferentes”. Focaremos em um dos grupos que enfrentaram os supremacistas brancos nas ruas: os antifascistas conhecidos como antifa. Nós falamos com Mark Bray, autor do novo livro, “Antifa: O Guia Antifascista”.

    AMY GOODMAN: Este é o relatório Paz e Guerra do Democracy Now!, democracynow.org. Sou Amy Goodman, com Juan González.

    JUAN GONZÁLEZ: O presidente Trump está enfrentando críticas generalizadas por seus últimos comentários sobre o protesto mortal de supremacistas brancos em Charlottesville, Virgínia. Falando na Trump Tower, terça-feira, Trump disse que a violência foi em parte causada pelo que ele chamou de “esquerda alternativa”.

    PRESIDENTE DONALD TRUMP: OK, e a esquerda alternativa que veio atacar, desculpe. E a esquerda alternativa? Eles vieram atacando a, como você diz, “direita alternativa”1? Eles têm algum sinal de culpa? E – deixe-me perguntar-lhe isso: e o fato de que eles vieram atacando – que eles vieram carregando bastões em suas mãos, balançando bastões? Eles têm algum problema? Eu acho que sim. Então, você sabe, no que me diz respeito, foi um dia horrível e horrível. Aguarde um minuto, não terminei. Não terminei, “notícias falsas”2. Foi um dia horrível.

    1 N. do T. Veja nota no final do texto sobre essa “direita alternativa”, “alt-right” em inglês.

    2 N. do T. Trump chama a imprensa de “notícias falsas”.

    REPÓRTER: Sr. Presidente, o senhor está colocando o que chama de esquerda alternativa no mesmo plano moral que os supremacistas brancos?

    PRESIDENTE DONALD TRUMP: Não estou colocando ninguém em plano moral. O que estou dizendo é o seguinte: você tinha um grupo de um lado, e você tinha um grupo do outro, e eles se apresentavam com porretes, e isso foi detestável, e foi horrível, e foi uma coisa horrível de se ver. Mas há outro lado. Havia um grupo desse lado – você pode chamá-los de esquerda, você acabou de chamá-los de esquerda – que veio atacando violentamente o outro grupo. Então, você pode dizer o que quiser, mas é assim que é.

    AMY GOODMAN: Os comentários do presidente Trump foram amplamente criticados. O ex-candidato presidencial republicano Mitt Romney publicou no Twitter: “Não, não é o mesmo. Um lado é racista, intolerante, nazista. O outro se opõe ao racismo e à intolerância. Universos moralmente diferentes,” fecha aspas. No início desta semana, Cornel West3 esteve no Democracy Now!. Ele pintou um quadro muito diferente de Charlottesville do que o presidente Trump, dizendo que anarquistas e antifascistas salvaram sua vida.

    3 [N. do T. professor de filosofia na Universidade de Harvard]

    CORNEL WEST: Com certeza. Você tinha vários estudantes corajosos, de todas as cores, na Universidade da Virgínia que protestavam contra os próprios neofascistas. Os neofascistas tinham sua própria munição. E é muito importante ter esse fato em mente, porque a polícia, em sua maior parte, recuou. No dia seguinte, por exemplo, estávamos em 20 pessoas de pé, muitos clérigos, teríamos sido esmagados como baratas se não fossem os anarquistas e os antifascistas que se aproximavam, mais de 300, 350 antifascistas. Nós tínhamos somente 20 pessoas. E nós estamos cantando “This Little light of Mine” [“Esta minha pequena luz”], você sabe o que quero dizer? Então,

    AMY GOODMAN: “Antifa” significa antifascista.

    CORNEL WEST: Os antifascistas, e então, crucial, os anarquistas, porque eles salvaram nossas vidas, de verdade. Nós teríamos sido completamente esmagados, e nunca vou esquecer isso.

    AMY GOODMAN: Para focar mais no movimento antifascista, conhecido como antifa, estamos na companhia de Mark Bray, professor do Dartmouth College. Seu novo livro, “Antifa: O Guia Antifascista”.

    Primeiro, pronuncie para nós, Mark, e depois fale sobre antifa.

    MARK BRAY: Sim, bem, é pronunciado on’-tee-fah. A ênfase está na primeira sílaba, e é pronunciada mais como on do que an, então on’-tee-fah. É geralmente pronunciada errado. Mas antifa, é claro, é uma forma curta para os antifascistas.

    E, sabe, os comentários do presidente Trump que “esquerda alternativa” e “direita alternativa” são forças morais equivalentes são historicamente mal-informados e moralmente falidos.

    O movimento antifascista tem uma história global que remonta há cerca de um século.

    Você pode detectá-los na oposição italiana contra os Blackshirts de Mussolini, na oposição alemã contra os Brownshirts de Hitler, nos antifascistas de todo o mundo que viajaram para a Espanha para lutar na Guerra Civil Espanhola. Mais recentemente, as antifas modernos podem, em grande parte, ter suas raízes identificadas no movimento antifascista na Grã-Bretanha nos anos 70 e no período do pós-guerra em geral, que respondia a uma reação xenófoba contra a migração predominantemente vinda do Caribe e do Sul da Ásia, também para o movimento autônomo alemão dos anos 80, que, na verdade, após a queda do Muro de Berlim, teve que responder a uma onda neonazista sem precedentes – sem precedentes no período do pós-guerra, é claro.

    E então, nos Estados Unidos, podemos olhar a ação antirracista na década de 1980, de 1990 e início dos anos 2000, que adotou alguns desses métodos para confrontar neonazistas e fascistas onde quer que eles se reunissem, fechando sua organização e, como diziam, indo para onde eles vão. Hoje, em um artigo que escrevi para The Washington Post chamado “Quem são os antifa?”, explico isso e mostro como os antifa de hoje nos Estados Unidos estão realmente adotando a tradição onde esses grupos deixaram.

    E seu movimento realmente se acelerou com a infeliz ascensão da direita alternativa seguindo o Presidente Trump.

    A outra nota menor que eu quero fazer antes de continuar é que antifa é realmente apenas uma facção de um movimento maior contra a supremacia branca que remonta há séculos e inclui um grande número – há um grande número de grupos que lutam contra inimigos similares, às vezes usando os mesmos métodos, que não são necessariamente antifascistas. Então, é importante não assumir todo o movimento antirracista dentro desse tipo de categoria.

    JUAN GONZÁLEZ: E, Mark Bray, em seu livro – e eu quero citar algumas linhas dele – você diz: “A maioria das pessoas tem uma compreensão “do tudo ou nada” do fascismo que os impede de levar os fascistas a sério até que tomem o poder… Muito poucos realmente acreditam que há alguma possibilidade séria de um regime fascista se materializar na América”. E eu gostaria de saber sobre isso e sobre a importância de entender esse conceito seu, para aqueles que estão olhando o que está acontecendo hoje nos Estados Unidos.

    MARCO BRAY: Certo. Então, a forma como as pessoas entendem o fascismo, ou a forma como elas foram ensinadas, é geralmente exclusivamente em termos de regimes. Desse modo, pensa-se que enquanto tivermos um governo parlamentar, estamos a salvo. Mas, podemos olhar para trás, para os exemplos históricos da Itália e da Alemanha, e ver que, infelizmente, o governo parlamentar foi insuficiente para evitar a parada – para impedir o surgimento do fascismo e do nazismo e, na verdade, ofereceu um tapete vermelho para o seu avanço. Então, por essa razão, as pessoas pensam no fascismo em termos de tudo ou nada, regime ou nada.

    Mas, podemos ver em Charlottesville que qualquer tamanho de organização neonazista, qualquer tamanho de presença fascista, é potencialmente fatal. E, infelizmente, Heather Heyer pagou o preço por isso.

    Então, é por isso que os antifascistas argumentam que o fascismo deve ser cortado na raíz, que qualquer tipo de organização precisa ser confrontada e contestada.

    Mesmo quando, você sabe, as pessoas estão passando a maior parte do tempo no Twitter fazendo piadas, ainda assim é muito sério e precisam ser confrontadas.

    AMY GOODMAN: Você pode – você pode falar – quero dizer, muito interessante, durante os protestos da Carolina do Sul contra os supremacistas brancos, havia bandeiras de Republicanos na Espanha da luta contra Franco.

    MARK BRAY: Certo. Assim, um dos momentos mais emblemáticos da história antifascista é a Guerra Civil Espanhola e, do ponto de vista internacional, o papel das Brigadas Internacionais, valentes antifascistas que vieram de dezenas de países ao redor do mundo para enfrentar as forças de Franco. Franco tinha o apoio institucional da Alemanha nazista e da Itália de Mussolini, enquanto o lado republicano realmente só tinha apoio à União Soviética, que, como eu discuto no meu livro, tinha muitos aspectos problemáticos. Então, se olharmos para o papel das Brigadas Internacionais, podemos ver que os antifascistas veem sua luta como transnacional e trans-histórica. E assim, hoje, se você for a uma manifestação antifascista na Espanha, por exemplo, a bandeira das Brigadas Internacionais, a bandeira da República Espanhola é onipresente. E esses símbolos, mesmo as bandeiras duplas do antifascismo que as pessoas frequentemente verão em demonstrações, muitas vezes sendo uma vermelha e outra preta, foram originalmente desenvolvidas como um símbolo alemão, que, em sua primeira versão, remontam aos anos 1930.

    Então, é importante olhar para o movimento antifa não apenas como uma espécie de experimento de pensamento aleatório que alguns garotos malucos criaram para responder à extrema direita, mas sim uma tradição que remonta há um século.

    JUAN GONZÁLEZ: Você também fala, nos seus exemplos de outros países, não apenas o período dos anos 30 e 40, mas períodos mais recentes, na Inglaterra nos anos 80 e na Grécia, ainda mais recentemente, e a importância da ação direta dos antifascistas para cortar na raiz ou para fazer recuar a ascensão dos movimentos fascistas.

    MARK BRAY: Certo. Então, parte do que eu tento fazer com o meu livro, Antifa, é retratar algumas lições históricas do início da luta antifascista que podem ser aplicadas na luta hoje. Uma deles é que não é necessário haver muitos fascistas organizados para, às vezes, desenvolverem um movimento realmente poderoso. Podemos ver isso recentemente com a ascensão do Golden Dawn, o partido fascista na Grécia, que, antes da crise financeira, era realmente um pequeno micropartido e considerado piada pela maioria. Posteriormente, eles se tornaram um grande partido na política grega e uma ameaça importante, uma ameaça violenta e mortal para migrantes e esquerdistas e pessoas de todas as partes da sociedade grega. Isso também foi verdade no início do século 20, quando o núcleo fascista inicial de Mussolini era de cem pessoas. Quando Hitler participou, pela primeira vez, do seu primeiro encontro do Partido dos Trabalhadores Alemães, que mais tarde se transformou no Partido Nazista, eles tinham 54 membros. Então, precisamos entender que sempre há um potencial para que os pequenos movimentos se tornem grandes.

    E uma outra lição do início do século 20 é que as pessoas não levaram o fascismo e o nazismo a sério até que fosse tarde demais.

    Esse erro nunca será cometido novamente pelos antifas, que reconhecerão que qualquer manifestação dessas políticas é perigosa e precisa ser confrontada como se fosse o núcleo de algum tipo de movimento ou regime mortal do futuro.

    AMY GOODMAN: Eu queria que você comentasse, Mark Bray, sobre a presença de Stephen Bannon e Sebastian Gorka e Stephen Miller na Casa Branca e o que isso significa para antifa, para o movimento antifascista.

    MARK BRAY: Certo. Bem, o outro lado disso é que a questão não é apenas do número de pessoas que fazem parte dos grupos fascistas ou neonazistas. É também sobre o fato de que a política de extrema direita tem a capacidade de se infiltrar e influenciar e direcionar a política dominante. E podemos ver isso com o movimento de direita alternativa. O movimento não tem realmente muita gente em termos de números, mas eles tiveram uma influência desproporcional sobre a administração Trump e certos aspectos do discurso público. Então, a presença de Bannon e Gorka e Miller na Casa Branca realmente apenas dá uma espécie de dica sobre por que é que Trump ontem, basicamente, disse que há pessoas boas em ambos os lados desse conflito, naquela noite de sexta-feira, quando havia neonazistas empunhando tochas no estilo nazista e eles atacaram os estudantes da UVA [University of Virginia] que protestavam pacificamente, o que ele disse foi: “Oh, bem, você sabe, estas são boas pessoas”. Então, parte disso é a presença organizada de rua, mas, como vimos, ao confrontar a presença organizada de rua em Charlottesville, isso criou a questão de como essas pessoas são más, porque – você mostrou anteriormente, Mitt Romney condenando o fato de que poderia haver culpa atribuída a ambos os lados. Bem, antes de Charlottesville, essa era a narrativa de mídia dominante. A maioria dos principais meios de comunicação estava dizendo: “Oh, bem, nós temos, aspas, ‘‘violência’’ em ambos os lados. Acusação entregue. Quem vai dizer quem está certo ou errado?”

    Mas, ao confrontá-los, colocando a questão no centro das atenções, iluminando o que essas pessoas realmente pensam, deslocou-se o discurso público e retirou-se a capacidade de algumas dessas figuras da direita alternativa de tentar ocultar seu fascismo.

    JUAN GONZÁLEZ: E o que você diz, por exemplo, para aqueles que talvez se oponham aos pontos de vista dos nacionalistas brancos e supremacistas brancos, mas também tentam condenar qualquer tentativa de fechá-los – cessar suas ações ou não permitir que eles falem? Ou – e, obviamente, a União Americana das Liberdades Civis (American Civil Liberties Union – ACLU) lutou pelo direito de Charlottesville – dos nacionalistas brancos de terem sua reunião em Charlottesville.

    MARK BRAY: Certo. Bem, a questão de como combater o fascismo, penso eu, sempre precisa voltar às discussões das décadas de 1930 e 1940. Então, claramente, podemos ver que o discurso racional e o debate eram insuficientes. Claramente, podemos ver que os mecanismos do governo parlamentar eram insuficientes. Precisamos ser capazes de encontrar uma maneira de dizer: “Como podemos garantir que nunca mais?” Por qualquer meio necessário, isso nunca pode acontecer novamente. E as pessoas que testemunharam essas atrocidades se comprometeram com isso. Então, a questão é: OK, se você não acha que é apropriado enfrentar fisicamente e ficar na frente de neonazistas que estão tentando organizar outro genocídio agora, você muda de opinião depois que alguém morreu, como eles acabaram de fazer?

    Você achará adequado enfrentá-los depois da morte de uma dúzia de pessoas? Você só o fará uma vez que eles estejam às portas do poder? Em que ponto?

    Em que ponto você diz: “Basta” e desiste da noção liberal de que o que precisamos fazer, essencialmente, é criar algum tipo de regime que permita aos neonazistas e suas vítimas coexistirem, aspas, “pacificamente”, e reconhece que os neonazistas não querem isso e que também os antifascistas estão certos em não olhar para isso através dessa lente liberal, mas, ao contrário,

    ver o fascismo não como uma opinião que precisa ser respondida respeitosamente, mas como um inimigo da humanidade que precisa ser interrompido por qualquer meio necessário?

    AMY GOODMAN: Esta é a Parte 1 da nossa conversa, Mark Bray. Vamos fazer a Parte 2 e publicá-la online em democracynow.org. Mark Bray é o autor de um livro que vem nas próximas semanas chamado “Antifa: O Guia Antifascista”. Ele é conferencista no Dartmouth College.

    Notas

    1 Segundo o New York Times:

    A ‘direita alternativa’ (alt-right) é um movimento racista, de extrema direita com base em uma ideologia de nacionalismo branco e anti-semitismo. Muitas organizações de notícias preferem não usar o termo, preferindo termos como “nacionalismo branco” e “extrema direita”.

    O objetivo auto-professado do movimento é a criação de um estado branco e a destruição do “esquerdismo”, que chamam de “uma ideologia da morte.” Richard B. Spencer, um dos líderes do movimento, descreveu o movimento como “política de identidade para pessoas brancas. “

    É, além disso, anti-imigrante, anti-feminista e opositor à homossexualidade e aos direitos de homossexuais e transgêneros. É altamente descentralizado, mas têm uma ampla presença online, onde sua ideologia é transmitida através de memes racistas ou sexistas com uma borda satírica.

    Eles acreditam que o ensino superior é “apropriado apenas para uma elite cognitiva” e que a maioria dos cidadãos devem ser educados em escolas de negócios ou estágios.”

    2 Para ver a entrevista: https://www.democracynow.org/2017/8/16/antifa_a_look_at_the_antifascist

    3 A tradução foi de César Locatelli

  • O AFÃ DE MATAR EM 23 MINUTOS

    O AFÃ DE MATAR EM 23 MINUTOS

    A turma que, com base nos cálculos de investigadores proféticos aguarda ainda para 2017 a volta do Messias, não tinha mencionado que antes da aclamada aterrissagem, teríamos que contar com o retorno oficializado da Ku Klux Klan e o desabrochar de Bolsonaros e Trumps.

    Há menos de 5 meses para o término deste ano fascinante em que a humanidade nos deu infinitas provas de que não há mais racismo, já podemos mandar Jesus descer com sua nave em outro lugar, afinal…não. Não precisamos nos salvar.

    É hipoteticamente factível conviver com a extrema-direita e os soldados nazifascistas financiados por chefes de Estado movidos pelo afã de matar. Está tudo dentro da ordem, e o projeto pelo ‘embranquecimento’ da mãe Terra caminha. De vento em popa!

    Para tanto, respondemos sem qualquer comoção ao terrorismo doméstico praticado em nosso próprio país. Mas, alto lá! Que seja condenada qualquer prática que represente ameaças aos homens de baixa pigmentação.

    Vistam suas roupas, calcem seus sapatos e coloquem a água do chá para esquentar. Mas acalmem-se. Essa ação precisará levar 23 minutos para que um novo óbito de um jovem preto seja contabilizado antes que o mesmo assista ao retorno daquele que morreu para nos salvar.

    Apenas 23 minutos. O relatório final da CPI do Senado que investigou o Assassinato de Jovens divulgado em junho de 2016, dá conta de que 23.100 pretos ainda na ‘flor da idade’ (entre 15 a 29 anos) são mortos por ano. 63 por dia.

    Enquanto isso a imprensa branca golpista lamenta, há quase uma semana, a morte dos cerca de 100 policiais de janeiro para cá na maravilhosa cidade abençoada pela estátua do Cristo. Mas, NÃO! Não retirem o santo concreto esculpido do alto do morro do Corcovado. A menos que a intenção seja despertar a ira da classe política fascista, que, fiel aos ideais da instituição família, trabalha para uma “Globo” por um globo mais ‘claro’ e ‘justo’… Onde o sexo entre pessoas do mesmo gênero é infame heresia.

    E o projeto com vistas a deixar o mundo cada vez mais pálido é sucesso! Entre 2003 e 2013 a violência contra mulheres brancas recuou 9,8% enquanto as agressões contra mulheres pretas aumentaram 54,5%.

    É essa a terra tupiniquim não racista. Brasil onde só há mais pretos nas cadeias porque as leis desenhadas pelo homem branco o protegem do genocídio fomentado por ele mesmo.

    Portanto, preparem suas pistolas. Vistam a máscara da coragem revelada por detrás da tela de seus tablets, smart phones e laptops. Com a ascensão da extrema direita de Bolsonaro, vai ser preciso agilidade para teclar as ofensas destinadas à população preta quando a vontade era mesmo a de apertar o gatilho.

    Não. Não há mais racismo. E isso porque… CINISMO, A GENTE VÊ POR AQUI.

    Por Nayara de Deus, dos Jornalistas Livres

  • O fascismo dos nossos tempos

    O fascismo dos nossos tempos

    No segundo turno da última eleição presidencial, na fila de espera para votação, num bairro ocupado pela alta burguesia da cidade de São Paulo, ouvi rapazes galhofeiros afirmarem que, se Dilma Rousseff fosse reeleita, grupos organizados através das redes sociais a arrancariam à força do poder! Um ano e meio depois, sem precisar fazer uso da agressão física, mas não sem deixar de exibir a prepotência que lhes é peculiar, esses grupos contribuíram para a deposição da presidenta.

    Poucos dias antes da votação, a revista “Veja”, publicada, excepcionalmente, numa sexta-feira, estampava na sua capa as imagens de Dilma e de Lula ao lado de uma manchete grafada em letras vermelhas: “Eles sabiam de tudo”. Tratava-se da acusação feita pelo doleiro Alberto Youssef para os promotores da Lava Jato. Colocava-se em prática a divulgação das delações premiadas para a grande imprensa, uma estratégia que o juiz Sérgio Moro, em seu artigo “Considerações sobre a operação Mani Pulite”, afirma ter sido fundamental nessa ação judiciária italiana de combate à corrupção.

    Não me parece necessário repassar todos os fatos da recente história da política brasileira, porém, está claro que vários grupos organizados através das redes sociais, alguns deles, coordenados por jornalistas que atuam na grande imprensa, ganharam força com a divulgação dessas delações, a maior parte delas, fruto de vazamentos pontuais. Entre as estratégias para aumentar a popularidade, esses grupos insistiram, e ainda insistem, em apresentar Lula e o PT como únicos responsáveis, não só pela corrupção e pela crise econômica, mas por todo mal que possa existir nesse país.

    Em resposta a essa campanha que uniu parte do judiciário, a grande imprensa, a burguesia e os partidos políticos conservadores, foram às ruas os movimentos sociais, as centrais sindicais, os artistas, os intelectuais e os estudantes, num primeiro momento, para lutar pela democracia; num segundo momento, para lutar pelos direitos trabalhistas ameaçados por aqueles que assumiram o governo federal após a deposição da presidenta.

    Uma radical polarização das convicções passou a acirrar os ânimos dos brasileiros de todas as classes e idades. As redes sociais, ferramenta de comunicação e de circulação de opiniões que não existia na Itália no período da operação, funcionou como um eficiente meio de divulgação e de promoção das prisões coercitivas e das delações da Lava Jato. Em muitos casos e de variadas maneiras, essa polarização provocou manifestações de intolerância e de ódio, seja pelas próprias redes sociais, seja nos encontros de grupos que sustentam posições contrárias.

    Coincidentemente ou não, alguns dos elementos utilizados na fermentação desse ódio social fizeram parte da estruturação do ódio fomentado pelo fascismo hitlerista. Antes de tudo, salta aos olhos a incorporação da estratégia de apresentar uma única causa para todos os males sociais. Num livro escrito antes da sua ascensão ao poder, Hitler argumenta que a capacidade de assimilação de ideias e a inteligência das grandes massas são muito limitadas, desse modo, toda propaganda deve focar num único ponto, até que cada indivíduo incorpore e acredite na mensagem que lhe é apresentada.

    Para o historiador Alcir Lenharo, a eficiência da propaganda nazista provém do fato de ela ter conseguido convencer a população de que os judeus eram os responsáveis pelo estado caótico do país. Essa propaganda forjou um espírito nacionalista que transpassou o horizonte das classes sociais. A Alemanha como um todo enfrentou uma grave crise econômica após a primeira guerra. No entanto, a situação dos trabalhadores cujos salários mal lhes permitiam alimentar suas famílias era muito diferente da situação dos grandes empresários que apoiaram Hitler desde o primeiro momento.

    Palavras de ordem, memes e posts

    Em cartazes colados nos muros e nas repartições públicas, estratégia chamada de “Die Parole der Woche” (A palavra de ordem da semana), uma propaganda semelhante aos atuais “posts” veiculados nas redes sociais (uma imagem, uma frase, um inimigo), os nazistas tentavam fixar mensagens de ódio nas mentes de todos. Essas mensagens deveriam reforçar o maniqueísmo que Hitler imagina marcar a forma comum do povo pensar e se posicionar. Era importante que, ao incorporarem essas palavras de ordem, as pessoas tivessem a impressão de estar defendendo suas próprias opiniões.

    Pela interpretação de Gilbert Badia, germanista que viveu na Alemanha nos anos em que Hitler esteve no poder, a principal característica do fascismo, tanto o alemão quanto o japonês e o italiano, bem como de muitos regimes totalitários, foi sustentar medidas políticas e econômicas eminentemente conservadoras. Na experiência nazista, essas medidas implicaram no aumento da desigualdade econômica atrelada à maior exploração da força de trabalho.

    No final dos anos trinta, aos grandes empresários alemães, como Gustav Krupp, então presidente da Associação da Indústria Alemã, interessava não pagar a conta da crise econômica e deter o crescimento político do partido comunista. Com o término da segunda guerra, Gustav e seu filho Alfried foram condenados no processo de Nuremberg por imporem, em suas indústrias, o trabalho escravo a centenas de crianças encarceradas nos campos de concentração.

    Questionado no processo sobre seu apoio a um governo que praticou tantos horrores, Alfried Krupp respondeu: “Afirmo que ignorava a matança aos judeus; de todo modo, quando se compra um bom cavalo não se deve olhar os pequenos defeitos”.

    Quero crer que a humanidade não toleraria um novo Holocausto, no Brasil ou em qualquer outro lugar. Ainda assim, é preocupante o uso de estratégias propagandísticas que estimulam o ódio social. Não há nenhuma dúvida de que o combate à corrupção é absolutamente necessário! Talvez, a médio ou a longo prazo, esse processo consiga promover mudanças relevantes na administração pública. Todavia, superado esse momento de teatralização da política, é preciso que os trabalhadores retomem o discurso em defesa dos seus direitos e participem, realmente, da política.

     

    *Paulo Henrique Fernandes Silveira, 48 anos, é professor e pesquisador na Faculdade de Educação da USP. Coordena o Grupo de Estudos sobre Educação, Filosofia, Engajamento e Emancipação.