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Categoria: Ditadura

  • Volkswagen recusa local de memória

    Volkswagen recusa local de memória

    A Volkswagen, empresa automotiva alemã, tenta escapar da criação de uma reparação coletiva e pública, um memorial para os seus operários, vítimas de perseguição, tortura e sequestro dentro da empresa, durante a ditadura civil-militar brasileira. As denúncias contra a empresa foram apresentadas em setembro de 2015, por iniciativa do Fórum de Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação. Além disso, existem outras acusações sobre a colaboração ativa, assim como denúncias de exploração de mão de obra escrava, leia mais no artigo abaixo.

    Por Murilo Leal e Gabriel Dayoub, especial para os Jornalistas Livres

    Há 5 anos, a Volkswagen enfrenta um Inquérito Civil Público que a investiga por graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura civil-militar brasileira. É o primeiro caso do tipo no Brasil, em que uma empresa é formalmente acusada por crimes em conjunto com o regime autoritário. Após anos de uma difícil negociação, a montadora segue criando novas dificuldades, impedindo a chegada num acordo e sabotando o pilar central da reparação por seus crimes: a constituição de um espaço de memória dos(as) trabalhadores(as).

    O Inquérito é uma operação conjunta do Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de São Paulo e Ministério Público do Trabalho. Foi motivado por denúncia apresentada em setembro de 2015, por iniciativa do Fórum de Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação. A pesquisa, que deu continuidade aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) e da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva (2012-2015), foi realizada pelo IIEP e teve o apoio unitário de todas as Centrais Sindicais brasileiras, juristas e personalidades da luta por direitos humanos.

    Um rastro de crimes da Volkswagen

    As investigações comprovaram que as violações cometidas pela empresa faziam parte de um método sistemático de intimidação dos trabalhadores nas fábricas, inibindo sua organização política e em movimentos reivindicatórios. Seu Departamento de Segurança Industrial foi chefiado por 30 anos pelo Coronel Adhemar Rudge, militar com relações estreitas com a repressão política. Prisões de funcionários pela polícia política com a participação direta da empresa foram registradas com dois depoimentos muito contundentes, de Lúcio Bellentani e Heinrich Plagge. No caso de Lúcio, as sessões de tortura se iniciaram no interior da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, com a participação do Departamento de Segurança Industrial. Os dois foram sequestrados em 1972, numa onda de capturas que atingiu mais de 10 militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que trabalhavam na fábrica.

    A montadora participou, ainda, como membro mais ativo e espécie de coordenadora, de organismos que reuniam grandes empresas e órgãos da repressão política para trocas de informações. Dentre eles, o mais bem documentado é o Centro Comunitário de Segurança do Vale do Paraíba, região industrial estratégica no interior de São Paulo. Nas diversas atas de reunião encontradas, fica comprovada a participação de grandes empresas, como Caterpillar, Ford, General Motors, Kodak, Rhodia, Villares, Embraer e Petrobras, do Exército, da Aeronáutica e das Polícias Militar, Civil e Federal.

    A Volkswagen enfrenta, ainda, fortes questionamentos em relação a seu famoso empreendimento na Amazônia, a Fazenda Vale do Rio Cristalino, iniciado em 1974. Construída com forte incentivo da ditadura brasileira, a Fazenda pretendia estabelecer um novo modelo de exploração pecuária. Foram desmatados 4.000 hectares, num crime ambiental de proporções gigantescas. A empresa valeu-se, ainda, da exploração de mão de obra escrava para sua fazenda “modelo”, como comprovado em 1983 por comissão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, encabeçada pelo Deputado Expedito Soares (PT-SP). A expedição foi realizada a partir de denúncia do Padre Ricardo Resende, da Comissão Pastoral da Terra, que acompanhou e testemunhou trabalhadores amarrados e jagunços armados na Fazenda [1].

    Caso ainda mais nebuloso é o de Franz Paul Stangl. Responsável por chefiar os campos de extermínio de Sobibór e Treblinka na Polônia ocupada pelo III Reich alemão, Stangl conseguiu escapar por uma das muitas rotas de fuga criadas para proteger os grandes criminosos de guerra do nazismo. Após passar pela Síria, chegou ao Brasil em 1951 com documento de refugiado emitido pela Cruz Vermelha. Em 1959, Stangl passou a trabalhar na Volkswagen do Brasil, sempre com seu nome verdadeiro. Embora tivesse um gigantesco aparato de segurança e repressão interno, em conexão direta com o Estado brasileiro, a montadora nega que soubesse do passado sombrio de seu funcionário. Stangl seria localizado graças à ação de Simon Wiesenthal, o “caçador de nazistas”. Foi preso em 1967 e teve sua extradição solicitada pela Áustria, Polônia e República Federal da Alemanha. Em entrevista ao jornalista Marcelo Godoy, José Paulo Bonchristiano, chefe da Divisão Política do Dops de São Paulo e responsável pela prisão do nazista a pedido da Interpol, mencionou o incômodo da empresa durante a captura [2]. A Volkswagen chegou a recomendar um advogado para a defesa de Stangl, que acabaria condenado pelo assassinato de 400 mil pessoas.

    Da participação na ditadura à saudação de Bolsonaro

    Ainda hoje, figuras importantes da história da Volkswagen não escondem seu apreço por regimes ditatoriais, como registrado no documentário Cúmplices [3], produzido em 2017. É o caso, por exemplo, de Jacy Mendonça, executivo que chefiou a área de Recursos Humanos da montadora, que qualificou a ditadura como “um período extraordinariamente positivo” para as empresas e para o Brasil, “porque havia ordem”. Ou Carl Hahn, presidente do Grupo Volkswagen entre 1982 e 1993, que afirmou que na época não se inquietou com o golpe militar de 1964 e que não se recordava que os dirigentes da Volkswagen tivessem “chorado pelo desaparecimento da democracia”. Sua lembrança coincide com a opinião expressa à época por Werner Shmidt, presidente da empresa no Brasil de 1971 a 1973, que declarou à imprensa alemã: “É claro que a polícia e os militares torturam prisioneiros. Dissidentes políticos (…) são assassinados. Mas uma análise objetiva deveria sempre ter em conta que as coisas simplesmente não avançam sem firmeza. E as coisas estão avançando” [4].

    Recentemente, a companhia fez um investimento de R$2,4 bilhões no Brasil, em excelente relação com o atual governo brasileiro. Após a eleição de Jair Bolsonaro – numa campanha marcada pelo saudosismo da ditadura militar, pelo elogio à tortura e pelo anticomunismo – diretores da Volkswagen registraram o apoio da empresa ao “recomeço do Brasil”, posaram para fotos com o governador do Rio de Janeiro, o então bolsonarista Wilson Witzel. O argentino Pablo de Si, presidente da Volkswagen na América Latina, saudou com entusiasmo a chegada da extrema-direita ao poder [5].

    A reparação necessária

    O Inquérito Civil Público que investiga a empresa foi instaurado em setembro de 2015, coincidindo com o escândalo do Dieselgate, que colocou a Volkswagen na mira da opinião pública mundial. Após uma fase de desprezo pelo procedimento, a pressão pública obrigou a companhia a iniciar uma negociação com as autoridades brasileiras. Para a tentativa de uma reparação pelos crimes cometidos, foram elencados pontos caros à Justiça de Transição.

    Entre os diversos pontos levantados, destacamos a constituição de um espaço de memória, dedicado à luta da classe trabalhadora contra a ditadura e à participação empresarial no golpe de 1964 e em violações de direitos humanos durante o regime. A tentativa de constituir esse local – que vem sendo sistematicamente sabotada pela empresa – faz parte de um compromisso firmado entre as Centrais Sindicais brasileiras e todos os que participaram do GT Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical (GT-13) da Comissão Nacional da Verdade, como registrado nas recomendações do grupo à CNV. Sela, ainda, a compreensão comum construída: o golpe de 1964 não foi uma quartelada, mas uma ação de classe que contou com a participação ativa do empresariado nacional e transnacional e suas organizações, rebaixando os padrões de vida da classe trabalhadora, destruindo suas organizações e maximizando lucros. Daí a centralidade do registro da classe trabalhadora como sujeito da resistência e como alvo da ditadura civil-militar.

    Como afirmaram Adriano Diogo*, Rosa Cardoso** e Sebastião Neto*** em manifesto distribuído em 13 de março de 2020, durante o seminário que marcou os 5 anos da Comissão Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva:

    ação padrão das empresas é agir para apagar a seus crimes. Por todo o mundo, corporações sempre mobilizam seu poder financeiro para apagar seus crimes e não serem mais perturbados. Não aceitaremos esse tipo de chantagem. Garantir um local de referência – que possa ser visitado e conhecido e, também, atuar na produção e difusão de conhecimento – é reafirmar que nossa memória não está a venda.


    Murilo Leal é professor do Departamento de História da Unifesp-Osasco e integrante do Projeto memória da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo.

    Gabriel Dayoub é pesquisador do IIEP e integrante do Projeto memória da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo.

    * Presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva (2012-2015)

    ** Integrante da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) e coordenadora do Grupo de Trabalho Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical (GT-13)

    *** Secretário-executivo do GT-13 da CNV (2013-2014) e coordenador do IIEP


    Referências:

    [1] https://www.brasildefato.com.br/2019/08/21/ditadura-e-volkswagen-promoveram-o-maior-incendio-da-historia-nos-anos-1970

    [2] https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-dops-sabia-da-presenca-de-mengele-no-brasil,1028459

    [3] https://www.youtube.com/watch?v=1iWmAmvNMNg

    [4] A declaração foi lembrada pelo historiador Antoine Acker no artigo “‘The Brand that Knows our Land’: Volkswagen’s “Brazilianization” in the “Economic Miracle”, 1968-1973”. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-mondes1-2014-1-page-197.htm?contenu=auteurs

    [5] Ver o importante artigo de Acker “A responsabilidade histórica da Volkswagen no Brasil de Bolsonaro”, disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-responsabilidade-historica-da-volkswagen-no-brasil-de-bolsonaro/

  • Agora com a ajuda do genro de Silvio Santos, brasileiros são levados ao matadouro

    Agora com a ajuda do genro de Silvio Santos, brasileiros são levados ao matadouro

    Por Ricardo Melo*

    O Brasil está no fundo do poço. Não pretendia gastar muito tempo com Bolsonaro, um facínora orgulhoso de sua condição.

    Mas não pode passar sem registro seu ato mais recente: criar um ministério para o genro de Silvio Santos, o tal Fabio Faria.

    Para quem não se lembra, Fabio Faria é aquele mesmo, deputado pilhado pagando passagens com verba parlamentar para namoradas como Adriane Galisteu e família.

    Membro do tal centrão, agora “colega de trabalho” do sogro decrépito e capacho de qualquer governo, Fabio Faria une o inútil ao desagradável aos olhos do povo: engrossa a gangue do capitão no Congresso e fortalece os laços com o dono de uma emissora já conhecida como Sistema Bolsonaro de Televisão. Sim, o SBT, que entrou para a história ao tirar do ar um telejornal de horário nobre para não se indispor com seu patrão do Planalto.

    A patiFaria corre solta.

    Falemos dos governadores e prefeitos que tentaram posar de equilibrados de olho em dividendos eleitorais.

    Não durou muito tempo. Um exemplo. João Dória, o Bolsodória, e seu assecla Bruno Covas vinham fazendo discursos ¨humanitários” até outro dia. Seu repertório esgotou-se tão rápido quanto sua sinceridade.

    São Paulo, assim como o Brasil, vive um momento de ascenso da pandemia. O número de vítimas cresce sem parar. Qualquer aspirante a médico sabe que é hora de reforçar as poucas medidas de defesa à disposição. A única à mão enquanto não se descobre uma vacina é manter as pessoas isoladas e dar a elas condições de sobreviver.

    O que faz Bolsodória? O contrário. Libera geral. Manda abrir tudo obedecendo ao comando de seus tubarões do Lide de sempre. As fotos estampadas nas redes mostram multidões circulando pelas ruas indefesas diante do apetite do coronavírus e dos senhores das bolsas de valores.

    No Rio, a mesma coisa. Assim como Bolsodória, Witzel segue na prática os mantras de quem o elegeu: “E daí”. Ou: “todos vão morrer mesmo. É o destino”. Enquanto isso, faz o que parecia inacreditável. Alimenta uma máquina de corrupção à custa do sofrimento de milhares de brasileiros. Contrata a construção de hospitais a preços hiper super faturados que nunca saíram do papel. Assim acontece em vários outros estados. “Governantes” valem-se da morte do povo para engordar seus cofres particulares.

    Tentei evitar, mas tenho que falar de Bolsonaro novamente. Depois de tentar esconder as mortes e roubar o Bolsa Família, ele e seu capanga preferido, Paulo Guedes, estudam ampliar o prazo da esmola aos desvalidos. Como? Em vez dos trocados de 600 reais que até hoje não chegaram a milhões que morrem de fome, fala-se em… 300 reais!! Faça vc mesmo os cálculos para ver o tamanho do disparate.

    O destino dos países, mais do que nunca, depende da juventude, do povo trabalhador e de governantes responsáveis (a esse respeito, pesquisem no google o nome Jacinda Ardern, da Nova Zelândia. uma sugestão: https://www.brasil247.com/oasis/jacinda-ardern-quando-a-coragem-restaura-a-politica).

    Chega. Não, não pague as dívidas, apenas as indispensáveis que podem te deixar sem luz, água, gás. Peça ajuda aos poucos advogados honestos, cada vez mais raros, é verdade. Procure a parte sadia da OAB. Recorra às organizações populares, aos sindicatos ainda dignos deste nome e, sobretudo, aos coletivos de jornalistas que se libertaram da mídia oficial. Ignore o palavrório dos políticos cínicos, hipócritas e ladrões, seja qual for o partido. E, se puder, fique em casa.

    O Brasil depende dos brasileiros dignos desse nome.

     

    *Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

     

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    Manifestações mostram que Bolsonaro desliza sem volta para o precipício

     

    PANDEMIA: 1% MAIS RICO DO PAÍS NÃO ESTÁ NEM AÍ PARA AS MORTES DOS POBRES

    RICARDO MELO: BRASIL À DERIVA, SALVE-SE QUEM PUDER!

  • Militares fazem o que sabem de melhor: esconder os mortos

    Militares fazem o que sabem de melhor: esconder os mortos

    Imagine uma epidemia que se alastra rapidamente e mata entre 10% e 20% dos infectados. Imagine que essa epidemia mata principalmente crianças e em especial as da periferia, com menor acesso ao saneamento básico e à saúde. Agora, imagine que por três anos os meios de comunicação sejam censurados nas reportagens sobre a epidemia, que os médicos sejam proibidos de dar entrevistas e que o Ministério da Saúde, controlado por militares, não divulgue os números corretos sobre a doença e as mortes. Isso já aconteceu no Brasil, e não faz tanto tempo assim.

    Entre 1971 e 1974, pelo menos 60 mil pessoas de sete estados brasileiros (40 mil só em São Paulo, o epicentro da epidemia) foram infectadas pela bactéria causadora da meningite. Até hoje é impossível precisar quantos morreram. Mas para impedir o que achavam ser uma histeria dos médicos, os militares decidiram esconder esses fatos, e os mortos, da população. Centenas, talvez milhares de crianças, aliás, foram enterradas na mesma vala comum clandestina do cemitério de Perus, na capital paulista, onde eram jogados os corpos de dissidentes políticos torturados e mortos pelo Doi Codi.

    Um ótimo vídeo curto sobre a epidemia de meningite e a maquiagem de dados da ditadura militar está disponível no canal Meteoro.doc. Ontem, o canal publicou um novo vídeo, tratando especificamente da atual maquiagem de dados e da disputa de narrativas entre o novo governo militar, que teoricamente ainda não é uma ditadura, e os meios de comunicação para se informar ou desinformar a população.

    O tratamento governamental da epidemia de meningite dos anos 1970 só vai mudar em 1974, com um novo general no poder e a aquisição pelo governo de 80 milhões de doses da vacina. Sim, já havia vacina para a meningite e o governo sabia que se tivesse feito uma campanha de vacinação anos antes, teria poupado milhares de vidas. Mas pra que admitir um genocídio se podia dizer que havia um “milagre econômico”? É como disse a ex-secretária da Cultura, Regina SemArte: é muito peso carregar essa fileira de mortos.

    Telegrama da Polícia Federal ordenando a censura nos dados sobre a epidemia de meningite. Fonte: Twitter do historiador Lucas Pedretti @lpedret. Como os telegramas não tinham pontuação, usavam a sigla VG para vírgula e PT para ponto final.

    Assim, em julho de 1974, com a admissão oficial de que havia uma epidemia, o jornalista Clovis Rossi, então trabalhando no jornal O Estado de São Paulo, preparou uma grande reportagem de capa, intitulada Epidemia de Silêncio, na qual dizia: “Desde que, há dois anos aproximadamente, começaram a aumentar em ritmo alarmante os casos de meningite em São Paulo, as autoridades cuidaram de ocultar fatos, negar informações, reduzir os números referentes à doença a proporções incompatíveis com a realidade — ou seja, levando, deliberadamente, a desinformação à população e abrindo caminho para que boatos ocupassem rapidamente o lugar que deveria ser preenchido per fatos. Fatos que as autoridades tinham a obrigação, por todos os títulos de esclarecer ampla e totalmente”. Leia a matéria completa aqui.

    Mas, claro, militares não gostam que digam quais são suas obrigações e publiquem que estão desinformando a população. Assim, a matéria de Rossi foi censurada e em seu lugar o Estadão publicou um trecho do poema Os Lusíadas, de Luís de Camões.

    Por causa da Lei da Anistia, de 1979, os militares jamais foram responsabilizados criminalmente pelas mortes na pandemia e nem pelas torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres de dissidentes políticos. Mas talvez a história não se repita com a pandemia de coronavírus. Ontem, o Supremo Tribunal Federal, atendendo a uma ação dos partidos Psol, PCdoB e Rede Sustentabilidade, determinou a divulgação diária das informações sobre os dados de Covid-19 até às 19h30, pelo Ministério da Saúde. E também ontem, o Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, decidiu analisar a denúncia do PDT de genocídio promovido pelo Governo Bolsonaro. Esse é um caso raro, já que normalmente o TPI só julga ex-governantes acusados de crimes contra a humanidade.

  • Manifestações mostram que Bolsonaro desliza sem volta para o precipício

    Manifestações mostram que Bolsonaro desliza sem volta para o precipício

    Por Ricardo Melo*

    Que me perdoe Dacio Malta, um dos mais destacados jornalistas do país e produto de uma linhagem que vem de Octavio Malta, co-fundador da Última Hora e um dos mais brilhantes profissionais da grande imprensa quando ela podia ser chamada deste nome.
    Mas o último artigo de Dacio aqui publicado, sobre o impeachment de Bolsonaro, ficou no meio do caminho.

    Ele tem toda razão ao afirmar que Bolsonaro merece o impeachment diante da atitude do genocida, expulso do exército como terrorista, frente à Covid-19. Mas oscila quando diz que seus outros crimes foram “absolvidos” porque foi eleito em 2018.

    Ora, Bolsonaro não foi eleito sob regras democráticas. Primeiro, beneficiou-se do impeachment irregular de uma presidenta legitimamente eleita. Depois, contou com o apoio sórdido de uma ação judicial conduzida contra Lula pelo seu futuro ministro, hoje “desafeto”, o infecto Sérgio Moro. Qualquer dúvida a respeito desaparece quando se consultam os diálogos trazidos a público pelo “The Intercept Brasil”. Lá se revela o caráter criminoso e parcial com que o Marreco de Curitiba manipulou o processo. Não bastasse isso, Bolsonaro beneficiou-se de uma máquina milionária de mentiras, orientada por assessores americanos e financiada por empresários brasileiros para espalhar fake news contra seus adversários.

    Não fosse tudo isso, Lula teria ganho as eleições com folga ainda no primeiro turno. Até a rampa do Planalto sabe disso.

    Bolsonaro é um presidente fraudulento, ilegítimo, com ou sem covid-19. Um usurpador. Sua trajetória neofascista, misógina, homicida, armamentista, desenvolvida durante 30 anos no Congresso, só se tornou “maioria nominal” graças a expedientes liberticidas e, sobretudo, porque contou com o apoio da elite apodrecida que prefere qualquer coisa, menos governos com algum viés social.

    Sim, estes traços tenebrosos ganham tintas mais carregadas quando ele age como homicida assumido diante de uma pandemia devastadora. Transformou o Ministério da Saúde dirigido por militares desqualificados em um esconderijo de cadáveres.

    Mas isso é apenas o ápice da trajetória de um desequilibrado a serviço do grande capital e seus asseclas na grande mídia, nas Forças Armadas, no Judiciário e no Legislativo. Bando de acólitos anti-Brasil. O conjunto da obra já é mais do que suficiente para expulsar Bolsonaro e sua gangue do poder que ele e sua turma de milicianos tomaram de assalto, pisoteando meios democráticos elementares.

    Paradoxalmente, esse alucinado só está de pé por causa do isolamento que ele tanto ironiza. Estivesse segura de sair às ruas sem colocar em risco a própria vida, a população já teria dado cabo deste excremento. Isto já começou a mudar como mostraram as manifestações de domingo.   

    Este será o curso inevitável dos próximos momentos.

     

    *Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

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    Pandemia: 1% mais rico do País não está nem aí para as mortes dos pobres

     

    RICARDO MELO: BRASIL À DERIVA, SALVE-SE QUEM PUDER!

  • Basta de Bolsonaro! O Brasil não pode ser governado por um genocida confesso

    Basta de Bolsonaro! O Brasil não pode ser governado por um genocida confesso

    Por Dacio Malta*

     

    Com pouco mais de 500 dias de governo, Jair Bolsonaro já reúne condições mais do que suficientes para que sofra um processo de impeachment.

    O capitão foi eleito com 57 milhões de votos, sendo que oito milhões foram de órfãos de Alckmin, Amoedo, Meirelles, Marina e Álvaro Dias —todos arrependidos ou envergonhados. Mas ele não tem 57 milhões de votos. Ele teve. Hoje recebe o apoio de menos de 30% da população, se tanto.

    Bolsonaro não pode ser condenado pelo seu passado. Este é conhecido. Sempre disse que nada mudaria no país através do voto. Para ele, o golpe de 64 errou ao não matar 30 mil. Sempre foi a favor da tortura, e seus pronunciamentos eram racistas, misóginos e homofóbicos.

    E 2018 o absolveu.

    Não se deve culpá-lo pelo alinhamento aos Estados Unidos, mas sim ao presidente Donald Trump. Ele repetiu várias vezes que o idolatra. Nem a sua fanfarronice em favor do governo de Netanyahu —embora ele nada saiba sobre o Holocausto  , e muito menos de qualquer coisa que diga respeito ao povo judeu. Israel para ele é vestir uma túnica branca e molhar a cabeça no rio Jordão.

    Não se pode execrá-lo por seguir os “ensinamentos” do astrólogo, ideólogo e chantagista Olavo de Carvalho —responsável pela indicação de alguns dos mais desqualificados integrantes do governo, como os ministros da Educação e o das Relações Exteriores, além de figuras menores, mas não menos perigosas, como é o caso do presidente da Fundação Palmares.

    Ser pai de três milicianos foi o destino que traçou. Laranjinha, Carluxo e Bananinha são retrato fiel de um pai tosco e machista. Os ensinamentos que receberam foram mentir, prevaricar, conspirar e alimentar conflitos.

    Bolsonaro não deveria ser punido pelo ódio ao Exército, que o expulsou por tentativa da prática terrorista e quebra de disciplina.
    Muitos dos comandantes militares são irmãos, filhos ou netos de militares. A adoração pela Arma faz com que muitos procurem traçar o mesmo caminho. Bolsonaro, ao contrário, não encaminhou nenhum dos filhos para a carreira militar, pelo simples fato de que ele a odeia. Preferiu colocá-los na política, onde a imunidade parlamentar é uma porta escancarada para a impunidade, o caixa 2, as rachadinhas, a lavagem de dinheiro, o enriquecimento ilícito e outras  ilicitudes. O Exército serviu apenas para que ele chegasse à Câmara e lá permanecesse por 28 anos.

    Muitos militares estão nesse governo, mas pouquíssimos exercem o poder. Engana-se quem pensa que alguns o tutelam. Ele não respeita ninguém e, sempre que possível, humilha-os. Em dezembro de 2018, às vésperas de sua posse na presidência, exigiu do então comandante Eduardo Villas Bôas uma medalha por ato de bravura  —que teria praticado 40 anos antes. E o Exército, covardemente, se curvou a um reles capitão que foi expelido de suas fileiras.

    Bolsonaro não pode ser crucificado por não entender de economia, não ter programa de governo e ter em seu ministério pelos menos três corruptos conhecidos – os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Ônyx Lorenzoni (Cidadania) e Marcelo Álvaro Antônio (Turismo).

    O capitão não deve ser culpado pelo convite ao ex-juiz Sérgio Moro para o papel de super ministro, apesar de humilhá-lo a ponto de o Marreco ser obrigado a pedir demissão. Hoje, os dois duelam. E ambos devem estar certos.

    Seu comportamento fascista contra a imprensa —desrespeitando o trabalho dos repórteres e insuflando anunciantes visando a falência dos jornais— também não é o suficiente para derrubá-lo.

    Nem mesmo todo o conjunto da obra levaria ao impeachment.

    O que condena Bolsonaro —e isso faz com que se torne urgente o seu afastamento do poder— é a escancarada sabotagem diante da maior e mais devastadora crise sanitária vivida pelo país, que prevê a morte de mais de 100 mil brasileiros até meados de agosto.

    Em 100 dias de pandemia, Bolsonaro não teve uma única palavra de consolo aos familiares das vítimas, não visitou um único hospital, demitiu dois ministros da Saúde, entregou a pasta a um capacho treinado para obedecer a ordens —por mais estúpidas que elas sejam, obrigando-o a assinar protocolos condenáveis, portarias assassinas, nomeação de despreparados, o desprezo constante à ciência e, mais recentemente, a camuflagem do número de contagiados e de mortos, falseando estatísticas e duvidando da veracidade dos atestados de óbitos. Humilhando, assim, médicos e familiares dos mortos, como se fosse possível desenterrar quase 40 mil cadáveres e realizar novas autópsias.

    É sabido que as subnotificações aumentariam em cerca de 20% a quantidade de óbitos pelo Covid-19, mas o general paraquedista que está comandando o Ministério da Saúde trabalha para reduzir esses números atendendo aos anseios do coveiro da nação.

    A exposição e o discurso diário contra o isolamento, a luta pela abertura do comércio, volta às aulas, o chamamento do povo para passear nas ruas, a sabotagem explícita diante da pandemia e o descaso à ciência  —são razões mais do que suficientes para que as instituições dêem um basta já.

     

    *Dacio Malta trabalhou nos três principais jornais do Rio – O Globo, Jornal do Brasil e O Dia – e na revista Veja.

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  • A quem interessa ser profeta do caos?

    A quem interessa ser profeta do caos?

    Por Jacqueline Muniz, Ana Paula Miranda e Rosiane Rodrigues
    Imagens de autoria dos Jornalistas Livres, capturadas em protestos, no último final de semana, em São Paulo e na França
    A advertência de não realização de manifestações políticas, fundada no medo e na promoção do pânico social, é um atentado à democracia, uma forma de extorsão de poderes, de dirigismo monopolista das pautas plurais e das reivindicações divergentes de sujeitos que são diversos em cor, classe, renda, gênero, orientação sexual, instrução, etc. A advertência sob a forma de ameaça produz paralisia decisória de lideranças, imobilismo social e lugares resignados de fala, que seguem aprisionados nas redes sociais, na política emoticon do “estamos juntos” até o próximo bloqueio, diante da comunhão de princípios com diferença de opiniões: “você deve ir ao shopping, mas não a passeata”.
    A fabricação de conjecturas apocalípticas e suposições catastróficas com roupagem analítica é um recurso de persuasão de via única, impositiva, que aponta para um sentido hierárquico e, até mesmo autoritário, de quem se acha portador de uma verdade ‘revelada’ sobre os atos políticos e de uma razão superior sobre os fatos da política. A fala profética é uma fala moralista, ilusionista, que, por meio do uso da fé e do afeto, inocula nas pessoas uma culpa antecipada por suas escolhas para desqualificar seus arbítrios e fazê-las rebanho dependente de um guia despachante do juízo final. Este projeto de poder necessita fazer crer que o pessimismo visionário e proselitista é mais real que a própria realidade vivida e que deve fazer parte do cálculo das ovelhas boas e más, dos aliados e opositores de ocasião. A fala profética serve aos senhores da paz, da guerra e do mercado, sem distinção. É um jogo ardiloso do ganha ou ganha em qualquer circunstância ou resultado obtido.
    A quem interessa ser o profeta do caos? Ao próprio profeta que, inventor do jogo do quanto pior melhor, sacrifica seus seguidores feito gado, gasta a tinta das representações com seu próprio manifesto e promove a tensão entre espadas para se manter como o grande  conselheiro conciliador.  
    Os profetas do caos são como uma fênix que ressurgem da crise que criam. Eles se apresentam como proprietários das representações políticas, à direita ou à esquerda, em cima e embaixo. Eles se oferecem como mediadores dos conflitos que provocaram, como tradutores intérpretes na Torre de Babel que criaram entre nós.  A ameaça (do caos, da morte e do cerceamento da liberdade) não serve como advertência. Os profetas do caos produzem o medo, moeda de troca fundamental para a construção de milícias, para vender os seus remédios (previsíveis, amargos e inócuos). Para eles, não importa se os doentes morrem ou vivem, o que importa é que, doentes ou não, consumam suas previsões do passado.
    É notório que as polícias no Brasil têm tradição em policiar eficazmente o entretenimento lucrativo dos blocos de carnaval, shows e aglomerações em campeonatos de futebol. Nesses casos, sua atuação se dá na manutenção do status quo dos públicos, constituída a partir das atividades de contenção e dispersão das multidões. Já para o controle de pessoas que ocupam o espaço público sob a forma de protestos de todos os matizes políticos, apesar de ser um fenômeno relativamente recente e não haver protocolos policiais escritos e validados, sabemos que esses eventos se tornam encenações, nas quais janelas são abertas para oportunistas de todas as ordens, para acertos de contas da polícia dos bens com a polícia do bem, incluindo os ‘caroneiros’ de manifestação que comparecem por motivos completamente alheios às pautas dos protestos.
    Nesses espetáculos públicos que encenam os jogos da política aprendemos coisas muito básicas, sejamos nós manifestantes ou espectadores: sempre haverá a presença de agentes infiltrados (que ajudam na contenção) e de provocadores, para providenciar a dispersão. A infiltração de agentes de inteligência por dentro dos movimentos sociais remonta uma antiga estratégia estadunidense da década de 1960. Ou seja, muito antes do surgimento dos Black Bloc. Nos últimos 60 anos, acumulou-se um aprendizado sobre o uso do espaço
    público relativo ao círculo do protesto (aglomeração, deslocamento,  ato de encerramento e dispersão) que permite que os movimentos saibam lidar com esses elementos internos. 
    Neste mesmo período aprendemos, também, que o que torna legítimo um protesto não é a quantidade de indivíduos reunidos em um território específico por um período de tempo determinado, mas os modos de ocupação do espaço público e a construção coletiva de uma agenda política que os mobilize e tenha impacto na sociedade. A produção de dossiês intimidatórios, com a participação de agentes públicos, também não é novidade. Os constrangimentos da exposição de dados acabam por jogar na lama do “tribunal digital” os adversários, fortalecendo a promoção de linchamentos virtuais, de direita ou de esquerda.
    O governo Bolsonaro não é o único que tem disseminado o medo para sabotar os mecanismos de cooperação e mobilização sociais, substituindo práticas de coesão por coerções e cruzadas moralistas vindas de cima, de baixo e ao redor. Discursos do medo contra ou a favor de Bolsonaro são péssimos conselheiros porque dão a #Elenão um tamanho e uma agilidade política irreal, retirando-o do isolamento político em que se encontra para nos fazer acreditar que, quando chegarmos às ruas, imediatamente um cabo e um soldado fecharão o Congresso, o STF e tirarão as emissoras e os portais de internet do ar. O medo transforma Bolsonaro num bicho papão, num monstro mítico incontrolável que atira hordas de zumbis (com cabelos tingidos de acaju) contra todos nós.
    O medo disseminado faz com que as pessoas vejam gigantes onde há sombras e abram mão de seus direitos e garantias em favor de um ‘libertário do agora’ que prometa proteção. Mas o profeta-liberador de hoje será o seu tirano de amanhã!
    O rigor científico não permite que nós, pesquisadores, determinemos como os movimentos sociais devem se comportar, nem que sejam pautados por oráculos que anunciam profecias que se autorrealizam. A contemporaneidade produziu os ativismos acadêmicos, mas eles não devem substituir jamais a liberdade dos sujeitos de decidir suas agendas, nem servir de chofer dos movimentos sociais em direção à “Terra sem Males”, um mundo idílico sem conflitos e, por sua vez, sem a política. A ciência pode contribuir com diagnósticos da realidade e oferecer alternativas que considerem, inclusive, que a negação dos conflitos monopoliza o debate e as representações, obscurecendo as negociações dos interesses em disputa. Quando a decisão científica está acima da pactuação social ela deixa de ser ciência e passa a ser doutrina, retira da sociedade a responsabilidade pelas escolhas que faz, para o bem e para o mal.
    Ao  olharmos a história vemos que os discursos de “lei e ordem” são utilizados sempre a serviço dos interesses do Estado e seus grupos de poder. Viver sob o jugo da espada não é novidade para as pessoas para quem o isolamento social é uma prisão histórica dos direitos de cidadania, e não um privilégio de classes. A juventude, principalmente a negra, conhece de perto a violência policial, e sabe que nem em casa está protegida.
    Sobre as autoras do texto: 
    JACQUELINE MUNIZ,antropóloga, professora da UFF.
    ANA PAULA MIRANDA, antropóloga, professora da UFF
    ROSIANE RODRIGUES, antropóloga, pesquisadora do INEAC/UFF.