Era um velho de cabelos brancos, tal sábio dos grandes sertões. Abrem-se as portas do teatro e ao som de pequenos grilos, feito com o estalido dos dedos e a ponta das línguas, artistas nos inserem na fábrica de cultura, uma oficina e seus mistérios, uma usina e seus moinhos. Nada a esconder, há apenas o anúncio da boa nova, a voz dos que cultivam a terra.
Na oferenda em construção na rua imaginária Lina Bo que corta o teatro, homens elásticos e suas ninfas delimitam um círculo de terras misturadas com o solo da aldeia, das ocupações e da terra da resistência do Teatro Oficina. José Celso Martinez anuncia a todos, em voz calma e firme, o martírio da nação nesse momento, nossas aflições e dúvidas.
À roda xamânica juntam-se Sônia Guajajara e Guilherme Boulos. O som de tambores e suaves percussões arrefecem as desilusões da nova ordem, querem todos saber o que fazer nesse momento das batalhas que nos unem.
A lucidez de Sonia Guajajara nos desconcerta, como salvar os rios, a terra quando a palavra de ordem agora é o desenvolvimento econômico? Aquilo que afeta a terra não afetará apenas os povos indígenas. Guilherme Boulos nos fala do despejo silencioso que se faz na grande cidade, onde o avanço de obras e aparelhos sociais como metrô e vias novas despejam os mais pobres para periferias mais distantes, pela valorização do solo urbano.
Novamente a pergunta incide, o que fazer? Cultura. Cultura é a atitude que nos reporta e redime do medo e tempos incertos. Somos da cor da terra e a terra está embaixo do asfalto. Todos são convocados, na náusea desse momento de conflito, a romper o chão e fazer-se flor.
“É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
Este vídeo é a primeira vez em que se apresentou a música Golpistas, de Caio Prado, no espetáculo #NãoRecomendados. O espetáculo é a união de três autores intérpretes: Caio Prado, Daniel Chaudon e Diego Moraes; e um produtor autor, Edu Capello com a mesma vontade: transformar, questionar e provocar os padrões comportamentais e burocráticos da sociedade. A canção hino, Não Recomendo manifestam um grito de liberdade diante das hipócritas aparências que permeiam a sociedade, apresentando-se como arte combativa às forças machistas, homofóbicas e racistas.
As próximas apresentações são:
Caio Prado se apresenta em seu espetáculo solo, “Variável Eloquente”
8 de junho no Espaço Cultural Sergio Porto, no Humaitá, RJ
O espetáculo #Não Recomendados:
18 de Junho, às 22:30 – Festival Gamboavista, RJ.
13 de Julho, às 21h – Theatro Net Rio.
SEGUE a LETRA de Golpistas
Golpistas
de Caio Prado
Enquanto você dorme
Eles planejam um novo golpe
Dão armas aos fascistas
Eles são falsos moralistas
Enquanto você ri
Eles dão curso ao retrocesso
Conspiram ministérios
Eles sustentam privilégios
Transformam o oprimido em opressor bandido
Legislam pela redução da idade penal
Reprimem manifestações com militares
Iludem livremente em rede nacional
Precisamos falar de política
A todo custo à praça pública ocupar
Precisamos falar de política
A nossa luta é pela resistência popular
Enquanto você dorme
Eles planejam um novo golpe
Grampeiam o seu sono
Eles são ratos desumanos
Enquanto você ri
Eles torturam o seu passado
E se você não pensa
Os mortos não estão na imprensa
Massacram todo dia pobre nas favelas
Defendem morte como pena pra marginal
Revogam previdências de trabalhadores
Governam para a exploração do capital
Publicamos em nossa pagina no facebook este vídeo abaixo de Caio Prado, no Ocupa Semente, no Bar Semente, dia 18 maio, que reuniu mais de 17 artistas, entre eles Elisa Lucinda, Mu Chebabi, Alvinho Lancellotti, Mihay, entre outros e arrecadou mais de 130 kg de alimentos que foram doados para o Instituto de Educação Rangel Pestana, em Nova Iguaçu, RJ. A organização do evento foi feita pelo Mihay Vetyemy.
Era apenas o começo de um fortíssimo discurso cidadão que, sem jamais citar nomes, respingou em políticos profissionais como o presidente peemedebista da Câmara Federal, Eduardo Cunha, e os governadores peessedebistas dos estados de São Paulo, Geraldo Alckmin, e Paraná, Beto Richa. O protesto-provocação prosseguiu, estruturado em rimas e na linguagem-poema original, de identidade, do artista paulistano:
“E aí vira o quê? Os com-diploma versus os consciência. A Fundação é tudo, menos Casa, prum interno. É mó boi odiar o diabo, eu quero ver cê se ver lá no inferno. Não existe amor em SP? Existe pra caralho. Cês acham que as Mães de Maio chora por quê? Tendo que sobreviver ao pai que abusa, ao ferro sob a blusa, às farda que mata nós e nunca fica reclusa, ao Estado que te usa, ao padrão de beleza musa e aos otário que inda quer vim me falar de racismo ao contrário. Tempo doido, tempo doido, a espinha gela, onde as mulher é estuprada e no final a culpa ainda é delas. O problema é seu e da sua dor. Às vez eu me sinto inútil aqui, que eu não valho nada, igual o governo tem tratado os professor. Mas presses bunda mole aí que acha que nós tá dormindo, um aviso: não é porque nós tá sonhando que nós tá dormindo, viu?”.
O público de Emicida canta numa só voz na praça Júlio Prestes — Foto: Mídia Ninja
Ao discurso, seguiu-se o (quase) puro candomblé do rap libertário “Ubuntu Fristaili” (2013), de refrão que todo o público do Palco Júlio Prestes repetiu a plenos pulmões: “Axé pra quem é de axé/ pra chegar bem vilão/ independente da sua fé/ música é nossa religião”
Manifestantes perguntam na plateia do Palco Júlio Prestes: “77% dos jovens que morrem no Brasil, por armas de fogo, são negros! Isso te importa?” — oto William Oliveira/ Coletivo MIRA
Se o desagravo não barra a barbárie das propostas ultracapitalistas de redução da maioridade penal e nem a dor da menina apedrejada por ser afro-brasileira, ainda assim o recado foi emitido para milhões de brasileiros, ao vivo e via internet — e para a mãe de Emicida, Jacira Roque de Oliveira, que dançava toda majestosa em trajes afro-brasileiros, no asfalto em frente ao palco alto do filho.
Mas por que nem Emicida, o mais audaz e arrojado de nossos artistas atuais em termos de discurso, costuma dar nomes aos bois em suas falas mais políticas?
E por que, no extremo do comportamento de manada medíocre da MPB (que agoniza, mas não morre), o silêncio sepulcral é a regra quase intransponível? Por que nove vírgula nove de cada dez estrelas que colhem dinheiro público para cantar “de graça” na Virada Cultural se calam solenemente em frente a microfones públicos poderiam versar sobre política, direitos humanos, justiça & injustiças, desejos, sonhos, reivindicações, pedidos, declarações de amor?
Em entrevista recente que irá ao ar nos próximos dias no FAROFAFÁ, a compositora, cantora e deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) comentou o caso de uma importante cantora popular brasileira, que por questões contratuais não pode falar de política em entrevista gravada para a rede Jornalistas Livres: “Os artistas independentes estão tranquilos. Eles não estão a fim de seguir essas regras. A primeira coisa que (os contratantes) fazem é fazer você botar roupa da marca tal. se vestir de tal maneira, mudar seu cabelo, ter uma banda com tais e tais músicos, ter backing vocal. Isso é um negócio maluco”.
Foto: Michelli Oliveira/MIRA
É um negócio maluco, como diz a nobre Leci, mas é sob essa cama que o discurso de Emicida estronda em meio a um enorme vazio conceitual. Artistas de forte pendor direitista e reacionário, como os roqueiros oitentistasLobão e Roger Moreira doUltraje a Rigor, recebem farta repercussão na mídia tradicional (apenas) quando vociferam contra governos progressistas ou se integram marchas direitistas. Os demais variam entre o desinteresse completo por parte dos repórteres, a mudez e o cerco armado por assessorias ferozes de (não) comunicação.
Como exemplo desse último padrão, ao final do show do grande Erasmo Carlos, tento me aproximar dele a pedido do colega Fernando Sato, para tomar um depoimento sobre maioridade penal. Alguém da assessoria me adverte de que se eu tentar serei imediatamente interrompido.
Às 10h do domingo, Erasmo Carlos se dirige ao palco dos 50 anos de jovem guarda, na av. São João — Foto Pedro Alexandre Sanches
Outro, quando mesmo assim chego perto do artista, me ameaça com expressão terrível nos olhos caso eu ouse descumprir as regras que ELES estipularam. Resultado: só consigo ouvir, da boca de Erasmo em pessoa, um breve “leio sempreo que você escreve no Twitter” (e não é que, sim, artistas leem Twitter?!). Talvez eu acredite que meu ídolo é essencialmente bom e seus assessores, maus pela própria natureza hipercapitalista — mas só se eu eu acreditar no maniqueísmo dos contos de fadas e dos filmes de Quentin Tarantino.
Num panorama global (não uso por acaso a palavra “global”), o que a valorosa exceção Emicida confirma é a regra de que “liberdade de expressão”, “liberdade de imprensa”, ”liberdade de opinião”, “liberdade artística” & outras ~liberdades~ são bandeiras falsas sempre desfraldadas como pega-trouxas pelas indústrias da informação, da cultura e do entretenimento.
Em geral, quem brada por “liberdade de expressão” em situações de aperto são os mesmos ~agentes culturais~ (e políticos) redatores ocultos das ~cláusulas de contrato~ que proíbem artistas, professoras, manifestantes, cidadãs, jornalistas e transformadoras sociais de se pronunciar em termos políticos, cidadãos, humanitários, poéticos. Nesses nichos, ainda somos a ditadura civil-militar de 1964.
Em tempo: O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), o mais recente álbum de Emicida, foi lançado independentemente pelo Laboratório Fantasma, selo (e loja) de que ele é dono e presidente.