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  • Pacto de Mediocridade: a guerra subterrânea dos trabalhadores da Livraria Cultura (1)

    Pacto de Mediocridade: a guerra subterrânea dos trabalhadores da Livraria Cultura (1)

    Publicado originalmente em Passa Palavra no dia

     

    Colegas trabalhadores de outros ramos entrevistam ex-funcionários da livraria

    Ao longo dos últimos anos, assistimos à crise do mercado do livro no Brasil. A quebra de grandes redes de livrarias – como a Fnac, que fechou todas as lojas, ou a Cultura e a Saraiva, que estão em processo de recuperação judicial – abalou toda cadeia de produção, deixando editoras com dívidas milionárias e levando gráficas à falência. Pelos noticiários, conhecemos apenas o ponto de vista dos patrões: uns tentando se salvar, outros enxergando oportunidades para lucrar. Quem passa despercebido nessa história são os milhares de trabalhadores que pagam o pato com sobretrabalho, dupla função, horas extras não-pagas, perseguições, assédio moral e a ameaça de perder o emprego. Que formas de resistência estão sendo travadas no chão das livrarias?

    Nessa entrevista, três ex-funcionários remontam uma história subterrânea dos conflitos na Livraria Cultura. Entre 2013 e 2016, trabalhadores de diferentes lojas travaram uma verdadeira guerra silenciosa contra os abusos dos seus patrões. Com o “pacto de mediocridade”, transformaram o processo de trabalho num terreno de disputa. Hoje, anos depois, essa experiência é um exemplo importante para inspirar novas gerações de trabalhadores a resistir, num momento em que essas empresas se encontram muito mais fragilizadas.

    Entrevistador: Como foi a história dessa treta na livraria?

    Colega 1: A Livraria Cultura tem muitos anos e, durante muito tempo, foi gerenciada por uma mesma família. O filho do fundador herdou a empresa e ficou como presidente. Em 2012, parece que o Itaú entrou como acionista da livraria. Ninguém sabe muito bem – porque eles nunca deram detalhes –, mas especula-se que foi isso: o Itaú entrou como acionista e tinha direito a uma parte da empresa.[1] E, a partir disso, o Itaú começou a implementar mudanças. Na primeira delas, ele falou: “olha, não faz sentido pagar pra um vendedor 5 mil reais por mês” – na época os vendedores ganhavam muito bem – “não faz sentido você pagar um salário de bancário pra um vendedor, e a primeira coisa que vocês vão fazer é dar um jeito de mudar isso.”

    Colega 2: Aí em 2012 teve o primeiro grande corte da livraria. Na época, eles mandaram embora todos os vendedores, toda a equipe que existia na loja matriz, em São Paulo… E ficaram só com doze pessoas. A gente brincava que eram os doze apóstolos, que essas doze pessoas foram escolhidas a dedo para continuar lá. Foram as únicas que permaneceram, todos os outros foram cortados. Na leva que entrou depois, o salário já era menos da metade, eles cortaram, sei lá… um salário de 5 mil e quinhentos foi pra 2 mil. Pois bem, mas àquela época, apesar de tudo, a Livraria ainda era um lugar interessante pra trabalhar. Você tinha benefícios, condições interessantes… enfim, apesar de tudo fazia sentido estar lá.[2]

    A treta na loja de Curitiba em 2013

    Colega 1: Mais ou menos um ano depois, em abril de 2013, teve uma demissão em massa numa loja específica, a loja de Curitiba. O que aconteceu? Uma menina, cansada de algumas condições de trabalho… Ela não tava de acordo com a maneira como a gente era pago, com a maneira como o nosso salário era calculado…

    Colega 3: A gente, na época, não tinha acesso ao cálculo do nosso salário. A comissão nunca foi individual, ela sempre foi uma comissão coletiva, então você precisava saber o faturamento, precisava saber o cálculo base, sei lá. Eles nunca abriram esses dados pra gente.

    Colega 1: E, bom, essa menina de Curitiba escreveu um texto falando sobre essas questões, e ela mandou pro correio interno, pra toda a empresa.[3] Na época, você tinha essa ferramenta, né, como se fosse um e-mail, um correio interno que você conseguia selecionar a empresa inteira se você quisesse, de todos os setores, e mandar pra todo mundo. Hoje em dia não, né?

    Colega 3: Depois que aconteceu isso, eles restringiram essa ferramenta, mas na época dava.

    Colega 1: Cara, quando disparou esse e-mail pra empresa… cinco minutos depois, ela foi chamada na sala e tomou uma justa causa. Isso lá em Curitiba. Mas engraçado foi o que aconteceu depois. Todas as pessoas que responderam esse e-mail, independente de qual tenha sido a resposta, foram mandadas embora na sequência. Foi um efeito dominó. A loja de Curitiba praticamente ficou sem funcionário aquele dia, porque quase todo mundo foi mandado embora. Quase todo mundo tinha respondido o correio, sem saber, né?

    Colega 3: E pessoas daqui de São Paulo também. Várias pessoas foram mandadas embora também, porque responderam desavisadas.

    Colega 1: Eu acho que isso foi uma das primeiras situações de que eu me lembro de ter acompanhado, que foi assim: “meu, tem alguma coisa errada com essa empresa”. E depois a gente começa a perceber nas reuniões. Eu tive poucas reuniões onde o dono tava presente, mas as que eu tive foram suficientes. Teve uma reunião que uma pessoa perguntou: “Olha, mas eu quero saber como que o meu salário é calculado.” E ele virou e falou, “faz regra de três”. A pessoa, em seguida, foi mandada embora. Era assim, se você levantava a mão na reunião, pra interromper ele, para questionar ele, você podia já pegar as suas coisas, levantar e passar no RH. Isso criou uma cultura de medo na empresa. A gente sabia que tinha coisas que podia perguntar e outras que não podia.

    A guerra subterrânea na loja matriz

    Colega 2: A história realmente começou no Natal de 2015. Em 2015, no dia 23 de dezembro, eles mandaram embora metade da equipe, de novo. Mandaram embora muita gente da equipe de vendas na véspera de Natal, porque não precisava mais. O Natal já tava ali… já tinha vendido o que tinha pra vender, não precisava mais… dispensou. Só que, quando passou o Ano Novo, começou o “Volta às Aulas”. O “Volta às Aulas” começa com um fluxo de trabalho muito absurdo, muito grande, você começa a receber muito livro, muito produto, muita lista de material, cliente ligando, cliente na loja… e a gente não tinha equipe pra fazer esse atendimento. Pra você ter uma ideia, no setor em que eu fico, no piso em que eu fico, tem cerca de sete linhas de telefone e a gente ficava em duas pessoas no piso. Eram duas pessoas pra atender sete linhas de telefone. Fora os clientes que vinham, presenciais… A gente não conseguia dar conta. Então, o que aconteceu? A gente começou a priorizar os atendimentos telefônicos, em primeiro lugar; os atendimentos presenciais, em segundo lugar; e, por último, a arrumação da loja… quase nunca dava tempo. Só que os produtos continuavam chegando.

    Colega 1: Chegou num ponto – isso já em final de janeiro, sei lá, metade de fevereiro… – que as pilhas de livro tavam chegando quase no teto. Porque tava chegando e acumulando, você ia jogando pra lá, chegando e acumulando, e as pilhas iam até o teto! A gente não conseguia atender os clientes na loja, porque a gente não achava o livro, porque tava no meio das pilhas… a gente praticamente nadava nas pilhas, mas não tinha o que fazer!

    Colega 2: E aí, quando foi no dia 21 de fevereiro de 2016, aconteceu que um funcionário do administrativo passou pela loja, viu o estado da loja, tirou foto e mandou pro presidente. Algumas horas depois, todo o prédio do administrativo – todo mundo, RH, faxineiro, segurança, todo mundo que vocês imaginarem – foi obrigado a descer, ir pra loja e começar a arrumar. Eles fizeram um mutirão pra arrumar a loja que foi mais ou menos das 16h, 17h, até às 9h da manhã do outro dia. Eles vararam direto a madrugada. E aí a gente chega ao fatídico dia, se eu não me engano, é 22 de fevereiro. Quando eu cheguei pra trabalhar, tava todo aquele povo lá do administrativo que tinha varado a noite…

    Entrevistador: Até as terceirizadas?

    Colega 1: Meu, terceirizado, da empresa, ficou todo mundo! Acho que entrou como banco de horas. (Eles nunca pagaram hora extra pra ninguém…)

    Colega 2: Bom, quando eu cheguei lá de manhã, o dono da empresa tava fazendo um discurso. Ele é que estava fazendo a reunião. A reunião de manhã, geralmente quem faz é o gerente, né? É tipo uma reunião de aquecimento, que tem todo dia. Nesse dia, quem tava fazendo essa reunião era o dono. E aí começou a merda: ele humilhou muita gente, ele elogiou muito o administrativo, por ter ficado trabalhando a madrugada toda, e ele humilhou muito o pessoal do piso de loja – os vendedores, os auxiliares de venda, os gerentes da loja… ele humilhou muito. Ele falou que não sabia o que a gente tava fazendo ali, que a gente também não sabia o que a gente tava fazendo ali, e que já que a gente não sabia, ele podia escolher por nós… Ele falou que a loja era um chiqueiro e que nós éramos porcos e que, já que a gente não tomava uma decisão, ele ia tomar uma decisão por nós: “Quem não estiver de acordo com o que estou dizendo, pode passar agora no RH, eu vou pagar todos os direitos, eu faço questão de mandar embora!”. Ele repetiu três vezes isso. Só que isso era uma blefe, e ele não contava que quase a empresa inteira ia passar no RH.

    Colega 3: Ele já tinha feito isso em outras lojas, esse blefe não era novo, mas as pessoas têm muito medo dele… ninguém vai levantar e falar “então beleza, eu vou passar no RH”. Ninguém faz isso.

    Colega 1: Só que dessa vez ele caiu do cavalo… A loja toda foi.

    Colega 2: Bom, eu sei que, assim, fez uma fila na porta do RH. Só que o RH não tava pronto pra receber essa demanda. Não tinha sido acordado nada com o RH, ele não tinha sido avisado disso, né… O que é que o RH fez? Ele não sabia o que fazer, e falou “olha, a gente vai fazer uma lista, vai anotar o nome de vocês aqui, e vai ver que porra que é pra fazer, porque a gente também não sabe”, então começou a anotar os nomes.

    Colega 1: Eles começaram a tentar restringir o máximo possível. Falavam: “ó, cara, não põe seu nome na lista não que isso vai dar merda!”, “não põe o nome não porque você vai ser mandado [embora], vai ser difícil depois de arranjar outro emprego, pensa bem!”, ou “ô, você nem tava na reunião, você não pode pôr o nome na lista”.

    Colega 2: Por fim, mais ou menos 30, 32 conseguiram colocar o nome na lista. Muita gente eles barraram. Teve gente que ligou – gente que tava de férias, gente que tava na puta que pariu – que ligou dizendo “ah, eu quero colocar o meu nome na lista também!”, mas eles não permitiram. Tá, ficaram esses 30 nomes aí. Passou uns dois dias, e eles começam a chamar um por um numa salinha pra conversar. E aí o discurso era o seguinte: você chegava na salinha, eles elogiavam você, colocavam o seu ego lá em cima, que você era foda, que você era um funcionário exemplo etc, etc, e que eles não queriam perder você, se você realmente tinha certeza do que estava fazendo. “Então vai ser o seguinte, as regras para a sua demissão vão ser as seguintes: a gente vai dar um prazo, estamos em fevereiro, vamos dar um prazo até o final do ano, até dezembro pra mandar todos vocês embora, conforme a vontade e a disponibilidade da empresa. A gente manda quando a gente quiser, se a gente quiser, a hora que a gente quiser, porque a empresa está dando uma oportunidade para vocês, então a gente não tem obrigação nenhuma. Segundo, pra que você faça parte disso, você não pode em hipótese alguma ter nenhum tipo de problema, treta, advertência, suspensão com a livraria. Se você ganhar uma advertência, automaticamente seu nome não estará mais na lista. Você perde o direito a essa oportunidade“.

    Perseguições

    Colega 1: Foi aí que começou a perseguição. Passou uma semana e aconteceram as primeiras justas causas. Tem algumas justas causas que foram muito tristes, muito bizarras, e que vale a pena contar. As duas primeiras foram o seguinte: chegou uma caixa de lápis de desenhar, lápis de cor, sei lá… Lápis legal, importado. Chegou com um valor muito barato, em promoção. E aí duas colegas, depois do expediente, passaram no caixa e compraram esse produto. No outro dia, elas tomaram uma justa causa. A livraria alegou que elas agiram de má-fé porque compraram um produto abaixo do valor que custava. Só que esse valor… primeiro que a gente não tem acesso, segundo que não é a gente que precifica. E a gente tinha direito. Se tá custando aquele valor, qualquer um tem direito de comprar, como qualquer consumidor ali, mas elas tomaram uma justa causa por má-fé. E o melhor foi o comentário da diretora do RH: “É, vocês queriam ser mandadas embora, agora vocês vão, mas não do jeito que vocês queriam”.

    Colega 2: E aí foi uma sequência de justas causas sem fim. Eu contabilizei mais ou menos umas, sei lá, 11 justas causas que aconteceram dessa lista. Num período muito curto de tempo, seis meses no máximo! É muita justa causa pra uma empresa só. E todo mundo era gente que tinha o nome na lista.

    Colega 3: Essa lista virou tipo uma lista negra. Era como se fosse uma lista de pessoas que tavam a fim de sacanear a empresa, e a empresa queria sacanear elas.

    Colega 1: Isso criou uma situação de pânico e as pessoas começaram a adoecer. Várias pessoas tinham medo de estar sendo vigiadas – lá tem câmera em todo canto, em todo lugar… O pessoal do RH nunca frequentou a loja, agora não saíam da loja. Eles não saíam da loja. Era o tempo inteiro… eles trabalhavam do seu lado, pra ver o que você tava fazendo. Isso criou uma sensação de pânico tão grande nas pessoas, que elas começaram a adoecer e pedir as contas, porque elas não iam aguentar esperar até dezembro para alguma coisa acontecer. Elas começaram a pedir as contas.

    Colega 2: Quando chegou em maio, dia 4 ou 5, houve uma segunda reunião. Nisso, eles já tinham conseguido eliminar muita gente da lista, né? E aí, nessa segunda reunião, o dono virou e falou assim: “É o seguinte, eu não vou mais mandar embora ninguém, porque eu não sou obrigado. Eu não acho que vocês merecem esse benefício, essa oportunidade. Quem quiser, que peça as contas, foda-se, eu não vou. Voltei atrás, não quero mais mandar, foda-se… tá achando ruim? Vai lá no Sindicato reclamar! Eu janto com o dono (sic) do Sindicato dos Comerciários, ele é meu amigo, eu sei até que ele gosta de sushi. Vai lá! Vai me processar? Eu não tenho medo de processo, não, pode processar! Não tem problema.”

    O Manifesto Livreiro

    Colega 1: A partir daí, a gente pensou “bom, alguma coisa precisa ser feita. Isso não pode ficar barato. Todo mundo que se fudeu nesses últimos meses, as justas causas que tiveram, o pessoal que saiu doente, pra agora o cara virar e falar que não vai cumprir a palavra dele? Ele blefou porque ele quis. Se ele tinha se arrependido do blefe, ele podia muito bem ter pedido desculpas. Não só pelo blefe, mas pelas humilhações também. Mas ele não quis pedir desculpas. Então a gente também não pode desculpar isso.” Aí a gente começou a pensar no que fazer. E foi aí que, um dia, caiu na tela de vários vendedores um e-mail com um tal “Manifesto Livreiro”. Era um texto que falava sobre tudo que tava acontecendo. Contava da reunião, contava que o cara tinha voltado atrás, falava sobre acúmulo de função, desvio de função, do salário que a gente não sabia como que eles calculavam… falava sobre os podres, todas as merdas que tavam acontecendo. E tudo usando uma linguagem bem jurídica, então você tinha aparentemente um respaldo da lei ali, da (antiga) lei trabalhista – então, “olha, isso pode, isso não pode, isso confere, isso não confere”… e todo o manifesto ia falando sobre essas coisas e, no final, ele dava a entender que “olha, vocês podem usar isso pra se movimentar, vocês precisam usar isso pra se movimentar”, né?

    Colega 3: Mas engraçado é que, quando isso caiu na tela, começou a cair na tela, foi bem aleatório, não foi todo mundo que recebeu…

    Entrevistador: Mas vocês abrem e-mail de vocês no trabalho?

    Colega 1: Não. Eles chamam de linha direta. É uma espécie de um e-mail, ele passa por um filtro, e ele cai no nosso sistema. Então não é exatamente um e-mail, mas é quase como um. Só que é muito engraçado, porque a pessoa que fez isso… ela burlou todo o sistema pra isso poder cair na nossa tela. Por exemplo, o título do e-mail, o título do e-mail se referia a uma encomenda de livros com a livraria, entendeu? A pessoa usou um e-mail não rastreável, um daqueles e-mails que você usa e depois de 1h, sei lá, ele se destrói sozinho. Eles tentaram de todo o jeito rastrear quem tinha enviado o e-mail, tentaram rastrear IP, colocaram todo o pessoal da informática atrás e não conseguiram rastrear!

    Entrevistador: Vocês nunca descobriram quem mandou essa mensagem?

    Colega 1: Não. Porque era anônimo, não tinha como rastrear. Caiu na tela de um monte de gente. E aí a gente abria e tinha aquele texto. E assim, quando eles descobriram, eles tentaram apagar o mais rápido da tela de todo mundo. Só que caiu em várias lojas, não foi só em São Paulo. Caiu em várias lojas… E até eles apagarem tudo, a gente já tinha impresso. Então não adiantava eles apagarem, que a gente já tinha a versão no papel. Todo mundo pensou “pô, faz sentido o que tá escrito aqui. Vamo procurar um advogado”. Aí conseguiram uma advogada, e boa parte das pessoas abriu processo com ela. Teve gente que abriu com outros. Foram mais ou menos vinte processos dessa leva.

    Colega 2: A gente pensou que quando eles recebessem as notificações e os processos, eles iam mandar todo mundo embora, mas não foi isso que aconteceu. Eles ficaram com mais ódio ainda, com mais raiva dos funcionários terem aberto processo contra eles, trabalhando lá. E aí a guerra tava declarada. Eles colocaram o pior gerente que eles podiam colocar, o mais maldito, o mais filha da puta pra gerenciar a loja. E aí ok, a gente não ia deixar barato também! A gente começou a bolar jeitos de provocar esse gerente, de provocar o pessoal da gestão, enfim, era a única coisa que a gente podia fazer.


    Esta entrevista será publicada em duas partes:
    Parte 1 (esta aqui)
    Parte 2 (a sair em breve)

    Aconselhamos os interessados nesse relato que leiam também este RELATO e essa DENÚNCIA.

    Viveu algo parecido em seu trabalho? Veja nesta página aqui como você pode enviar um relato para o Passa Palavra.

    Notas

    [1] Segundo reportagem da época, a Livraria Cultura vendeu 25% de suas ações para o fundo Capital Mezanino, da gestora Neo Investimentos, em 2009. A associação ao Itaú acontece porque uma empresa que pertence ao banco presta serviços de administração para a Neo Investimentos.

    [2] Aquilo que os trabalhadores descrevem como “interessante” era, aos olhos dos patrões, “desesperador”. A declaração de um dos proprietários da empresa aparece numa coluna de Gilberto Dimenstein na Folha em 2007.

    [3] Em 2013, a denúncia feita por essa funcionária de Curitiba gerou intensa repercussão nas redes sociais, blogs e jornais. Entre outros links, vale conferir esse esse, esse, a página do movimento e a resposta da livraria.

  • O velho do saco vai te pegar!!!

    O velho do saco vai te pegar!!!

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia

     

    Lembro que quando criança, eu morria de medo do “velho do saco”. Quando eu não queria comer, quando ficava de pirraça, minha mãe gritava, olhando pra porta da sala: “Vem velho do saco pegar esse menino mal-criado e desobediente”.

    Eu me tremia todo, com medo do velho me jogar dentro do saco e me levar sabe Deus pra onde. Quando querem e precisam, as mães sabem ser cruéis.

    Foi exatamente a imagem de uma criança tremendo de medo do velho do saco que me veio à cabeça em 1º de março, sexta-feira de Carnaval, quando o presidente Lula deixou a prisão para o sepultamento de seu neto, o menino Arthur.

    Aparato de segurança hollywoodiano, homens armados até os dentes para escoltar um homem de 73 anos. Era como se ali estivesse um velho muito perigoso, alguém tão poderoso que com um sopro fosse capaz de derrubar o país.

    Ainda que conserve a elegância no andar, a postura ereta e altiva dos tempos da juventude, os cabelos grisalhos e as rugas não conseguem esconder a verdade óbvia: Lula é um idoso com 73 anos.

    Por que um velho é capaz de assustar tanto o governo da décima maior economia do mundo?

    Antes de tudo, é importante dizer que o velho não é um velho comum, como outro qualquer. É óbvio!

    Lula deixou de ser um homem comum quando subiu a rampa do Palácio do Planalto. Naquele momento o homem morreu e nasceu uma instituição. É que Lula não foi um presidente comum, como outro qualquer.

    A vitória eleitoral de Lula representou o encontro do Brasil com a sua identidade profunda. Pela primeira vez, um político nascido e criado nas bases da sociedade chegava ao topo do poder. O operário nordestino e sem curso superior tornava-se presidente da República proclamada pelos bacharéis.

    Lula assusta o governo porque é a instituição mais poderosa e influente da história política brasileira. Mas o que representa essa instituição?

    Ao longo dos anos, Lula mudou, se transformou, o que nos permite falar em dois Lulas: o primeiro Lula nasceu nas greves do ABC paulista e morreu em 1994, na ocasião da segunda derrota presidencial.

    O segundo Lula nasceu na derrota de 1998, a terceira, e está vivo até hoje. Esse não morrerá nunca.

    Mudou os trajes, a barba embranqueceu, passou a ser cuidadosamente aparada. Terno e gravata se tornaram uniforme de trabalho. A aliança com Brizola e com a herança trabalhista apontava para um amadurecimento político que se consolidaria plenamente quatro anos depois.

    Lula começava a entender que o Brasil não precisava de um grevista, mas, sim, de um líder popular capaz de colocar o pobre no orçamento do Estado.

    No final da década de 1970, Lula liderava o “novo sindicalismo” que pretendia ser independente da tutela do Estado. Lula negava o sindicalismo corporativo dos tempos de Getúlio, dizia que a CLT era fascista e defendia o fim da Justiça do Trabalho e a livre negociação entre patrões e empregados.

    Ah, os jovens, sempre tão afoitos!

    Brizola, experimentado que era, ironizava, dizendo que o PT era a UDN de macacão. O jovem Lula respondia, dizendo que Brizola era cria de populista e ditador. Brizola entendia o Brasil.

    O tempo passa e as pessoas envelhecem, felizmente.

    O presidente Lula fortaleceu a Justiça do Trabalho porque entendeu que só existe livre negociação entre iguais. Patrão e empregado não são iguais. Outra verdade óbvia.

    Finalmente, Lula entendia o Brasil, entendia que no capitalismo periférico, em uma sociedade de modernização incompleta, o Estado não é o inimigo a ser combatido. É território a ser ocupado, ainda que a custo de concessões, de dolorosas concessões.

    No Brasil, o Estado tem uma missão civilizatória a ser feita na forma de políticas públicas que garantam direitos sociais básicos.

    Nos governos de Lula o Estado cumpriu essa função, uma função, repito, civilizatória. A população entendeu e entendeu tanto que Lula se transformou na personificação do Estado provedor de direitos sociais.

    É exatamente esse o sentido da instituição Lula: o Estado que garante o básico, comida no prato, água gelada na geladeira, fogão pra cozinhar e até uma televisãozinha pra assistir novela. Não chega a ser distribuição de riqueza. De comunismo, de socialismo, chega nem perto. É o Estado provendo o básico.

    Por isso, Lula assusta tanto o governo. Bolsonaro foi eleito representando os mesmos interesses que levaram Temer à Presidência em meados de 2016. O objetivo é claro: o desmonte do Estado, o ataque à vocação assistencialista do Estado moderno brasileiro.

    PEC dos gastos, reforma trabalhista, reforma da previdência. Todas apontam para o mesmo sentido: retirar do Estado os aparelhos institucionais de intervenção na sociedade, de garantia de acesso a direitos sociais básicos.

    Bolsonaro não é apenas sucessor de Temer. É herdeiro também.

    Os responsáveis pelo desmonte sabem perfeitamente que Lula representa a antítese desse projeto: Lula é o Estado que atua, que ampara. Por isso, foi preso e está sendo mantido em um regime penal de exceção.

    Lula não pode dar entrevista, não pode falar. Também não pode morrer, pois os desdobramentos seriam imprevisíveis. O governo precisa que Lula fique onde está, completamente isolado, silenciado.

    Lula não é preso da Justiça. Éistos, o menino Arthur morreu. 

    Não dava pra impedir o avô de sair para enterrar o netinho. A comunidade internacional acompanha com atenção a situação de Lula. A candidatura do ex-presidente ao prêmio Nobel da paz está formalizada. O governo precisou ceder, teve que ceder. Pela primeira vez desde que foi preso,  preso do governo. O juiz que condenou se tornou ministro de Estado. Nunca é demais lembrar.

    Como a vida é feita de imprevistos. Lula saiu da cadeia, foi visto, teve contato com o povo.

    O velho saiu da jaula e o governo tremeu. Avião, escolta armada, todo um aparato para neutralizar um velho, um velho.

    Lula não podia falar, não podia acenar, o ideal mesmo é que nem fosse visto.

    É claro que o velho foi visto, e pelo mundo inteiro. A simples imagem de um homem que representa um certo modelo de Estado, em si, é um evento político de primeira importância. Lula é uma instituição tão conhecida que os discursos já se tornaram redundantes. Basta que ele apareça para que todos saibam quem está ali.

    Por algumas horas, na pessoa de um velho de 73 anos, de um avô destruído pela morte do neto, o Estado provedor brasileiro saiu do cárcere e viu a luz do sol. Andou, acenou. Por onde passou, o povo gritou e chorou.

    O velho voltou pra cela e o governo respirou aliviado, como o menino que, depois de raspar o prato, ouve a mãe dizer “Pode ir embora, velho do saco, ele comeu tudinho”.

     

     

  • “Nosso Natal não é de luzes, não tem cor. Será cinza, em meio às cinzas”

    “Nosso Natal não é de luzes, não tem cor. Será cinza, em meio às cinzas”

    Centenas de casas foram destruídas por incêndio, no mesmo local onde um policial foi morto. Moradores culpam a PM, enquanto corporação atribui o incêndio ao “crime organizado”

    Esse clássico do RAP nacional retrata a situação de milhares de pessoas que moram em periferias, nas favelas, que lutam por moradia em um país marcado pela desigualdade e onde há tanta gente sem casa e tanta casa sem gente. Se assemelha a muitos relatos e depoimentos que colhemos neste sábado (8), na Vila Corbélia, Cidade Industrial de Curitiba (CIC), em meio aos escombros do que já foram moradias populares do complexo de quatro ocupações na região. Comunidades que entre a madrugada de quinta-feira (6) e a madrugada do sábado (8) passaram momentos de tensão e terror.Um barraco equilibrados em barranco, com cômodos mal acabados, porém, um lar, um bem, um refúgio. Essa é uma descrição de uma moradia exposta na música “Homem na Estrada”, uma das maiores composições do grupo Racionais MCs. A letra segue com a chegada da noite e um clima estranho no ar, onde sem desconfiar de nada, o trabalhador vai dormir tranquilamente. De repente ele desperta, pressentindo o mal, com cachorros latindo, ele acorda ouvindo barulhos de carros, passos no quintal.

    Em uma dessas ocupações, a 29 de Março, um incêndio na noite de sexta-feira (7)  destruiu centenas de lares. Segundo o relato dos moradores da comunidade, o incêndio criminoso foi provocado por PMs em represália a morte do policial Erick Nório, assassinado na madrugada de sexta-feira (7) ao ser atraído para uma emboscada na entrada de uma das ocupações ao atender uma ocorrência de “perturbação de sossego”.

    Antes do incêndio, segundo integrantes do Movimento Popular de Moradia (MPM), policiais militares estiveram durante a madrugada e ao longo do dia realizando abordagens na comunidade, entrando em casas sem mandado, revirando barracos em ações truculentas. Conforme os moradores, houve um cerco à comunidade durante toda a sexta-feira e até mesmo relatos sobre uma execução sumária.

    Foto: Gibran Mendes

     

    “Foi uma barbaridade o que aconteceu aqui, passei dia e noite trabalhando, pois trabalho como cuidadora e fiz plantão na madrugada. Quando foi meio dia meu filho me ligou gritando, desesperado, dizendo que a polícia estava destruindo tudo. Chegamos em casa tava tudo quebrado, parede, porta, tudo no chão”, diz uma moradora que terá o nome preservado. Ela reside na ocupação Nova Primavera, que fica ao lado da ocupação 29 de Março. Sua casa não esteve entre as atingidas pelo incêndio.

    Há cinco anos na ocupação, a trabalhadora diz que nunca viveu momentos de tanto terror. “Dá muito medo, meu filho nem está aqui hoje [sábado]. Deixei ele desde ontem no meu trabalho. Meu patrão falou: trás eles aqui, deixa ele aqui. Muita gente apanhou, pessoas gritando por socorro, um cenário de desespero e eles [policiais] falando: sua casa foi arrebentada, mas nós perdemos um dos nossos”, disse a moradora, destacando que “sente pela família do policial assassinado, mas que inocentes não podem pagar por um crime que não cometeram”.

    “QUE FOSSEM ATRÁS DO CULPADO, NÃO DA GENTE QUE NÃO TEM NADA A VER. NOS CHAMARAM DE VAGABUNDAS, DERAM TAPA NA CARA. QUERENDO QUE A GENTE FALASSE QUEM MATOU O POLICIAL. A GENTE MORA AQUI, SÃO QUATRO OCUPAÇÕES, NÃO CONHECEMOS TODO MUNDO QUE MORA AQUI”, ACRESCENTA.

    O trabalhador Juarez Francisco Ferreira não teve tanta “sorte”. O senhor que completou 60 anos no último dia 3 ficou somente com a roupa do corpo. “Vieram me acordar quando o fogo já chegando na minha casa. Não teve tempo de nada, de pegar nada. A vizinha veio me acordar, só vi aquele clarão de luz do fogo por cima das casas. Nessa hora não tem como juntar nada, só sair vazado. Se não fosse a mulher vir me chamar eu tinha ido também”, disse o homem em meio a escombros que anteriormente era seu refúgio. “Ganho pouco, mas ainda aguento trabalhar, agora é reconstruir né”, lamenta.

    O montador de estande Sergio Leandro, que mora há quatro anos na ocupação Nova Primavera, ajudava os vizinhos que perderam tudo. Seu barraco fica há poucos metros dos demais que foram consumidos pelas chamas. “Minha casa fica duas casas pra baixo. Na hora só vimos o clarão e como estava um vento forte, foi tudo consumido muito rápido”. Esperançoso, ele já fala do recomeço à comunidade. “Se a gente começou do zero na terra não é porque está cheio de cinza que a gente não pode se reconstruir de novo. Limpar e lutar de novo, nem que seja de novo embaixo da lona como muitos aqui começaram”.

    Sergio, que está na fila da Companhia de Habitação de Curitiba (Cohab), comenta que sobre a situação das pessoas que estão nas ocupações. “Todo mundo que está aqui é porque precisa, não consegue pagar aluguel”.

    O trabalhador aproveitou para fazer uma cobrança e uma crítica à Prefeitura de Curitiba:

    “A PREFEITURA PODERIA SE ESFORÇAR PARA REGULARIZAR ISSO AQUI. SE GASTA MILHÕES NO NATAL DE LUZ, TODO COLORIDO NO CENTRO DA CIDADE. MAS NOSSO NATAL NÃO TEM COR, SERÁ CINZA, EM MEIO AS CINZAS”.

    Buscamos mais relatos, mas o temor imperava. Aqueles que prestavam depoimentos, pediam para resguardar a identidade. Entre esses depoimentos informações que policiais teriam impedido bombeiros de chegar até o local do incêndio antes que ele se alastrasse para todos os barracos da ocupação 29 de Março. “O pessoal que mora ali na entrada falou que os bombeiros estavam na trincheira e não podiam subir pra cá. Se não foi eles [policiais] que meteram fogo, porque não deixaram os bombeiros chegar aqui? Que morador aqui que iria meter fogo na própria casa por causa de um bandido?”, questionou um pai ao lado de seus dois filhos. A família teve a casa destruída pelo fogo.

    “NA MADRUGADA DA FAVELA NÃO EXISTEM LEIS,
    TALVEZ A LEI DO SILÊNCIO, A LEI DO CÃO TALVEZ…”
    * HOMEM NA ESTRADA

    Foto: Gibran Mendes
    Foto: Gibran Mendes
    Foto: Gibran Mendes

    Versão da PM

    A informação de que o incêndio foi provocado por próprios moradores da comunidade foi divulgada em coletiva de imprensa da PM, que atribuiu o ocorrido ao “crime organizado que atua no complexo das ocupações”. Conforme a versão da corporação, o incêndio foi para retaliar moradores que ajudaram nas investigações sobre a morte do policial Erick Nório. “Seria uma retaliação do tráfico ou do crime organizado contra a ação policial que estava sendo feita. Toda a ação desenvolvida pelas forças de segurança foram pautadas dentro da legalidade”, afirmou o tenente-coronel Nivaldo Marcelos da Silva.

    Durante todo o sábado (8), o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil e Assistência Social do município ainda faziam o rescaldo do local e coletam informações. Autoridades políticas, como o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado Tadeu Veneri (PT), os vereadores Goura (PDT) e Professora Josete (PT), além de defensores públicos e integrantes de movimentos sociais ligados aos direitos humanos, estiveram no local.

    Personalidades nacionais, como o líder do MTST e ex-candidato a presidente pelo PSOL Guilherme Boulos também se pronunciaram. “É preciso investigar imediatamente o incêndio criminoso, após ação policial, na comunidade 29 de março em Curitiba. Toda solidariedade aos moradores”, postou Boulos em suas redes sociais.

    A senadora e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, prestou sua solidariedade ao policial morto e cobrou uma investigação rigorosa. “Infelizmente as famílias de trabalhadores, que perderam o pouco que tinham no incêndio ainda por esclarecer, tiveram direitos violados e se viram criminalizadas pela operação policial. (…) é preciso que as autoridades políticas do Estado e o comando da PM esclareçam o crime que vitimou um profissional da segurança pública e a morte até então confirmada de um morador da ocupação, além do incêndio que vitimou as centenas de famílias, evitando, com isso, que situações semelhantes venham a se repetir”, afirmou em nota.

    A ONG Instituto Democracia Popular também acompanha de perto a situação. A praça da Ocupação Dona Cida, ao lado, está funcionando como ponto de coleta de doações e distribuição de comida para as famílias. Diversos moradores que não foram atingidos pelo incêndio carregavam doações para compartilhar com quem perdeu tudo e outros carregavam restos de cobre para vender como sucata e comprar alimentos.

  • Lula: “Urna não é lugar para digitalizar ódio”

    “Companheiros e companheiras, 

    Urna não é lugar para digitalizar ódio, mas sim esperança. Dia 7 o povo vai decidir o futuro do Brasil

    votando para presidente da República, governadores, senadores e deputados federais e estaduais. 

    De todos os partidos, o PT é o que tem a experiência mais bem sucedida de governar o Brasil,

    com a mais forte política de inclusão social. 

    Por isso, vote em Haddad para presidente. Haddad é Lula, Haddad é 13. 

    Um grande abraço de Lula, 

    Sem medo de ser feliz”

  • Lula faz 73 anos e pede voto em Haddad como presente

    Luiz Inácio Lula da Silva teve seu nome registrado em cartório no dia 27 de outubro de 1945, mas ele sempre fez questão de lembrar que, oficialmente, o dia em que nasceu foi 6 de outubro daquele ano. Portanto, neste sábado Lula completa 73 aninhos, uma data especial, por ser a véspera das eleições deste domingo. E, por coincidência, o 27 de outubro também será véspera de nova rodada das eleições, desta vez em segundo turno, no dia 28. Nesta sexta-feira, 5, o ex-presidente enviou um recado ao povo brasileiro:

    Ao meu querido Povo brasileiro

    Dia 6 de outubro é o meu aniversário oficial. Espero ganhar de presente no dia 07 de Outubro o voto do povo brasileiro no Haddad para Presidente. 

    Haddad é 13 

    Haddad e Lula 

    Um grande abraço do Lula

  • Lideranças feministas fazem atos de apoio à descriminalização do aborto pelo país

    Lideranças feministas fazem atos de apoio à descriminalização do aborto pelo país

    Por Tuka Pereira, especial para os Jornalistas Livres

    O Supremo Tribunal Federal (STF) terá audiências públicas nesta sexta-feira (3) e segunda-feira (6) para decidir sobre a descriminalização da interrupção da gravidez em até 12 semanas de gestação. Em discussão estão os artigos 124, que criminaliza a mulher (detenção de 1 a 3 anos) e 126, que criminaliza quem provocar o aborto (pena de 1 a 4 anos de reclusão), incluindo profissionais da saúde.

    Nas audiências, que serão conduzidas pela ministra do STF, Rosa Weber, serão ouvidas cerca de 60 especialistas na sala de sessões da Primeira Turma do STF selecionados entre os mais de 180 pedidos recebidos para falar na audiência. Entre os participantes estão médicos, juristas, religiosos e ativistas brasileiros e estrangeiros escolhidos com base na representatividade, qualificação técnica e na pluralidade de suas opiniões.

    Vários movimentos feministas estão organizando atos de apoio à legalização do aborto para reforçar as audiências públicas em várias capitais do país. No Rio de Janeiro, no sábado, 8, acontece a ” Marcha pela Legalização do Aborto na América Latina”. A concentração do ato começa às 16h, em frente à Alerj e às 18h, se inicia a marcha até a Cinelândia.

    Em Brasília, o grupo “Nem Presa, Nem Morta”, realizará entre os dias 3 e 6 de agosto, o “Festival Pela Vida das Mulheres” com uma programação que inclui palestras, debates e atrações musicais.

    Neste dia 03 de Agosto, em Curitiba, a Frente Feminista fará a transmissão ao vivo da audiência pública, das 8h30 às 18h, no TeUNI, da Universidade Federal do Paraná, na Praça Santos Andrade. A partir das 18h, será realizado um o “Ato Pela Descriminalização do Aborto e Pela Vida das Mulheres” em frente ao prédio histórico da UFPR com presença de lideranças femininas que fomentam o debate do aborto legal e seguro na capital paranaense.

    Taysa Scchiocchet, professora de direito da UFPR, Letícia Kreuz, doutoranda em direito da UFPR, Nicolle Schio, médica pediatra, Valéria Fiori, militante que esteve à frente das mobilizações pelo aborto legal na Argentina, Alarte Martins, doutora em saúde pública, são alguns dos nomes que participarão do evento.

    “A descriminalização do aborto é necessária não apenas para minimizar o número de mortes de mulheres, especialmente as pobres e negras, mas também para reconhecer uma prática existente que a lei não consegue inibir. É preciso lidar com este assunto lhe dando a devida importância, criando políticas públicas a fim de conscientizar a população sobre o que está acontecendo em nossa sociedade. A legalização do aborto se trata de uma necessidade e uma questão de saúde pública”, afirma Josiany Pereira, uma das advogadas colaboradoras do movimento Nem Presa, Nem Morta.

    Hoje, o aborto é permitido em três casos: estupro, risco de vida da mulher e feto anencéfalo – nas duas primeiras situações há previsão legal e na última a autorização foi dada pelo STF.