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Categoria: Economia

  • Lei Emergencial da Cultura: um país sem cultura é um país sem história

    Lei Emergencial da Cultura: um país sem cultura é um país sem história

    Valmir Assunção¹

    Marcos Rezende²

    O setor cultural foi o primeiro a suspender suas atividades em virtude da pandemia e será o último a retomá-las. Assim sendo, é preciso garantir a sobrevivência de trabalhadores e espaços que vivem da arte e da cultura. Para além do sentido simbólico que é preservar a cultura na figura de seus agentes, que envolve preservar nossa identidade cultural, nossos modos de ser, fazer e estar no mundo, é necessário agir para garantir o aspecto social e econômico do setor cultural.

    Dados apontam que 5 milhões de pessoas trabalham no setor cultural em nosso país. A cultura como um todo é responsável por cerca de 2,64% do PIB (produto interno bruto) brasileiro, economia que está sendo afetada com a crise mundial que vivemos, gerando perdas de receitas no setor cultural da ordem de R$ 46,5 bilhões, com uma redução de 24% em sua participação no PIB, o bolo da produção econômica nacional.

    O cenário da cultura é ainda mais urgente quando pensamos que as relaçõess trabalhistas são quase totalmente informais e temporárias, com estudos revelando que 44% dos trabalhadores da cultura se encontram na condição de autônomos. Nesse cenário é preciso garantir que as trabalhadoras e trabalhadores da cultura não morram de fome em um contexto de pandemia no qual aglomerações de pessoas têm de ser evitadas, pois o ofício do artista é o público.

    Nações como a França e o Reino Unido tomaram medidas para garantir a continuidade dos fomentos culturais através de ações que promovessem a chegada de recursos financeiros nas mãos dos agentes culturais. Sem o auxílio do Estado, perderemos um setor produtivo inteiro, deixando à míngua e à própria sorte milhares de famílias brasileiras. É dever do poder público garantir a segurança e a vida das pessoas do setor cultural, além de impulsionar a geração de empregos e renda através de subsídios para as instituições culturais. Profissionais da cultura não são menos profissionais.

    A Câmara dos Deputados vem debatendo a forma mais justa e real de salvar o campo da cultura no Brasil. E o Projeto de Lei n.1075/2020 traz soluções fundamentais para garantir isso. Esse PL propõe o valor de R$ 3,6 bilhões destinados a ações emergenciais, para todo o país, descentralizando recursos para Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de renda emergencial aos trabalhadores da cultura; subsídios para manutenção física de espaços artísticos e culturais, empresas, cooperativas, instituições e organizações culturais que tiveram as suas atividades interrompidas pelo isolamento social; assim como prevê a existência de editais, a aquisição de bens e serviços relacionados ao setor cultural, a produção e transmissão de bens culturais através das plataformas digitais e garante a prorrogação de prazos de editais já em andamento, propondo, nesse conjunto de ações, a manutenção das redes que compõem a economia da cultura.

    É importante destacar que o PL prevê que os recursos da Lei de Emergência Cultural virão do superávit do Fundo Nacional de Cultura, avaliado em R$ 2,9 bilhões. Uma parcela bem inferior, R$ 700 milhões, viriam de dotações orçamentárias da União, observados os termos da chamada PEC da Guerra. O PL 1075 também segue os critérios econômicos e sociais do público-alvo utilizados para a Lei do Auxílio Emergencial.

    Se existem recursos destinado a manutenção da Cultura, esse é o momento de usá-los.
    Dessa forma, faço um apelo aos meus colegas deputados, deputadas, senadores e senadoras, para que eles e elas não se anulem de apoiar um projeto de lei que vai salvar a cultura de nosso país: VOTEM A FAVOR DO PL 1075 DE 2020!

    Um país sem cultura é uma país sem história!

    E um país sem conhecimento é uma nação sem futuro!

     

    Valmir Assunção é deputado federal pela Bahia, coordenador da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados e militante do MST (Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadores Rurais Sem-Terra)

    Marcos Rezende é historiador, mestre em gestão e desenvolvimento social pela Faculdade de Administração da UFBA, fundador do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e Ogan de Ewá e OjuObá do Ilê Oxumarê Asè Araká Ogodô.

     

    [youtube https://www.youtube.com/watch?v=8kAfF3n3DnE]

  • “O presidente perdeu a condição de governar”, dizem ex-ministros

    “O presidente perdeu a condição de governar”, dizem ex-ministros

    O claro flerte com o fascismo, a exultação da ditadura e as honrarias a assassinos e torturadores, uma constante na vida política de Jair Bolsonaro, finalmente está levando a centro-direita a voltar, ainda que devagar, à luta pela preservação dos Direitos Humanos no Brasil. Enquanto o PSDB tinha interesse na queda, por quaisquer métodos e motivos que fossem, dos governos petistas, a escalada fascista, o negacionismo da ciência e mesmo os crimes da familícia foram sempre minimizados ou mesmo ignorados. Agora que uma pandemia global ceifa, oficialmente, mais de 16 mil vidas de brasileiros, cinco ex-ministros sociais-democratas e um ex-ministro de Lula, todos fundadores e representantes da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos, publicaram artigo na Folha de S. Paulo para dizer o óbvio: Bolsonaro não possui as mínimas condições de seguir governando e enquanto ele não for impedido não será possível criar saídas para o genocídio diário e com viés de crescimento até onde a vista alcança. Antes tarde do que mais tarde ainda.

    Veja abaixo a íntegra do documento:

    Hora de falar ao povo, detentor e destinatário dos rumos do país

    Assistimos em 2019 ao desmanche de instituições e estruturas de Estado, em nome de alinhamentos ideológicos e guerras culturais.

    A partir de fevereiro último, com a chegada da pandemia em nosso território, ao grande desmanche somaram-se ataques à ordem constitucional, à democracia, ao Estado de Direito. Não podem ser banalizados, muito menos naturalizados.

    Como alertaram os cientistas, a Covid-19 encontraria no Brasil campo fértil para o seu alastramento: um país-continente com enorme desigualdade social e concentração de renda, sistema de saúde fragilizado por cortes e tetos orçamentários, saneamento básico precário, milhões de brasileiros vivendo em bairros, comunidades e distritos sem infraestrutura, sucateamento da educação pública, desemprego na casa das 13 milhões de pessoas e uma economia estagnada.

    Acrescente-se a esse quadro as características próprias da atual pandemia — um vírus com alta velocidade de transmissão e sintomatologia grave, para o qual ainda não há remédio ou vacina eficazes.

    Talvez não imune ao vírus, mas com toda certeza imune ao sofrimento humano, o presidente da República, Jair Bolsonaro, tem manifestado notória falta de preocupação com os brasileiros, com o risco das aglomerações que estimula, com a volta prematura ao trabalho, com um sistema de saúde que colapsa aos olhos de todos e até com o número de óbitos pela Covid-19, que totalizam, hoje, muitos milhares de casos — sobre os quais, aliás, já se permitiu fazer ironias grosseiras e cruéis.

    Mas a sanha do presidente não para por aí.

    Enquanto o país vive um calvário, Jair Bolsonaro insufla crises entre os Poderes. Baixa atos administrativos para inibir investigações envolvendo a sua família.

    Participa de manifestações pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Manipula a opinião pública, e até as Forças Armadas, propagando a ideia de um apoio incondicional dos militares como blindagem para os seus desatinos.

    Enfim, o presidente deixa de governar para se dedicar à exibição diária de sua triste figura, em pantomimas familiares e ensaios golpistas.

    Preocupado com o amanhã e sob o peso do luto, o Brasil precisa contar com um governo que coordene esforços para a superação da crise, começando por ouvir a voz que vem das casas, das pessoas que sofrem, em todas as partes.

    Não há como aceitar um governante que ouve apenas radicais fanáticos, ressentidos e manipuladores, obcecado que está em exercer o poder de forma ilimitada, em regime miliciano-militar que viola as regras democráticas e até mesmo o sentido básico da decência.

    Só resta sublinhar o que já ficou evidente: Jair Bolsonaro perdeu todas as condições para o exercício legítimo da Presidência da República, por sua incapacidade, vocação autoritária e pela ameaça que representa à democracia. Ao semear a intranquilidade, a insegurança, a desinformação e, sobretudo, ao colocar em risco a vida dos brasileiros, seu afastamento do cargo se impõe.

    A Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos entende que as forças democráticas devem buscar, com urgência, caminhos para que isso se faça dentro do Estado de Direito e em obediência à Constituição.

    José Carlos Dias
    Presidente da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça (governo FHC)

    Claudia Costin
    Ex-ministra de Administração e Reforma (governo FHC)

    José Gregori
    Ex-ministro da Justiça (governo FHC)

    Luiz Carlos Bresser-Pereira
    Ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), ministro da Administração e Reforma do Estado e ministro da Ciência e
    Tecnologia (governos FHC)

    Paulo Sérgio Pinheiro
    Ex-ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (governo FHC)

    Paulo Vannuchi
    Ex-ministro de Direitos Humanos (governo Lula).

    Texto original em : https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/05/o-presidente-perdeu-a-condicao-de-governar.shtml

  • Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

    Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

    O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, publicou na edição de ontem do jornal O Estado de S. Paulo um artigo de opinião intitulado Limites e Responsabilidades. No texto, o vice-presidente, que diversos setores da sociedade tentam vender como o “adulto na sala” e a opção “moderada” contra o governo de destruição nacional de Jair Bolsonaro, demonstra claramente não entender NADA sobre limites e responsabilidades. Ele ultrapassa todos os limites do cargo ao ameaçar, novamente, a imprensa, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, os governadores dos estados que não estão alinhados incondicionalmente ao genocida que ocupa a presidência e até mesmo o direito de expressão individual de ex-presidentes da República. Portanto, Mourão não atenta à responsabilidade do cargo que possui atualmente e mata qualquer esperança de que numa eventual presidência pós-impeachment assumirá qualquer responsabilidade sobre os atos de Bolsonaro, a quem ajudou a eleger, sobre o apoio que segue dando ao genocida, ou mesmo sobre o papel fundamental de um governante que é unir a nação para resolver os problemas do povo.

    Ele ataca, mais uma vez, o jornalismo de modo geral ao dizer que “A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.” 

    Não, general, opiniões distintas NÃO devem ter o mesmo espaço quando se lida com vidas. Os jornalistas temos a responsabilidade de separar o que é fato, o que é opinião baseada em fatos e na ciência e o que é “achismo” ou declarações oportunistas de canalhas que querem se beneficiar do caos institucional sem se preocupar com as montanhas de cidadãos mortos. Se há intolerância na sociedade hoje, mais do que da imprensa a responsabilidade é de quem diz que os esquerdistas devem ser fuzilados e que torturadores assassinos são heróis, como fez o seu chefe e o senhor.

    As únicas frases corretas do texto estão no primeiro parágrafo: “Nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional, que agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos”. No entanto, Mourão exclui do rol de limites e responsabilidades TODAS as ações do governo federal e joga sobre outros ombros a culpa pelo caos que vivemos, com perto de mil mortes diárias pela Covid-19 em números oficiais. Aliás, assim como seu ainda chefe, o general não fez qualquer referência no artigo ao sofrimento de milhares de famílias que perderam seus entes queridos, no dia em que o país somou oficialmente mais de 14 mil mortes. O tópico não faz parte dos quatro elencados por Mourão, mas e daí, né? Contudo, também a exemplo do chefe, o militar aproveitou o cargo no governo para dar o filé mignon ao filho, que foi promovido duas vezes no Banco do Brasil para ganhar mais de 36 mil reais.

    O estrago institucional em que estamos é consequência direta do golpe parlamentar/judiciário/midiático que tirou ilegalmente a presidenta Dilma Roussef do cargo. Quando um juiz de primeira instância grava e divulga ilegalmente uma conversa da presidenta e não é exonerado, há um enorme estrago institucional. Quando um ministro do STF impede que a presidenta escolha livremente um ministro da Casa Civil para se articular politicamente e impedir o impeachment, o golpe na institucionalidade é ainda maior. Quando um deputado federal vota pelo impeachment homenageando no Congresso um assassino e torturador e não sai de lá preso, a institucionalidade está ferida de morte. Quando um ex-presidente é condenado sem provas por “atos indeterminados” impedindo sua candidatura, rasgando até decisões em contrário da ONU e o ex-juiz responsável por isso vira ministro da justiça do candidato que beneficiou ilegalmente, é o fim da institucionalidade. Tudo o que temos hoje é fachada, é verniz, é disputa do butim. E os Jornalistas Livres avisaram disso em 2016.

    Mas, como disse o vice escolhido por ter feito em 2017 defesa enfática da ditadura de 1964 a 1985 e de uma intervenção militar, ainda “Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades constituídas” . Neste momento é passada a hora das autoridades constituídas assumirem suas responsabilidades dentro de seus limites. O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, deve julgar urgentemente as eleições de 2018 e cassar a chapa eleita (Bolsonaro E Mourão) por caixa-dois e uso massivo de fake news como fartamente provado pela imprensa. O Supremo Tribunal Federal deve urgentemente votar a suspeição de Sergio Moro como juiz nos casos envolvendo Lula e anular a condenação do ex-presidente, como é consenso no mundo jurídico sério. O presidente do Congresso, Rodrigo Maia, deve escolher o quanto antes um dos mais de 30 pedidos de impeachment contra Bolsonaro e colocar em votação, já que não faltam crimes de responsabilidade provados. E mais, votar também a proposta de lei que exige novas eleições em 90 dias no caso de impeachment. Afinal, o país só poderá retornar à normalidade democrática quando de fato houver eleições limpas, com debates sobre projetos de governo e a presença de todos os principais candidatos dos partidos.

     

    Foto: www.mediaquatro.com
  • Podcast mostra como a pandemia atinge a miséria em qualquer canto e as riquezas diferentes

    Podcast mostra como a pandemia atinge a miséria em qualquer canto e as riquezas diferentes

    Podcast Vida em Quarentena
    Ep. 06 Quarentena no Brasil Desigual

    Desigualdade é uma palavra que define a realidade de um país periférico no capitalismo mundial. Agora, algo que se acentua ainda mais por conta da ausência de políticas de saúde no combate ao coronavírus nas periferias. No último episódio desta primeira temporada a gente quis saber como a quarentena tem afetado a vida de quem mora em regiões periféricas ou do interior das cinco regiões do país. Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Em uma parceria com estudantes, jornalistas e coletivos de comunicação, fomos atrás de histórias que mostram as diferentes realidades de um período que acentua ainda mais a desigualdade. Quais as vozes do Brasil na Vida em Quarentena?

    Spotify: https://open.spotify.com/episode/1wP3km4pllX0EVfDzwzisR?si=gHU8LgsUSDuduvi-wntZ4w

    Produção em parceria entre o Comunicast da UFMT com a repórter Ana Beatriz Felício da Agência Mural das Periferias; os estudantes Daniel Santos e Vick Melo Rádio Cordel da Universidade Federal de Pernambuco; o jornalista freelancer do Rio de Janeiro Marcos Furtado, a vice-cacique da Comunidade Iawá do povo Curuaia da Volta Grande do Xingu (Pará) Lorena Curuaia e os estudantes da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), no Paraná, Victor Prado e Mayara Maier.

    Ouça o podcast na sua plataforma preferida!

    Spotify: https://open.spotify.com/show/6yxyK5YK5fZIlsx4kjepwY?si=jQdL4WetQHik93csy2fLJQ

    Deezer: https://www.deezer.com/br/show/993622?utm_source=deezer&utm_content=show-993622&utm_term=2206201488_1585425023&utm_medium=web



    Google podcasts: https://podcasts.google.com/?feed=aHR0cHM6Ly9hbmNob3IuZm0vcy8xOTNmZDI0OC9wb2RjYXN0L3Jzcw

    Itunes: https://podcasts.apple.com/br/podcast/vida-em-quarentena/id1505490353

    Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCbqsmP6Ng3FLO2YpbT0zB6Q

    Mixcloud – https://www.mixcloud.com/comunicastufmt/

    Anchor: https://anchor.fm/vidaemquarentena

    Breaker: https://www.breaker.audio/vida-em-quarentena

    RadioPublic: https://radiopublic.com/vida-em-quarentena-Wo0B9x

    Overcast: https://overcast.fm/itunes1505490353/vida-em-quarentena

    Conheça também o trabalho voluntário da Gabriela Galiassi com surdos nesta quarentena

    A gente ama áudio mas entende que ele não é totalmente acessível. Se você escutou o último episódio do Vida Em Quarentena, sabe da história da Gabriela Galiassi (@gabigaliassi no Instagram). Em meio a pandemia, ela ajuda surdos e surdas a compreender alguma notícia confusa ou se comunicar com os médicos no hospital. Compartilhe o vídeo para que mais gente saiba dessa ação.

    E mais uma novidade:

     

    LIVE PODCAST VIDA EM QUARENTENA
    Canal do Comunicast do Youtube – https://www.youtube.com/channel/UCbqsmP6Ng3FLO2YpbT0zB6Q
    Segunda-feira, 11 de maio, 19h30 (horário de Brasília) – 18h30 (horário de Cuiabá)
    Inscrições para certificação: comunicast.ufmt@gmail.com

    Encontro com produtores do Vida em Quarentena e correspondentes de todo o país irá debater a situação da pandemia nas periferias do Brasil e comunidades do interior. Como produzir um podcast narrativo no período de pandemia? Fontes, entrevistas, edição, roteirização e desafios dos estudantes na primeira temporada do Vida em Quarentena!

     

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    Você também pode fazer sugestões, enviar críticas, elogios ou até as suas histórias pelo email comunicast.ufmt@gmail.com!

  • Mirna Wabi-Sabi: Precisamos reavaliar o que significa passar fome hoje em dia

    Mirna Wabi-Sabi: Precisamos reavaliar o que significa passar fome hoje em dia

    A decisão de demitir Mandetta por conta de medidas de distanciamento social é preocupante, mas não surpreendente. De acordo com o presidente, deixar a população trabalhar significa cuidar de seu bem-estar, algo que um Ministro da Saúde centrista não é bem equipado para supervisionar. O ex-bancário Rodrigo Maia, uma pessoa em teoria mais preparada para lidar com questões econômicas, fala de redistribuição de riqueza, enquanto Bolsonaro o ataca por não ter um coração verde e amarelo. Uma resposta mais “patriota” a essa pandemia seria acabar com o distanciamento e reduzir impostos para empresas que contratarem jovens (de 18 a 29 anos) e pessoas com mais de 55 anos. Em outras palavras, botar as pessoas para trabalhar.

    Comparar o Brasil com os Estados Unidos é inevitável. Bolsonaro disse que não temos o luxo de não voltar ao trabalho, porque não somos tão ricos quanto os EUA e não podemos deixar que nossa dívida aumente mais um bilhão de reais. Maia, por outro lado, disse que o que não podemos permitir é que os erros dos EUA se repitam aqui, e que os índices de morte cheguem a tal nível.

    Se há uma coisa que essa pandemia nos ensinou, é apreciar os dois aspectos mais essenciais da vida: comida e abrigo. Trabalho não é sinônimo disso, já que muitas pessoas trabalham e ainda não tem acesso a essas necessidades básicas. Os países ‘em desenvolvimento,’ que ‘ainda não chegaram a um ponto’ em que comida e abrigo sejam acessíveis a todos e todas, estão se preparando para quando a pandemia os atingir em cheio.

    Talvez seja o nosso ‘subdesenvolvimento’ que nos prepara para lidar com uma crise sem acesso a recursos adequados ou apoio do governo, encontrando maneiras criativas de sobreviver nas paisagens mais áridas. Talvez desenvolvemos a capacidade de fazer gambiarra inevitavelmente, como soluções improvisadas de distribuição de alimentos a pessoas em situação de rua, ampliamos nossa rede e redirecionamos nossos recursos.

    Mas há um aspecto da distribuição de alimentos que sempre foi inflexível e difícil de resolver — o que as pessoas querem comer?

    De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014, pelo Ministério da Saúde, a deficiência nutricional deve ser tratada ao lado de doenças causadas pelo excesso de sódio e gorduras animais. Em outras palavras, a desnutrição causada pela pobreza não pode ser mitigada com uma dieta desequilibrada que gira em torno de carnes e alimentos ultra-processados. Eles podem causar um novo conjunto de problemas, como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e até câncer. Portanto, toda a campanha que visa ‘alimentar o mundo’ precisa reavaliar o que significa passar fome hoje em dia, agora que comida se tornou acessível, mas mata.

    Um dos pratos mais emblemáticos do Brasil é a feijoada. Vem dos tempos coloniais, quando os colonos comiam as partes mais ‘valiosas’ do animal, enquanto pessoas escravizadas recebiam os restos, pés e orelhas. Era uma época em que os escravagistas não queriam que as pessoas consideradas ‘propriedade’ morressem.

    Hoje, a feijoada é para todas as pessoas, mas os pobres ainda estão recebendo as sobras dos ricos. O cachorro-quente, por exemplo, servido em molho de tomate salgado e processado é muito popular. São as sobras das indústrias de suínos, vacas e galinhas misturadas com conservantes, antibióticos e corantes, depois pasteurizadas, embaladas e distribuídas para as famílias de menor renda. Nesses agregados familiares, a ascensão social está geralmente e inconscientemente ainda ligada ao modelo colonial de distribuição de recursos, onde provar um pouco da ‘vida boa’ significa comer a ‘carne boa’. Isso significa que as ‘partes boas’ do animal geralmente são enviadas para o exterior, enquanto os restos são oferecidos a nós disfarçados de O Sonho Americano, uma imagem dos filmes de Hollywood, com um nome que nem podemos pronunciar adequadamente sem inventar vogais: ‘hotchi- dogui’.

    Houve outra mudança nos últimos séculos: pessoas über ricas não querem mais que pobres sobrevivam.

    Tornou-se aceitável permitir que pessoas pobres morram de diabetes, tuberculose, doenças cardíacas, overdose, covid-19 e assim por diante. Não há vídeos de partir o coração de pessoas violentamente magras que, com sua ajuda, serão poupadas da tortura da fome. Existem ‘pessoas pobres e gordas’ que estão doentes ou abusam de drogas devido a suas próprias ‘más escolhas’ e, silenciosamente, morrem aos milhões, sem causar o menor desconforto ao resto do mundo.

    Agora que as academias estão fechadas, qual é o sentido de tirar selfies para colocar no aplicativo se não podemos sair de casa? Quem somos nós quando não estamos constantemente no corre, tentando sobreviver? 2020 está transbordando de angústia existencial, compreensivelmente, já que muito mais pessoas do que o normal estão sentindo a fome e a perda de moradia (e morte) se aproximando delas.

    Podemos apostar nas iniciativas de apoio mútuo, organizar nossa comunidade, redistribuir recursos e alimentar pessoas em necessidade. Se elas pedem hotchi-doguis, é só responder com um emoji triste e cansado.

    Mudar ideias profundamente arraigadas sobre o papel que a desigualdade desempenha em nossas vidas é muito mais difícil do que acessar recursos básicos. Temos os meios para produzir muitos alimentos saudáveis e diversos de forma eficaz, o que não conseguimos fazer é controlar o crescimento da monocultura, que é ineficaz, direcionada ao processamento pesado e à ração. Os alimentos ultra-processados são feitos para serem baratos e durar uma quantidade desconcertante de tempo, e sabemos há anos como são nocivos. Por que tantas pessoas ainda preferem esses alimentos quando recebem uma alternativa pelo mesmo preço?

    A resposta instintiva é afirmar que os aditivos que melhoram o sabor e preservam os alimentos são viciantes, e há algumas evidências disso. Mas eu gostaria de focar no lado social das péssimas dietas, porque também há pesquisas para mostrar que “exclusão e marginalização social progressiva” é uma “característica comum do vício humano” (“Time to Connect: trazendo o contexto social para a neurociência do vício”, por Heilig, Epstein e Shaham). Se os aditivos colocados em alimentos baratos são viciantes, a marginalização torna uma pessoa pobre mais suscetível a esse vício do que a falta de acesso financeiro a alimentos mais saudáveis.

    Alimentos ultra-processados afetam nossa cultura, tornando os alimentos frescos desinteressantes, especialmente para os jovens. Na página 45 do Guia Alimentar, esse impacto é descrito como:

    “A promoção do desejo de consumir mais e mais para que as pessoas tenham a sensação de pertencer a uma cultura moderna e superior.”

    Essa é a consequência da ideologia do consumismo, um modo de vida dos Estados Unidos que se infiltra em nossa psique tanto quanto se infiltra em nossos corpos. Ingerimos novos aditivos da mesma maneira que regurgitamos novos sons. Os Big Macs, por exemplo, são tão problemáticos para comer quanto para pronunciar; essas consoantes abertas inevitavelmente se transformam em ‘Bigui Méki,’ à medida que o ritual da refeição se transforma em porções rápidas e individuais para serem consumidas ‘on the go.’ Não há mais necessidade de ter cozinha, a habilidade de cozinhar, acompanhantes ou tempo. Existe apenas uma solução rápida e individualista por um preço baixo.

    Tentar mostrar que os alimentos processados estrangeiros não são tão bons quanto os produtos locais é mais difícil do que apenas oferecer esses produtos locais aos pobres. Em escala nacional, nossa produção agrícola é em grande parte direcionada para a manutenção dos hábitos alimentares tradicionais do hemisfério norte (e incorporá-los como nossos), como se pudéssemos ‘comer’ dinheiro estrangeiro. O que não considera que nossa terra é propícia para a produção de alimentos muito mais interessantes do que o que os países europeus minúsculos e frios têm sido historicamente capazes de produzir, e estão atualmente interessados em comprar. Não precisamos viver de linguiça e pão branco como um açougueiro Alemão do século 18.

    Este é o Brasil, temos frutas que a maioria das pessoas do hemisfério norte nem sabe que existem. Temos pelo menos meia dúzia de tipos de bananas amplamente acessíveis, abacates do tamanho de bolas de futebol americano, e conhecimento tradicional e milenar sobre relacionamentos sustentáveis com a terra e com o corpo. Pelo menos neste país, alegar que alimentos ultra-processados são mais baratos do que produtos frescos locais não tem base na realidade — ainda. A única maneira disso se tornar realidade é com o marketing mais agressivo dessas empresas, o que aumentará a demanda por esses produtos, tornando outros produtos menos disponíveis.

    Uma das principais sugestões do Guia Alimentar é: não veja o marketing como fonte educacional. A “função da publicidade é essencialmente aumentar a venda de produtos, não informar ou, menos ainda, educar as pessoas” (página 120). As vendas de alimentos aparentemente acessíveis são vistas como um sinal de Desenvolvimento, como progresso para o país e para comunidades marginalizadas. Este ‘desenvolvimento’ não tem em mente o melhor interesse da população, tem em mente os lucros do mercado de ações.

    A cultura tóxica que somos forçados a engolir é o mais difícil de enfrentar nas iniciativas de apoio mútuo. Mais difícil do que arrecadar dinheiro, distribuir recursos, aprender uma nova habilidade, arregaçar as mangas e sujar as mãos. É aquela coisa escondida nos cantos escuros da psique, esse padrão de comportamento que anos de terapia podem nunca alcançar. Ele sussurra: “Eu não quero que as coisas mudem tanto assim” e dá espaço para a publicidade continuar a nos mudar e a destruir os nossos corpos.

    ____ NOTAS

    Este artigo em Inglês: abeautifulresistance.org/site/2020/4/6/thesystemicchangesneeded

    Guia Alimentar 2014: http://www4.planalto.gov.br/consea/publicacoes/alimentacao-adequada-e-saudavel/guia-alimentar-para-a-populacao-brasileira-2014

     

    Mirna Wabi-Sabi é

    Militante descolonial, anarquista, e feminista interseccional. Editora de Gods and Radicals (abeautifulresistance.org), teórica política e professora.

  • DANIEL HÖFLING: Onipresença e Onisciência Neoliberal

    DANIEL HÖFLING: Onipresença e Onisciência Neoliberal

    O comportamento aparentemente descabido do inacreditavelmente ainda presidente Jair Messias Bolsonaro impressiona sob vários aspectos. Não há líder no planeta que combine tantas aberrações. Qual presidente no mundo sairia às ruas com a possibilidade de estar infectado e daria a mão aos seus eleitores? Qual presidente demitiria um ministro da saúde em meio à pandemia? Qual presidente discursaria ao lado de uma faixa pedindo intervenção militar e fechamento dos poderes Legislativo e Judiciário? Qual presidente afirmaria que tudo não passa de uma gripezinha e que, dado seu histórico de atleta, passaria incólume num eventual contágio? Pode até ser que um transloucado fizesse uma ou duas das coisas acima; todas não. Uma possível explicação para tais bizarrices seria acometimento de loucura.  Um fascista que leva suas atitudes às últimas consequências, colocando sua vida e a de seus apoiadores em risco, seria outra justificativa “plausível”. Um narcisista com a crença absoluta de ter sido ungido por Deus para livrar o Brasil de todos os males e instaurar o paraíso na terra, outra boa explicação. Entretanto, o problema nos parece ainda maior.

    Sem dúvida, Bolsonaro é um pouco de tudo isso: louco, fascista, narcisista eleito por Deus. Mensurar o peso de cada uma dessas variáveis na formação de sua personalidade e no condicionamento de suas atitudes é impossível e desnecessário. O que importa no debate acerca do comportamento do presidente bem como da sua capacidade de manutenção no poder é (re) acrescentarmos dois fatores “adicionais”, em grande medida negligenciados desde o começo da pandemia: 1) a crença do presidente nas ilusões do livre mercado e 2) o apoio dos atores econômicos/sociais/políticos interessados na vitória inconteste do projeto neoliberal. Parece lugar comum insistir no poder ideológico do neoliberalismo e na força do credo de seus agentes. O assunto começa a ficar desgastado. Logo vem alguém e diz: “Tudo é culpa dos interesses econômicos? ” “Esse papo já deu o que tinha que dar, muda o disco! ”. Entretanto, me parece que é hora de escutarmos o disco novamente e com mais atenção…

    É importante explicitarmos que o liberalismo econômico, em termos quantitativos, é a ideologia que mais abarcou adeptos na história da humanidade. Nenhuma religião, isoladamente, contemplou tantos fiéis. Nunca um conjunto de valores desenrolou-se com maior assiduidade e profundidade no cotidiano das pessoas do que os preceitos liberais. Pelos quatro cantos do mundo bilhões de seres humanos vivem e morrem há séculos movidos pela concorrência, meritocracia e amor ao dinheiro.

    Não seria exagero afirmar que tais valores são os fatores que mais impactaram o consciente e o inconsciente da maioria dos terráqueos nos últimos 300 anos. A ideologia liberal está presente em nossas vidas com muito mais intensidade do que qualquer outro pensamento ou sentimento; é o substrato da quase totalidade das nossas ações bem como das nossas relações sociais. De tão intensa e presente, passa despercebida; naturalizou-se. Justamente por isso, jamais podemos menosprezar sua força e capacidade em condicionar os acontecimentos não somente econômicos como também sociais e políticos. Senão vejamos.

    Bolsonaro, bem como seus apoiadores, querem que a economia volte à “normalidade” (como se isso fosse possível). Voltar à normalidade, para eles, é colocar a economia em funcionamento. É deixar o setor privado trabalhar. É liberar as forças de mercado para gerarem emprego e renda; portanto, é prescindir do auxílio estatal. Na sua lógica o Setor Público não tem dinheiro para sustentar pessoas e negócios; precisa economizar recursos para pagar a dívida pública pois, extinguindo-a, o empresariado sentir-se-á confiante e ampliará seus investimentos, culminando em maior crescimento econômico, geração de renda e bem-estar. Nada mais liberal que isso! Entretanto, não é preciso desenhar para demonstrar tamanha falácia. Basta dizer que o principal fator de estímulo ao investimento privado é a perspectiva de demanda futura; nenhum empresário olha a relação dívida/PIB para investir. E, como qualquer aluno de primeiro ano de economia sabe, a demanda do amanhã deriva do investimento e do consumo público e privado de hoje. Logo, cortar gastos do setor público em tempos de crise é a receita certa ao aprofundamento da recessão.

    A tática do governo é clara. Concede recursos públicos insuficientes à manutenção mínima da renda e do emprego agregados. Os negócios começam a quebrar, o desemprego aumenta, a população sofre. O tecido social começa a se desestruturar. Aí Bolsonaro avisa: “Se não voltarmos à normalidade, o povo brasileiro irá sofrer; o povo precisa trabalhar”. A pressão dos seus apoiadores aumenta e, gradativamente, o isolamento vai abrandando. As pessoas voltam às ruas, o comércio reabre, a vida parece voltar ao normal… Só que esqueceram (ou não se importaram) que estamos entrando na pior fase da pandemia; todo o esforço pretérito será jogado no lixo. A tentativa de isolamento vertical num país cuja pobreza é horizontal será uma catástrofe. A pressão ao fim do isolamento aumenta na pior hora possível…

    Todos juntos pelo Deus Mercado

    Devemos nos perguntar de onde vem essa pressão. A resposta, infelizmente, é clara: de todos os setores e classes sociais. É bom repetir: a pressão pelo fim do isolamento cresce em todos os setores e classes sociais, simplesmente porque o liberalismo é onipresente e onisciente. Os argumentos para o fim do isolamento parecem variados mas possuem raízes comuns: a necessidade premente de sobrevivência dos mais pobres, a manutenção dos ganhos extrativos dos mais ricos, o desejo de ir à academia ou às compras não importando as consequências alheias, tudo é decorrência do domínio neoliberal. Os menos favorecidos precisam trabalhar porque, infelizmente, o governo atual os abandona; os ganhos superelevados dos mais abastados ocorrem porque não há mecanismos extra mercantis para regulá-los; a vontade de fazer o que quiser objetivando o gozo individual, sem pensar no próximo… nada mais liberal do que tais “necessidades”!

    Não precisamos nos aprofundar muito para concluir a dissonância entre retórica e prática do discurso liberal. Ao prometer liberdade, riqueza e felicidade, entrega submissão e controle, desigualdade e pobreza, angústia e insatisfação permanentes. O enorme poder da ideologia liberal no imaginário da sociedade brasileira reflete não só a manutenção de Bolsonaro na presidência como também parte considerável dos males econômicos, sociais e políticos que nos afligem há décadas. Entretanto, essa letargia pode ser interrompida! A atual crise econômica nos dá a oportunidade de repensarmos nossos valores e crenças intuindo a construção de um país justo, digno e ambientalmente sustentável. A onipresença e onisciência liberal nos tornou conformistas; precisamos nos indignar! Não aceitar as coisas como elas são, mas sim lutar pelo que deveriam ser! Precisamos debater, refletir e agir politicamente! Isso nos moverá em direção a um Brasil e a um mundo melhor! Nossas próximas sessões se dedicarão a contribuir com isso.

    Daniel de Mattos Höfling

    é doutor em Economia

    pela Unicamp

    (Universidade Estadual de Campinas)

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