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Autor: João Bacellar

  • Democracia ou morte!

    Democracia ou morte!

    Por João Bacellar

    Um grande slogan vale por uma bomba atômica. Uma grande epígrafe move montanhas. Um grande epíteto faz o papel de uma coroa imperial. Um pensador pode deixar legado à humanidade 10 mil tomos de 20 mil páginas da mais genial elucubração; passados 100 anos, tirando talvez meia dúzia de apóstolos, a humanidade apenas lembrará de suas frases de efeito, jargões e bordões. A história se repete como farsa, e, no entanto, ela se move.

    A beleza de um bom slogan está em seu caráter democrático. Longos discursos, esforços retóricos de fôlego e textos densos podem dissecar uma determinada questão ao átomo da molécula da célula da medula. Podem levar o público à compreensão profunda do assunto tratado, mas… Que público será esse? Será o pequeno público especializado em tal questão específica ou o ainda menor público de polímatas aptos a digerir qualquer osso teórico. Independente de clareza ou da beleza do estilo empregado é inerente à complexidade ser pouco compreendida. Já um bom slogan é entendido – e, melhor, gravado na mente – do mais erudito dos escolásticos ao mais inepto dos energúmenos. Um bom slogan “cola”. É democrático.

    O slogan eficiente, do ponto de vista da comunicação, também tem a vantagem de não ter como obrigação exprimir uma premissa correta ou verdadeira. Se, por exemplo, um  artigo científico tem por mérito demonstrar a verdade ou relevância de uma teoria qualquer, o slogan só precisa colar a mensagem que deseja passar ao público, mesmo sendo uma fraude histórica ou um engodo total como o famoso “Independência ou morte” ouvido pelas margens plácidas do Ypiranga.

    Alguém tem ilusões que o tíbio Pedro de Alcântara F.A.J.C.X.dP.M.R.J.J.G.P.C. Serafim, Vulgo D.Pedro I,  possuía quaisquer reais pretensões independentistas, na acepção concreta do termo, quando os espertos cronistas palacianos cunharam o “independência ou morte”? Passamos de um império fajuto a uma colônia britânica (senão oficial seguramente de facto) na esteira do famoso grito. Pedro, fugido do Brasil numa fragata inglesa, e morto aos 35 anos pouco mais de uma década após proclamar o histórico slogan, graças à retumbante frase, entrou para a história no senso comum como um herói. Um bom slogan “transforma” um fraco num gigante, um canalha num justo e uma raposa velha do baixo clero da câmara dos deputados num messias.

    Não é coincidência que a bandeira do Brasil seja uma das únicas do Mundo que contém um slogan.

                                                                               

    charge: Bacellar

    Nós aqui do esmagado e triturado dito “campo progressista” (epíteto que não engaja, nem une e nem sequer anima. Mas é o que temos pra hoje) costumávamos entender bem o poder de síntese e comunicação do slogan. Para criar um slogan poderoso os autores precisam, acima de tudo, captar com perfeição o período histórico que vivem e conhecer em profundidade o  público alvo. “A esperança vai vencer o medo”, da vitoriosa campanha de Lula em 2002 era perfeito naquele momento, após uma década de dilapidação neoliberal e arrocho, o brasileiro precisava de esperança, mas após décadas de macartismo incessante tinha medo de barbas longas e bandeiras vermelhas. Então dissemos afirmativamente: A esperança VAI vencer o medo. Apelamos para o sentimento mais positivo em detrimento ao negativo, a situação era tão desalentadora que o medo refluía, e, não por acaso, deu certo.

    É evidente que não basta um slogan para levar uma eleição presidencial, não se pode negar todo o processo histórico e material de cada período. Por exemplo, o “pai” da “esperança vai vencer o medo” o famoso “sem medo de ser feliz” não levou em 89, mas era melhor do que o epíteto “caçador de marajás” e se  foi derrotado o fracasso se deveu a uma articulação barra pesada, milionária e desonesta do velho patrimonialismo nacional, dos eternos donos do Brasil. Um slogan sozinho não vence eleição e não cria o caldo social necessário para fomentar uma guinada ideológica na população. Mas slogans e chaves discursivas simples e compreensíveis são sim uma parte fundamental e básica na guerra narrativa política. Em tempos de guerra híbrida então deveriam ser o foco número um de qualquer comunicação.

    Outro exemplo de slogan poderoso do nosso campo foi o “Diretas já”. Simples, conciso, imperativo. Queremos votar. Queremos democracia. Queremos imediatamente. Para um Brasil silenciado por 24 anos de ditadura era o slogan perfeito: Universalizante, vertical, horizontal, transversal. Ou você queria passar a votar ou queria a continuação daquilo que não dava certo. Num momento de fraqueza e desgaste do regime foi mortal.

    Agora percebam a importância de compreender ou captar o “mood” do público e a essência do momento histórico. Por que não bastou requentar o “Diretas Já” contra o golpismo em 2016 para galvanizar o Brasil? Simples, tivemos diretas em 2014 e teríamos eleições diretas municipais em 2016 mesmo… Ao senso comum, que é simples, porém não obtuso, soava como pedir algo que já existia. A população ansiava por estabilidade após os conturbados anos que seguiram 2013, e o golpe de 2016 pela via institucional do impeachment, oferecia, ao menos discursivamente, estabilidade. Aquilo que funcionou num período específico não tende a funcionar num período diverso.

                                                                               

    Agora vamos olhar para o atual discurso do campo progressista. Da oposição ao ultra-neoliberalismo capitaneado pela extrema-direita. Uma total polifonia. Textos (como esse!) longos e complexos demais para 98% do Brasil. Discordâncias. Linhas políticas contrárias, autocentradas e que gastam 50% de sua energia no combate ao… Próprio campo progressista! Alguém pode crer que para o cidadão médio não sejamos nós os culpados pelo caos social? Nossa atitude caótica e errática apenas corrobora essa visão.

    Será que o arguto e atento Antonio Gramsci passou os últimos anos de sua vida pensando e escrevendo preso num cubículo minúsculo e úmido para fornecer armas teóricas poderosas para a direita e ser, aparentemente, esquecido por nós da esquerda – a quem tais reflexões originariamente se destinavam? Por que, vamos admitir, o general Heleno parece compreender muito bem o pensamento gramsciano, já alguns setores da esquerda… O campo progressista perde tempo estapeando-se por likes e wiews nas plataformas do FAANG como se fosse operado pelos mais perfeitos, rematados e caricatos cãezinhos de Pavlov. “Muito bem, desenvolvimentista, bateu no trotskista, tome um like! Bom garoto”… “Feio, stalinista! Criticou o identitário! Vai perder 30 followers!”

    Se por um lado é óbvio que para a esquerda atual é impossível criar um programa político-econômico aplicável ao Brasil, que abarque ou agrade todas as linhas e correntes do campo progressista, mais óbvio ainda é que podemos fácil e coerentemente nos unir no objetivo em comum de afastar a extrema direita do leme do país e garantir a continuidade das liberdades democráticas. Alguns dirão que no Brasil nunca houve liberdades democráticas plenas (uma obviedade), a esses cabe  perguntar: entre a não plenitude e o extermínio total… Há o que pensar?

                                                       

    charge:Bacellar

    Enquanto debatemos e gastamos os dedos com textos como esse, destinados a, com sorte, alguns milhares de ativistas a extrema direita marreta seus slogans poderosos na cabeça de milhões de brasileiros minuto a minuto.

    E como são esses milhões? O Brasil é um país continental com mais de 200 milhões de habitantes. Um porto-alegrense, por exemplo, está mais próximo, geográfica e culturalmente, de Montevidéu do que de Monte Sião, assim como um sul mato-grossense de Ponta Porã entra e sai do Paraguai a pé, mas precisa pegar 300km de estrada para chegar na capital do estado, Campo Grande. O Brasil é gigante e diverso. Slogans e chaves discursivas para pegar do Oiapoque ao Chuí precisam ser baseados em análises profundas do povo brasileiro. Não me venham com o que Lenin derramava nos ouvidos do povo soviético em mil novecentos e lá vão 100 anos… Lenin está morto e embalsamado, precisamos tocar o povo brasileiro de 2020.

    Essa  tarefa, de mapeamento demográfico complexo, é tarefa para nossas melhores cabeças. Eu que não tenho pedigree nem titulação, sou apenas um João qualquer (Mas talvez esteja na hora de nossos sábios e eruditos darem 10 minutos de ouvido a um João qualquer), só posso tentar traçar um esboço grosseiro. Vamos lá.

    Possuímos uma série de capitais ou grandes cidades cosmopolitas em que as populações tendem a ter mais semelhanças culturais e de costumes entre si do que em áreas rurais e de cidades de pequeno e médio porte regionalmente mais próximas a elas. Já considerando os diferentes recortes socioeconômicos é possível perceber mais paralelos no modo de vida e cultura de, por exemplo, paulistanos, brasilienses e recifenses do que entre paulistanos e brodosquianos ou votuporanguenses. Pode-se dizer que uma parte do discurso das esquerdas precisa ser voltado para essas populações urbanas dos grandes centros, que embora distantes geograficamente compõe um recorte lógico do ponto de vista da comunicação.

    Nesse recorte disputamos com a direita relativamente bem. Se não ganhamos também não perdemos, uma metrópole momentaneamente mais favorável compensa uma momentaneamente desfavorável. Grosso modo é um campo em disputa. Nossa narrativa, centrada no identitarismo, na valorização da democracia e do estado de direito, na defesa dos regimes socialistas históricos e contemporâneos, no enaltecimento das sociais democracias avançadas  e na defesa da revolução socialista/comunista (se algumas chaves são contraditórias é porque estou juntando o campo progressista de esquerda em sua totalidade, abarcando os diferentes seguimentos) é permeável a setores relevantes dessas populações.

    Mas vamos avaliar agora regionalmente para além das metrópoles, onde há certa homogeneização, causada pela cultura de massas internacional, e pelo modo de vida urbano replicado  em todo o mundo. Separando (repito; de forma bastante grosseira) o país por macro regiões com maior integração histórica e cultural a ponto de poderem-se perceber determinadas especificidades regionais suficientemente coesas entre si para recortarmos (e explorar discursivamente) essas populações umas das outras: A franja litorânea do norte nordeste, a grande bacia do amazonas, o sertão do nordeste e norte de Minas, a grande área de cultura caipira, pantaneira e sertaneja do centro-oeste, sudeste e norte do Paraná, a franja litorânea caiçara do sudeste até partes do sul e, finalmente, o  interior da região sul de influencia europeia e castelhana.

    Temos nesse enorme conjunto, num único país, diferenças socioculturais maiores do que entre populações étnicas semelhantes que ocupam países diferentes, como os bascos da França e Espanha, por exemplo…

    Por essa diversidade as chaves discursivas e slogans de nossa narrativa precisam ser pensados de forma não apenas a angariar simpatias de determinadas populações como também de não causar repulsa a outras.

    Das regiões citadas anteriormente, com exceção das regiões que graças a um desenvolvimento muito acelerado e excepcional no ciclo do governo de coalizão petista de 03-16 em relação ao seu desenvolvimento histórico (sendo, portanto difícil analisar por fatores socioculturais, tendo o ganho econômico sido “avassalador”, o posicionamento político) do litoral e sertão nordestino e mineiro e parte da bacia do amazonas, todas as outras regiões e – muito notadamente – a enorme, poderosa economicamente e demograficamente pesada região de cultura caipira-sertaneja-pantaneira do centro-oeste/sudeste são Irredutivelmente refratárias aos discursos e narrativas da esquerda.

    Os geniais estrategistas da extrema-direita que possuem em Jair Bolsonaro seu fantoche no Brasil analisaram com maestria a realidade e os – usando o termo da moda – afetos de tais populações.

    Bolsonaro carrega forçosamente no sotaque, toca berrante, usa chapelão de caubói, bota e cinto, anda a cavalo e pilota trator para dialogar com essa grande população de cultura caipira a qual a esquerda simplesmente parece que não consegue enxergar a existência. Ganha apoio de massas e de elites regionais. Damares parece uma professora aposentada de Pindamonhangaba porém, gostemos ou não do visual dela, numa parte enorme do Brasil (e não cabe aqui o surrado termo “Brasil profundo”, não estamos falando de lugares esquecidos ou sem relevância política) desperta simpatia. Érika Malunguinho, sua antítese, horror. Sabemos que essa é uma impressão avessa e torcida da realidade em relação a essas duas mulheres políticas, mas é a impressão que existe em grande parte do Brasil.

    A esquerda investe discursivamente no MST e na agricultura familiar (sim, maravilhosos, sim importantíssimos), mas aos olhos da grande massa dessas referidas regiões o MST representa (de novo) a baderna e a agricultura familiar o atraso. Se não conseguirmos ampliar ou ajustar nosso discurso para seduzir essa gigantesca fatia do Brasil… Será impossível deter a extrema-direita nos próximos anos (quiçá décadas), Bolsonaro nada sozinho e de braçada no Brasil caipira… E o que a lógica militarista da extrema-direita faz agora? Depois de dominar os territórios deles partem para o ataque do território inimigo. Tome Bolsonaro de piloto de Jegue, chapéu de couro e comendo acarajé. A estratégia é primária, mas boostada por milhões e milhões de reais, funciona.

    Charge: Bacellar

    Essas táticas discursivas e semióticas são a grande aposta da extrema direita para seguir operando os desejos do grande capital transnacional no Brasil. O risco é enorme. Paulo Guedes é a quintessência do cientista econômico maluco. Sabemos que o Chile, onde Guedes foi funcionário do ditador Pinochet, foi um grande laboratório para o neoliberalismo dos anos 90. Guedes agora faz experiências no Brasil… O que acontece num país sem direitos sociais, totalmente desregulamentado, escancarado ao capital estrangeiro especulativo e com suas forças políticas de oposição caladas na ponta da baioneta? Veremos. Se o laboratório explodir Guedes toma um avião pra NY e viverá por lá, muito bem obrigado, com todas as mordomias de um funcionário que prestou lucrativos serviços. Mas e o Brasil como fica?

    O campo progressista não pode se dar ao luxo de não possuir um discurso unitário e claro para a população. Não podemos continuar caindo nas cascas de banana da extrema-direita. Vestindo as caricatas carapuças que nos atiram. A alt-right internacional, que direta ou indiretamente desenha todas as estratégias da extrema-direita brasileira tem análise de big data, pensadores de extrema inteligência e pouquíssimo ou nenhum limite ético e capital ilimitado a sua disposição. É um adversário de respeito. Não podemos seguir no autoengano de que estamos enfrentando um idiota que deu sorte e sua prole de patetas.

    Vejam a perfeição do slogan de bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Curto, direto e que dialoga com brasileiros de todas as regiões, nas metrópoles, centros urbanos ou áreas rurais. Dialóga  com todos os estratos sociais e que toca em 2 chaves de entendimento básicas e sagradas para a esmagadora maioria da população brasileira: A crença em Deus e o nacionalismo. Gaucho, sertanejo, caipira, caiçara, ribeirinho, suburbano: pense em qualquer recorte, esse slogan dialoga.

    Melhor que isso em termos de percepção de target e momentum só mesmo o slogan de Donald Trump em 2016: “Make America great again”. 4 palavras. 4 conceitos chave ideiais para a posição de Trump e para o eleitorado pós crise do subprime. “make”, um chamado direto à ação num país de voto facultativo em que levar o eleitor à urna é um dos pontos mais importantes da campanha, um convite ao eleitor para que faça parte de algo. “America”; um chamado ao nacionalismo. “Great”; a promessa de futuro, a recompensa da ação. “Again”; o chamado ao passado idílico (típico do fascismo), a alfinetada à administração vigente, a esperança de retorno de tempos melhores para a America arrasada pela crise econômica. Uma perfeição.

    Trump e Bolsonaro uma vez no poder seguem o mesmo modus operandi de fugir do debate minimamente profundo e repetir chaves discursivas simples e populares incessantemente, mesmo quando se tratam de mentiras ou bobagens óbvias. Em condições normais de pressão e temperatura já teriam sido enquadradas em sua farsa por seus contrapesos políticos, notadamente grande imprensa e instituições jurídicas. Porem em tempos de redes sociais (abertas e fechadas) tirando o monopólio informativo do cartel da grande imprensa  (Redes estas operadas com interesses obscuros com objetivos nebulosos). E tempos onde o sistema jurídico, seja por compra direta, seja por doutrinação ideológica, seja por chantagem (ah, os dossiês, valem um texto a parte), seja por intimidação mafiosa, parece impedido de desempenhar o seu papel.

    O ultra-neoliberalismo econômico casado ao totalitarismo político segue galopando. A extrema-direita e os financistas não estão de brincadeira. E nós, “campo progressista”, estamos? Delenda Washington. Campos progressistas do Mundo: Uni-vos!

    Democracia ou morte!

  • Direita de Israel sofre revés

    Direita de Israel sofre revés

    Foto: Lucas Martins/Jornalistas Livres

     

    Nessa segunda-feira, o líder do Likud (partido conservador israelense), Benjamin “Bibi” Netanyahu, renunciou ao cargo de primeiro-ministro.

    Netanyahu, que durante dez anos seguia no comando do Estado de Israel e que ficou conhecido internacionalmente pela posição linha-dura em relação à questão palestina, já havia sofrido um revés considerável nas eleições legislativas de setembro, quando não conseguiu formar maioria parlamentar, o que impossibilitou o arranjo de um novo governo.

    Com a renúncia de “Bibi” o presidente Reuven Rivlin passa a responsabilidade de conseguir costurar uma coalização parlamentar capaz de formar maioria no Knesset (Assembleia israelense) para o líder oposicionista Gal. Benny Ganz, da Coligação Azul e Branco, mais moderada, e que possui o apoio do Partido Trabalhista e da maioria dos membros da Lista Conjunta Árabe (representante dos cidadãos não-judeus de Israel). Caso Ganz não consiga levar a cabo a missão, Israel pode voltar às urnas pela terceira vez em apenas um ano, o que evidencia a profunda cisão entre ultra-ortodóxos, árabes, moderados e pacifistas na política e sociedade israelense.

    A derrota de ontem marcada pela capitulação de “Bibi” Netanyahu após uma década no poder, respinga em Bolsonaro. Netanyahu, que se vê às voltas com denúncias sérias e indiciamento judicial em casos de fraude, suborno, recebimentos indevidos e manipulação de notícias, era o único líder mundial de vulto que apoiava incondicionalmente o mandatário brasileiro. Assim, cresce o isolamento internacional de Bolsonaro que, por hora, faz turismo no Japão.

  • Poema para Preta Ferreira

    Poema para Preta Ferreira

     

    • Poema pra Preta –

    Preta na cor
    Preta na raça
    Preta no coração
    Preta luz na noite escura
    Preta gente
    Preta pura
    Preta doce
    Preta dura
    Preta Preta
    Quem te atura
    Tá criando confusão
    Tá fazendo ocupação
    Conquistando o chão pra vida
    Ser vida mesmo de vez

    Cala boca sua Preta!
    Já tá falando demais!
    Fala do pobre que é nobre
    Fala do rico que é cão
    Denuncia a injustiça
    Preta sem educação
    Pega o pobre da cidade
    Triste, velho, sem piedade
    Organiza faz a luta!
    Que Preta filha da puta
    Taca ela na prisão!
    Desbocada a Preta nova
    Que a Preta velha criou

    E lá vai a Preta Pobre
    Que orgulho insolente
    A Preta pensa que é gente
    Com esse condomínio aberto
    Desafiando a cidade
    Plantando fé e unidade
    Estancando a humilhação
    Faz a festa
    Faz piquete
    Luta por nosso interesse
    Diz que viver não é vão
    Que ser molenga e atoa
    Ter cara e não ter coroa
    Ter corpo e não ter um chão
    Isso é vida de barata
    Nós não é barata não!

    Vai Preta
    Ninguém te para
    Nem na cela
    Dos branquelas
    Nem no grito
    Nem na bala
    Tua fé na força pobre
    No direito à esse chão
    Pois que Deus não põe no mundo
    Nenhum infeliz que seja
    Pra viver nessa refrega
    De não ter um canto seu
    Essa luta é toda a luta
    Olhos de fogo no céu
    Resiste Preta bendita
    Que a Vitória virá
    Revivida renovada
    Cada semente jogada
    Preta cumpre a tua jornada
    Grande Preta
    Saravá.

     

    – Fernando Borgomoni –

     

     

    Ontem o movimento de luta por moradia obteve uma grande vitória com a concessão do HC preventivo de Carmen Silva, liderança histórica e símbolo do MSTC, no entanto essa semana completaram 100 dias da arbitrária detenção de sua filha Preta Ferreira. Esse absurdo não pode continuar. O direito constitucional à moradia e a utilização dos mecanismos legais de ocupação precisam ser respeitados, a luta dos movimentos da população sem-teto é uma luta de todos nós.

     

    Arte; Bacellar/Jornalistas Livres

  • Ato FPSM: Ditadura nunca mais

    Ato FPSM: Ditadura nunca mais

    Segunda-feira, 5 de Agosto: Frente Povo Sem Medo leva milhares de manifestantes às ruas de SP em passeata do Masp ao 36º DP da policia civil, terreno onde, durante a ditadura cívico-militar (64-85), funcionou o famigerado DOI-CODI (Centro de Operações de Defesa Interna do Destacamento de Operações de Informação) responsável pela tortura e assassinato de militantes políticos.

    O ato, em memória dos mortos e torturados pela ditadura e em repúdio às condutas antidemocráticas e sinalizações favoráveis ao período mais negro da História do Brasil no Século XX por parte do atual Governo Federal, foi um apelo para quaisquer forças sociais – sejam institucionais ou empresariais, privadas ou governamentais – pensarem o tamanho da responsabilidade que tem a frente. Que o barbarismo e o terror contra adversários políticos jamais voltem a ser referendados pelo estado brasileiro.

    Fotos: Isabela Naiara, Cyro Assahira, Lucas Martins e João Bacellar

  • Heliópolis pela paz

    Heliópolis pela paz

    Hoje ocorreu em Heliópolis, Zona sul de SP, a Vigésima Primeira caminhada da Paz.

    Há 21 anos morreu assassinada em frente a EMEF Campos Salles, onde estudava, a jovem Leonarda, de 16 anos. A partir desta grande tristeza a comunidade passou a se organizar para todo ano na data de sua morte percorrer as principais ruas do bairro com mensagens de paz.

    Adeilva Delmonte, 43, cordenadora do Movimento dos Sem-Teto de Heliópolis a Caminhada é parte importante da história da região e tem papel de destaque na melhoria das condições do bairro desde o início dos anos 2000: “-Os moradores daqui não conseguiam arrumar emprego por que quando diziam que moravam em Heliópolis não se dava oportunidade. Aqui era muito perigoso, então se morasse em Heliópolis era bandido. Na verdade aqui tem muita gente boa, moro aqui há 23 anos e tenho orgulho de morar em Heliópolis; uma comunidade que luta pelos seus direitos.”

    Segundo a moradora o caso de Leonarda foi um marco: “Era muita violência. Uma menina de 16 anos foi assassinada com um tiro no rosto na porta da escola. Por isso a UNAS se mobilizou com as escolas da região e criou a Caminhada pela PAZ. Eles desenvolvem um trabalho muito bonito que só tem a crescer. Eu sou professora de educação infantil e de alfabetização de adultos. Agora foi criada também uma Caminhada no Parque Bristol. Agente luta por saúde educação e para ter passo livre para onde nós quisermos.”

    No entanto desde o Golpe de 2016, sobretudo desde a eleição presidencial, o risco de retrocessos é eminente: “-Não é porque moramos aqui que a gente não é capaz, não é humano. A paz é para todos ou não será para ninguém. A gente lutou tanto para ter um bairro educador, todos unidos com respeito e dignidade e parece que esse governo quer acabar com tudo isso.” Em suas palavras: “- Piorou demais! É um governo que não quer pobre em universidade, que não quer médicos para todos, que quer cortar o Bolsa Família do pessoal carente, não tem coisa pior… Nossos direitos a férias, décimo terceiro, aposentadoria…O governo anterior havia conseguido resolver o problema da fome aqui, no Nordeste…Agora está voltando. É desemprego, é jovem que não consegue emprego. Tem muito menino aí de 23 anos que não consegue trabalho de jeito nenhum. Vai fazer o que? Vai pegar numa arma. A gente não quer mais armas, a gente quer mais livros!”

    A caminhada é organizada pelo movimento Sol da Paz e conta com a participação de lideranças da comunidade, crianças das escolas da região, da Unas – principal organização comunitária de Heliópolis – movimentos sociais e educadores.

    A preparação da caminhada compreende a inclusão de todos. O movimento Sol da Paz cujo símbolo é um girassol está presente em quase todas as alegorias e materiais do ato. Durante o mês de Maio, em todos os períodos escolares é feito uma pausa e um minuto para refletir sobre a paz.

     

    Para o Educador Social do CCA (Centro para Crianças e Adolescentes) Heliópolis da Unas, Gilmar Pereira da Hora, 33, a Caminhada é uma oportunidade de conscientização da comunidade: “É um momento que paramos para protestar por paz, pra agradecer pela paz. É muito importante, foi à partir da Caminhada pela Paz que a violência diminuiu 100%, diminuiu estatisticamente. A mortalidade infantil diminuiu demais”.

    Gilmar demonstra, como todos os envolvidos nesse ato, muito orgulho do trabalho realizado pela população da região: “Essa caminhada marca um novo ciclo para a comunidade. As crianças do CCA se empenharam demais nesses 3 últimos meses.Tudo que está aqui foi feito por eles, não foram os adultos que fizeram, toda parte de artes plásticas, o acabamento e as ideias; tudo foi feito por eles. Partimos desse evento trágico que foi a morte da Leonarda para dar um basta em tudo que acontecia em Heliópolis.”

    Texto; Joana Brasileiro e João Bacellar
    fotos; João Bacellar

  • As vozes do III Festival Lula Livre

    As vozes do III Festival Lula Livre

    Neste domingo dia 2 de Julho, ocorre na Praça da República o III Festival Lula Livre. Milhares de manifestantes encaram o mal tempo e a intermitente e gelada garoa paulistana® para mandar um recado à (sic) justiça brasileira: O presidente Lula pode ter inimigos biliares em todas as instâncias do judiciário, dispostos a negar-lhe um processo minimamente imparcial, porém possui milhões de companheiras e companheiros dentre todos os estratos sociais, sobretudo entre os desfavorecidos economicamente, dispostos a defender por todos os meios seu legado de luta e trabalho pelo desenvolvimento do Brasil.

     

    A despeito de um bombardeio midiático – uma campanha de difamação diuturna, implacável e aviltante sem paralelos – de quase 4 décadas, que minou sua popularidade entre uma parcela considerável da população, Lula mostra-se um estadista do raro tipo que grava seu nome e trajetória no coração do povo de seu País. Parcelas do poder econômico que inconformadas com o sucesso do peão do ABC sonham em destruir tal vínculo deveriam compreender, vendo manifestações como as de hoje, que não se trata apenas de uma tarefa árdua; convencer o povo brasileiro da má fé de Lula na condução de políticas que levassem à melhoria de vida da maioria da população é simplesmente impossível. Invistam milhões de reais – bilhões que sejam – não vai acontecer.

    Tal sentimento pode ser facilmente constatado nos depoimentos das pessoas que formam a massa presente ao Festival; as amigas Ariadne, 19, auxiliar de escritório e estudante de ciências contábeis, Aline, 22, auxiliar de informática e Giorgia, 21, babá compareceram à República menos pelos shows e mais pela oportunidade de demonstrar apoio ao presidente. Nas palavras de Ariadne: “-Ele é muito importante para mim. Estamos sofrendo uma grande angústia com um governo que com certeza é fascista. Nos sentimos menores. O brasileiro parece que esquece que antes não tinha carro, não tinha casa. Agora se sente superior aos que não ascenderam de classe. Perdemos uma pessoa muito importante que olhava para o que realmente importa.” Para Giorgia trata-se de retribuir o auxílio de um companheiro: “Eu estou aqui pelo que ele fez pela gente. Fez tantas  coisas boas e as pessoas esqueceram disso. A gente tem que estar aqui mostrando onde a gente chegou até agora, não regredir, pegar o projeto que ele tinha e levar para frente.” “-A mulher negra já é marginalizada, no Brasil e no Mundo inteiro, e fica mais difícil quando o ódio tem a porta aberta. A gente se sente sempre ameaçada. Não que nós não nos sentíssemos ameaçadas antes – as pessoas tem o ódio na mente – mas com esse governo, em apenas 5 meses a gente vê muitos casos…As pessoas (racistas) estão se sentindo livres para fazerem o que quiserem agora, despejar o ódio com facilidade!” complementa Ariadne.

    O populismo de direita bolsonarista também reflete nas questões econômicas, para a babá Giorgia: -“Eu falo por mim, que já estou há muito tempo procurando emprego e não aparece nada, como mulher e negra –  vejam as pesquisas – a taxa de desemprego é maior para a gente.” Ariadne complementa: – “Agora será mais difícil. O mercado de trabalho nunca tem a mulher negra num corte de poder nas empresas. Quando tem é uma porcentagem muito baixa. A maioria das pessoas em posição de poder adoram esse presidente (Bolsonaro) e são conservadoras. A gente vive isso – sempre viveu – mas agora será cada vez mais difícil.”

    Diversas categorias profissionais compareceram ao Festival. Como sempre os combativos petroleiros – que assistem de camarote ao desmonte de uma das empresas estrategicamente mais importantes entre as estatais brasileiras e mais relevantes na composição do PIB e das cadeias produtivas e econômicas do Brasil; a Petrobrás – marcaram posição. Tiago Franco, diretor de base do Sindipetro SP apontou a importância do presidente Lula dentro da história recente da empresa: “- A gente veio defender o Lula. Estamos aqui por gratidão, não só gratidão como pelos nossos interesses, os recursos para a Petrobrás destinados no governo dele foram importantes para que nós conseguíssemos fazer descobertas e aumentar o parque industrial da cadeia de óleo e gás do Brasil, para essa riqueza ficar no Brasil e financiar saúde e educação para o desenvolvimento do País. A gente entende que a prisão de Lula é um ataque a toda e qualquer luta popular. Foi um recado da elite brasileira para o povo; se você lutar vão inventar qualquer coisa para te prender. Defender a liberdade do Lula é defender nossa liberdade para ser ativista. Você inventa um processo e sai prendendo e achacando empresários para que delatem e se possa criar um processo fraudulento… Colocaram ele lá (Lula na prisão) para impedir que as empresas nacionais se fortaleçam, que a riqueza nacional fique com o País e que o povo brasileiro seja sujeito de sua História. A prisão de Lula é um instrumento político.”

    O companheiro de Tiago, Raul Amorim, estudante da UFSCAR e membro do Levante Popular da Juventude, também resaltou o caráter notoriamente político da prisão de Lula: “- É o preso político mais importante do Mundo nesse momento, não é só a gente que fala, não é só o Brasil que fala, o Mundo inteiro entende que a prisão dele não é apenas arbitrária; ela tem um objetivo.” Segundo o jovem: “- Ela tem o objetivo de destruir a soberania brasileira, ela tem como objetivo destruir tudo que foi construído nas últimas duas décadas, que não foi pouca coisa. Eles não estavam preparados para ver um Brasil andando pelas próprias pernas. O ataque ao Lula também é um ataque contra a educação, à saúde pública, às aposentadorias e à política como um todo. O Lula está preso, mas outros políticos também estão sendo ameaçados. No dia 14 (greve geral) a pauta Lula Livre estará presente.”

    Ao contrário do que pregam os babuínos da horda digital conservadora diversas famílias, sem quaisquer ligações com movimentos sociais ou partidos políticos ajudaram a engrossar o caldo do Festival. A professora de dança e bailarina Camila, 28, carregava a sua pequena filha Clara, de apenas 7 anos nas costas, e ressaltou a importância da formação política (alô Escola Sem Partido) das crianças desde cedo: “-Eu trouxe minha filha por que eu acredito que as crianças tem de estar inseridas nas discussões como elas puderem. De uma forma protegida mas real. Elas fazem parte, elas tem voz. É importante apoiar os movimentos agora que eles estão cada vez mais fortes. Está mais do que demonstrado que Lula é um preso político e na História desse País nós não podemos mais permitir a existência de um preso político.”

     

    Os shows de artistas como Chico Cesar, Fernanda Takai, Zeca Baleiro, Criolo, Emicida, Odair José, Anelis Assumpção, Thaíde, Otto entre diversos outros consagrados e conscientes representantes da arte brasileira sem dúvida animaram o público. Mas a grande estrela do Festival foi o povo resistente e com incrível capacidade de compreensão do momento que vivemos. Lula não está sozinho. Que esse bonito e importante evento seja o último necessário para clamarmos pela justiça e por sua liberdade.

    #LULALIVRE

    Fotos e texto; João Bacellar