Jornalistas Livres

Autor: Clara Luiza Domingos

  • Brasil sofre com pandemia da Covid e pandemia da fome

    Brasil sofre com pandemia da Covid e pandemia da fome

    16 de outubro é o Dia Mundial da Alimentação Saudável e em todo o Brasil estão ocorrendo ações em defesa da soberania alimentar. A política de governo de Jair Bolsonaro, marcada pelo desmonte dos direitos dos trabalhadores, aumento histórico da taxa de desemprego e a não valorização da vida do povo têm contribuído diretamente para o aumento da fome entre os brasileiros.

    Em Goiânia, o Fórum Goiano em Defesa dos Direitos da Democracia e da Soberania, Fórum que reúne diferentes movimentos sociais e entidades sindicais, distribuiu alimentos da agricultura familiar na movimentada Praça A, região central da capital, local onde fica um terminal de ônibus.

    Foto: Alex Catira

    Apesar de Jair Bolsonaro tentar se gabar pela produção de alimentos para 1 bilhão de pessoas durante discurso da ONU, o presidente não citou que a fome se alastra pelo Brasil. A insegurança alimentar é uma realidade desde 2017-2018 para 84,9 milhões de brasileiras/os (IBGE), sendo 10,3 milhões de pessoas residentes em domicílios com insegurança alimentar grave, ou seja, falta comida em casa com frequência. O número não leva em consideração os moradores em situação de rua.

    Segundo a Central Única dos Trabalhadores de Goiás (CUT-GO), os alimentos da ação solidaria em Goiânia, durante o ato pela soberania alimentar, foram produzidos pelos assentados da Reforma Agrária ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e o Movimento Camponês Popular (MPC).

    Foto: Jornalistas Livres

    Conforme conta Jéssica Silva Brito, do Movimento Camponês Popular de Goiás, presente no ato em Goiânia, o fato de poucas empresas atuarem no controle dos preços dos alimentos, apesar de cerca de 70% da alimentação que chega na mesa dos brasileiros vir da agricultura familiar camponesa, é o monopólio criado pelas empresas que acaba por controlar os preços dos alimentos.

    Segundo o IBGE, o arroz ficou quase 20% mais caro desde o início do ano, o preço do feijão subiu 32,6%, da abobrinha, 46,8%; e da cebola, 50,4%. O desemprego já atinge 13,7 milhões de pessoas.

    Os pequenos produtores vêm sofrendo com fim das políticas públicas para o setor e o consequente aniquilamento dos programas que garantiam comida de qualidade e acessível na mesa do povo.

     “O estado deveria mediar, controlar o mercado, mas não o faz e ainda não tem investido na agricultura familiar camponesa”, explica. Ainda, com a pandemia, “os agricultores perderam cerca de 40% da sua renda, por conta do fechamento dos comércios e dos pontos de venda”, afirma.

    Os dados do IBGE de 2018 sobre a fome no Brasil mostram que a pandemia da covid-19, apesar de acentuada no Brasil pela negligência do governo federal e muitos governos estaduais em enfrentar a crise sanitária, esta pode ser considerada o único vilão da pandemia da fome que se espalha pelo Brasil. O aumento no preço dos alimentos combinado com desemprego estão a refletir diretamente para este retrocesso enquanto Nação e o possível retorno do país para o Mapa da Fome.

    Os avanços na erradicação da fome se deveram, no passado, à implantação de uma política de segurança alimentar e nutricional a partir de 2003, no primeiro governo Lula, com a aplicação de políticas públicas, com os aumentos do salário mínimo acima da inflação, com a geração de empregos e com a implementação do programa Fome Zero.

    O trabalhador e sindicalista Mauro Rubem, importante liderança do estado de Goiás, afirma, em entrevista ao Jornalistas Livres, que o incentivo à plantação de monocultura que é dado no país é também o causador do flagelo da fome e lembra que está destruindo o meio-ambiente. “Esse modelo é destruidor da terra, é um modelo onde eles querem esgotar toda a riqueza natural, transformar a classe trabalhadora em escravos e jogar as pessoas em um conflito social sem tamanho”.

    No próximo dia 15 de novembro, a população vai às urnas eleger os próximos parlamentares municipais, prefeitas e prefeitos. Ainda que a batalha por garantias de direitos plenos, como soberania alimentar, não se limite à disputa eleitoral, eleger candidatos comprometidos com a luta de classes cria condições para avançar rumo a este norte.

    “A população tem que ser atenta ao processo eleitoral municipal de agora, porque as eleições para vereança e prefeitura criam caminhos para começar mudanças”, afirma Mauro Rubem.

    https://www.instagram.com/p/CGaXWIIBQ11/
  • Dança, acessibilidade e profissionalização para artistas com deficiência

    Dança, acessibilidade e profissionalização para artistas com deficiência

    Desde 2016,  o PROCENA, festival de cultura que nasceu em Goiás com a leis de incentivo Fundo de Arte e Cultura de Goiás,  tem promovido a discussão sobre acessibilidade e diversos outros assuntos que atravessam as realidades dos artistas, produtores e profissionais com vocação para assistência à pessoa com deficiência. Realizado de dois em dois anos, o evento que começou envolvendo a comunidade regional, em 2020 se expande para todo o Brasil, via redes sociais.

    A pandemia, que tem feito os brasileiros tentarem uma adaptação de suas vidas, na medida do que é possibilitado, frente a um governo federal negacionista que tem priorizado pouco ou quase nada salvar a vida dos cidadãos, também tem feito com que os produtores dos festivais culturais adaptem a realidade dos festivais, que costumavam ser espaços físicos não só de cultura, mas também acolhimento, troca e discussões transformadoras da nossa realidade.

    Mas como bem colocado pelo coordenador do evento sobre o novo formato do PROCENA, Thiago Santana, “a realização virtual impediu o contato físico, porém ampliou o alcance do evento, gerando discussões que vão além das fronteiras”. O desafio agora é democratizar o espaço das redes sociais, para que o acesso chegue a todos e todas

    De 7 a 10 de outubro, o Youtube, Facebook e Instagram serão os palcos de apresentações de danças de Goiás, grupos de outras regiões do Brasil e um de Portugal, já que este ano a dança como uma linguagem que inclui é o tema do PROCENA. Para aprofundar nas discussões, a cada dia será apresentado um webnário com um temas que envolvem política, arte e acessibilidade. Então, já assina o canal do YouTube, segue no Facebook e Instagram para garantir que não vai se esquecer desta programão super necessário.

    As discussões apontaram a dança como uma linguagem que inclui e oferece mais possibilidades de acessibilidade para artistas e também para espectadores com deficiência. “Esses debates nos fizeram decidir por começar esta nova proposta com a dança, suas contribuições para a produção cênica, seus processos formativos e composições estéticas da cena inclusiva e acessível”, justifica Thiago Santana, coordenador do evento.

    O coordenador também destaca a importância das leis de incentivo e mecanismos de fomento incluírem exigências e orientações para uma produção inclusiva e acessível às produções artísticas, como por exemplo, do Fundo de Arte e Cultura de Goiás. Ele lembra, contudo, que isso é fruto das metas do Plano Nacional de Cultura, aprovado em 2010 pela então presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, em diálogo com outros marcos legais como a Convenção da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira da Inclusão. Instrumentos que, por sua vez, são resultados de debates e discussões da área, como esses que serão realizados nesta edição do Procena.

    PROCENA 2020 – dança, acessibilidade e profissionalização para artistas com deficiência 

    Datas: 7 a 10 de outubro

    Transmissão: Instagram, Facebook e YouTube do Evento.

    Programação completa: http://procenago.com/procena_2020/

    7 de outubro: 

    9h – Oficina “Dance ability”, com Ana Alonso

    14h – Oficina “Corpo Zona Dissoluta”, com Alexandre Américo

    17h – Webinário “Papo #PraCegoVer”, com Patrícia Braille e Luciene Gomes

    19h – Espetáculo “Dez Mil Seres”, com a Cia Dançando com a Diferença (Portugal)


    8 de outubro: 

    8h – Websérie “Essa é a minha arte! Qual é a sua?”

    9h – Oficina  de Dança Inclusiva “Estranho hoje?!!, normal amanhã?!!!”, com Marline Dorneles

    14h – Oficina “Corpo Zona Dissoluta”, com Alexandre Américo

    17h – Webinário “Políticas culturais e a produção de artistas com deficiência”, com Sacha Witkowski, Claudia Reinoso, Ingrid David e Eduardo Victor

    19h – Espetáculo “Berorrokan – A origem do mundo Karajá”, com INAI/NAIBF – GO


    9 de outubro: 

    8h – Websérie “Essa é a minha arte! Qual é a sua?”

    9h – Oficina  de Dança Movi(mente), com Ana Balata e Laysa Gladistone

    14h – Oficina de Criação Cênica Acessível em ambiente virtual, com Thiago Santana

    17h – Webinário “Formação em dança e recursos de acessibilidade”, com Marlini Dorneles (UFG), Vanessa Santana (UFG) e Marcelo Marques

    19h – Espetáculo “Similitudo”, com Projeto Pés (DF)


    10 de outubro: 

    8h – Websérie “Essa é a minha arte! Qual é a sua?”

    9h – Oficina  de Dança Movi(mente), com Ana Balata e Laysa Gladistone

    14h – Oficina de Criação Cênica Acessível em ambiente virtual, com Thiago Santana

    17h – Webinário “Corpos diferenciados e a cena”, com Henrique Amoedo, Mônica Gaspar e Alexandre Américo.

    19h – Espetáculo  “die einen, die anderen – alguns outros”, com a Cia Gira Dança (RN)

  • O duplo ataque recebido pela Venezuela nesta sexta-feira

    O duplo ataque recebido pela Venezuela nesta sexta-feira

    O Itamaraty acaba de publicar, na noite desta sexta-feira (4), um comunicado que declara todo o corpo diplomático venezuelano no Brasil como “personae non gratae”. Esta declaração é um instrumento jurídico extremo das relações internacionais para indicar que um representante oficial estrangeiro não é mais bem-vindo como tal em seu território.

    Este tipo de ação, em um governo que respeita as relações exteriores, ocorre quando justificada por algum fato que indique o rompimento das relações diplomáticas entre os países, o que não é o caso entre Brasil e Venezuela, senão os indícios do governo de Jair Bolsonaro em servir aos interesses dos Estados Unidos.

    O comunicado emitido pelo Ministério das Relações Exteriores, dirigido por Ernesto Araújo, declara que o corpo diplomático venezuelano não precisa sair do Brasil, mas não serão reconhecidos como autoridades representantes de Caracas. Perdem, então, o status diplomático, além das imunidades e privilégios correspondentes a estes cargos, por exemplo suas próprias moradias.

    O Ministro do Poder Popular para Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, declarou que esta é a resposta primitiva do governo do Brasil à carta enviada no dia 7 de agosto, cujo conteúdo demonstrava o interesse do governo venezuelano em relação ao brasileiro, em dialogar e enfrentar a crise sanitária pandêmica juntos, deixando de lado as diferenças. ”Definitivamente, o Itamaraty está sequestrado pela anti-diplomacia fascista, subordinada a Washington”, declarou Arreaza em seu Twitter.

    Esta é a segunda vez durante a pandemia da Covid-19 que o Ministério das Relações Exteriores do governo de Bolsonaro faz uso desta medida de diplomacia extrema, sem nenhum fato que justifique tal atitude. No fim de abril deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, interveio em outra manobra executada por Ernesto Araujo e vetou a tentativa de expulsão, que determinava 48h como prazo máximo para a saída de todo o corpo diplomático venezuelano do Brasil.

    Alegando que os funcionários não representavam nenhum perigo ao Brasil, a decisão assegurava que os representantes venezuelanos ficassem no país enquanto durasse o estado de calamidade pública e emergência sanitária reconhecido pelo Congresso Nacional em função da pandemia.

    Quatro meses depois, o estado de calamidade pública no Brasil cresceu exponencialmente, o Brasil já registra mais de 100 mil mortes pela Covid-19. Além de negar a cooperação proposta pelo governo de Maduro, que tem dado exemplo no combate à crise sanitária do coronavírus, o Ministério das Relações Exteriores insiste em colocar o corpo diplomático em risco mais uma vez.

    Já não bastasse a agressão sofrida pelo consul da Venezuela em Boa Vista, Faustino Torella, que morreu no dia 5 de agosto, após contrair a covid-19 em território brasileiro e ter seu tratamento negado nas unidades de saúde do estado de Roraima, segundo denunciam as autoridades venezuelanas. O governo de Bolsonaro continua a sinalizar o desprezo pela soberania do país vizinho, contribuindo para aumentar a tensão entre latino-americanos, que sempre mantiveram boas relações e respeito mútuo.

    AÇÕES COORDENADAS

    Também nesta sexta-feira (4), o governo da República Bolivariana da Venezuela denunciou, diante da comunidade internacional, novas agressões intervencionistas de Washington. Em violação ao Direito Internacional, o governo de Donald Trump pretende impor ilegalmente medidas coercitivas unilaterais contra as instituições democráticas venezuelanas, procurando interferir na realização das eleições parlamentares previstas na Constituição para dezembro de 2020.

    O governo dos Estados Unidos acusa a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, Indira Alfonzo, bem como três outras autoridades venezuelanas de realizar “interferências” para impedir que as eleições legislativas sejam transparentes.

    Em comunicado oficial, o governo da Venezuela afirma que “com estas medidas ilegais, a administração de Trump pretende impedir o inevitável. Nenhuma pressão externa poderá evitar que o povo venezuelano exerça seu direito ao voto e decida seu destino de maneira soberana”.

    Trump e sua trupe está sinalizando que não reconhecerá os resultados das eleições parlamentares marcadas para dezembro. O CNE Venezuelano tem tentando articular com a União Europeia (EU) e a Organização das Nações Unidas (ONU) para acompanhar como observadores internacionais e garantir a legitimidade das eleições.

    Em função das duras agressões imperialistas impostas pelo bloqueio econômico desde a administração de Barack Obama, em 2015, potencializadas por Donald Trump, as eleições de dezembro se revelam como uma das mais importantes eleições parlamentares da Venezuela. O papel da assembleia é fundamental para aprovar acordos internacionais por meio dos quais o governo pode receber fundos e créditos internacionais e reverter toda a crise econômica criada por Washington no país latino-americano

    Desde as últimas eleições para o congresso venezuelano, em 2015, quando o governo perdeu maioria para a oposição, o partido de Nicolás Maduro, Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), aumentou consideravelmente seu número de militantes. Em 2015, o PSUV era composto por 5 milhões de pessoas, hoje, registra-se 7,8 milhões de militantes, em um país com 30 milhões de habitantes, o que faz do PSUV um dos maiores partidos do mundo.

    Esta crescente organização popular no partido que guarda o legado de Hugo Chavez pode ser um indicador dos resultados das eleições de dezembro, o que contraria os interesses imperialistas dos Estados Unidos sobre o país com a segunda maior reserva de petróleo do mundo.

  • Grupos antirracismo denunciam  parada Ku Klux Klan em Portugal

    Grupos antirracismo denunciam parada Ku Klux Klan em Portugal

    Menos de um mês depois da sede do SOS Racismo ter sido vandalizada em Lisboa, com a frase racistas e xenofóbicas “Guerra aos inimigos da minha terra”, a associação foi, mais uma vez, vítima de perseguição. No último sábado, 8 de agosto, um grupo neofascista de Portugal, nomeado “Resistência Nacional”, juntou seus membros em frente a sede do SOS Racismo para uma “parada Ku Klux Klan”, que exaltava os agentes da Política de Segurança Pública (PSP) e atacava a luta antirracista travada em Portugal pela SOS Racismo e outras associações, frentes, coletivos e partidos políticos.

    Para tal, o grupo utilizou máscaras brancas e tochas, numa iconografia semelhante à dos supremacistas brancos Ku Klux Klan, organização que surgiu no século XIX, nos Estados Unidos, para perseguir, assassinar, incendiar e espancar pessoas negras e quem mais defendia os direitos civís para os afrodescendentes norte-americanos.

    Segundo jornal Público, o grupo “Resistência Nacional”, que atacou a Associação SOS Racismo, tem nas suas fileiras ex-membros da suspensa Nova Ordem Social, organização neonazista criada por Mário Machado; o grupo supremacista Portugal Hammer Skins; o grupo de adeptos 1143, afeto ao Sporting; o Partido Nacional Renovador; e o partido de extrema-direita Chega, de André Ventura, que já organizou duas manifestações de cunho fascista em Portugal neste ano.

    O dirigente do SOS Racismo, Mamadou Ba, afirmou que a página da associação recebe centenas de ameaças da extrema-direita. A associação está a juntar todas estas ocorrências para uma queixa no Ministério Público de Portugal, por ofensa à integridade física, ofensas morais, danos patrimoniais e incitamento ao ódio e violência.

    “Nenhuma ação criminosa nem nenhuma manobra intimidatória nos desviará do combate sem tréguas contra o racismo”, afirmou Mamadu Ba.

    Coletivos e associações da luta antirracista de Portugal expressaram sua solidariedade aos companheiros de luta da SOS Racismo e não se intimidaram frente às ameaças fascistas e supremacistas dos grupos de Portugal.

    O Coletivo Esquerda Revolucionária postou  em suas páginas na internet o ato tinha a dupla finalidade de intimidar os militantes antirracistas e em defesa do insignificantes agentes dos órgãos de repressão do Estado burguês.

    “As manifestações anti-racistas e anti-fascistas deste ano mostram claramente não apenas que as camadas mais pobres e racialmente oprimidas do proletariado não vão mais tolerar que este tipo de violência continue impune – incluindo a violência racista de Estado, como o enorme potêncial revolucionário que têm — como se verificou em particular na manifestação de 6 de Junho onde marcharam mais de 20.000 trabalhadores e jovens negros. São os fascistas que vivem intimidados (…) nós, a classe trabalhadora, somos capazes de destruir o sistema capitalista, raíz de todas as opressões, e por conseguinte de os purgar da nova sociedade, da sociedade socialista. A Esquerda Revolucionária manifesta toda a sua solidariedade com os companheiros do SOS Racismo e compromete-se uma vez mais com a luta anti-racista e anti-fascista. Não passarão! Está na hora da organização e da luta!”

    O Coletivo Consciência Negra também expressou sua firmeza diante da polarização que está sendo criada em Portugal e enviou uma mensagem aos fascistas:

    “Aos fascistas, nomeadamente os ‘antigos elementos da Nova Ordem Social’: se sabem quem somos, onde moramos e o que fazemos, sabemos igualmente quem são, ondem moram e o que fazem e, sempre que se justificar, sem quaisquer hesitações, faremos uso da legítima defesa – artigo 32 do Código Penal. Nem um passo atrás! Não passarão!”

    https://www.instagram.com/p/CDwMZTFBY_i/
  • Hilário Ab Reta Awe Predzaw e a história de um povo, historicamente, moído pelo ódio ou indiferença

    Hilário Ab Reta Awe Predzaw e a história de um povo, historicamente, moído pelo ódio ou indiferença

    Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno

     

     

    Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.

    Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.

    A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.

    Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!

    No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.

    O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.

    Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.

    No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.

    No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.

    Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.

    Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.

    Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…

    A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.

    O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.

    Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.

    Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.

    Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.

    Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.

    Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.

    Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

    Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.

    A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.

  • Christian Dunker: “Se uma autoridade simbólica nega a realidade, cria-se uma comunidade negacionista”

    Christian Dunker: “Se uma autoridade simbólica nega a realidade, cria-se uma comunidade negacionista”

    Por Clara Luiza Domingos e Conrado Machado, especial para o Jornalistas Livres

     

    Christian Dunker, psicanalista e professor da USP, concedeu entrevista ao Jornalistas Livres neste sábado (09/05) para debater o discurso de Jair Bolsonaro frente à pandemia do Covid-19 e a crise institucional que o país atravessa neste mesmo período. O debate conduzido pela jornalista Clara Domingos e psicanalista Conrado Machado foi realizado pelas plataformas do Youtube e Facebook do Jornalistas Livres.

    Dunker, em sua análise sobre a negação sistemática que Bolsonaro e o governo fazem em relação aos problemas concretos a serem enfrentados, comenta que o governo só consegue funcionar se negar a realidade natural e concreta através do foco em inimigos palpáveis, que apesar de imaginários existem na realidade social, como a esquerda, representada majoritariamente pelo PT. 

    “Isso é um artifício eficaz do ponto de vista político, mas criminoso do ponto de vista psicológico. Utiliza a força e autoridade simbólica para eliciar um processo que já está nas pessoas.Quando a gente encontra algo inédito e traumático, que supera nossas experiências de significação, a gente tende a negar. Então vem uma autoridade simbólica e convida para negar junto, seja em uma manifestação, num carreata, seja numa prece pública ou na construção de uma comunidade negacionista”, explica Dunker.

    Para Dunker, parte da sociedade brasileira está em um nível de negação extremamente perigoso, que está sendo aflorada a realidade narcísica deste discurso. Ele aponta que neste caso, a única prova de realidade será quando a morte aparecer “ao alcance da mão”, ou seja, quando parentes, amigos, pessoas próximas morrerem pelo coronavírus. “Isso é muito ruim, porque adia as medidas sanitárias que podem restringir a circulação do vírus. A pessoa (negacionista) vai acordar diante de uma situação traumática. […] a chance de isso virar agressividade projetada, monstrualização do outro, espetacularização, negação num nível mais assim delirante, é muito grande”, completa.

    Sobre a relação entre a insistência de Bolsonaro em negar espontaneamente o seu suposto envolvimento no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes e o texto de Sigmund Freud chamado “A Negação” (1925), o psicanalista afirmou que não era uma coincidência. 

    “O que está acontecendo é que Bolsonaro está confessando a céu aberto. Qual o motivo de ele precisar se apossar, com o uso privatista, das instituições públicas? É óbvio que há ali um tentativa de encobrimento de seus interesses. Ele diz isso explicitamente para Moro quando diz que quer ter o relatório diário do que está acontecendo no Rio de Janeiro, isso tudo é confissão a céu aberto. Infelizmente a denegação ainda não é um procedimento jurídico.”

    Na entrevista, o professor destacou que o “fascismo à brasileira”, representado por Bolsonaro, é resultado de um sintoma antigo da sociedade brasileira, que nunca conseguiu encarar a necessidade do equilíbrio social. Segundo Dunker, isso está relacionado com o fato de que o acerto de contas dos períodos de autoritarismo, a injustiça e desequilíbrio social nunca foram feitos. Mas, para ele,  a transformação da realidade pode ocorrer com o atravessamento desse sintoma. 

    Assista a entrevista na íntegra concedida ao Jornalistas Livres abaixo: