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Categoria: Destaques

  • Ocupação da luta, MTST outra vez

    Ocupação da luta, MTST outra vez

    Na quarta-feira (15) o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) ocupou a calçada do Escritório da Presidência da República (EPR) em São Paulo, na Av. Paulista. O movimento decidiu ficar acampado na calçada da AV. Paulista com a R. Augusta até que suas reinvindicações sejam atendidas.

    Nesse momento pelo menos trezentas pessoas ocupam, em sistema de revezamento (contrariando o que dizem os senhores das panelas, não são vagabundos, mas trabalhadores) estão em constante atenção. Vigiados pela polícia, xingados por transeuntes. Mas resistentes. Lutando para deixar o bambu e a lona, instrumentos de luta e moradia provisória, para trás. E quem sabe, com um caminho menos temeroso pela frente.

    As reivindicações do movimento são a manutenção do Minha Casa Minha Vida (MCMV) e a priorização de repasses para as faixas mais baixas, em renda mensal do programa (faixa 1- até R$ 1.800,00 e faixa 1,5- até R$ 2.350,00), uma vez que as faixas mais altas têm sido favorecidas pelo governo, contrariando o propósito do MCMV de prover habitação para a população com renda mais baixa.

    A ocupação teve inicio depois de um grande ato do MTST. O ato começou dividido, uma parte da concentração foi no Largo da Batata, zona oeste de São Paulo, e local tradicional de manifestações. Outra se concentrou na Praça da República, no centro. Cada ato seguiu seu caminho, até que se encontraram na Praça do Ciclista, uma subindo pela Consolação e outra pela Rebouças. Entraram na Paulista formando um mar de gente, mais de trinta mil, de acordo com Guilherme Boulos, coordenador nacional do movimento. Seguiram até o EPR e foram recepcionados por um forte aparato policial. Esperaram por pelo menos duas horas, até que foi confirmado, não teriam resposta, o governo os ignorou. Foi a gota d’água para que a ocupação em frente ao EPR, tivesse inicio. Os bambus e lonas foram postos em montagem.

    Foto Lucas Martins

    O MTST

    é movimento que tem um grande histórico de luta, já ocupou diversos terrenos para reivindicar moradia, diversos órgãos públicos para assegurar que o governo cumpra seus compromissos e é ativo nos movimentos por democracia e contra o golpe. É hoje um dos poucos movimentos que consegue bater de frente com o governo golpista e conseguem mobilizar os trabalhadores para garantir a defesa dos direitos,

    Como descrevem bem em sua apresentação o MTST “é um movimento que organiza trabalhadores urbanos a partir do local em que vivem: os bairros periféricos. Não é nem nunca foi uma escolha dos trabalhadores morarem nas periferias; ao contrário, o modelo de cidade capitalista é que joga os mais pobres em regiões cada vez mais distantes” e assim defende a atuação “no território periférico, os bairros em que moramos, nos organizamos em movimentos populares. O MTST atua nas periferias para fazer a luta por nossos direitos. Por isso é um movimento territorial.” e para o movimento “o direito à moradia digna é uma bandeira central”.

    Por isso suas ocupações tradicionais são em terrenos que podem ser transformados em áreas de habitação. Normalmente terrenos usados por seus donos para a especulação imobiliária, deixados vagos e sem uso, esperando a valorização no mercado. A maior parte dos terrenos ocupados são de grande porte, e se localizam nas periferias das cidades, onde se pode construir grandes complexos habitacionais. Muitos desses terrenos não cumprem com a função social da propriedade — definida pela constituição de 1988 como obrigatória — que exige de toda propriedade algum uso que envolva “o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas” como está no Estatuto da Cidade, Lei federal que regula a obrigatoriedade da função social da propriedade. Esses terrenos não estão de acordo com a constituição, uma vez que não são utilizados para a sociedade de nenhuma forma, além de normalmente estarem acumulando dívidas com o poder público.

    Foto Lucas Martins

    Mas essa ocupação é diferente. Além de ser um importante passo para garantir os direitos de moradia, tem um caráter político, simbólico e histórico diferente.

    Histórico, pois vai ser a chance do poder público demonstrar se, de fato, é minimamente democrático ou não. É a oportunidade de ver como será usada a PMSP. Se de forma democrática, tratando o MTST como tratou os partidários do impeachment ou se de forma seletiva, de acordo com interesses do governo. No ano de 2016, durante o processo de impeachment de Dilma, um grupo de militantes favoráveis a cassação da presidenta acampou, da mesma forma como acampa agora o MTST, na Av. Paulista. Os manifestantes de direita (pró-impeachment) ficaram mais de um mês em frente a FIESP com suas barracas, sem nenhum problema com a polícia, mesmo tendo sido encontradas várias armas brancas nas barracas. Quando foram retirados das calçadas, algum tempo depois da aprovação do impeachment (e muito depois de terem chegado lá) a cortesia e calma da polícia surpreenderam. Já a ocupação do MTST, que fica acampado até que o governo assuma os compromissos que tem com o movimento, já recebeu um tratamento diferente. A escolta policial que esteve presente desde o começo da ocupação até o presente momento é muito maior do que o outro acampamento viu por todo o tempo que ficou acampado. CHOQUE, Tática, tropa do braço, ROCANS, ficaram desde as 19hs (hora aproximada do início da ocupação) até a madrugada. Durante a noite o policiamento foi diminuindo, mas permaneceram algumas viaturas.

    Simbólico, pois é uma ocupação que inverte as definidas castas geográficas de São Paulo. Onde já se viu sem-teto, serviçal, negro e pobre morando na Paulista. Pode ser nas tradicionais barracas de lonas e bambu dos assentamentos, mas eles lá fizeram sua casa. Afinal para quem tem que ocupar terreno no frio, na lama, o que é a Av. Paulista?  As castas geográficas de SP funcionam assim: No centro pessoas com casa e panelas, nas quais batem. Nas periferias aqueles que precisam lutar, contra tudo e todos, pelo seu direito a um teto. Direito muitas vezes tirado pelos donos das panelas, a quem também pertencem os terrenos ocupados. Esses sem-teto estão ocupando um espaço público, mas que foi cercado e dominado pelos paneleiros. Eles nunca foram bem vindos dentro dos limites, mas como estão acostumados com a luta, essa é só mais uma.

    Político, pois essa ocupação tem uma possibilidade de se tornar algo maior… um occupy brasileiro. Desde as ocupações dos estudantes secundaristas, explodiram essas práticas nos limites centrais da cidade, área dos senhores das panelas. Ocuparam-se as escolas e os MinCs, ocupações de maior visibilidade que as tradicionais ocupações do MTST. Mas os sem-teto, esses que não aceitam o lugar que lhes é enfiado por paneleiros, vieram morar na Av. Paulista. E com isso pode ser, que depois de tanta bomba, crie-se um QG da resistência.

    No momento em que a esquerda parece ter perdido seu rumo, nada melhor que trazer o povo para a porta da presidência em plena Av. Paulista. Todos os desmandos golpistas (só nesse ano), desde a nomeação para o STF do plagiador e genocida (que comandava a polícia mais mais mata e mais morre, no mundo) Alexandre de Moraes, passando pelo silêncio covarde diante da crise penitenciária, a nomeação de Moreira Franco para Ministro (citado 34 vezes na delação da Odebrecht), até o silêncio cruel diante dos trinta mil que chegaram até a porta da Presidência, vinham sem pausa nem resistência. Mas aqueles que não podem parar para descansar, uma vez que não tem um teto sobre o qual parar, resolveram exigir dele a lembrança de que o povo guerreiro não está de brincadeira.

     GALERIA  DE FOTOS ABAIXO:

  • A inflação de janeiro foi baixa. Vamos comemorar?

    A inflação de janeiro foi baixa. Vamos comemorar?

    Há um mês “celebramos” a queda da taxa de juros. A chamada taxa Selic caiu de 13,75% ao ano para 13%. Um corte ousadíssimo, dado o conservadorismo dessa diretoria do Banco Central. Naquele momento, dissemos que o corte não era um bom sinal, mas mostra de uma economia em forte desaquecimento.

    Agora, somos informados, pelo IBGE, que a inflação de janeiro, medida pelo IPCA, ficou em 0,38%. Muito abaixo do que esperavam os sábios do mercado financeiro. O gráfico mostra a queda da inflação calculada em períodos de 12 meses. Devemos comemorar?

    Perdão, sem querer ser um estraga prazeres, pediria que olhássemos o quadro completo: Como anda o desemprego? Como andam as vendas no varejo e o setor de serviços? Como andam os indicadores de pobreza?

    Temos 12 milhões e 300 mil desempregados no país, é o que nos informou o IBGE. No gráfico abaixo é possível notar a aceleração do desemprego após 2014. Durante o ano passado 3,3 milhões de pessoas passaram a fazer parte desse enorme grupo de desempregados. Essas pessoas, certamente, não vão comemorar a inflação baixa de janeiro. Elas devem, sim, estar se perguntando se a inflação caiu por conta do emprego que elas perderam. Elas tem razão de questionar, uma vez que, de fato, as políticas que pretendem baixar a inflação atingem em cheio o emprego. Ou você acha que juros altos e cortes de investimentos e gastos do governo beneficiam o emprego?

    Será que encontraremos boas novas no comércio ou no setor de serviços? A pesquisa do IBGE nos mostra que as vendas do Comércio Varejista Ampliado caíram 8,7% em 2016. As vendas de veículos caíram 14% e as de material de construção caíram 10,7%. As vendas do comércio sem veículos e material de construção caiu 6,2% em 2016, Como mostra o gráfico abaixo.

    O setor de serviços engloba transportes, comunicação, alojamento e turismo, entre outros. A queda nesse setor foi de 5% em 2016. O destaque de queda (10,4 %) foi no transporte terrestre. Aqui, é importante ressaltar, está o transporte de cargas, como matérias-primas e produtos acabados para a indústria. Menos transporte para a indústria implica menor produção industrial. As dificuldades da indústria também se refletem nos preços: não dá para aumentar preços, se nem vender direito a indústria está conseguindo. Comemorar inflação baixa, às custas de queda na produção industrial, é absolutamente descabido.

    Aqui é fácil perceber que aqueles que continuam empregados estão receosos de trocar de carro ou construir/reformar suas casas. Um governo que, no meio de uma brutal recessão, só fala em cortes de investimentos e gastos consegue dar confiança para que os trabalhadores consumam, especialmente, bens duráveis como automóveis?

    E a questão da pobreza? Bem, nessa semana fomos surpreendidos por um estudo do Banco Mundial que afirma que, somente nesse ano de 2017, a recessão deve derrubar 3,6 milhões de brasileiros para baixo da linha da pobreza. Cerca de 1 milhão desses “novos pobres” passarão a depender do benefício do Bolsa Família, que já ajuda 14 milhões de pessoas, sublinha o estudo. O pior é que, quando imaginamos que esse quadro é passageiro, nos lembramos que o orçamento do governo está “encarcerado” até 2036.

    Mal comparando, podemos imaginar nosso carro num atoleiro, com lama por todos os lados. De repente, o alegre motorista exclama: “Senhores, nosso limpador de para-brisas está funcionando perfeitamente. Estamos no caminho certo. Isso não é maravilhoso?”

    Comemorar a inflação baixa de janeiro é a mesma coisa. A economia brasileira está num atoleiro. Há dois anos que afundamos na lama. As políticas econômicas adotadas ajudam a afundar mais e mais. O desemprego, a queda de um enorme contingente de pessoas abaixo da linha da pobreza, a queda das vendas no varejo, a queda nos serviços e a enorme queda no PIB devem ser esquecidos. Celebremos a “vitória” diante do monstro inflacionário e bom Carnaval para todos nós!

    Notas

    1 Para ver o relatório do IBGE sobre o desemprego: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3367&busca=1&t=pnad-continua-taxa-desocupacao-foi-12-0-quarto-trimestre-2016-media-ano

    2 Para ver o relatório do IBGE sobre a queda das vendas no varejo:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3375&busca=1&t=dezembro-2016-vendas-varejo-recuam-2-1-fecham-ano-6

    3 Para ver o relatório do IBGE sobre a queda nas atividades do setor de serviço:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3376&busca=1&t=dezembro-setor-servicos-cresce-0-6-fecha-ano-5

    4 Para ver a matéria sobre o estudo do Banco Mundial:

    http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-02/banco-mundial-crise-pode-levar-36-milhoes-de-brasileiros-de-volta-pobreza

    Para ver o relatório sobre a inflação de janeiro de 2017:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3372&busca=1&t=ipca-fica-0-38-janeiro

  • Dona Marisa é inocente!

    Dona Marisa é inocente!

    Em decorrência do falecimento de Dona Marisa, na sexta, 3 de fevereiro, seus advogados, que atendem também ao ex-presidente Lula, protocolaram junto ao juiz Sérgio Moro um pedido de absolvição sumária e a extinção da punibilidade no processo relativo à posse de um apartamento no Guarujá, litoral de São Paulo.

    Os advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Martins e Roberto Teixeira já cuidavam de um processo sem materialidade e defendiam Dona Marisa de uma denúncia sem provas, em que todas as explicações e documentos já haviam sido apresentados, demonstrando que a família Lula não tinha posse nem fazia uso do imóvel.

    Dona Marisa tem longa história na política brasileira e foi vítima de ataques mesquinhos da direita amargurada, que busca minar a todo custo a credibilidade legítima do presidente Lula e de sua família. Os golpistas acabaram com sangue nas mãos. Dona Marisa foi homenageada por milhares de brasileiros em seu velório, no sábado, 4 de fevereiro.

    Relembramos em ensaio fotográfico de Tiago Macambira, especial para os Jornalistas Livres.

    Dona Marisa é inocente!
    Absolvição já!

    Relembre também a entrevista do advogado Cristiano Zanin aos Jornalistas Livres, em que ele explica em detalhes o caso do triplex:

  • Cultura não se congela: PIÁ

    Cultura não se congela: PIÁ

    por Fabiana Prado, especial para os Jornalistas Livres

    O PIÁ – Programa de Iniciação Artística é um programa sob a gestão da Secretaria Municipal de Cultura com parceria orçamentária da Secretaria Municipal de Educação, oferecido gratuitamente para crianças e adolescentes de 5 a 14 anos, sendo o único programa da Secretaria Municipal de Cultura voltado para esse público. Inspirado na EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) o PIÁ existe há oito anos e atua com destaque na periferia de São Paulo em 32 equipamentos públicos entre CEUs, Bibliotecas, Escolas, Centros Culturais, Teatros e Casas de Cultura.

    Entendendo a formação artística não-formal como complemento necessário à educação formal, o PIÁ afirma a relevância do processo artístico desde a infância enquanto fomentador de competências sensíveis, críticas, cidadãs e estéticas em paridade com as realidades sócio-culturais nos territórios. Sua abordagem artístico-pedagógica está focada nas Culturas das Infâncias e parte da relação entre artistas educadores de linguagens diversas com as crianças e adolescentes participantes.

    Em seus oito anos de atuação na interface entre Cultura e Educação, o PIÁ vem elaborando e desenvolvendo um importante pensamento sobre a educação artística não-formal que contribui de forma efetiva na construção de políticas culturais para a Infância e adolescência por meio de parcerias pedagógicas com instituições educacionais e culturais das redes públicas e privadas; participação e elaboração de seminários públicos de formação; conversas continuadas com gestores públicos; mostras artístico-­culturais; publicação da revista Piapuru e diversas outras ações de formação expandidas. No ano de 2015 o PIÁ foi signatário da cadeira de Culturas da Infância no Conselho Municipal de Cultura de São Paulo e em 2016 começou a transitar na Câmara Municipal de São Paulo o projeto de Lei 461/2016, que visa instituir legalmente os editais dos programas de formação PIÁ e Vocacional.

    O congelamento do orçamento da Cultura municipal neste início de ano implica não somente na precarização do trabalho dos 126 artistas educadores contratados via edital público, mas principalmente na descontinuidade das atividades que, a rigor, deveriam acompanhar o calendário escolar, atendendo a um público potencial de cerca de três mil crianças e adolescentes, sem contar nas ações culturais estendidas às famílias que formam um público estimado em quase dez mil pessoas.

    Diante de um programa público de tamanho porte, o congelamento da verba do programa implica ainda na quebra de um importante vínculo afetivo com as crianças e adolescentes que deve ser considerado quando se trata de pensar uma política cultural comprometida com o público ao qual se destina, de modo ético e engajado. É notório o pertencimento que o programa gera nas crianças e adolescentes participantes, dado este que figura nas pesquisas internas realizadas pelo programa e que sinaliza o potencial do programa no que diz respeito ao exercício da cidadania e ao acesso do público infanto-juvenil aos espaços públicos na cidade
    de São Paulo.

     

    Ao final do ano de 2016 uma comissão do PIÁ esteve presente nas reuniões de discussão orçamentária da Câmara Municipal de São Paulo, tendo colaborado com a entrega de valores detalhados para o seu funcionamento em 2017.

    É urgente e fundamental que se descongele a verba para a continuidade do PIÁ em 2017 e que as contratações dos artistas educadores aconteçam imediatamente, uma vez que os credenciamentos dos contemplados no edital bienal de 2016 estão dentro do seu prazo de vigência, para que se possa afirmar a continuidade de diálogo e de construção do programa de modo democrático e transparente com as crianças, os adolescentes e suas famílias.

    Fotos: Fabiana Prado, Rodrigo Munhoz e acervo PIÁ

  • Quais vidas importam?

    Quais vidas importam?

    Por Acácio Augusto1, especial para os Jornalistas Livres

    O magistrado, para os pitagóricos, é antes de mais nada o philánthropos,

    aquele que ama seus administrados, aquele que ama os homens que a ele estão submetidos, aquele que não é egoísta. O magistrado, por definição,

    é cheio de zelo e de solicitude, tal como o pastor”

    Michel Foucault

    A segunda-feira no Espírito Santo amanheceu normal, ou para usar um termo corrente e burocrático, dentro da normalidade. Ao menos isso nos querem fazer acreditar as autoridades locais e federais. Nos jornais de grande circulação do país e nas TVs da grande imprensa, o Ministro da Defesa o diz; nos mesmos jornais e TVs, entrevistas com o governador procuram passar a mesma sensação de que a situação está controlada. De fato, desde a manhã de domingo, que foi preenchida com uma Marcha da Família pela Paz, convocada pela prefeitura de Vitória/ES, as pessoas começaram a sair às ruas, as praias estavam cheias e hoje todo mundo foi trabalhar. Os ônibus voltaram a circular. A pergunta é: como, por quais meios e em que condições essa normalidade se impõe?

    O mote desta volta à normalidade, e nesses moldes, foi o não-acordo anunciado pelo secretário de Direitos Humanos do estado do Espírito Santo, Júlio Pompeu, na noite de sexta-feira. Trata-se de um não-acordo porque ele foi firmado com as associações de militares, de diversas patentes, e não com as esposas e familiares dos policiais, que se mantiveram na porta dos quartéis, buscando impedir que as tropas saíssem às ruas. Em resumo, a dita normalidade voltou com todas as violências de uma sociedade que se pauta pela norma.

    Vitória (ES) – Milhares de pessoas fazem caminhada pela paz na orla de Camburi, em Vitória (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

    No entanto, os mesmos veículos de comunicação noticiaram uma parte dessa normalidade que recebe menos atenção, ao menos do chamado grande público. Para ficar em dois exemplos: primeiro,

    no domingo a CBN noticiou que

    parte das 147 mortes até o momento

    (números oficiais) teve o envolvimento de PMs

    e possíveis grupos de extermínio2;

    segundo, a Folha de S. Paulo desta segunda-feira publicou um texto com a declaração da mãe de M.M.S., Cristiane Martins. O jovem, de 17 anos, foi executado com um tiro de fuzil por um agente do exército da Força-Tarefa Conjunta Capixaba, em Cariacica, município da Grande Vitória3 quando voltava de uma festa na casa de sua tia. Mas não se enganem. Toda essa preocupação está perpassada por uma queda de braço política: de um lado, a irredutibilidade do movimento das esposas e familiares dos PMs que provocaram o motim em não quererem recuar sem ter suas reivindicações de melhorias salariais atendidas; de outro lado, o governo de Paulo Hartung, que se esforça em manter sua imagem de austeridade orçamentária e responsabilidade fiscal e administrativa.

    A segunda parte da queda de braço não é novidade, já que há muito tempo no Brasil vivemos o que alguns cientistas políticos gostam de chamar de “democracia de baixa intensidade”, ou seja, governos poucos permeáveis às reivindicações de movimentos sociais.

    Prefiro chamar de democracia securitária,

    na qual a segurança é valor primeiro,

    não apenas do governo,

    mas também da sociedade e da maneira como ela se governa

    – em poucas palavras,

    em nome da segurança toda ação, seja ela qual for, se justifica4.

    E repito, isso não é recente, poderíamos dizer que esse imperativo da segurança é uma das principais marcas da recente ditadura civil-militar que, embora tenha sofrido metamorfoses segue em vigor na democracia, trana-se apenas mais ardilosa e insidiosa.

    Conforme tenho insistido, junto a outros colegas, desde o início da semana passada, a situação criada pelo motim dos PMs no Espírito Santo revelou-se como um grande laboratório da política de austeridade5. Mas aqui quero focar na questão que me parece mais importante: as mortes produzidas por essa queda de braço. Esse é o ponto fora da suposta oposição entre os agentes armados da ordem, os PMs, e seus mandantes institucionalmente e constitucionalmente instituídos, as instâncias estatuais e, no limite, federais do governo. O que fica notório logo de cara é que o governo do estado, em sua ânsia em reafirmar austeridade, e após ganhar a opinião pública local contra o motim dos PMs com a ajuda do governo federal, insiste em dizer que a situação se normalizou. E como já dito, de fato tudo está sendo posto dentro da norma. Mas este mesmo governo, preocupado com sua imagem e capacidade de controle, não teve sequer a decência de declarar luto oficial pelos mais de 140 capixabas assassinados nesses dias de suposta desordem pela ausência dos agentes violentos do estado. Ao mesmo tempo, como algumas das reportagens mencionadas expõem, a violência produzida nesses dias do chamado caos no Espírito Santo, especialmente a violência letal contra jovens negros e habitantes dos bairros pobres, foi exercida por agentes do Estado, seja de forma legal (como o caso do Exército em Cariacica), seja de forma ilegal (como supõe a reportagem da CBN). Algo importante a ser ressaltado, uma vez que a grande mídia, os boatos por meio de aplicativos de mensagens instantâneas e alguns professores universitários de auditório

    insistem em afirmar que a “violência generalizada”

    se instaurou devido à ausência de Estado no Espírito Santo,

    quando na realidade tem-se um excesso de governo e

    a presença fortemente armada do Estado desde o início da paralisação.

    E, para além do governo institucional, ele estava presente na conduta de cada pessoa com sua paranoia austera e um inflamado desejo de ordem que paralisou, hipnotizou e narcotizou tudo e todos.

    A questão imediata diante desse clamor por ordem é que seja qual for o resultado dessa queda de braço, toda a situação criou um reforço dos discursos conservadores. Durante todos esses dias, o que mais se viu e ouviu, nas ruas e nas redes sociais digitais, foram manifestações nesse sentido, como: aplausos ao Exército nas ruas e à chegada da Força Nacional de Segurança, a amplificação da famosa frase “bandido bom é bandido morto” – um “lema” não restrito apenas aos chamados grupos de extermínio –, clamores por armamento civil, crescimento do interesse por segurança privada, inclusive ilegal, um apego ainda mais mesquinho aos seus bens, etc. Em resumo: um reforço da necessidade de polícia em todas suas modalidades, legal e ilegal, como se isso fosse necessário para nossa sociabilidade que já é extremante policialesca. Não bastasse tudo isso, a preocupação com as mortes, embora existente, é menor do que a situação exige e ainda menos alarmante do que foi, por exemplo, as preocupações com as lojas saqueadas. E mais do que isso, pelas informações que chegaram até o momento, a dificuldade das famílias em lidar com esta violência e encaminhar esclarecimentos será muito grande, agora que tudo voltou ao normal. Há quem esteja mais preocupado com o estado psicológico dos policiais, que com as famílias dos mais de 140 mortos.

    Enfim, se para o governador Paulo Hartung,

    o Ministro da Defesa Raul Jungmann6 e

    a imprensa nacional,

    tudo voltou ao normal no Espírito Santo,

    para essas famílias a normalidade do cotidiano violento e

    o pesadelo de ter lidar com a morte de entes queridos

    apenas começou.

    itória (ES) – Ministro da Defesa, Raul Jungmann, chega ao Espírito Santo e se reune com o governador em exercício do estado, César Colnago no 38o Batalhão de Infantaria em Vila Velha. ( Tânia Rêgo/Agência Brasil)

    Por uma série de circunstâncias minha semana foi o inverso da maioria dos capixabas. Um amigo jornalista veio para cá trabalhar na cobertura da greve e eu o acompanhei durante toda semana, ou seja, fiquei mais na rua do que em casa, a despeito do toque de recolher. Estive duas vezes no DML (Departamento Médico Legal), e dias diferentes; fui à Cariacica e a Serra, na Região Metropolitana da Grande Vitória; estive em São Pedro (conhecido como lugar de toda pobreza nos anos 1990), onde fomos recebidos pelo simpaticíssimo e combativo Pe. Kelder Brandão. Enfim, rodei a cidade, falei com as pessoas e constatei inclusive o quanto de exagero havia em todo o pânico, o que não significa dizer que estava tudo bem na cidade. Mas não pretendo transcrever aqui todo meu diário campo, irei me ater um episódio de um dos dias que estive no DML, o seleciono, obviamente, por avaliá-lo como extremamente significativo.

    Neste segundo dia de “visita” ao DML, uma senhora religiosa, com boné e camiseta de uma igreja pentecostal daqui, me dirigiu a palavra (supondo que eu seria um jornalista, por certo devido ao bloco de notas que eu carregava nas mãos) e disse: “estou chegando com algumas amigas e um taxista que vieram para reconhecer três corpos de uma chacina no bairro da Glória, em Vila Velha, próximo à fábrica da Garoto”. Ela contou que havia 5 garotos na hora, mas dois seguiram feridos para o hospital. Ficamos conversando por longos minutos. Ela me levou até a esposa de um dos mortos e à mãe de um outro. A esposa, entre o medo de ser perseguida e o choque da perda que acabara de sofrer, não quis falar muito comigo, trocou apenas algumas palavras sobre o que tinha ocorrido.

    A conversa com a mãe foi uma das coisas mais tristes que já vi. Na porta do DML, com rabecões chegando a todo momento cheio de corpos ensacados, ela me disse que o menino executado era seu caçula, tinha apenas 19 anos. O mais velho estava preso e agora só o do meio tinha ficado em casa, com as netas do mais velho, que eram criadas pela avó-mãe.

    Aos prantos, contou-me que seu menino não tinha “envolvimento com o crime”

    e que seu “único defeito era gostar de fumar maconha”.

    Segundo o relato dela, ele havia ido até o campinho perto de cada no qual acabou executado, por volta das 19 hs., justamente para isso: fumar maconha com os amigos.

    Estou até agora pensando nessa mãe e

    nas muitas outras que vi naquela sala de espera do DML.

    Hoje, quando se declara que tudo voltou ao normal,

    é só nisso que consigo pensar.

    Não sou muito dado a histórias tristes. Elas costumam, no máximo, despertar compaixão e alimentar o espetáculo público da denúncia que, ao contrário do que se supõe, apenas reforça a ordem que se quer supostamente combater. Ademais, condolências e punições não trarão o filho dessa senhora, que teve a vida ceifada tão cedo, de volta ao seu convívio. Prefiro lidar com os fatos objetivos dessa situação. Primeiro, embora toda a descrição feita por esta mãe evidencie que foi uma execução – tocas ninja na cabeça dos executores, tiros na nuca dos executados, lugar ermo, trabalho rápido etc. e tal –, não tenho elementos para afirmar que foi um grupo de extermínio que realizou a ação. E ainda que tivesse, o fato mais importante é: a maioria das mortes responde a um perfil bem definido: jovem, sexo masculino, morador de bairros pobres, morto em circunstâncias não esclarecidas e em lugares como campinhos ou descampados de difícil acesso (fico pensando em corpos que nesse momento podem estar espalhados pelos desertos de eucalipto do estado). De maneira que, ainda que seja algo perpetrado por um grupo organizado para tal finalidade em série, tratou-se de uma execução7. Outra regularidade é a suposição de que os mortos teriam “envolvimento com o tráfico”. Pois bem, dentro de uma visão estritamente legalista, eles deveriam ser presos, não executados. E mesmo que os agentes da execução, como é comum supor, sejam também “integrantes do tráfico local”, por uma lógica também estritamente legalista, o Estado é, ainda que indiretamente, responsável por essas mortes.

    Em primeiro lugar, esses elementos mostram que não há nenhuma aleatoriedade desordenada nos fatos da semana passada. A imagem do caos foi devidamente alimentada como mote para a urgência de ordem. Tais elementos respondem a uma política de extermínio que perpassa nossa sociabilidade autoritária e não é de hoje. Certamente os fatos desencadeados pelo motim dos PMs a aceleraram e intensificaram, mas não criaram um fato totalmente novo. Essas mortes, com essas caraterísticas, ocorrem, com frequência menor, a todo momento. Aliás, ouvi exatamente isso de um morador de Nova Rosa Penha, bairro de Cariacica.

    Há uma frase comum entre abolicionistas penais e anarquistas que diz:

    “todo preso é um preso político”.

    Pois todo o sistema penal responde a uma política que produz esse preso, segundo um determinado contexto histórico, interação de forças e interesses específicos. Este pode ser um ponto de partida para respondermos a essas mortes: cada morto, e os presumíveis desaparecidos que surgirão, são mortos políticos. Respondem a uma política de extermínio há muito em voga por essas terras. Basta notar como esse caso nos faz lembrar dos 500 corpos executados no maio de 2006 em São Paulo, que deu origem ao movimento Mães de Maio. Se voltarmos mais ainda, na manhã de domingo (12/2/17), pode-se notar o silêncio sorridente da Grande Vitória diante da chacina (como cantou o poeta sobre o massacre do Carandiru, em São Paulo, em outro episódio dessa política de extermínio, naquele fatídico 2 de outubro de 1992).

    A austeridade, palavra que definitivamente entra para o vocabulário político nacional após seu enorme sucesso na Europa decorrente das repostas dadas à crise de 2008, é apenas a nova modulação dessa histórica política de extermínio. Naquele momento, muitos setores da chamada esquerda anunciaram a morte do neoliberalismo. Um equívoco retumbante diante da intensificação, naquele mesmo momento e em todo planeta, dos elementos do que Michel Foucault8 chamou de racionalidade neoliberal: empreendedorismo de si como investimento em capital humano, políticas de segurança ao estilo law and order, judicialização da vida e a indistinção no campo governamental entre esquerda e direita. A morte anunciada em 2008 dizia respeito à quebra do mercado dos subprimes, e à falência de alguns bancos, logo socorridos pelo paternalismo estatal dirigido aos seus filhos diletos, mas o neoliberalismo não se resume ao mercado financeiro e nem se resume, como se supunha à época,a uma não-intervenção do Estado na economia.

    Como também ressalta Foucault,

    o neoliberalismo não é uma ideologia política,

    tampouco uma teoria econômica,

    mas uma certa maneira de ser e imaginar,

    uma tecnologia de poder que produz subjetividades.

    E são essas que, em nome da segurança e da felicidade, se regozijam com chacinas e intervenções militares; que aceitam o fatalismo das políticas de austeridade compostas por saneamento orçamentário e responsabilidade fiscal, mas sobretudo pela disseminação de valores que reforçam uma inteligibilidade de competição na qual aos perdedores resta a punição, recebida quase como uma vontade divina. Pois bem, dito de uma maneira um tanto quanto direta, é assim que a austeridade mata, e é assim também que se determina quais vidas importam. Não se trata apenas do que ela reprime, mas sobretudo do que ela produz. E por isso que assistimos hoje, dez anos depois, o que Colin Crouch chamou de “a estranha não-morte do neoliberalismo”9, não no Brasil onde ele sempre esteve em voga nos programas sociais e editais do governo progressista recentemente desposto, mas em todo planeta. E pouco importa a ascensão de uma direita protecionista, pois como indicado não é na oposição direita versus esquerda que se combate a racionalidade neoliberal, e nem o neoliberalismo se define por uma política econômica.

    Desta maneira, é preciso ser direto em dizer que não será a retórica dos direitos humanos que estancará essa sangria (neste caso literal e não metafórica, como a que se quer estancar no congresso). Também não é se colocando a falsa oposição, mobilização dos familiares de PMs versus governo Paulo Hartung, que se encontrará saídas para esse mar de sangue que cobriu o Espírito Santo. É preciso dizer que, embora adversários pontuais, eles se encontraram no mesmo campo de interesse: a busca e a afirmação incontornável da segurança, seja ela nova, velha, cidadã, militar, desmilitarizada, legal ou ilegal. O que assistimos aqui foi, além da mostra de um laboratório de austeridade, a lógica da cidadania policial levada ao paroxismo. É preciso destruir a subjetividade policial forjada com tanto esmero desde a chamada abertura democrática no Brasil. Mesmo os movimentos sociais e as pessoas de esquerda estão imersos nesta forma política. Quantas ações desses grupos não se resumem a meras denúncias? Quantas reivindicações não aguardam anos por uma decisão do STF? Quantas bandeiras e lutas dos movimentos de minorias são reduzidas à clamores por mais criminalização das condutas? Enfim, cada um sabe o quanto de cidadania policial habita nosso cotidiano, especialmente das pessoas que se dizem de esquerda10.

    Por fim, temos que afirmar que essas mortes são políticas e que elas respondem às atuais políticas de austeridade no estado do Espírito Santo, ainda que estas sejam laureadas pela opinião pública local e nacional. E quem sabe esta tragédia não seja um momento favorável, como são as tragédias desde a antiga Grécia, a uma transformação nas nossas formas de luta e na defesa das vidas que são os alvos privilegiados da política, do sistema de justiça criminal e do direito penal. Uma luta que seja capaz de ultrapassar o campo da reivindicação de direitos e da defesa da justiça como salvação dos homens. Uma luta que se libere da judicialização da vida e da necessidade de reconhecimento estatal. Uma luta que se afirme como luta e que se confunda com filantropia.

    Se a racionalidade neoliberal é uma tecnologia política

    que produz subjetividades afeitas ao controle e

    que se regozijam com o extermínio do outro,

    não seria o momento de experimentar a ação direta antipolítica?

    1 Professor no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UVV-ES e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional da UFES, pesquisador no Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária – www.nu-sol.org) e bolsista Pós-Doc CAPES na UVV-ES. Autor de Política e polícia: cuidados, controles e penalizações de jovens, Rio de Janeiro: Lamparina, 2013.

    2 Ver: CBN. Investigação aponta que parte das mortes registradas no ES teve atuação de PMs. 12/02/2019. Disponível em: http://m.cbn.globoradio.globo.com/editorias/polícia/2017/02/12/INVESTIGACAO-APONTA-QUE-PARTE-DAS-MORTES-REGISTRADAS-NO-ES-TEVE-ATUACAO-DE-PMS.htm?utm_source=facebook.

    3 Ver: Folha de S. Paulo. “’Foi uma covardia’, diz mãe de jovem morto pelo Exército no Espírito Santo” in Cotidiano. 12/02/2017. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1858141-foi-uma-covardia-diz-mae-de-jovem-morto-pelo-exercito-no-espirito-santo.shtml.

    4

    Ver: Acácio Augusto. Qual democracia? – Sobre como a busca por segurança está solapando a liberdade. 2016. Disponível em: https://www.academia.edu/27800102/qual_democracia_sobre_como_a_busca_por_seguran%C3%A7a_est%C3%A1_solapando_a_liberdade.

    5 Ver: Acácio Augusto. “Austeridade, contagem de corpos e o autoritarismo: o caso do chamado caos no Espírito Santo” in Passa Palavra. Disponível em: http://passapalavra.info/2017/02/110587.

    6 Ver Folha de S. Paulo. “Ministro diz que situação no ES voltou ao normal e minimiza desgaste” in Cotidiano. 12/02/2017. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1858136-ministro-diz-que-situacao-no-es-voltou-ao-normal-e-minimiza-desgaste.shtml.

    7 É importante ressaltar que, embora os índices de mortes violentas do Espírito Santo sempre estejam entre o 1º e o 5º lugar nos últimos Mapas da Violência, os números autos de resistência (mortes provocadas por policiais em serviço) não são tão altos como, por exemplo, no Rio de Janeiro. O que produz uma enorme cifra oculta dessas execuções. Devo essa observação ao pesquisador, amigo e colega de UVV/ES Humberto Ribeiro Júnior, que em conversa recente me chamou a atenção para esse dado.

    8 Cf. Michel Foucault. Nascimento da Biopolítica. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

    9 Ver: Colin Crouch “The Strange Non-death of Neo-liberalism” in Polity Press, 2011. Sobretudo, ver: Tatiana Roque. “As 7 vidas do neoliberalismo” in Urucum. Disponível em: https://urucum.milharal.org/2017/02/04/as-7-vidas-do-neoliberalismo/

    10 Sobre o cidadão-polícia, ver: Edson Passetti. “poder e anarquia. apontamentos libertários sobre o atual

    conservadorismo moderado” in verve, n. 12, pp. 11-43, 2007. Disponível em: http://www.nu-sol.org/verve/verveview1.php?id=12. Ver também: Acácio Augusto. Política e polícia: cuidados, controles e penalizações de jovens. Rio de Janeiro: Lamparina, 2013.

  • Mais um plágio de Alexandre de Moraes

    Mais um plágio de Alexandre de Moraes

    Por Gustavo Aranda, especial para os Jornalistas Livres

    Ministro da Justiça licenciado e o mais novo indicado para a vaga deixada por Teori Zavascki no STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes copiou literalmente em seu livro “Legislação Penal Especial” (Editora Atlas, 2006, São Paulo) diversos trechos da obra “Tóxicos, Prevenção – Repressão”, de seu colega da Faculdade de Direito da USP e professor titular de direito penal do Mackenzie, Vicente Greco Filho.

    O livro, que é o quinto da coleção “Fundamentos Jurídicos”, toda ela redigida sob a coordenação e responsabilidade de Moraes, foi escrito pelo ministro licenciado em coautoria com o Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Gianpaolo Poggio Smanio. Procurado pelos Jornalistas Livres, o ministro da Justiça licenciado – por meio de sua assessoria de comunicação – não negou a cópia literal dos trechos em questão, apenas afirmou que esta parte do livro foi escrita e é de inteira responsabilidade de seu colega e Procurador-Geral do Estado de São Paulo (leia mais abaixo). Smanio não respondeu às perguntas dos Jornalistas Livres até a primeira publicação desta reportagem. Porém, uma hora depois da matéria ser publicada, a assessoria do Ministério Público de São Paulo entrou em contato com a redação e afirmou que a cópia poderia ter sido feita de qualquer dicionário.

    No dia seguinte, sábado (11/02), por volta das 11 horas da manhã, a mesma assessoria enviou nova explicação. De acordo com a nota, a obra “Legislação Penal Especial” (Editora Atlas, 2006, São Paulo), escrita em coautoria com Alexandre de Moraes, “trouxe uma extensa gama de conceitos sobre diversas normas penais. Os trechos referidos de autoria de Gianpaolo Smanio traziam comentários sobre a Lei de Drogas já revogada (Lei n. 6368/76) e tratavam de conceitos objetivos sobre os tipos penais, de domínio comum aos estudiosos do tema, constantes de vários livros que também tratavam do assunto, que foram apresentados de maneira direta para melhor compreensão dos alunos e daqueles que se debruçavam sobre as questões relativas à mencionada Lei de Drogas.” (Leia as respostas completas da Procuradoria em “Outro Lado”, ainda nesta reportagem.)

    Somente nesta semana, esta é a terceira obra jurídica de Moraes – tido até então como um constitucionalista de qualidade inconteste – em que são detectadas cópias deliberadas de trechos de outras obras sem a devida menção ao autor. Todas foram reveladas pelos Jornalistas Livres. (Clique aqui e aqui para conhecer os outros dois casos de plágio).
    Indicado à vaga no STF pelo presidente Michel Temer, antes de assumi-la, o ministro licenciado terá que passar por uma sabatina no Senado Federal. Entre os pré-requisitos legais para ocupar a vaga estão possuir “reputação ilibada” e notório saber jurídico”.

    Voltando ao livro do professor Greco, a obra data de 1991 e traz comentários sobre a Lei n.6368/76, que criminaliza o tráfico de drogas, tema caro a Moraes, que já disse querer erradicar o consumo de maconha no país.

    Como nas outras denúncias de plágio que envolvem o escolhido por Temer, ele simplesmente faz constar o nome do autor copiado na bibliografia, mas ignora as aspas ou citações, tornando impossível identificar os trechos que Moraes copia de outros autores, contrariando, assim, as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) para a citação de autores em obras acadêmicas. Veja abaixo…

     

     

    Nos trechos destacados, observa-se a apropriação de termos através de cópia literal, sem qualquer identificação por meio de aspa ou citação.
    Das 40 linhas presentes na página 120 de “Legislação Penal Especial”, por exemplo, 26 foram clonadas por Alexandre Moraes de seu colega.

    A utilização de termos incomuns, como “dádiva”, por exemplo, evidenciam a má conduta acadêmica.

     

     

    Em cópias com três linhas ou mais, a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) determina a diminuição da fonte e o recuo da margem, exatamente para auxiliar o leitor a não confundir grandes citações com o autor da obra.

     

     

     

    Outro Lado

    Em nota enviada aos Jornalistas Livres, Alexandre Moraes, coordenador da coleção “Fundamentos Jurídicos” e um dos dois autores do quinto número, “Legislação Especial”, eximiu-se de culpa pelos trechos copiados de um outro livro, embora não tenha negado a existência da cópia. Leia, abaixo, a íntegra da resposta da assessoria do ministro licenciado.

    A obra “Legislação Penal Especial” é de coautoria de Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio, que, após vários anos de aulas ministradas, abordaram os temas mais relevantes de cada uma das leis analisadas.
    O trabalho foi dividido por capítulos, que foram escritos segundo a maior especialidade de cada um dos coautores.
    O capítulo referente à “Lei de Drogas” foi escrito pelo coautor Gianpaolo Poggio Smanio, que analisou detalhadamente os tipos penais, a partir de conceitos clássicos da doutrina e jurisprudência, inclusive apontando os julgados mais importantes em cada caso.
    Em sua bibliografia, há mais de duas dezenas de livros, entre eles as clássicas obras dos professores Vicente Grecco Filho e Damasio de Jesus, que também adotam conceitos clássicos.
    Para mais esclarecimentos, o dr. Smanio está à disposição.”

    Uma hora depois desta reportagem ser publicada, exatamente às 20h29, a Assessoria de Comunicação do Ministério Público de São Paulo enviou a seguinte resposta aos Jornalistas Livres: 

    “Não existe plágio. Os trechos citados pela reportagem são reproduções de conceitos de dicionários. Exportar tem a mesma definição em qualquer obra que se consulte, independentemente de seu autor.”

    No dia seguinte ao da publicação da reportagem, no sábado (11/02), por volta das 11 horas da manhã, a mesma assessoria enviou nova explicação.

    “A obra ‘Legislação Penal Especial’ (Editora Atlas, 2006, São Paulo), escrita em coautoria com Alexandre de Moraes, trouxe uma extensa gama de conceitos sobre diversas normas penais. Os trechos referidos de autoria de Gianpaolo Smanio traziam comentários sobre a Lei de Drogas já revogada (Lei n. 6368/76) e tratavam de conceitos objetivos sobre os tipos penais, de domínio comum aos estudiosos do tema, constantes de vários livros que também tratavam do assunto, que foram apresentados de maneira direta para melhor compreensão dos alunos e daqueles que se debruçavam sobre as questões relativas à mencionada Lei de Drogas.”

     

     

     

    CRIME DE PLÁGIO

    O crime de plágio está tipificado no art. 184 do Código Penal, pela leitura in verbs:

    Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:

    Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

    • 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:

    Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

     

    Aqui é interessante notar que ele cita o julgamento referente, mas não cita o autor original do texto.

     

     

    Trecho do Livro de Alexandre de Moraes

     

     

    Primeira citação ao autor Vicente Greco Filho (acima), o que contribui para a tipificação do crime, pois uma das características principais para a comprovação do plágio é a prova de que o autor teve acesso à obra original.

    Abaixo, Alexandre de Moraes, finalmente faz o uso correto das aspas.

     

    Trecho do Livro de Alexandre de Moraes

     

    Procurado para comentar o assunto, o autor da obra copiada, Vicente Greco Filho, não se manifestou até a publicação desta reportagem.