Jornalistas Livres

Autor: Laura Capriglione

  • Que tal ajudar Mariana Ferrer a obter Justiça?

    Que tal ajudar Mariana Ferrer a obter Justiça?

    A reportagem do Intercept Brasil sobre a denúncia de estupro da influencer Mariana Ferrer tornou-se viral nas redes. Sob o título JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM, o texto da repórter Schirlei Alves serviu de base para milhares e milhares de postagens sobre a excrescência jurídica que teria embasado a absolvição do empresário André de Camargo Aranha. Até as 15h30 de ontem (4/11), o Google devolvia 781.000 resultados, quando se procurava pela expressão “estupro culposo”. Memes, charges, textões e textinhos foram produzidos em escala industrial para provar que um estuprador havia conseguido sentença absolutória graças a uma invencionice jurídica obrada pela Justiça, com vistas a proteger um macho branco, amigo de poderosos e, ele mesmo, “filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que já representou a rede Globo em processos judiciais”, segundo a reportagem do Intercept.

    Lida toda a sentença de 51 páginas do juiz do caso, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, entretanto, constata-se que, em nenhum momento da sentença é dito que houve “estupro culposo” contra a jovem. Ao contrário, é dito que não existe essa tipificação e que o estupro é necessariamente doloso. Portanto, está errada a formulação do título do Intercept Brasil.

    Está tão errada que o próprio site The Intercept Brasil foi obrigado, às 21h54, nada menos do que 19 horas e 50 minutos depois de publicada a história, a fazer uma “atualização” que diz assim:

    “A expressão ‘estupro culposo’ foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artíficio é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo.”

    O Intercept faz como a música de Tom Zé: “Eu tô te explicando pra te confundir. Eu tô te confundindo pra te esclarecer.” Uma explicação que confunde. E, sim, o Intercept disse que a sentença inédita baseou-se no “estupro culposo”.

    É só ler o título indigitado de novo:

    JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM

    Com as redes ajudando a espalhar a bobagem, todo mundo louco atrás de cliques, de “bombar”, da lacração, poucos deram-se ao trabalho de ler a sentença que, sim, absolveu o réu André de Camargo Aranha por “falta de provas”.

    Uma pena.

    Se, em vez da lacração, tivessem mirado no fato em si da absolvição do crime de estupro “por falta de provas”, talvez tivessem ajudado muito mais. Sabe-se que a cada 8 minutos uma mulher ou menina é estuprada no Brasil. Mas a maior parte desses crimes jamais será nem sequer investigada pela falta de indícios e elementos probatórios, já que ocorrem escondidos e, preferencialmente, sem testemunhas.

    Mariana Ferrer, diz a sentença, não conseguiu provar a acusação que fez contra André de Camargo Aranha. Será? Está na sentença que o exame toxicológico não apontou o consumo de substâncias estupefacientes, como seria de se esperar se ela tivesse ingerido involuntariamente alguma droga do tipo “Boa Noite Cinderela”. A maioria das testemunhas ouvidas, várias mulheres inclusive, disse que a vítima não cambaleava e que não parecia dopada. As câmeras internas do Café de la Musique, onde teria ocorrido o estupro, mostram Mariana Ferrer subindo para um camarote e descendo, seis minutos depois, sem necessidade de ajuda (e de salto!!!!, como faz questão de ressaltar a sentença). Teria transcorrido nesses seis minutos o crime de estupro, de que Mariana Ferrer não tem memória.

    Mas Mariana Ferrer diz ter inúmeras provas irrefutáveis do estupro e que nem sequer foram levadas em consideração pelo julgador.

    E, no entanto, todas as mulheres sabem da dificuldade de “provar” a violência sexual, quando ela ocorre entre quatro paredes, sem testemunhas. Mariana Ferrer não seria exceção. Nos trechos da vídeo-conferência que foi o julgamento, assombra a solidão da menina que denuncia, vítima de outros homens violentos, que a acusam de ser (ela sim), um monstro querendo prejudicar a reputação de um “pobre milionário”.

    Como sempre acontece, a vítima deixa de ser vítima para se transformar no monstro sensual e ardiloso que precisa ser contido. A qualquer custo.

    A verdade é que Mariana Ferrer estava sozinha.

    Desde o dia em que alega ter sido estuprada (15/dezembro/2018), Mariana Ferrer tem pedido ajuda pelas redes sociais e tem narrado todo o sofrimento e a depressão que a assolam em decorrência do fato.

    Quem foi ajudá-la a reunir provas? Quem foi ajudá-la a colher testemunhos que aumentassem a credibilidade de sua acusação? Quem foi ao Café de la Musique, onde ocorreram os fatos julgados, procurar indícios de que ali funcionaria um “abatedouro” de meninas destinadas ao gozo masturbatório de machos alfa? Quem?

    Ou achamos razoável condenar alguém sem elementos probatórios que apoiem a denúncia?

    Não, não é razoável.

    Apenas a voz da vítima não pode embasar uma condenação. E quem defende isso precisa saber que abdicar de provas é apenas a reedição do velho punitivismo, é vingança. Não é Justiça. Pior, resultará na condenação sem provas dos mesmos criminalizados de sempre: os pretos, pobres e periféricos.

    A única forma de evitar a perpetuação desse ciclo perverso requer de nós nós, feministas, que encaremos o estupro, cada estupro, como um problema nosso!

    Temos de ajudar as vítimas a robustecer as provas da violência que sofreram. Temos de afrontar a Justiça machista, exigindo a presença de mulheres no julgamento. Tem de ser um trabalho nosso enfrentar a misoginia cuspida e escarrada de gente como Cláudio Gastão da Rosa Filho, o advogado de defesa de André de Camargo Aranha, que humilhou e ofendeu Mariana Ferrer enquanto exibia fotos dela que nada tinham a ver com o processo! Que nenhuma mulher mais tenha de enfrentar um julgamento de estupro apenas diante de homens, na solidão absoluta, como acontecia com as antigas feiticeiras.

    Temos de incentivar a solidariedade entre nós, mulheres, para que acolhamos as vítimas, em vez de fingir que se trata de um problema só delas. Não há mulher ou menina que não tenha sido atacada ao menos uma vez em sua vida pela violência sexual. E nós sabemos disso em nossos próprios corpos!

    É o pai, é o tio, é o avô, é o tarado que mostra o pinto para a adolescente, é o abusador que se acha no direito de ejacular na mulher dentro do trem lotado…

    Temos de organizar o “Socorro Feminista”, para apoiar as mulheres que decidem denunciar a violência sexual.

    Os tribunais brasileiros são câmaras de tortura contra mulheres, negros, indígenas e pobres em geral. As cenas de humilhação de Mariana Ferrer não são, infelizmente, exceções. São a regra.

    É preciso atuar sobre esse front.

    Então, precisamos entender que não se trata de um problema privado de Mariana Ferrer o desenlace de sua denúncia. É de todas nós!

    Lembro da França, em 1971, quando uma mulher foi presa e julgada pelo crime de aborto, na época punível com a pena de morte pela guilhotina!

    Em vez de “solidariedades”, textões de repúdio, e essas lacrações inúteis, 343 mulheres, entre elas as atrizes Catherine Deneuve e Jeanne Moreau, assinaram o manifesto escrito por Simone de Beauvoir, e assumindo que haviam feito, elas também, um aborto. A força desse texto e a coragem das signatárias empolgaram intelectuais como Françoise Sagan e Annie Leclerc, jornalistas conhecidas, de muitas feministas, a começar por Antoinette Fouque, da advogada Gisèle Halimi ou ainda da deputada socialista Yvette Roudy. Todas declararam ter realizado um aborto, como forma de quebrar o tabu de uma injustiça social.

    A Justiça no Brasil é machista, é racista e é classista. Só incidindo juntas sobre ela será possível mudar esse regramento que sempre condena a vítima e libera o agressor.

    Mariana Ferrer deve recorrer da sentença em primeira instância. Agora, é organizar a luta para mudar o rumo da História. Quem se dispõe?

  • INQUISIÇÃO: Fundamentalistas perseguem ONG de católicas e Justiça faz coro

    INQUISIÇÃO: Fundamentalistas perseguem ONG de católicas e Justiça faz coro

    Agora vai, Brasil! A 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que a ONG Católicas Pelo Direito de Decidir não poderá mais usar a palavra “Católicas” em seu nome.

    Católicas Pelo Direito de Decidir existem desde 1993 e se caracterizam pela defesa intransigente da descriminalização e legalização do aborto. Segundo o grupo, no interior do catolicismo “há vozes diversas, há teologias diversas”. “Essa pluralidade existe, ainda que o pensamento único fundamentalista queira negá-la”, dizem elas, que se reivindicam feministas.

    As Católicas falam em fundamentalistas e foi exatamente uma organização fundamentalista dessas, a Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura que resolveu levar aos tribunais sua contrariedade com o nome da ONG feminista.

    O Centro Dom Bosco parece não confiar muito na fé do rebanho católico e é reincidente em tentar calar divergências religiosas na Justiça, em vez de convencer os corações dos fiéis. Foi esse grupo da ultra-direita católica que processou a Igreja Universal do Reino de Deus por causa de uma revista em quadrinhos (!!??!) chamada “A Força”, porque conteria “mentiras e ofensas à Igreja Católica”. Os inquisidores do Centro Dom Bosco queriam que a Justiça retirasse de circulação a publicação. Perderam!

    Também foi o Centro Dom Bosco que processou o coletivo de humoristas Porta dos Fundos, depois que este produziu um especial de Natal em que retratou Jesus como homossexual. Os “guerreiros da fé” do Centro Dom Bosco queriam retirar o especial de Natal da plataforma de streaming Netflix e bani-lo pela eternidade. Mas perderam também.

    Agora, o grupo colhe uma recentíssima vitória, já que ainda passível de recurso, com a decisão do TJ de São Paulo. Se prevalecer, as Católicas terão de adequar o estatuto social e retirar a expressão “católicas” de seu nome em 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000.

    O relator, desembargador José Carlos Ferreira Alves, escreveu um textão de 61 páginas para justificar o acolhimento do pedido do Centro Dom Bosco. Coalhado de referências ao Código Canônico, ao Catecismo, a textos de clérigos ultraconservadores, a homilias papais, a ideólogos da Opus Dei e até, pasme-se, a Olavo de Carvalho, com a citação de sua obra “Católicas, uma ova”, lavrada naquele estilo inconfundível pela falta de educação, o relatório do desembargador parece esquecer que o Brasil é um País laico e não uma pequena paróquia de um obtuso rincão conservador.

    Quer o desembargador católico que “nenhuma associação adote a designação de ‘católica’, a não ser com o consentimento da autoridade eclesiástica competente, segundo as normas do cânone 312” [do Código Canônico]. O Código de Direito Canônico é o conjunto das normas que regulam a organização da Igreja Católica, a hierarquia do seu governo, os direitos e obrigações dos fiéis e o conjunto de sacramentos e sanções que se estabelecem pela infração das mesmas normas. Impor aos cidadãos brasileiros a obediência a esse tal Código Canônico é um ultraje à Constituição do Brasil.

    Ferreira Alves diz que o uso da expressão “católicas” constitui “flagrante ilicitude e abuso de direito (…) pela notória violação à moral, boa-fé e bons costumes na atuação [da ONG]”. Trata-se de acusação gravíssima que, entretanto, não dispõe de um único argumento que a ponha em pé.

    A guerra contra as mulheres: uma história de violências

    Acusar mulheres, identificando-as a seres imorais, dotados de má-fé e de comportamento maligno tem dado, desde sempre, ensejo a perseguições e a toda série de violências e iniquidades (incluindo a tortura) praticadas contra o gênero feminino desde o século 12. Agora não é diferente.

    As Católicas Pelo Direito de Decidir, que conheço desde seus primórdios, pela catequese feminista de Maria José Rosado, fundamentam sua militância na crença de que a Igreja de 2.000 anos é capaz de errar (muito) e de se auto-reformar mediante a crítica —muitas vezes heroica— dos dissidentes (ou hereges).

    Foi assim com Giordano Bruno e Galileu Galilei, opositores da tese segundo a qual a Terra estaria no centro do Universo. Pela sua petulante defesa da Ciência, Galileu acabou condenado por desobediência e por difundir conteúdos contra a doutrina católica. Com Giordano Bruno, foi pior. A Inquisição o considerou culpado e ele foi queimado na fogueira no Campo dei Fiori, em Roma, em 1600. No ano 2000, o Papa João Paulo II finalmente pediu desculpas por todos os erros cometidos pela Igreja Católica nos últimos 2.000 anos, incluindo o julgamento de Galileu Galilei pela Inquisição. Será que João Paulo II não era muito católico?

    Mas tem muito mais erros! A mesma Igreja Católica ainda hoje condena o divórcio, as pesquisas científicas com embriões humanos, a eutanásia e os contraceptivos artificiais, o sexo antes do casamento, a homossexualidade e o uso de preservativos. Apesar disso, o Papa Francisco acaba de dar seu OK às uniões civis entre homossexuais, mostrando que a Igreja (também ela) é permeável ao espírito do tempo, e que a luta dos homossexuais católicos por reconhecimento valeu a pena. Será que Bergoglio também não é muito católico?

    As Católicas consideram-se católicas, mas católicas que lutam contra o machismo e a misoginia das instituições católicas, que proíbem a ordenação sacerdotal de mulheres, mantêm o celibato clerical e estão na base dos milhares de casos de abusos sexuais cometidos contra meninos e meninas em todo o mundo.

    Quem são o desembargador José Carlos Ferreira Alves e seus colegas na 2ª Câmara de Direito Privado, José Joaquim dos Santos e Álvaro Passos, para dizer que elas não podem mais se dizer católicas? Ainda mais usando como argumento um código estranho ao ordenamento jurídico do Brasil, como é o Código Canônico?

    Ou será que vamos também usar o “Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, ou “As 95 Teses”, de Martinho Lutero, para orientar os juízes sobre quais condutas serão consideradas lícitas ou ilícitas pelos tribunais brasileiros?

    A decisão do TJ de São Paulo é mais um barbarismo a atestar que a generosa Constituição de 1988 está sob grande ameaça. É preciso resistir. Ou logo as fogueiras serão acesas!

    Homofobia, armas e Educação de meninos: Veja quem é e o que defende o Centro Dom Bosco
    https://www.facebook.com/watch/?v=608039206566114

  • “A Nossa Bandeira Jamais será Vermelha” é o filme da desgraça brasileira. E a culpa é da Globo!

    “A Nossa Bandeira Jamais será Vermelha” é o filme da desgraça brasileira. E a culpa é da Globo!

    O documentário “A nossa bandeira jamais será vermelha”, dirigido pelo jornalista Pablo Guelli, é mensagem na garrafa lançada no mar de desesperança em que se transformou o Brasil. Só daqui a anos, quando o País recuperar a capacidade de se indignar, será possível entender, em toda sua extensão, a gravidade das denúncias contidas no filme.

    Fraudes, empulhação, mentiras. O trabalho sujo da grande mídia brasileira. É essa a matéria-prima de que é feito o filme – todo ele dedicado a tentar explicar como chegamos a essa nauseante indiferença em relação à barbárie representada por Jair Bolsonaro (e daí essas 156 mil mortes por covid-19?); por fundamentalistas religiosos que preferem a morte de uma menininha estuprada a salvá-la de uma gravidez que não cabia nela; por incendiários do cerrado, da floresta Amazônica e do Pantanal, aos quais o sofrimento da natureza é apenas cena de videogame; e por fascistas em geral, que agora (Graças a Deus! Amém, Jesus!) podem comprar fuzis do Exército, cuja venda acaba de ser facilitada pelo governo federal.

    Não adianta a Rede Globo, a Folha, a Veja fingirem ser oposição a tudo o que aí está. Eles são parte do monstro bolsonarista. Foram elas, e a desmoralização que provocaram com seu turbilhão de mentiras, despejado 24 horas por dia, todos os dias, ao longo de 16 anos, que criaram a desconfiança na Democracia, na Política, na Imprensa, na Justiça, no País, nos Brasileiros. Só podia dar no que deu.

    Tornamo-nos um caso clínico de doença social, de fobia às diferenças, de maníaca disposição para o ridículo, de negação da realidade e da consequente denúncia dessa conspiração internacional chamada… Ciência.

    “A nossa bandeira jamais será vermelha” é como uma sala do Instituto Médico Legal. Está lá, esticado na mesa de autópsia, o corpo do Brasil alegre e inzoneiro, do Brasil lindo e trigueiro, do Brasil, samba que dá, bamboleio que faz gingar, da terra de Nosso Senhor – e de Lula também.

    O filme convocou uma junta de médicos legistas encarregados de investigar a causa-mortis daquele Brasil. Dos depoimentos consternados de Glenn Greenwald, Noam Chomsky, Luís Nassif, Xico Sá, Jessé Souza, Ricardo Melo, Ana Magalhães, Igor Fuser, Tales Ab’Saber e Rodrigo Vianna, emerge uma só conclusão. Foi a Rede Globo que matou o Brasil generoso que era o ideal de País saído da Constituinte de 1988. Foi a Rede Globo e seus comparsas menores, representados pela Editora Abril, pela Folha de S.Paulo, pela TV Record etc.

    “Eu nunca vi um país com uma mídia dominante tão fraudulenta quanto a mídia brasileira”, resumiu Glenn Greenwald, do alto de seu prêmio Pulitzer, a suprema glória da imprensa ocidental.

    Greenwald foi o jornalista responsável pelo desnudamento da Operação Lava Jato e do juiz Sérgio Moro, em reportagens publicadas pelo “The Intercept Brasil”, e o cara que tornou pública a imensa operação de espionagem global da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA). Ele mostrou que o Grande Irmão existe e a privacidade, não. Que ninguém está a salvo dos olhos do Império.

    Todos os depoimentos colhidos no filme tratam do caráter fraudulento da cobertura jornalística da grande imprensa brasileira, interessada antes de mais nada em assassinar as reputações dos integrantes do Partido dos Trabalhadores – e de Lula, em particular. E, depois, em criminalizar, processar, prender e, por fim, fazer desaparecer o maior partido de esquerda do Ocidente. E tudo bem que isso ocorresse ao arrepio da lei, em conchavos com o juiz Sérgio Moro e com os golden boys treinados por agentes americanos especializados na desestabilização de governos democraticamente eleitos.

    A Globo hoje resmunga que está sendo atacada por Bolsonaro. Tadinha! Isso acontece porque ela mesma cavou a imensa cratera em que sua reputação de “mídia profissional e isenta” foi enterrada. Cavou com manipulações, com desfaçatez, com âncoras fazendo caras e bocas de indignação, a cada vez que pronunciavam as palavras PT, Lula ou Dilma. Cavou quando orquestrou uma manipulação em massa que destruiu a confiança da população na imprensa tradicional e jogou o país em direção ao fascismo.

    Bolsonaro, que de bobo não tem nada, não perderia a oportunidade de solapar o incontrastável poder que a Globo tem sobre o Brasil (por que se manteria sob o tacão, podendo livrar-se dele?). E o presidente fascista também engrossou o coro brizolista: “O Povo Não é Bobo. Abaixo a Rede Globo!”

    Não deixa de ser irônico: Bolsonaro, o maior beneficiário de todas empulhações, fraudes, falsificações, ardis, desonestidades e tapeações cometidos pela grande imprensa brasileira, agora se transforma no maior algoz do algoz do PT, de Lula e de Dilma.

    E o resultado está aí: A Globo demitindo suas maiores estrelas do noticiário e da teledramaturgia, pra fazer caixa! O agravamento da crise eterna do SBT, a circulação decrescente dos grandes jornais e revistas. A falência da Editora Abril. Sobram a TV Record e o lumpesinato em forma de televisão, que é a RedeTV ou a Bandeirantes.

    O jornalista Pablo Guelli, diretor de "A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha" - Foto Divulgação
    O jornalista Pablo Guelli, diretor de “A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha” – Foto Divulgação

    Foi o jornalista Pablo Guelli quem me chamou a atenção para o nome do documentário que o inspirou a realizar o filme que acaba de apresentar. Era um filme produzido pela britânica BBC, chamado “Muito Além do Cidadão Kane”, de Simon Hartog, exibido em 1993 pelo Channel 4, emissora pública do Reino Unido. O documentário mostra as relações entre a mídia e o poder do Brasil, focalizando a figura de Roberto Marinho e comparando-o a Charles Foster Kane, personagem criado em 1941 por Orson Welles para o filme “Cidadão Kane”, drama baseado na trajetória de William Randolph Hearst, magnata da comunicação nos Estados Unidos.

    O nome escolhido para o documentário sobre Roberto Marinho foi “Muito Além do Cidadão Kane”. A chave está no “Muito Além…”, ressaltando que o poder de manipulação e controle de Marinho sempre foi muito maior do que o do próprio Cidadão Kane. E foi, já que Hearst viveu em um país com milhares de jornais, revistas, TVs e rádios, competindo entre si, enquanto Marinho tornou-se o maioral entre apenas seis outros chefões da mídia brasileira – um caso espetacular de hiper-concentração da propriedade de meios de comunicação.

    Mas talvez os herdeiros de Roberto Marinho tenham exagerado na fórmula, tornando-a antieconômica, algo que nunca ocorreu com Hearst. Os jornais de Hearst eram sensacionalistas? Eram. Mentiam? Mentiam. Manipulavam? Sim. Mas todo o espetáculo que propiciavam tinha como objetivo aumentar as tiragens, a receita publicitária e, ao final, a margem de lucro do negócio.

    No Brasil, a espetacularização do linchamento da esquerda e do PT, de Lula e de Dilma, se foi eficiente para arrancar do poder o partido vencedor em quatro eleições consecutivas, ao mesmo tempo rasgou as relações de confiança que precisam existir entre mídia e consumidor. E isso foi feito a um ponto em que o negócio, tendo-se tornado deficitário, está em xeque.
    Ou seja, a continuidade até o limite da exaustão do espetáculo farsesco destruiu boa parte da credibilidade da grande mídia. E a culpa é dela mesma.

    Do filme de Pablo Guelli só sobra a mídia independente, multifacetada, carente de equipamentos, pobre. São os pequenos veículos-quixotes, que sobreviveram à indiferença do PT para com a centralidade das narrativas na definição do projeto coletivo de País. Sobram blogs e sites de esquerda, que sobrevivem hoje às redes de ódio mantidas pelo fascismo bolsonarista. Sobra a vontade desesperada de deixar para o futuro uma explicação generosa com o povo brasileiro, que não acabe depositando mais uma vez sobre os ombros desses milhões de homens e mulheres pobres, oprimidos e manipulados, a responsabilidade por sua própria desgraça. Não, não é culpa do povo. É dos mentirosos compulsivos e poderosos, em primeiro lugar a TV Globo. Por isso, mais uma vez: “O Povo Não é Bobo! Abaixo a Rede Globo!”

    Serviço: O filme “A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha” estreou no dia 22 de outubro, nas plataformas NOW, iTunes, Vivo, Microsoft e Looke.

    Avaliação: Imprescindível

    Veja aqui a entrevista exclusiva feita com o diretor do filme “A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha”. Pablo Guelli:

  • CENSURA: Quando a gente para de gritar de horror, a gente aceita tudo

    CENSURA: Quando a gente para de gritar de horror, a gente aceita tudo

    A censura ao JornalGGN e ao jornalista Luis Nassif está naquele rol de obscenidades a que o Brasil se acostumou. Se nem Deus mais se respeita (olha o padre e a evangélica que gabaritam em todos os pecados), se nem médico mais se respeita (veja as invasões de hospitais insufladas por Bolsonaro), se advogado agora leva socos na boca quando vai a presídios (e quem os dá são os policiais), se uma criança estuprada de 10 anos é xingada de “puta” e querem obrigá-la a levar a gestação a termo, mesmo que ela morra… Se num dia é uma patroa praticamente jogando um menino das alturas de um prédio e, no outro, é o surgimento instantâneo da Máfia dos Respiradores (enquanto o País sufoca com cento e picos mil mortos). Se morrem cento e picos mil e o presidente que perguntou “E daí?” está praticamente reeleito… Se tudo isso é verdade, por que não censurar o JornalGGN e o jornalista Luis Nassif? O que é, diante de tanto horror, um juiz mandar apagar as matérias que mencionem o BTG Pactual, não por acaso o hiper-banco de investimento de onde emergiu o atual ministro Paulo Guedes, antes de se consagrar como o maior criminoso do País? Só para dar uma idéia do tamanho, em julho de 2014, o BTG Pactual alcançou a marca de US$ 200 bilhões em ativos totais. Mais de R$ 1 trilhão.

    É que, se eles conseguirem censurar o JornalGGN e o jornalista Luis Nassif, se eles conseguirem censurar a imprensa, eles também serão capazes de suprimir todas as notícias que foram mencionadas acima. Bastará um juiz decidir que quer que seja assim. Cancelam-se as matérias. Cancela-se o jornalismo. Cancela-se o que é inconveniente para os amigos do Presidente.

    E por que o BTG Pactual quer censurar o mais importante jornalista de economia do País, Luis Nassif?

    Essa é fácil: para que ele não possa contar a todos que o Brasil está sendo esquartejado e vendido como lavagem para porcos, para ser comprado em seguida por bancos como o BTG Pactual, o hiper-banco de investimento de onde emergiu o atual ministro Paulo Guedes — antes de se consagrar como o maior escroque do País (é sempre bom lembrar).

    Follow the money (“Siga o dinheiro”) é um bordão que foi popularizado pelo filme “Todos os Homens do Presidente” (EUA, 1976). É assim: se você está investigando um escândalo de corrupção, o primeiro aspecto a considerar é quem vai ganhar com isso. Quem vai ganhar na loto.
    

    Luis Nassif, porque é o mais importante jornalista de economia do País, estava fazendo exatamente isso. Mostrando os grandes fluxos de dinheiro que permitem provar os esquemas de corrupção graúdos. Censurar Nassif e o JornalGGN é calar o jornalismo, impedir as reportagens. É cassar da população o direito de se informar. É tornar os entes financeiros absolutamente fora de qualquer controle social, sob o argumento de que, estando nas bolsas de valores, não podem sofrer qualquer vibração na opinião pública. Absolutamente fora de qualquer controle social.

    Pense nisso. Bancos livres para fazer o que quiserem…

    Por tudo isso, os Jornalistas Livres solidarizam-se com o mais importante jornalista de economia do País, Luis Nassif. E colocam-se à disposição para republicar em nossas páginas os conteúdos censurados.

    Pela liberdade de imprensa!

    Pela liberdade de expressão!

    Abaixo a censura

  • PSOL monta chapa com Boulos e Erundina de olho no eleitorado petista

    PSOL monta chapa com Boulos e Erundina de olho no eleitorado petista

    E eis que o PSOL escolheu Guilherme Boulos e Luiza Erundina como seus candidatos a prefeito e vice da cidade de São Paulo, no próximo pleito, a realizar-se no dia 15 de novembro, com segundo turno marcado para 29 de novembro, dependendo de a quantas ande a tragédia da covid-19. Trata-se de uma chapa mezzo petista (PT), mezzo psolista (PSOL), já que Boulos é tido como o mais lulista dentre os psolistas e que a deputada Erundina fez grande parte de sua carreira política dentro do PT, partido pelo qual foi eleita prefeita da Capital em 1988.

    Por Laura Capriglione dos Jornalistas Livres

    Assim, é natural que muitos petistas lancem olhares apaixonados para a chapa do PSOL, que seria o feliz encontro da juventude de Boulos (38 anos) com a experiência de Erundina (85 anos), o match perfeito entre o poderoso movimento de moradia dos dias atuais (Boulos) e a resistência histórica do povo trabalhador, nordestino e periférico (Erundina).

    A chapa Boulos-Erundina inflama de entusiasmo os corações petistas porque parece ser o PT de raiz, aquele que era mais ligado às lutas do que aos conchavos. Parece ser o PT sem a burocracia partidária, sem os funcionários sabichões que substituíram a militância. Parece ser o PT sem medo de sonhar. Sem medo de desejar o impossível.

    Ocorre que o PT já escolheu Jilmar Tatto para representá-lo na disputa pela Prefeitura, depois de uma disputa acirrada, que envolveu um total de sete candidatos a candidato. Jilmar venceu, é preciso dizê-lo, legitimamente, depois de um processo reconhecido por todos os demais candidatos.

    Mas é grande a diferença entre vencer e convencer. Jilmar Tatto parece ter dificuldade para unificar o seu próprio partido em torno de si, que dirá empolgar os movimentos sociais e os setores democráticos. Ou seja, a candidatura de Jilmar Tatto corre o risco de não decolar, apesar do empenho da máquina partidária.

    Diante dessa situação, militantes inconformados sustentam que Lula deveria —de novo— “forçar” o ex-prefeito Fernando Haddad a se candidatar pelo PT. Haddad que seria “o único nome com força para empurrar a esquerda para o segundo turno, [que] poderia inclusive unificar a esquerda na cidade.”

    Só que Haddad não quer, não cogita, acha que já se “sacrificou demais” pelo partido. Haddad precisa descansar.

    Prevê-se um “desastre político gigantesco”, como decorrência de o PT ir para a disputa na principal capital do país “sem a possibilidade de chegar ao segundo turno”.

    O drama é que o PT já foi para a disputa na principal capital do país e não chegou ao segundo turno. Foi na última eleição para prefeito, em 2016, quando o candidato era o próprio Haddad, que perdeu a eleição para a chapa Doria-Covas no primeiro turno, fato inédito na história da cidade desde as eleições municipais de 1992, ano em que foram realizadas as primeiras eleições municipais em dois turnos no Brasil.

    Mas o PT preferiu recalcar a memória desse desastre anterior, em vez de tentar entender o que levou o maior partido de esquerda ao vexame eleitoral.

    A crise do PT na cidade de São Paulo está escancarada. Nenhum dos pré-candidatos que disputaram a candidatura pelo partido empolga a militância. Aliás, todos, com exceção de Kika da Silva, ativista do movimento negro que entrou na disputa na última hora, representam um PT com uma cara muito diferente daquela que tem o povo trabalhador. Jilmar Tatto, Alexandre Padilha, Nabil Bonduki, Paulo Teixeira, Carlos Zarattini e Eduardo Suplicy, os outros pré-candidatos, são homens brancos, de classe média, que estudaram em ótimas faculdades e que estão no PT desde o século passado.

    O ex-presidente Lula, na casa do deputado federal Paulo Maluf, ao lado de Haddad: campanha eleitoral de 2012 Foto: Eliária Andrade
    O ex-presidente Lula, na casa de Paulo Maluf, ao lado de Haddad: campanha eleitoral de 2012 Foto: Eliária Andrade

    O PT envelheceu e perdeu o encanto porque não foi capaz de compreender as novidades que surgiram dos becos e vielas das periferias. Porque se acostumou demais com os acordos sem princípios (lembra daquela foto-vergonha de Lula, Haddad e Maluf?). Porque se tornou parte do establishment.

    Não tem indicação de Lula, não tem “sacrifício” de Haddad, nada e nem ninguém poderá, de agora até as eleições, reverter esse quadro.

    E, no entanto, o povo pobre continua gerando inteligências agudas, mobilizadoras e de luta. Como a grande liderança do movimento de moradia no centro de São Paulo, Carmen Silva Ferreira, mulher negra, sem teto, mãe de 8 filhos, que não se cansa de testemunhar como a vida era melhor durante os governos Lula e Dilma. Ou como Paulo Lima, o Galo, membro dos Entregadores Antifascistas, que me disse que “nunca falaria mal do Lula porque sabe que na época em que ele esteve na Presidência os pobres viviam com mais dignidade”. Ou como os professores e professoras que lutam todos os dias nas quebradas em defesa da escola pública e gratuita.

    Os governos de Lula e Dilma ainda ressoam forte nos corações das classes populares e é esse o maior ativo do PT.

    Em 10 de fevereiro de 1980, dia da fundação do PT, os militantes da esquerda armada, os intelectuais, os sábios que tinham lido o Capital de trás para a frente e da frente para trás, a juventude, os artistas e os católicos ligados à Teologia da Libertação foram obrigados a ceder o protagonismo para a classe operária em luta no chão de fábrica. De lá para cá, a automação demitiu centenas de milhares e reduziu a força sindical dos trabalhadores, é verdade. Mas o povo não parou de lutar. Está lutando, está organizado nas periferias. É hora de os burocratas do PT entenderem que precisam abrir espaço para essas novas lideranças femininas, negras, LGBTs e periféricas (que, aliás, foram empoderadas durante os governos de Lula e Dilma), ou perecerão todos, sufocados e sem respiradores.

    O mais importante, agora, é ressuscitar a mais poderosa ferramenta para a emancipação dos trabalhadores já criada no Brasil: o Partido dos Trabalhadores.

    (Quanto às eleições para prefeito, é preciso analisar o quadro político com atenção. Ver como a candidatura de Boulos acontece. E como reagirá a candidatura Jilmar Tatto. Sobre essa base, tomar as decisões que reforcem a luta contra o governo fascista de Jair Bolsonaro. O resto, só a luta resolverá.)

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    EXCLUSIVO: Um mês dentro do grupo dos Entregadores Antifascistas: política, solidariedade e empoderamento

    “Nóis não tá nisso pra ficar rico. Nóis tá nisso pra mudar o mundo.”

    (Paulo Lima, o Galo)

    Logotipo dos Entregadores Antifascistas
    Logotipo dos Entregadores Antifascistas

    A manifestação dos entregadores de aplicativos, que aconteceu na quarta (1/7), foi linda de se ver. Jovens pobres, negros, moradores das franjas da cidade, super-explorados pelos aplicativos, reconhecendo-se como trabalhadores. Reconhecendo a força da União.

    Em São Paulo, a manifestação incluiu um desfile de milhares de motocicletas e bicicletas pelas principais vias da cidade, encerrando na Ponte Estaiada, que fica bem defronte aos estúdios da TV Globo. Os entregadores queriam ser flagrados pelas câmeras do SP TV, queriam ser vistos!

    Trata-se de uma categoria profissional profundamente ofendida pela invisibilidade em que é cotidianamente confinada. Os usuários dos aplicativos normalmente não conversam com eles, não querem saber de papo. O olhar sai da pizza e vai para a maquininha do cartão de crédito. Zero empatia. E os entregadores vão para a próxima entrega.

    A denúncia mais concreta da invisibilidade: motoboys esfomeados entregam as pizzas
    A denúncia mais concreta da invisibilidade: motoboys esfomeados entregam as pizzas

    Na manifestação do dia 1º, foram muitos sorrisos, o ruído agudo dos motores gritando a cada acelerada, as demonstrações de perícia e equilíbrio na pilotagem da motocicleta, a visibilidade enfim alcançada, a solidariedade entre todos  — a cena mais bonita de se ver eram os pilotos de motos andando pelo asfalto abraçados aos de bicicletas, como forma de poupá-los do esforço físico de pedalar.

    E o protesto alastrou-se por todo o País, tendo como principais reivindicações o aumento das taxas de remuneração dos entregadores, que têm caído vertiginosamente, e o fim dos bloqueios impostos pelos aplicativos, que na prática representam uma suspensão do entregador. Por fim, os profissionais insurgiram-se contra o sistema de pontuação de ranking, que é o que define os dias e a área em que o entregador pode atuar.

    Se os aplicativos querem a todo custo convencer os entregadores de que eles são “empreendedores”, um tipo de “parceiro” dos donos das plataformas de entregas, ou até “micro-empresários”, o que se viu nas ruas do País foi daqueles momentos singulares, a categoria dos moto e cicloboys iluminada pela tomada de consciência coletiva de sua força política nas modernas economias capitalistas, em que ocorre a máxima exploração da força de trabalho.

    Mas de onde vêm a inteligência coletiva deste movimento? Jornalistas Livres acompanharam a preparação da greve do dia 1º de julho de dentro de um grupo de whatsapp composto por Entregadores Antifascistas. Há centenas de outros grupos espalhados por todo o Brasil, e mesmo em outros países, como Argentina, Equador, Itália, Espanha.

    Para chegar a uma mobilização como a que ocorreu no dia 1º, esses coletivos estão trabalhando com tenacidade. Os camaradas dos Entregadores Antifascistas, por exemplo, se consideram uma família — um tem de cuidar do outro. A solidariedade entre jovens pobres, que sofrem acidentes, que estão expostos à violência urbana, que são assaltados e subtraídos de seus instrumentos de trabalho (motos, bicicletas e celulares) é condição de sobrevivência no caos das ruas. Eles aprendem juntos, um fazendo para o outro indicações de filmes para assistir, de textos para ler. Eles elaboram planos para construir um aplicativo justo, que remunere os entregadores sem lhes aplicar taxas abusivas. Eles querem ser reconhecidos como empregados dos APPs, de modo que tenham assegurados seus direitos trabalhistas  —por isso pensam em projetos de lei.

    Anarquistas, comunistas, militantes de todas as extrações da esquerda disputam a atenção dos Entregadores Antifascistas. Mas o fazem de maneira respeitosa, cada um sugerindo seus conteúdos mais legais para tentar conquistar os corações e mentes dos novos atores políticos. E, assim, motoboys aprendem, por exemplo, o que foi a Associação Internacional dos Trabalhadores, a AIT, a primeira organização criada para reunir diversas correntes do movimento operário do mundo industrializado, na segunda metade do século 19. A AIT, que teve em sua liderança figuras como Karl Marx e Mikhail Bakunin, existiu entre 1864 e 1876, tendo sido fundamental na construção das utopias Socialista e Anarquista, gestadas a partir da Comuna de Paris, de 1871.

    Entre os vários eixos da intervenção da AIT constavam: solidariedade com todos os trabalhadores e suas lutas, promoção do trabalho cooperativo, redução da jornada de trabalho de mulheres e crianças, redução da jornada de trabalho para 10 horas em todos os países. Impossível os entregadores não se identificarem com essa pauta, antiga em mais de 150 anos. (!!!) Eles, que são explorados pelos aplicativos, que os obrigam a trabalhar mais de 14 horas por dia. Eles, que recebem o equivalente a pouco mais de um salário mínimo por todo esse trabalho. Eles, que sonham com a construção de uma cooperativa para fugir das correntes de escravidão do IFood, Uber, Rappi e outras.

    O aprendizado revolucionário e a experiência da 1ª Internacional: identificação
    O aprendizado revolucionário e a experiência da 1ª Internacional: identificação

    Cinema, livros, vídeos, textos entram nesse verdadeiro curso de formação express de militantes. As mensagens de whatsapp colocadas acima e o que se verá a seguir constituem parte da troca de informações entre os membros do grupo dos Entregadores Antifascistas, entre os dias 1º de junho e 5 de julho de 2020. Não identificaremos os autores das mensagens, a fim de não expô-los à possível retaliação dos aplicativos, que bloqueiam sem qualquer justificativa um entregador, privando-o do pão de cada dia durante a aplicação da pena. Os APPs dizem que esse bloqueio só ocorre quando “não há o cumprimento dos Termos & Condições”, mas vários motoboys acusam as empresas de perseguição. As datas em que as postagens foram feitas também não serão mencionadas, já que várias dessas postagens repetem-se durante o período, como um Vale a Pena ver de Novo, para quem perdeu a primeira postagem. Os posts no grupo foram organizados por temas:

     

    Solidariedade

     

     

     

    Reprodução de Vakinha virtual, publicada no grupo dos Entregadores Antifascistas, para ajudar motociclista que sofreu acidente e precisou ficar parado. O APP não ajuda
    Reprodução de Vakinha virtual, publicada no grupo dos Entregadores Antifascistas, para ajudar motociclista que sofreu acidente: os APPs não ajudam

     

     

    SOS para ajudar entregador ciclista cujo pneu estourou quando ele estava no centro de SP: todos ajudam

    SOS para ajudar entregador ciclista cujo pneu estourou quando ele estava no centro de SP: todos ajudam

     

     

    Roubaram a moto do meu irmão!
    Roubaram a moto do meu irmão!

     

     

    Ver-se como classe trabalhadora e aprender juntos

     

     

    Entregadores em busca de conhecimentos para fortalecer a classe trabalhadora
    Entregadores em busca de conhecimentos para fortalecer a classe trabalhadora

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Construir a biblioteca dos Entregadores Antifascistas: para que todos possam aprender
    Construir a biblioteca dos Entregadores Antifascistas: para que todos possam aprender

    A luta antifascista como resposta ao ódio à política: empatia
    A luta antifascista como resposta ao ódio à política: empatia

     

     

     

    O hip hop como grande formador político e GoG como referência
    O hip-hop como grande formador político e GoG como referência

     

     

     

    Futuro promissor é anticapitalista
    Futuro promissor é anticapitalista

     

    A experiência internacional mostra os caminhos para a vitória
    A experiência internacional mostra os caminhos para a vitória

     

    Enquanto a biblioteca física não existe, os entregadores consomem a biblioteca virtual, com 23 títulos
    Enquanto a biblioteca física não existe, os entregadores consomem a biblioteca virtual, com 23 títulos, e autores tão diversos como Angela Davis, Frantz Fanon, Carlos Marighella ou Clovis Moura

     

    Luta contra o racismo

     

     

    Violência policial, necropolítica e consciência: Nóis tá indo no ato
    Violência policial, necropolítica e consciência: Nóis tá indo no ato

     

     

    Um motoboy colocou no grupo um vídeo mostrando o linchamento de um jovem negro havia tentado roubar um celular: Isso é ação de fascistas!
    Um motoboy colocou no grupo um vídeo mostrando o linchamento de um jovem negro que  havia tentado roubar um celular: “Isso é ação de fascistas!”, condenaram os demais

     

    Tudo isso porque esses meninos e meninas estão levando muito a sério o desafio de responder às seguintes questões, conforme síntese feita por uma entregadora:

    Quem? O quê? Por quê?
    Quem? O quê? Por quê?

     

    Quanto à pergunta “Quando?”, eles respondem com a sabedoria de um oriental:

     

     

     

    A luta não é Miojo
    A luta não é Miojo

     

    LONGA VIDA À LUTA DOS ENTREGADORES ANTIFASCISTAS!

     

     

     

    Veja aqui outras referências culturais e políticas apresentadas no grupo dos Entregadores Antifascistas. Para pensar: