Jornalistas Livres

Categoria: Voz das Periferias

  • Brasil será denunciado na ONU no caso Marielle

    Brasil será denunciado na ONU no caso Marielle

     

    O Brasil será denunciado, hoje, por mais de 100 entidades internacionais, no plenário da 37ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, Suíça, pela execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, na última quarta-feira, dia 14 de março, e por causa da situação em Acari, região periférica do Rio de Janeiro com mais casos de violência e assassinatos cometidos por policiais no Rio de Janeiro.

    Na denúncia, o Brasil é instado “a assegurar uma investigação imediata, imparcial e independente, processando os responsáveis materiais e intelectuais deste crime, com a competência e a abertura para a possibilidade de o assassinato ter sido uma execução extrajudicial.” O governo brasileiro também será cobrado “a dar proteção efetiva aos sobreviventes desse ataque, como testemunhas-chave desta atrocidade”.

    Segundo o articulador das entidades que farão a denúncia, Paulo de Tarso Lugon Arantes, advogado internacional e militante de Direitos Humanos, “a intervenção federal, que acabou se configurando como militar, não oferece salvaguarda aos moradores das comunidades afetadas. Além de ser uma medida com interesse eleitoral, tem sua constitucionalidade questionada no STF”. Ele afirma ainda, que o decreto assinado por Michel Temer, sem as salvaguardas de Direitos Humanos, funciona na prática, “como uma ‘licença para matar’, visto que os generais afirmaram publicamente não querer uma nova Comissão da Verdade apurando as ocorrências, e sugerindo que os eventuais casos envolvendo militares deveriam ser analisados pela Justiça Militar, aumentando a chance de impunidade”. Outra preocupação das entidades é com o funcionamento do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, que vem sofrendo uma série de cortes orçamentários e tendo sua aplicabilidade dificultada nos Estados. Segundo Arantes, o Brasil aceitou recomendação na Revisão Periódica Universal (RPU-2017) – encontro em que os países se avaliam mutuamente, quanto a situação de direitos humanos, gerando um conjunto de recomendações – para reestruturar e ampliar o financiamento do Programa, mas até agora não saiu do papel. Levantamento de entidades ligadas aos Direitos Humanos mostram que, só este ano, 12 lideranças políticas já foram assassinadas, somando 194 vítimas nos últimos 5 anos.

    A denúncia será lida, em plenário, por Mariana Tavares, jovem negra, tataraneta de escravos, que conseguiu uma bolsa de estudos para fazer mestrado em “Antropologia e Sociologia do Desenvolvimento” no “Graduate Institute of International and Development Studies”, em Genebra.
    Também será apresentado à relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Agnès Callamard, um vídeo com denúncias que relatam a perseguição e os diversos casos de violência sofrido pelos moradores de Acari. Ocorrências que fizeram parte substancial das denúncias públicas feita pela vereadora Marielle Franco. (veja o vídeo no final da reportagem).

    Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas

    Todo o material será objeto de análise das relatorias da ONU que tratam do racismo, execuções sumárias e proteção aos defensores de Direitos Humanos, para que o Brasil seja instado a prestar contas da investigação conduzida pelas autoridades competentes, e a oferecer proteção oficial àqueles que denunciam a violência policial nas comunidades afetadas, conforme consta na Declaração da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos, Resolução 53/144 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 9 de Dezembro de 1998, que diz no 12º artigo, parágrafo 2: “O Estado deverá adotar todas as medidas adequadas para garantir que as autoridades competentes protejam todas as pessoas, individualmente e em associação com outras, contra qualquer forma de violência, ameaças, retaliação, discriminação negativa de fato ou de direito, coação ou qualquer outra ação arbitrária resultante do fato de a pessoa em questão ter exercido legitimamente os direitos enunciados na presente Declaração”.

    O Itamaraty lançou forte ofensiva para barrar a denúncia no Conselho. Segundo apuração da reportagem, a chancelaria enviou dois telegramas a todas as suas embaixadas do mundo, instruindo os diplomatas a entrarem em contato com autoridades locais e com formadores de opinião para “expor de maneira mais ampla possível as medidas tomadas pelo governo para esclarecer o assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes”.

    Em junho de 2016, o governo interino de Michel Temer, por meio da seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, suspendeu a criação de novos convênios do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA). O Programa não atende somente os defensores de Direitos Humanos e, desde 1999, passou a ser de responsabilidade dos Estados. De lá para cá novos cortes foram feito ao programa, que também esbarra em barreiras burocráticas para ser implantado com eficiência.

    Em um debate ocorrido no dia 6 de março, no Rio de Janeiro, chamado Dia D da Proteção, que discutiu o PROVITA, Alice de Marchi, da ONG Justiça Global e integrante do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, revelou que a situação piorou depois que a Intervenção Federal foi implantada no Rio de Janeiro. Segundo ela, “pessoas que estão defendendo o direito à vida já vem sendo criminalizadas, perseguidas, simplesmente por desempenharem seu trabalho extremamente nobre, digno, justificado, que é o de defender Direitos Humanos. Quando há uma intervenção, que ainda monitora, mapeia, criminaliza ainda mais esses sujeitos sociais, é importantíssimo que a sociedade esteja de olhos bem abertos, muito atentas, para que esse processo não recrudesça ainda mais no momento que a gente está vivendo.

    Para Roberta Maristela, promotora de Justiça do Rio de Janeiro e conselheira do Provita no Estado, “infelizmente o sistema tem deficiências. Existe uma falta de informação das portas de entrada do PROVITA. A Polícia Civil, a Polícia Militar, não tem muita informação de como se ingressa no Programa. No próprio Ministério Público e na Defensoria Pública existe essa deficiência. E existe um tempo, até a pessoa ser ouvida pela entidade gestora, passar por essa triagem, ter a decisão do Conselho e conseguir ingressar no Sistema.”

    Veja o vídeo com as denúncias apresentadas ao Conselho de Direitos Humanos:

    https://www.facebook.com/precisamosagirefalarcontraofascismo/videos/151675728839537/

    Abaixo, a íntegra do documento a ser apresentado na reunião da ONU nesta terça-feira.

    “Conselho de Direitos Humanos
    37º Período Ordinário de Sessões
    Item 8 – Acompanhamento e implementação da Declaração de Viena sobre os Direitos Humanos

    Declaração conjunta de [….] *
    Sr. presidente,

    A proteção efetiva dos defensores dos direitos humanos é essencial para a implementação doméstica da Declaração de Viena.

    A vereadora Municipal Marielle Franco e seu piloto Anderson Gomes foram brutalmente executados no dia 14 de março no Rio de Janeiro, Brasil. O mandato parlamentar de Marielle centrou-se no racismo estrutural e na violência policial sofrida pelos pobres, negros e jovens nas favelas e no empoderamento de mulheres negras e da comunidade LGBTI.

    Este ataque brutal ocorre no contexto de uma intervenção federal altamente militarizada no Estado do Rio, decretada pelo Presidente, contrários a vontade das comunidades locais. De fato, as preocupações sobre a intervenção foram destacadas pelo Alto Comissário em sua declaração durante esta sessão.

    Muitos que falam a verdade ao poder no Brasil enfrentam violência e estigmatização sem precedentes, já que o país está no topo das mortes dos defensores. Marielle e Anderson foram mortos a tiros no carro, retornando de uma rodada de debate com mulheres negras. Marielle foi nomeada relatora de um comitê parlamentar para supervisionar os abusos da ação militar no Rio. O programa de proteção dos defensores permanece subfinanciado e insuficiente.

    A força, o engajamento e o espírito de sororidade de Marielle devem servir de fonte de inspiração para o trabalho necessário para a promoção e proteção dos direitos humanos, em particular para os grupos mais marginalizados.

    Instamos o governo brasileiro a assegurar uma investigação imediata, imparcial e independente, processando os responsáveis materias e intelectuais deste crime, com a competência e a abertura para a possibilidade de o assassinato te sido uma execução extrajudicial. Também instamos as autoridades a dar proteção efetiva aos sobreviventes desse ataque, como testemunhas-chave desta atrocidade.

    Obrigado.”

    Os Jornalistas Livres transmitirão, ao vivo, a fala de Marina Tavares na 37ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

  • MARIA DE FÁTIMA VIVE

    MARIA DE FÁTIMA VIVE

     

    Cerca de 400 pessoas caminharam em manifestação contra o feminicídio de Maria de Fátima que aconteceu  no  dia 26 de fevereiro.

    Maria de Fátima Marques de Miranda, 39 anos, saiu para caminhar por volta das 7h, como habitualmente fazia, e não voltou mais.

    Seu corpo foi encontrado em um pasto ao lado da estrada que liga o Jardim São Luiz e o Floresta, no distrito do Campo Grande. No corpo de  vítima de feminicídio haviam sinais que indicam estupro e também marcas de briga e facadas.

    Maria de Fátima é mais uma vítima de uma brutal violência feminicida na cidade de Campinas e que se soma ao caso de Isamara e outras mulheres mortas na cidade.

    Durante o ato, além das faixas e cartazes, várias pessoas falaram sobre a violência contra as mulheres,  a ausência de segurança na região e o descaso da administração pública .

     

    Fotos: Colaboradores Marcão| Campo Grande em Ação  e Thaise Silva | Intersetorial Dandara

     

  • Após exoneração de subsecretário, bolsonarização da política continua em Embu das Artes

    Após exoneração de subsecretário, bolsonarização da política continua em Embu das Artes

    Após a enorme repercussão do indiciamento do subsecretario de Tecnologia e Comunicação, Renato Oliveira no caso do atentado ao jornalista e chargista, Gabriel Binho, o secretario Jones Donizette (PRP) resolveu exonerar Renato Oliveira que é fã de Jair Bolsonaro e seria ligado ao MBL. (mais sobre o indiciamento aqui)

    Apesar de a exoneração ter sido publicada um dia após a confirmação da Polícia Civil de que Renato Oliveira estaria dirigindo o carro que derrubou o chargista de sua moto no Km 279 da rodovia Régis Bittencourt, o modelo virtual de desmoralização violenta e ostensiva de adversários políticos, própria do MBL e de Bolsonaro,  se mantém na prática com o próprio secretário. A tática foi amplamente usada durante as eleições municipais que levaram Ney Santos (PRB) a prefeitura e agora se estende aos jornalistas que tentam cobrir de forma mais ativa os desmandos dos poderosos da cidade.

    Em sua página pessoal no Facebook, Jones Donizette, que também é presidente do PRP municipal, diz que vai comentar ao vivo a exoneração de seu amigo Renato, agora acusado de tentativa de homicídio, e que falará também sobre a família de Gabriel Binho.

    Acusado de lavagem de dinheiro e associação ao crime organizado, Ney santos usou táticas de ataques virtuais do MBL para chegar a prefeitura

    A baixeza e a covardia desse indivíduo não tem limites: ele agora tem o descaramento de mexer com a família do jornalista, numa clara atitude de intimidação de toda a imprensa local.

    Na prefeitura, o ex-subsecretario Renato Oliveira era considerado um jovem virtuoso nas redes sociais com experiência adquirida na sua participação no MBL (Movimento Brasil Livre) na ofensiva contra a presidenta Dilma Russeff pela internet, apelando para sentimentalismos mais baratos e a incitação do ódio na população. Oliveira ficou conhecido nacionalmente depois de chocar o apresentador Jô Soares defendendo Jair Bolsonaro no episódio em que o deputado atacou a colega Maria do Rosário ao dizer que só não a estuprava porque ela não merecia.

    Parece que foi fácil para o atual governo de Embu das Artes se livrar do garoto do MBL diante da atual situação de descrédito do movimento depois que ficou mais claro para o povo os verdadeiros interesses por trás do impeachment, mais difícil deve ser abandonar as práticas coronelista do grupo.

  • Nota de esclarecimento a população sobre a intervenção militar

    Nota de esclarecimento a população sobre a intervenção militar

    A Federação de Favelas do Rio é uma instituição sem fins lucrativos fundada em 1963 para lutar contra as remoções do governo Lacerda e a implantação da ditadura militar no Brasil em 1964. Dessa forma, alertamos que essa nova intervenção militar não começou ontem, anteriormente tivemos as UPP’s (unidades de policia pacificadora), as operações respaldadas sob a GLO ( Garantia da lei e da ordem) e PLC 464/2016 que passa para a justiça militar a responsabilidade de julgar as violações cometidas pelos integrantes das forças armadas em suas intervenções.

    Essas mesmas forças intervencionistas estiveram recentemente em missões de paz no Haiti e favela da Maré onde podemos observar que grande parte das ações foram marcadas por violação de direitos humanos.

    Nesse processo vale salientar que os investimentos em militarização superam os investimentos em políticas sociais. A ocupação da Maré custou 1,7 milhões de reais por dia perdurando por 14 meses envolvendo 2500 militares, tanques de guerra, helicópteros, viaturas, sem apresentar resultados efetivos tanto para as comunidades quanto para o país. Em contra partida nos últimos 6 anos só foram investidos apenas 300 milhões de reais em políticas públicas voltadas para o desenvolvimento social.

    Apesar de todo esse aporte financeiro investido na intervenção militar na Maré podemos observar que essa ação foi totalmente ineficaz, pois lá as facções criminosas ainda lutam pelo controle da região oprimindo os trabalhadores e trabalhadoras que lá vivem.

    O que a favela precisa na verdade é de uma intervenção social, que inclusive contaria com a participação das forças armadas. Precisamos de escolas e creches, hospitais, projetos de geração de emprego e renda e políticas sociais voltadas principalmente para juventude. Precisamos de uma intervenção que nos traga a vida e não a morte. O exército é uma tropa treinada para matar e atuar em tempos de guerra. As favelas nunca declararam guerra a ninguém.

    A favela nunca foi e nem jamais será uma área hostil. Somos compostos de homens e mulheres trabalhadoras que com muita garra e dignidade lutam pelo pão de cada dia. Somos a força de trabalho que move a cidade e o país. A ocupação de uma parcela das comunidades por marginais ocorre justamente pela ausência do estado em políticas públicas que possam garantir o desenvolvimento de nossas favelas.

    Nos últimos 54 anos a FAFERJ vem lutando por democracia nas favelas do Rio. Lá a ditadura ainda não acabou. Ainda vemos a polícia invadindo residências sem mandados, pessoas sendo presas arbitrariamente ou até mesmo casos de desaparecimento como o caso Amarildo que repercutiu mundialmente.

    Para finalizar gostaríamos de reafirmar que as intervenções militares são caras, longas, e ineficazes até mesmo do ponto de vista da segurança pública. Sugerimos que essas tropas sejam movimentadas para patrulharem as fronteiras do Brasil, pois é de conhecimento notório que é de lá que chegam as armas e as drogas que alimentam o comercio varejistas de entorpecentes nas comunidades cariocas. Sugerimos também que se faça uma grande intervenção social nas favelas do Rio de Janeiro. Precisamos apenas de uma oportunidade para provar que somos a solução que o Brasil tanto precisa para se desenvolver e tornar-se um país mais justo para todos e todas.
    Favela é potência! Favela é resistência!

    Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro.

  • Em São Paulo, Embu das Artes vive clima de faroeste

    Em São Paulo, Embu das Artes vive clima de faroeste

    Para a Polícia Civil, o subsecretário municipal de Tecnologia e Comunicação de Embu das Artes, Renato Oliveira, dirigia o carro Hyundai i30, que na madrugada do último 28 de dezembro, derrubou o chargista do site de notícia regionais Verbo Online e colaborador dos Jornalistas Livres, Gabriel Binho, de sua moto na rodovia Régis Bittencourt, na altura do km 279.

    Durante o atentado, já caído, Binho teria ainda sido o alvo de três disparos de arma de fogo. O subsecretario e seu amigo Lenon Roque, que atua como um segurança particular de Renato, foram indiciados hoje (16) por lesão corporal grave e devem seguir em liberdade até o julgamento da Justiça.

    > Assista o depoimento de Gabriel Binho

     

    Cidade de cerca de 250 mil habitantes na região Metropolitana de São Paulo, a estância turística de Embu das Artes vive clima de faroeste desde que o prefeito Ney Santos (PRB) tomou posse após ficar dois meses foragido da Justiça.

    O prefeito foi acusado pelo Ministério Público por lavagem de dinheiro, associação para o tráfico de drogas e ligação com organização criminosa, ele estava foragido desde o dia 9 de dezembro de 2017, quando foi deflagrada a Operação Xibalba, da Polícia Federal (PF).

    Em uma vídeo ao vivo o secretario municipal Jones Donizette, chefe de Renato, negou a participação de servidores da sua pasta no atentado a Binho, e chegou a dizer que o site Verbo estava ligado ao deputado estadual Geraldo Cruz (PT), que governou a cidade por oito anos.

    Renato Oliveira é considerado um dos meninos de ouro do MBL, virtuoso conhecedor em redes sociais, ficou conhecido em 2014 ao defender o deputado federal Jair Bolsonaro no antigo programa global do Jô Soares.

  • Temos corpos no chão e estão preocupados com o trânsito?

    Temos corpos no chão e estão preocupados com o trânsito?

    Rio de Janeiro, 06 de fevereiro de 2018.

     

    Acordei às 6 da manhã e não sabia que barulho era. Ainda tonta percebi que eram tiros, gritos, tiros e mais gritos.

    Pensei: É briga de facção ou operação? Dez minutos depois soube que era o bope, core, polícia, caveirão. Tiros, mais tiros, mais gritos e gritos. Gritos de todos os lados.

    As crianças já estavam se arrumando para irem à escola, mas logo, recebemos a notícia de que as escolas não abririam. Os postos de saúde também não. Era cedo ainda quando no celular a gente via pessoas de diversos becos e vielas da Maré relatavam que tinha tiro. “Tiro no Timbau”; “Tiro na Baixa”; “Tiro na praça do 18”; “Tiro no Pinheiro”; “Tiro no Palace”; “Tiro na Vila”; Tiros, tiros, tiros e não eram só as notícias de tiros que eu lia dos outros cantos. Eu também relatava os tiros na área que moro, eu também dizia “Tiros aqui”. Notícias de casas invadidas também foram relatadas durante todo o dia. Carros metralhados. Eu ainda estava com a esperança dos tiros acabarem por volta dos meio dia.

    Estava já indo me arrumar para tentar ir ao trabalho, mas na rua os tiros continuavam, os caveirões circulava por toda a parte da favela. Mais tiros, tudo continuava fechado. Mais caveirões. O pior de tudo era o silêncio do nosso cotidiano sendo abafado pelos barulhos de tiros. Um pouco mais tarde, veio a notícia de uma criança baleada, depois, outro jovem baleado. Daí, vi fotos, mais um corpo no chão, sangue de favelado, sangue de criança e jovem assassinado. Em seguida, protestos nas vias expressas.

    Os jornais logo noticiam apagando todo o terrorismo e colocando como manchete as pistas fechadas, justificando o terrorismo de Estado. Aqui e pelas outras redes, vi as pessoas que estavam comentando sobre as mais variadas notícias do país e da cidade logo se desesperarem porquê as pistas estavam fechadas.

    Já eram 16 e pouca da tarde. Eu pensei…poxa…só agora as pessoas viram que está dando tiro aqui…mas a preocupação é com o trânsito, mas cara, e os tiros desdes às 6h?

    Depois das pistas fechadas, mais tiros, granadas, bombas de gás, mais terrorismo, mais massacre, mais tiros nas mais variadas favelas da Maré. Enfim, são quase 20 da noite e eu só queria relatar mesmo o choro, a dor, o desespero que é viver ou sobreviver num lugar como este.

    Todo este relato será sempre invisibilizado, apagado, censurado, abafado. Parece que as nossas vidas não valem nada, pois o outro lado da cidade só vai saber do que acontece aqui quando a vida deles é e for atingida por uma revolta quando os nossos aqui estão perdendo a vida.

    Não aguento mais essa realidade que nos sufoca. Chega de enterrar os nossos.

    Chega de tiros. Eu quero o barulho cotidiano da favela, um barulho que hoje durante o dia inteiro eu não ouvi porque ele foi abafado pelos gritos e tiros de um Estado racista que nos mata.