Jornalistas Livres

Categoria: Desigualdade

  • A Vila Paula se reconstrói após a tragédia

    A Vila Paula se reconstrói após a tragédia

    Solidariedade, resistência e as doações têm sido fundamentais para reerguer a comunidade

    Um incêndio que iniciou na madrugada de segunda-feira (28)  desalojou 24 famílias na Comunidade Vila Paula na região da CDHU do bairro San Martin, em Campinas .  

    Segundo informações da Prefeitura de Campinas, entre as pessoas atingidas  estão 36 adultos, 27 crianças,  dois adolescentes e dois idosos. Essas pessoas foram acolhidas na Escola Estadual Maria de Lourdes Bordini e em duas instituições religiosas nas proximidades.

    A maioria dos moradores deixou suas casas só com a roupa do corpo. Todos os seus pertences  foram destruídos pelo fogo.

    Na terça-feira, a reconstrução dos barracos foi iniciada no mesmo local em que as habitações de madeiras foram destruídas pelas chamas.   Paulo César Santos, uma das lideranças da comunidade,  relembra o drama  desastre que consumiu os barracos e as dificuldades  das famílias.


    “ Foi uma tragédia muito grande na nossa vila. Foi duro para construir,  foi duro para assentar as famílias . Foi difícil  construir os barracos de madeira, estamos aqui faz um bom tempo.  No início era só lona e o incêndio devorador acabou com tudo.”

    Paulo Cesar é uma das lideranças da Comunidade Vila Paula e trabalha na reconstrução da vila

    A comunidade existe há cerca de cinco anos e abriga aproximadamente 176 famílias que moram no local e outras 70 suplentes, que não moram ali. No total, segundo Paulo, são ao menos 700 pessoas, entre crianças, idosos e adultos.

    Elas perderam tudo

    As 24 famílias perderam tudo e ficaram apenas com a roupa do corpo.

    Lourrane , mãe de Abdias e grávida de sete meses conta que ficou muita assustada. A vizinha tentou  alertá-la  sobre o incêndio mas o fogo estava intenso.

    “ Foi desesperador. Eu tenho um sono pesado e não ouvi as batidas em minha porta. Quando eu  me atentei  e abri a porta, um calor intenso e fumaça invadiram  minha casa. Eu peguei meu filho e  minha bolsa com documentos e saí correndo. Assim que eu saí algo que me pareceu  como um botijão de gás estourou e  a chama do fogo  começou a incendiar o meu barraco. Perdi tudo. Tinha acabado de chegar cesta básica e verduras. Estava tudo abastecido.”

    Mãe e filho tem a esperança de reconstruir o barraco

    “ É desanimador olhar para tudo aquilo que a gente construiu com tanto sacrifício e ver tudo em cinzas , mas eu também agradeço por estar viva com meu filho e bem.”

    Do mesmo modo,  Isadora também relembra com pesar . Casada, mãe de dois filhos  morava  com eles e seu marido no barraco que também foi destruído.

    A família de Isadora perdeu tudo e ficou apenas com a roupa que estava no corpo

    “ Ficamos só com a roupa do corpo. Tentamos até tirar algo da nossa casa mas não deu certo. Não deu tempo. Salvamos os nossos filhos.”

    O casal trabalha  e tiveram que faltar esses dias no trabalho mas pretendem retornar o mais breve possível.

    Paulo Cesar segurando uma cavadeira fala de peito aberto esperançoso

    “ Estamos começando a fase de reconstrução. A nossa casa está sendo reconstruída. Nosso povo está aí trabalhando para isso.  A prefeitura está com equipes no trabalho de reconstrução. Os barracos serão de madeira. Recebemos muitas doações Campinas se mobilizou e algumas cidades da região também como  Paulínia e Valinhos. Temos que agradecer muito a solidariedade”

    As doações vindas de Campinas e algumas cidades da região

    A futura mamãe também se sente esperançosa.

    “ Sei que posso ter meu bebê e voltar para a casa e terei uma casa”

    Ela havia sido presenteada com um berço e uma cômoda para o bebê, os  móveis foram consumidos pelas chamas durante incêndio.

    Abdias, um garoto esperto de cinco anos, vivenciou a experiência da tragédia.

    Abdias perdeu todas as suas roupas e brinquedos no incêndio.

    “ Todos os meus brinquedos  foram queimados. Perdi todos os meus brinquedos e roupas. Quero voltar para a minha casa”.

     A mãe do garoto agradece as pessoas que se solidarizaram  com as famílias da Vila Paula e fizeram doações.

    Isadora  diz se sentir aliviada  pelas doações e também pela reconstrução.

    “ As doações dão um ânimo da gente. Também já vai começar a reconstruir. Isso  também  já ajuda muito. Porque tudo que passamos  é muito triste”

    Crianças brincam entre as madeiras “kits barracos” – como está sendo chamado – providenciados pela Secretaria de Habitação , em um total de 35 , para a construção de moradias de 20 metros quadrados com banheiro

    “As doações são importantes para a Comunidade da Vila Paula sobretudo quando os barracos estiverem prontos novamente. Vamos precisar montar morada. Móveis. geladeiras. Comida.” segundo Paulo Cesar

    Onde entregar as doações :

    1-Comunidade Frei Galvão da Paróquia São Marcos, O Evangelista – Rua Valentino Biff, s/n – em frente ao CDHU San Martin

    2- Escola Maria de Lourdes Bondine no CDHU San Martin, entre as quadras R e U.

  • Famílias da Comunidade Mandela fazem ato em  frente à Prefeitura de Campinas

    Famílias da Comunidade Mandela fazem ato em frente à Prefeitura de Campinas

    Em busca de uma solução, mais uma vez, moradores tentam ser atendidos

    Os Moradores da Comunidade Mandela  fizeram nesta quinta-feira (17), um ato de protesto em frente à Prefeitura  de Campinas. O motivo da manifestação  é o   impasse  para o  problema da moradia das famílias que se arrasta desde 2016. E mais uma vez,  as famílias sem-teto  estão ameaçadas pela reintegração de posse, de acordo com despacho  do juiz  Cássio Modenesi Barbosa, responsável pelo processo a  sua decisão  só será tomada após a manifestação do proprietário.
    Entretanto, o juiz  não considerou as petições as Ministério Público, da Defensoria Pública que solicitam o adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19, e das especificidades do caso concreto.
    O prazo  final   para a  saída das famílias de forma espontânea  foi encerrado no dia 31 de agosto, no dia  10 de setembro, dez dias depois de esgotado o a data  limite.

    As 104 famílias da Comunidade ” Nelson Mandela II” ocupam uma área de de 5 mil metros quadrados do terreno – que possui 300 mil no total – e fica  localizado na região do Ouro Verde, em Campinas . A Comunidade  Mandela se estabeleceu  nessa área em abril de 2017,  após sofrer  uma violenta reintegração de posse no bairro Capivari.

    Negociação entre o proprietário do terreno e a municipalidade

    A área de 300 mil metros quadrados é de propriedade de Celso Aparecido Fidélis. A propriedade não cumpre função social e  possui diversas irregularidades com a municipalidade.

     As famílias da Comunidade Mandela já demonstraram interesse em negociar a área, com o proprietário para adquirir em forma de cooperativa popular ou programa habitacional. Fidélis ora manifesta desejo de negociação, ora rejeita qualquer acordo de negócio.

    Mas o proprietário  e a municipalidade  – por intermédio da COAB (Cia de Habitação Popular de Campinas) – estão negociando diretamente, sem a participação das famílias da Comunidade Mandela que ficam na incerteza do destino.

    As famílias querem ser ouvidas

    Durante o ato, uma comissão de moradores  da Ocupação conseguiu ser liberada  pelo contingente de Guardas Municipais que fazia  pressão sobre os manifestantes , em sua grande maioria formada pelas mulheres  da Comunidade com seus filhos e filhas. Uma das características da ocupação é a liderança da Comunidade ser ocupada por mulheres,  são as mães que  lideram a luta por moradia.

    A reunião com o presidente da COAB de Campinas  e  Secretário de  Habitação  – Vinícius Riverete foi marcada para o dia 28 de setembro.

  • Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz  despacha finalmente

    Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

    Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
    No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
    A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

    Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

    “ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

    Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

    https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

    Campinas  prorroga  a quarentena

    Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

     A  Comunidade Mandela e as ocupações

    A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
    Leia mais sobre:  
    https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

  • Em meio à Pandemia a Comunidade Mandela amanhece com ameaça de despejo

    Em meio à Pandemia a Comunidade Mandela amanhece com ameaça de despejo

    O dia de hoje (31/08) será decisivo para as 108 famílias que vivem na área ocupada na região do Jardim Ouro Verde em Campinas, interior de São Paulo.  Assim sendo, o último dia do mês de agosto, a data determinada como prazo final para que os moradores sem-teto deixem a área ocupada, no Jardim Nossa Senhora da Conceição.   A comunidade está muito apreensiva e tensa aguardando a decisão do juiz  Cássio Modenesi Barbosa – da 3ª Vara do Foro da Vila Mimosa que afirmou só se manifestar sobre a suspensão ou não do despejo na data final, tal afirmativa só contribuiu ainda mais para agravar o estado psicológico e a agonia das famílias.

    A reintegração é uma evidente agressão aos direitos humanos  dos moradores e moradoras  da ocupação, segundo parecer socioeconômico  do Núcleo  Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo . As famílias não têm para onde ir e cerca de entre as/os moradoras/es estão 89 crianças menores de 10 anos, oito adolescentes menores de 17 anos, dois bebês prematuros, sete grávidas e 10 idosos. 62 pessoas da ocupação pertencem ao grupo de risco para agravamento da Covid-19, pessoas idosas e com doenças cardiológicas e respiratórias, entre outras podem ficar sem o barraco que hoje as abriga.

    A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara de Campinas e o Ministério Público (MP-SP) se manifestaram em defesa do adiamento da reintegração durante a pandemia. A Governo Municipal  também  se posicionou favoravelmente  a permanência após as famílias promoverem três atos de protesto. Novamente  a  Comunidade  sofre com a ameaça do despejo. As famílias ocupam essa área desde 2017 após sofrem uma reintegração violenta em outra região da cidade.

    As famílias

    Célia dos Santos, uma das lideranças  na comunidade relata:

    “ Tentamos várias vezes propor  a compra do terreno, a inclusão das famílias em um programa habitacional, no processo existem várias formas de acordo.  Inclusive tem uma promessa que seriam construídas unidades habitacionais no antigo terreno que ocupamos e as famílias do Mandela  seriam contempladas. Tudo só ficou na promessa. Prometem e deixam o tempo passar para não resolver. Eles não querem. Nós queremos, temos pressa.  Eles moram no conforto. Eles não têm pressa”

    Simone é mulher negra, mãe de cinco filhos. Muito preocupada desabafa o seu desespero

    “ Não consigo dormir direito mais. Eu e meu filho mais velho ficamos quase sem dormir a noite toda de tanta ansiedade. Estou muito tensa. Nós não temos para onde ir, se sair daqui é para a rua. Eu nem arrumei  as  coisas porque não temos nem  como levar . O meu bebê tem problemas respiratórios e usa bombinha, as vezes as roupinhas dele ficam sujas de sangue e tenho sempre que lavar. Como vou fazer?”

    Dona Luisa é avó, mulher negra, trabalhadora doméstica informal e possui vários problemas de saúde que a coloca no grupo de risco de contágio da covid-19. Ela está muito apreensiva com tudo. Os últimos dias têm sido de esgotamento emocional e a sua saúde está abalada. Dona Luisa está entre as moradores perderam tudo o que possuíam durante a reintegração de posse em 2017. A única coisa que restou, na ocasião, foi a roupa que ela vestia.

    “ Com essa doença que está por aí  fica difícil  alguém querer dar abrigo  para a gente. Eu entendo as pessoas. Em 2017 muitos nos ajudaram e eu agradeço a Deus. Hoje será difícil. E eu entendo. Eu vou dormir na rua, junto com meus filhos e netos.
    Sou grupo de risco, posso me contaminar e morrer.
    E as minhas crianças? O quê será das crianças? Meu Deus! Nossa comunidade tem muitas crianças. Esses dias minha netinha me perguntou onde iríamos morar? Eu me segurei para não chorar na frente dela. Se a gente tivesse para onde ir não estaria aqui. Não é possível que essas pessoas não se sensibilizem com a gente.
    Não é possível que haja tanta crueldade nesse mundo.”

  • A revolução da educação na quebrada é feita pela própria quebrada

    A revolução da educação na quebrada é feita pela própria quebrada

    “Nasci no escadão da Vila Solange, Guaianazes e tudo que sei sobre a vida aprendi aqui.”

    Assim começa o bate papo online que tive, na tarde desta sexta (19/06), com Pamela Vieira, bióloga e gerente de baladas que encontrei num grupo de Whatsapp.

    A postagem que estimulou esse contato trazia uma série de fotos de crianças da zona Leste de São Paulo estudando juntas, dentro de uma casa simples, como se fosse uma sala de aula improvisada. As imagens, em ampla maioria, mostravam mulheres negras da comunidade orientando as crianças em atividades recreativas e educacionais. Vi ali um cenário tão organizado – ou até melhor – que uma sala de aula de escola particular de um bairro de classe média da capital. O post havia sido publicado no grupo pelo professor de artes negro João Tody. 
    Imediatamente, lembrei do Ensino à Distância tão vangloriado por João Doria, governador de SP, e que tem sido seriamente criticado não só por pais e professores como, também, por estudantes que desde o início da pandemia do novo Coronavírus denunciam dificuldades absurdas para acessar as aulas.
    Além do improviso pedagógico e da falta de estrutura para amparar educadores nessa nova modalidade de ensino, não foram levados em consideração problemas inerentes à uma proposta de ensino universal; como a falta de acesso a computadores pelos alunos ou as péssimas conexões de internet, especialmente, em bairros das periferias de São Paulo.
    Tudo feito pela comunidade
    Aquelas fotos que retratavam a iniciativa em Guaianases me emocionaram. Resolvi saber mais sobre aquelas crianças e os métodos de organização das atividades. De cara, descobri que tudo é completamente autônomo, sem o incentivo de nenhuma empresa e subsidiada pelos próprios moradores do local. Algumas doações de materiais escolares vieram de pessoas próximas ao bairro.

    A bióloga, Pamela Vieira é a idealizadora do projeto

    Quando perguntei a Pamela o porquê de ter iniciado a atividade, ela trouxe a realidade de sua infância. “Parei um dia para observar a vida das crianças ao meu redor, inclusive do meu filho, e vi que por mais que ainda existam as brincadeiras, faltava educação de escola mesmo. Lembrei que quando pequena eu sempre brincava de escolinha com minhas primas e assim aprendia muitas coisas. No início dessa pandemia, me sentia muito triste e para não me entregar a uma depressão, decidi me ocupar dando amor e atenção a essas crianças e recebendo em dobro.“ 

     

    A iniciativa educativa atende cerca de 25 crianças e adolescentes que vivem nessa região da cidade e muitas ainda não são alfabetizadas. Algumas famílias têm mais de 5 filhos, todos crianças pequenas e muitos pais não conseguem, durante a pandemia, manter em seus lares o ritmo de aprendizado das escolas onde estudam. Assim, Pamela conta que o intuito do projeto é fazer com que esse tempo fora das “salas de aula oficiais” seja produtivo. Ela acha imprescindível ensinar e reforçar de forma divertida e criativa o papel da escola. As aulas acontecem entre 10h e 14h, de segunda a sexta.
    A maioria das crianças vive o dia inteiro em seus quintais, algumas são órfãs de pai ou mãe ou às vezes dos dois. Algumas moram com avós. O perfil predominante é daqueles que não têm o pai presente e, neste caso, suas mães trabalham em casa mesmo. Em tempos de pandemia, crise e fome crescentes, a situação anda cada vez mais trágica.
    A bióloga defende que o projeto vai fortalecer a educação dessas crianças, não só no tema da alfabetização, mas filosoficamente, pois uma visão sobre quem eles são e tudo que podem ser começa a ser ampliada.

    O professor João Tody vai doar para as crianças suas experiências na arte

    O professor João Tody, que me alertou sobre a iniciativa, também vai se juntar às crianças e na próxima semana, iniciará aulas de artes para a molecada por lá. “Antes nós achávamos que a revolução seria feita quando algum senhor de terno, barba e óculos aparecesse na quebrada e criasse um projeto social, mas ninguém com essas características chegou por aqui e percebemos que a revolução teria de ser uma iniciativa de nós mesmos.” diz, Tody

    Importante dizer que além de aprender, as crianças recebem o lanchinho todos os dias. “A gente faz um pão com manteiga e nescau, ou bolacha com suco. A maioria das coisas que eles comem eu mesma compro e outros doam bolachas e doces. Para arrecadar algum dinheiro eu vendo geladinhos aqui em casa. As vezes, acham que somos salvadores dessas crianças, mas são elas é quem nos salvam.” Finaliza, Pamela

    Importante: no retorno às suas casas, crianças e pais cumprem rigorosamente todos os protocolos de assepsia e cuidados contra o COVID-19
  • Nove, o botão da morte!

    Nove, o botão da morte!

    Na palavra elevador, agora, só vejo o pequeno Miguel, penso no menino Miguel, o anjo preto, só rezo Miguel, combato com Miguel! Afinal de contas por que ela apertou o botão nove se o garoto ia para o térreo? Quem é aquela que a câmera mostra? O que a cena revela? Mostra o menino quase fugindo daquela pessoa, era uma escapada dela, me pareceu. Sari pensa um segundo e aperta o 9. Este ato, para mim, faz o crime migrar para doloso.

    À medida que, no pensamento dela, pessoas negras valem menos. Está convicta de que aquela pessoa “de cor” é uma sub pessoa. Entre Miguel e um menino branquinho, este último vale mais, é de uma raça melhor, ou melhor, é da melhor raça. Tal qual o cachorro da madame. A cena da doméstica indo caminhar com o cachorro da patroa deixando seu filho com a madame me remete ao menino que era tirado do peito da escrava. O filho preto está sendo amamentado, mas é tirado do peito porque o filho da sinhá está chorando de fome e precisa da SUA ama de leite. Ela tem que tirar o filho dela do seio para dar comida ao filho da sinhá. Ela tem que deixar o filho dela chorando para levar o cachorro da patroa. Não estou comparando o filho da patroa com o cachorro, mas estou comparando importâncias.

    É chocante que haja quem ainda não entenda que o fundamento desse gesto é o racismo. Ela não faria isso, provavelmente, com filho de uma amiga. Outra pergunta que paira no ar: por que menino foi pelo elevador de serviço? Criança vai por qual elevador? O que é o elevador de serviço, qual é a sua função? É pra que categoria? Muito estranho que tenhamos que provar sempre o doloso dessa violência institucionalizada contra nós. Ela têm intenção de nos matar. Nossas vidas não importam. O racismo estrutural organiza um funcionamento necropolítico que tenta há séculos o extermínio do povo negro, e vem sendo doloso há muito tempo porque quem nos mata tem privilégios com as oportunidades que nos negam e com a nossa morte.

    Bem, no caso de George Floyd a flagrante prova de que foi homicídio com dolo, com vontade, com querer, está na imagem: ninguém vai ficar nove minutos em cima de um homem indefeso com o joelho sobre o pescoço dele, se não quiser matá-lo, principalmente sendo essa pessoa um policial que sabe bem como matar, onde matar e até que ponto seguir ou parar. Mesmo filmado o frio assassinato com o policial Derek Chauvin de mão no bolso, executando gelidamente a vítima, ainda assim, não se estampa uma imagem aos olhos do mundo de que estamos diante de um branco sanguinário matador e matador de um homem desarmado. Acontece que a supremacia branca tratou de livrar a sua barra de tal jeito, que mesmo a gente tendo sabido há anos de grandes transações corruptas articuladas e realizadas por altos homens brancos, quando se senta à mesa diante de qualquer homem branco, se tem respeito, não se tem medo de ser passado pra trás. O “filme“ do branco continua limpo. Impressionante.

    Ano passado fui trocar a tela do meu celular, um funcionário me deu um preço de manhã, o outro me deu outro preço quando fui autorizar de tarde. Eu vi. Ele não sabia que eu já sabia do preço certo e mentiu. Mas era cem a menos mais cedo, protestei. Ele quase sorriu, sem-graça. Flagrante. Na minha cara. O branquinho querendo me passar a perna e mesmo assim ninguém fala: Mas ô branco bandido! Ladrão. Fica difícil manchar seu nome, queimar seu filme, sujar sua barra. Então, a primeira dama de Tamandaré, Sari Gaspar não conseguiu acolher uma criança por dez minutos enquanto a mãe cumpria suas ordens? Percebe como esta cena revive o trágico e cotidiano dia a dia das senzalas onde mães choraram dores que não estão nos livros. Aquela cena sagrada da amamentação foi muitas vezes cortada na base da chicotada, na alma do coração materno e na do bebê. Essa conta não foi para a estatística. Não conta. Para a sinhá pouco importava que a cena fosse interrompida, porque uma vidinha negra não importava. E isso não mudou. Assim pensavam os antepassados de Sari Gaspar e assim pensa ela. Quando a empregada doméstica sai com o seu cachorro e deixa o próprio filho, é também uma troca de partir o coração. Quando alguém nos confia um filho, temos ouro nas mãos e a responsabilidade dobra, porque quando a mãe vier , temos que dar conta da criança, seu tesouro. Isso não está em nenhuma cartilha, mas por empatia, podemos todos entender facilmente o dogma. No entanto, o que vemos no vídeo, é a acusada, a branca vilã do filme, meio que correndo atrás do menino, sem cara de bons amigos e, pior que tudo, disposta a mudar ali um destino. Essa leitura me ocorreu quando vi o tempo em que ela para, pensa, e decide apertar o botão do nono andar.

    As matérias até agora dão conta de que: a empregada estava trabalhando na quarentena, em meio à indicação de isolamento social, juntamente com uma manicure que se encontrava também indevidamente no apartamento, que a doméstica e sua mãe eram contratadas pela prefeitura e, para completar, ainda há um rumor de que a sinhá estaria inscrita na lista dos que podem receber auxílio emergencial. A mulher do prefeito!!!A que paga a fiança. A pior parte da lista de crimes, foi vê-la acompanhar o menino até o elevador de serviço e apertar o botão da morte. A mãe estava no térreo, o elevador social não dava na área perigosa em que o menino foi metido. Em inúmeras famílias brasileiras ainda se pode ver os filhos dos empregados da casa agindo como empregados, escravinhos das crianças da casa, dos filhos dos patrões. Aquela vida negra valia pra a madame tanto quanto não valia o menino que a mãe parava de amamentar na senzala para alimentar a boquinha da casa grande. Quem ela exclui como um saco de lixo no elevador de serviço é o mesmo que não está nos comerciais de tv como um bebê lindo, saudável. É o mesmo invisível que ela “não vê “ num calçadão de Recife ou de Ipanema. Crianças pretas abandonadas nas ruas, pra essa gente, estão ali porque mereceram. “São incapazes, está na índole.“ A nossa elite escrota, obscurantista, vingadora, hipócrita, corrupta, racista nem sempre esconde sua pior face e a exibe por exemplo, através do explicitado naquele vídeo que viralizou mostrando um morador de Alphaville, alterado, mal educado, grosseiro, descontrolado, esfregando na cara do oficial que ele ganha trezentos mil por mês contra mil daquele operário. Excelente ilustração. A esposa pediu socorro pois ele estava agressivo e ameaçador. A polícia veio, e a elite a escorraçou humilhantemente de sua porta. Não ouvi ninguém da branquitude dizer, mas que branco escroto! Mesmo merecendo, mesmo parecendo ser o caso. Da mesma maneira que os policiais que estavam em volta do crime do George Floyd são seus cúmplices, também são cúmplices da Sari Gaspar todos que pensam como ela e que são negligentes cruéis com os filhos da “criadagem.”

    André Rebouças, grande engenheiro e pensador do Brasil livre, propôs, através de seu “Republica Nacional”, uma distribuição de terra, uma reforma agrária exatamente como programa de pós abolição. A idéia era dar pequenas propriedades para os pretos alforriados, com o fim da escravatura. Afinal, é como ele dizia: “quem possui a terra, possui o homem.” Os antepassados de Sari Gaspar, sejam eles italianos, alemães, espanhóis, holandeses, receberam terra para trabalhar quando aqui chegaram, ao contrário dos negros do pós abolição que tinham sido sim, propriedades dos senhores e nunca teriam direito fácil a alguma território legítimo. Deu no que deu. A casa grande que sempre desprezou as leis, exibe sua ignorância homicida e paga vinte mil por tirar a vida de uma criança. Que vergonhoso e assustador negócio. Coisa que esfrega na cara da sociedade essa lança, essa indecência, coisa que se fosse ao revés, essa doméstica estaria em péssimos lençóis e sem direito à fiança até. Espero que os advogados da família do Miguel atentem para o gesto em que ela apertou o 9, com uma criança de cinco anos dentro do elevador que provavelmente não tinha costume de andar naquilo. Acredito que ela tenha dispensado a ele menos atenção e valor do que se conferiria a um filho branco de uma amiga, principalmente de sobrenome importante lá pras bandas de Pernambuco. Seu crime pra mim é doloso, sua negligência não considerou aquela vida. Ela pôs o menino em risco e perigo. Abusou do incapaz. E provocou sua morte. Já vimos aquela cena, e ela deve acontecer muito por aí. A madame desta vez deu azar porque esse é o assunto da hora e o tempo de agora é de gente fazendo protesto na porta de racista. Quem me lê corra atrás do prejuízo pois há um longo caminho a percorrer para os escravocratas. Ou se é antirracista ou se suja as mãos com sangue preto inocente. A morte de Miguel em Recife me mostra isso. Quando Sari Gaspar pôs o menino sozinho no elevador de serviço provou seu desprezo por ele, e total descaso ainda, pela antiga lei do ventre livre, de 1871, a partir da qual o filho de escravo não era escravo mais não. Avante, neo abolicionistas daqui e do mundo! Ou o antirracismo geral e atuante fará diferença substancial nesta democracia, ou então, esta democracia não será nada!

    Elisa Lucinda, junho injusto de 2020