Jornalistas Livres

Categoria: Direitos Humanos

  • Parlamentares versus parentes

    Parlamentares versus parentes

    Brasília, 16 de abril de 2015, terceiro dia de Mobilização Nacional Indígena no 11º Acampamento Terra Livre. É hora de mais de 500 indígenas se pintarem para a guerra, descerem até o poder legislativo da República e ocuparem o Congresso Nacional, organizados em fila indiana para passar pelo cordão de isolamento da Polícia Legislativa. E lá vou eu de novo, junto com esse povo que (não) sou eu, pisar naquele chão de elite branca que (não) é meu.

    Foto: Mídia NINJA

    Rompido o cordão de isolamento, a rampa do Congresso Nacional é do povo indígena — o que valeu apenas para aqueles que tivessem nome e sobrenome passados à Câmara pela organização da Mobilização Nacional Indígena.

    Foto: Mídia NINJA

    Como a provar que todo dia é dia de demagogia nas duas casas legislativas do Brasil, deputados e senadores são uníssonos em comemorar e homenagear o Dia Nacional do Índio, o 19 de abril, data solitária paliativa num oceano de 364 outros dias. A Câmara dos Deputados recebe com carinho e reverência o espetáculo multicolorido de “parentes” vindos de avião, ônibus e carro das cinco regiões do Brasil com S.

    Foto: Mídia NINJA

    A casa toda se levanta para cantar, em português, o Hino Nacional Brasileiro. Alguns indígenas cantam junto, outros mantêm silêncio (ir)reverente.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Assentados nos postos rotineiramente ocupados pelos deputados, @s índi@s batucam a internet dos parentes brancos e produzem a cena espetacular de ocuparem, uma vez na vida, os assentos mais poderosos do país que antigamente era só deles. A Rede Globo e demais emissoras (multi)nacionais ignoram solenemente o espetáculo extraordinário de cores e significados.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Enquanto isso, nos subterrâneos, os astutos senhores atualmente liderados pelo peemedebista Eduardo Cunha preparam o bote apelidado PEC 215. Sob a tarja de Proposta de Emenda à Constituição, a 215, esse é o eufemismo ruralista-especulativo para designar o estupro (mais um estupro) que pretende sequestrar do poder executivo para o legislativo (ou seja, para os homens — e algumas mulheres — de Cunha e do também peemedebistaRenan Calheiros) a tarefa de (não) demarcar e homologar terras para os habitantes originários do Brasil que foi ficando com Z.

    (“Parente” é o termo amoroso pelo qual os descendentes indígenas de nosso país se tratam e se reconhecem uns aos outros.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Superstar entre os parentes na sessão matinal na Câmara, a ex-senadora acreana Marina Silva, da (não-)Rede e do (não-)PSB, é estrela maior entre uma constelação de cocares, penas de pássaros e tons não-pálidos de peles humanas. A terceira colocada nas eleições presidenciais de 2014 diz que “não sabia que iria falar”, antes de observar que esta é sua primeira aparição pública desde a campanha e de sacar de um papel apontamentos para um discurso de forte identificação e empatia com os parentes presentes.

    O discurso é mais brando que o que Marina fez menos de 24 horas antes na plenária pública da tenda de circo do acampamento instalado no gramado da Esplanada dos Ministérios, no qual reafirmou lealdade às causas indígenas, criticou as incoerências político-eleitorais e a política de demarcações da presidenta Dilma Rousseff e afirmou ter se aliado “a uma das candidaturas” do segundo turno de 2014 por causa, entre outras, do compromisso da candidatura em questão em não apoiar a PEC 215.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Na Câmara, Marina demonstra que as demarcações diminuíram drasticamente nos governos petista, em comparação aos governos tucanos pré-2003, e troca a ordem dos fatores: não menciona a aliança que fez no segundo turno, mas nomina o tucano Aécio Neves em pessoa, dando conta de um suposto compromisso do senador mineiro com a não-aprovação da PEC anti-indígena pró-ruralista.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    A demagogia pró-indígena dos congressistas recende a antídoto para a feia cena de dezembro passado, quando a Câmara usou de violência para impedir a entrada dos parente numa sessão da “casa do povo” (leia aqui como a mídia tradicional inverteu a notícia, acusando índios de “invasores” e agressores). Sob os crucifixos católicos que adornam os plenários laicos de Câmara e Senado, agora tudo é paz, todos amam os índios, tudo é festa preparatória para a chegada do 19 de abril.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    O músico paraibano Chico César toma o microfone para saudar os “parentes” e entoar uma canção provocadora decalcada das epopeias folk do (não)parente do norte Bob Dylan.

    Pajelanças à parte, o tratamento “diferenciado” se conserva. No início da sessão, mais deputados que índios ocupam as tribunas (onde está a Rede Globo, que ainda não chegou para dar holofotes indigenistas aos representantes do povo?). Mais indígenas que congressistas são relegados às últimas falas.

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Irredutível diante do dominador, o cacique caiapó (e mato-grossense) Raonidiscursa em sua própria língua. ”O homem branco não quer ouvir o que temos a dizer”, lamenta ao microfone um cacique faminto do almoço que começa a tardar.

    Foto: Mídia NINJA

    (Na noite de quarta-feira, depois de ouvir Marina discursar, assisti a uma minúscula reportagem da Globo do Distrito Federal sobre a marcha indígena do dia. Não houve nenhuma ínfima menção à PEC 215, menos ainda ao que ela significa. O locutor afirmou que a passeata era a favor da reforma agrária — termo que não ouvi da boca de nenhum indígena nesses dias. A manifestação interrompeu o trânsito, sublinhou a Globo, que, definitivamente, não é — ou não quer ser — parente de ninguém que seja não-branco. Sim, nós somos racistas, sinhozinho.)

    Foto: Jardiel Carvalho / Foto Coletivo RUA

    Os parentes não se mostram convencidos pela encenação parlamentar. Balançam chocalhos (arcos e flechas foram proibidos de entrar), fazem algazarra contra o pretendido estupro à Constituição de 1988, forçam no grito manso os deputados a vestir a camiseta “não à PEC 215″ que trouxeram como presente de índio para branco. ”Veste! Veste! Veste!”, exigem com firmeza inclusive de uma inicialmente hesitante Marina Silva. A parenta que quase foi presidenta acaba por cobrir parte do vestido verde-amarelo-elegante com a camisa que diz ser sua para sempre.

    Foto: Mídia NINJA

    O festim demagógico se repete como farsa na parte da tarde, no auditório do Senado. A segunda casa legislativa se revela mais exclusiva, exclusivista, restrita e restritiva que a Câmara. Agora a polícia legislativa não quer permitir nem mesmo a entrada dos chocalhos. Na iminência de ser privados de mais uma parte importante de suas identidades, índias e índios ameaçam ir embora para o acampamento, e dali para casa. A comissão de Direitos Humanos do Senado consegue desenlaçar o impasse: os chocalhos entram no salão azul dos brancos homens (e algumas mulheres).

    Foto: Mídia NINJA

    Sob o crucifixo católico que (como na Câmara) adorna o topo da mesa diretora, o aparentemente parente João Capiberibe, do PSB do Amapá, preside uma sessão à qual pouquíssimos parentes-de-Senado estão presentes. Homens e mulheres pintados, seminus e calçados de havaianas tomam assento nas cadeiras paulistas em que cotidianamente se refestelam, lado a lado, os senadores José Serra, Aloysio Nunes (PSDB) e Marta Suplicy (PT ou ex-PT?).

    Foto: Mídia NINJA

    Parente paranaense, me vejo sentado na cadeira do conterrâneo Roberto Requião (PMDB), antes de notar que, no Senado, ele se senta lado a lado com os irmãos-adversários de aldeia Gleisi Hoffman (PT) e Álvaro Dias(PSDB). Não é só no aldeamento demarcado: também no parlamento os parentes rivais são forçados (forçados?) a dividir o mesmo lugar no espaço uns com os outros.

    São tristonhos os primeiros discursos de senadores na tribuna. “Veste! Veste! Veste!”, os agora cerca de 80 parentes no Senado constrangem os parlamentares a assumir a camisa-emblema que só na hora do voto eles revelarão no duro se é ou não é a sua. Capiberibe e um senador do PR de Tocantins se (des)ajeitam na camisa anti-PEC. Os chocalhos balançam, felizes, mas não necessariamente crédulos. O paraibano Cássio Cunha Lima, do PSDB, aparece sorridente para cumprimentar conterrâneos indígenas, mas não cobre peito com o “não à PEC 215″. Os chocalhos sabem a hora de emudecer.

    Foto: Mídia NINJA

    Um cacique põe o dedo na ferida de poderosos sejam executivos, legislativos, judiciários, laicos ou religiosos, em discurso que não será ouvido pelos ausentes Marta, Serra, Aloysio, Aécio, Renan, Requião, Gleisi, Álvaro: “Não adianta falar que defendem os índios, os LGBTs, os quilombolas ou as mulheres, se vocês não defendem de verdade”. Dos assentos onde poderiam estar os senadores, os chocalhos gritam, misturados a trinados que evocam os pássaros das florestas brasileiras com S.

    Foto: Mídia NINJA

    Capiberibe anuncia que vai se ausentar da presidência da sessão para acompanhar uma ainda mais exclusiva delegação indígena ao encontro do vice-presidente da República, Michel Temer, do PMDB. É o mais perto que os parentes chegarão da presidenta Dilma nesta jornada, pelo menos até o instante em que este #JornalistaLivre tem de debandar da “casa do povo” e do convívio com parentes e (não-)parentes, para voar de volta à terra adotiva dos bandeirantes de São Paulo.

    (Você viu no Jornal Nacional da quinta-feira 17 se Dilma ou Temer recebeu nossos parentes indígenas? Você viu nossos parentes na tela da Globo?)

     

  • Um rio de urucum flui sobre Brasília

    Um rio de urucum flui sobre Brasília

    A passeata transcorre tranquila, 100% pacífica, sem incidentes. Os manifestantes evoluem pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, portando cartazes corteses e educados, cantando, dançando, festejando. Há muitas famílias, famílias inteiras — exceto as crianças, que em sua maioria ficaram em casa, sem engrossar o contingente de algo entre 1.200 e 1.500 pessoas.

    Os manifestantes são índios, índios braSileiros (afora alguns hermanos fronteiriços latino-americanos), índias e índios de várias idades, famílias de índi@s. Famílias inteiras, tribos, etnias. Do Norte, do Nordeste, do Centro-Oeste, do Sudeste, do Sul do BraSil. Mas nesta terça-feira, 15 de abril, não há helicópteros sangrando o céu de Brasília. Nem robocops nem globocops se interessam por monitorar do alto a marcha indígena sobre Brasília.

    A timidez da mídia tradicional e o sumiço da Rede Globo na cobertura da 11ª edição da Mobilização Nacional Indígena, promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do BraSil (Apib), causam estranheza aos olhos de quem, como eu, está presente na cena multicolorida. Brasília é uma usina de imagens feéricas que hoje, somadas às pinturas e vestimentas dos habitantes originários do país, seriam dignas de um filme em tecnicolor de Glauber Rocha. Na tela da bola multicolorida que é a Globo, o teatro coletivo ficaria um colosso. Mas aquela que se diz a maior rede tradutora do BraZil não demonstra nutrir qualquer simpatia pelos índios braSileiros.

    A Globo, parece, não está aqui. Ou, se está, não se mostra interessada em propagandear o caráter pacífico e familiar da festa, menos ainda fazer carnaval com o farto banquete de imagens oferecido pelo Acampamento Terra Livre no gramadão em frente ao Congresso Nacional.

    Os dois dias que separam o dia de hoje da nova jornada de marchas reacionárias, no domingo, 12 de abril, guardam a profundidade de um abismo. Atiram ao chão, por exemplo, a tese do chefão máximo do ~jornalismo~ da Globo, Ali Kamel, autor de um livro de comédias chamado Não Somos Racistas (em referência aos braZileiros, às braSileiras).

    Constrastados os dias 12 e 15, uma entre duas conclusões é inevitável: ou o BraZil é, sim, um país racista, ou a suposta rede braSileira Globo é que o é. Não há outra explicação possível para a discrepância chocante entre a cobertura histérica da mídia ~nacional~ para as manifestações brancas da direita e o silêncio ensurdecedor diante das coloridas reivindicações d@s não-branc@s que já moravam no BraSil antes que os homens europeus aqui chegassem. Não há explicação plausível para o buraco ético que se abre entre as selfies com policiais militares de domingo e o cerco militar protetor que abraça, de braços bem fechados, o Supremo Tribunal Federal de hoje, “contra” os perigos representados pelos índios.

    E quais seriam os tais perigos? A líder indígena Sônia Guajajara, do Maranhão, define três objetivos básicos da mobilização no encontro de apresentação do acampamento à imprensa (o SBT, a TV Brasil e o UOL estão presentes; a Globo se faz invisível). Primeiro objetivo: denunciar a grave situação de ataques sistemáticos aos direitos indígenas. Segundo objetivo: reafirmar os direitos conquistados pela Constituição de 1988 (e até hoje não cumpridos). Terceiro objetivo: sensibilizar a comunidade nacional e internacional para a causa indígena. “Estamos aqui pela 11ª vez para pintar Brasília de urucum”, resume Sônia.

    Representando povos indígenas do Nordeste, de Minas Gerais e dos Espírito, o líder Sarapó Pankararu traz ao plenário instalado debaixo de uma colorida lona gigante de circo um dos grandes temas de ataque do momento: a Proposta de Emenda à Constituição 215. “Manifestamos nosso repúdio à PEC 215, que tira a responsabilidade de demarcar e homologar terras indígenas do poder executivo e traz para o legislativo”. Eis aí uma causa que, diferentemente da sacrossanta ~corrupção~, não sensibiliza (pelo menos não publicamente) a mídia braZileira. “Nós não vamos deixar essa PEC ser aprovada”, promete Pankararu, provocando o balançar de chocalhos e os gritos rituais uníssonos da plenária lotada.

    O guarani-kaiowá Anastácio Peralta, do Mato Grosso do Sul, também concentra na denúncia do horror da PEC 215 a tentativa de sensibilizar os jornalistas convidados ao Acampamento Terra Livre. “Nós nunca tivemos valor, empatamos o progresso na mentalidade deles que são colonizadores”, afirma, como se gritasse para ser ouvido pelo Congresso Nacional. “A mentalidade do colonizador está até hoje no BraZil. O agronegoçante negoceia nosso país. Não respeita a Constituição de 1988. A PEC 215 não ofende apenas nós, indígenas. Peço a todo braSileiro que seja contra a PEC 215 e a favor dos povos indígenas”. Irmanada com o Congresso Nacional, a Globo, autoproclamado porta-voz do BraZil, não dá indícios de escutar o clamor do curumim-BraSil vocalizado pelo líder guarani-kaiowá.

    O cacique Romancil Cretã, do Paraná, toma a fala para criticar frontalmente o preconceito e o racismo fomentados no Sul do país contra os braSileiros não-brancos. À sua voz se somará, na caminhada a seguir rumo ao STF, os cartazes que pedem conjuntamente a devolução de direitos de povos indígenas e remanescentes quilombolas.

    Cretã coloca no contexto indígena outro tópico do ataque especulativo lderado no poder legislativo pelo ultra-midiático presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha: “O Brasil está terceirizado para a soja. A monocultura terceirizada da soja só serve para alimentar porcos na Alemanha e gado na Holanda”.

    A presidenta Dilma Rousseff não escapa das críticas, notadamente por parte de lideranças indígenas femininas que tomam a palavra após a rodada de diálogo com a imprensa. Como demarcara inicialmente Sônia Guajajara, o Estado braSileiro não está preparado para enfrentar as questões e necessidades dos primeiros entre seus braSileiros e braSileiras. Manifestantes que tomam o microfone sublinham que foi com o voto deles que Dilma subiu pela segunda vez consecutiva aos palácios localizados atrás da Câmara e do Senado.

    Muito menos está interessada no assunto a mídia que governa a informação no BraZil. O Jornal Nacional da noite de 14 de abril ignora solenemente o rio de urucum que flui festivo e musical sobre a esplanada no primeiro dia do Acampamento Terra Livre.

    Nós, #JornalistasLivres que navegamos no rio-chuva de urucum, convidamos a leitora e o leitor de informação a vasculhar na manhã do 15 a imprensa braZileira e encontrar, em suas páginas, uma única entre as tantas falas das lideranças e das famílias não-brancas que povoaram este texto e povoam a capital braSileira (ou braZileira?).

    Estuprando Jorge Ben e Baby Consuelo, a fórmula “nenhum dia será dia de índio@” norteia a mídia não-braSileira na semana que antecede o dia 19 de abril, data de aniversário do cantor Roberto Carlos, do político Getúlio Vargas e, por convenção, de tod@s @s índi@s que nos chamamos BraSil.

    (Com fotos de Jardiel Carvalho, do R.U.A. Foto Coletivo.)

    (O jornalista Pedro Alexandre Sanches viaja a Brasília com passagens aéreas oferecidas pelo Greenpeace à rede #JornalistasLivres; as demais despesas foram custeadas do próprio bolso.)


    Originally published at farofafa.cartacapital.com.br on April 14, 2015.

     

     

  • Política anti-cotas da USP elitiza e segrega futuros ingressantes

    Política anti-cotas da USP elitiza e segrega futuros ingressantes

    Apesar da implantação do sistema de cotas pelas universidades federais brasileiras, a Universidade de São Paulo (USP) ainda resiste a adesão das ações afirmativas para negros e pardos, mas mantém o acesso a estudantes da elite. Na última terça-feira (07) alunos e ex-alunos da universidade membros do coletivo ‘Ocupação Preta’ tentaram participar da reunião do Conselho Universitário (C.O) que acontecia com o reitor da universidade, Marco Antonio Zago, na antiga reitoria, na tentativa de discutirem a representatividade negra na instituição.

    Todas as universidades federais já aderiam às cotas para ingressos de alunos afrodescendentes. No entanto, a USP diz não ter condições financeiras para realizar tal procedimento, visto que, a instituição passa por uma crise. Entretanto, os integrantes do coletivo nos contam que para que isso aconteça, é necessário apenas da autorização do Reitor ou até mesmo do governador do estado Geraldo Alckmin.

    “Foram aprovadas cotas em 2012 em nível federal, visto que o número de alunos pretos triplicou neste período (2012 para 2013). Quer dizer que as cotas fizeram com que alunos negros se matriculassem na FUVEST, mas não foi o mesmo índice dos que entram na universidade, isso é um absoluto desrespeito com os alunos negros que não estão aqui. A USP está deixando claro para a sociedade brasileira que alunos eles querem aqui, que não são os alunos negros e sim os brancos’, diz uma das integrantes do coletivo.

    As pesquisas realizadas pela FUVEST (Fundação Universitária para Vestibulares) em 2013 mostram que para os cursos de exatas (sem contar os treineiros) 3,9% dos inscritos foram pretos e 14,4% pardos. Para os cursos de Humanas 4,8% pretos, 15,5% pardos; e para os cursos de Biológicas 3,9% pretos e 14,4% pardos. Entretanto, mesmo com esses dados, os alunos afrodescendentes não passam de 7% do volume total dos alunos ingressantes na Universidade de São Paulo.“Quanto maior a nota de corte, maior a renda per capita, menor é o número de pretos no curso. Em 2013 nas carreiras de ponta não teve nenhum aluno negro ingressante”, afirma uma integrante do movimento.

    O coletivo fala que a discriminação não acontece apenas para entrar na Universidade, mas também dentro das salas de aula. Uma integrante nos conta de uma disciplina de Psicometria, ministrada pelo curso de Psicologia da USP de Ribeirão Preto:

    “É um semestre de racismo puro! Ela (matéria) defende uma teoria que diz que a renda depende da inteligência e que a inteligência é genética, então faz um mapeamento do Q.I por país com a renda do país. Onde está o menor Q.I? Na África. Onde está a menor renda? Na África. A lógica dela é que você passa fome porque você não tem Q.I, porque você é burro, ele (professor) passa um semestre defendendo essa teoria”

    O grupo tem feito intervenções nas salas de aula da instituição, com o intuito de promover o debate entre todos os estudantes sobre a baixa representatividade negra na instituição. As ocupações pretas têm acontecido, propositalmente, nas aulas em que os professores têm histórico de racismo. “Teve um professor do curso de Geografia, que disse: “o Exército Brasileiro está no Haiti para controlar a macacada”, disseram.

    Ocupação do Conselho Universitário

    O grupo ocupou a antiga reitoria do Conselho Universitário da USP na tentativa de discutir a implantação de cotas na universidade, mas não obtiveram êxito. Segundo os membros do Ocupação Preta, os representantes do conselho ignoraram todas as tentativas de diálogo com os estudantes. “Levamos um chá de cadeira de duas horas, até que as coisas começaram a ficar estranhas e a polícia rondando o prédio”, disseram.

    Após um tempo, os estudantes saíram da sede do conselho, mas dois alunos ficaram no interior do prédio impedidos de sair. “Nós decidimos que teríamos que forçar a nossa entrada, porque estávamos sendo impedidos de dialogar”, disseram.

    O grupo sofreu com agressões dos guardas particulares do Conselho Universitário. “Fomos agredidos e um aluno transnegro foi para o hospital após levar um soco nas costas e uma menina teve o dedo quebrado”.

    No dia em as intervenções em sala de aula começaram, um estudante da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) gravou um vídeo do momento em que o grupo ocupava a sala na tentativa de iniciar um debate sobre a representação negra. No entanto, o grupo foi surpreendido com argumentos contrários à implantação de cotas raciais na universidade e tentativa de minimizar os debates.

    O caso não foi o único, no mesmo dia foram feitas intervenções em outras aulas com o intuito de levar a reflexão sobre a representatividade dos negros, mas também foram hostilizados. “Nós fomos na POLI [Escola Politécnica da USP], e quando chegamos os alunos perguntaram: ‘o que vocês estão fazendo aqui? Aqui não é o lugar de vocês’ ” contaram. “O professor chegou e ameaçaram chamar a guarda universitária para a gente”, completaram.

    A USP tem seguido o caminho inverso da inclusão da população negra e pobre na universidade. A indústria do vestibular é uma ferramenta que segrega aqueles que são historicamente oprimidos e elitiza o universo do conhecimento. Contudo, as ações afirmativas é uma iniciativa que sobre a dívida histórica com uma população que há séculos é marginalizada.

     

  • A solidão da guarda

    Pensar um homem idoso e uma menina, sozinhos na aldeia, na defesa da terra de seu povo é algo épico e cinematográfico nos dias de hoje, mas é a cena pura numa manhã vazia de sábado numa metrópole sul americana. O que dizer diante do fato ao pé da grande montanha do Jaraguá e sua floresta insólita? Isso tudo às margens da grande mancha urbana envolvente e da rodovia Anhanguera, Bandeirantes, Rodoanel.

    Foto: Helio Mello

    Nos passos ligeiros do adversário, e nesse jogo a camisa do time varia muito; ora é empreiteira ou construtora, ora é líder do tráfico, ora é político escaldado na senha humanista de antigos movimentos partidários, mas nem tanto humanitário diante da feroz especulação imobiliária de São Paulo no tempo presente.

    Ser índio no Brasil não é para iniciantes, tampouco é esotérico ou romântico.

    O fato é que a terra era do índio sempre, sua roça, seus remédios, sua ideia de pensar o mundo. Concessões foram feitas a outros porque tudo parecia terra sem dono, e a outorga ou usura sempre foram palavras gratas na cultura da lei tupiniquim.

    Foto: Hélio Mello

    Os índios Guarani e suas aldeias remanescentes na cidade de São Paulo , são eles uma etnia amante da andança pelo mundo e tomam as relações entre os parentes como uma brincadeira que vale a pena, índios que desenvolveram o referencial cultural na busca da terra sem males, mas sabem há tempos que a terra é puro conflito.

    Foto: Hélio Mello

    Meu pensamento voa diante de disputas entre um sábio cacique e um velho político alinhado. Um grito ecoa entre o cacique Ari Karaí e o ex-deputado constituinte Tito Costa, testemunha viva dos grandes movimentos dos anos 70 e 80 no ABC.

    Foto: Hélio Mello

    Hoje a pendenga é a posse e uso da terra e liminares e recursos infinitos na disputa de direitos.

    De um lado vemos um território, a aldeia Itakupe (atrás da pedra), usado há décadas por populações originárias, terra essa que em 2015 é o último reduto de roça de avaxi ete’i (milho), mandio (mandioca), takua re’ê (cana) e manduvi (amendoim).

    Foto: Hélio Mello

    De outro lado a posse antiga de Antônio Tito Costa, 93 anos, advogado, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex-deputado constituinte, sem título ou escritura da terra apresentada aos juízes envolvidos na causa.

    Mais do que dez ou dez milhões, velhos homens se envolvem nas leis e direitos, e nesse mundo rolo-compressor vamos morrendo afogados em nós mesmos.

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