Jornalistas Livres

Categoria: Voz das Periferias

  • Desocupação do Glória pode gerar mortes e caos urbano em Minas

    Desocupação do Glória pode gerar mortes e caos urbano em Minas

    No bairro Elisson Prieto, antiga fazenda do Glória, entre 15 e 18 mil pessoas de cerca de 2.350 famílias vivem sob ameaça de despejo pelo poder público apesar da União, prefeitura e Universidade Federal de Uberlândia – UFU já terem firmado acordo para evitar uma tragédia que seria pior que o Pinheirinho, em São José do Campos em 2012. Há dois meses, os Jornalistas Livres publicamos matéria e documentário a respeito (veja em https://jornalistaslivres.org/2016/05/assentamento-gloria-enfrenta-ameaca-de-despejo/) já alertando para uma possível reviravolta no caso.

    Ruas de terra e eletricidade precária
    Ruas de terra e eletricidade precária

    Depois de um novo entendimento entre a Secretaria de Patrimônio da União – SPU para a troca da área da Fazenda Capim Branco pela área ocupada no Glória, com aval do Conselho Universitário da UFU (detentora da área), da Companhia de Habitação de Minas Gerais – Cohab/MG e prefeitura de Uberlândia (responsável pela urbanização da área), o Ministério Público Federal decidiu processar os atuais reitor e vice-reitor, Elmiro Santos Resende e Eduardo Nunes Guimarães, e o ex-reitor Alfredo Júlio Fernandes Neto, bloqueando seus bens e contas bancárias, por não terem realizado a ação de reintegração que custaria à Universidade R$ 7.5 milhões (para catalogação e guarda dos pertences das famílias, transporte, tratores para a derrubada de casas, etc), de acordo com estimativa da Polícia Militar de Minas Gerais. Em seu planejamento, a ação de despejo prevê o custo de mais R$ 7.5 milhões para transporte das tropas, hospedagem, munições, etc e o que é pior: a morte de 40 pessoas no conflito (30 moradores e 10 policiais) e a necessidade de reserva de centenas de leitos nos hospitais da região para atender os feridos. Além de possíveis vítimas, uma ação como essa traria o caos absoluto à cidade ao jogar na rua do dia pra noite mais de 5% de sua população. Para completar, não existem estimativas para os custos posteriores como alugueis sociais, tratamentos médicos, construções de conjuntos habitacionais, etc.

    Há cerca de sete mil crianças no Glória e mais estão à caminho
    Há cerca de sete mil crianças no Glória e mais estão à caminho

    A parte da fazenda do Glória ocupada pelos sem teto, chamada de Triângulo do Glória, nunca foi utilizada pela Universidade e já foi definida pela prefeitura como Zona Especial de Interesse Social – Zeis, para a construção de moradias populares. Ela se encontra entre um bairro regular, o São Jorge, que foi há muitos anos uma ocupação e uma estrada, tornando difícil sua expansão com novos moradores e mais fácil a urbanização do terreno como a prefeitura já se comprometeu a fazer respeitando as ruas e os lotes definidos (hoje cada família tem apenas um lote numerado com 10 x 25 metros). As fazendas acordadas pelas partes para a troca têm valores equivalentes, segundo avaliações da Caixa Econômica Federal e da Companhia de Habitação de Minas Gerais – Cohab-MG avalizados pela SPU, de modo que não haveria prejuízo financeiro ou funcional para a UFU. Assim, é duro compreender as razões que levariam os membros do MPF de Uberlândia, Cleber Eustáquio Neves, Leonardo Andrade Macedo e Onésio Soares Amaral, e o juiz da comarca, José Humberto Ferreira, a prosseguirem e aprofundarem ações judiciais com as consequências apontadas acima.

    Gilmar, pedreiro. As mãos calejadas de trabalho
    Gilmar, pedreiro. As mãos calejadas de trabalho

    Essas ações da Justiça criminalizam não somente os movimentos sociais de luta por moradia, mas a própria autonomia universitária, garantida na Constituição para as instituições federais de ensino poderem livremente administrar os bens sob seus cuidados, cujo acordo foi homologado de forma unânime pelos membros do Conselho Universitário da instituição, de modo que os gestores não poderiam tomar outra iniciativa a não ser prosseguir com as negociações. Por isso, Frente Brasil Popular – FBP, Frente Povo Sem Medo – FPSM, Associação dos Docentes da UFU – Adufu, Sindicato dos Técnicos da UFU – Sintet, Central dos Movimentos Populares, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST, entre outras entidades e coletivos, estão se juntando em uma nova frente de apoio aos moradores, lançada oficialmente nessa segunda-feira, 25 de julho. O manifesto de criação da frente, a íntegra das ações judiciais e outros materiais sobre a história de luta do Glória podem ser acessados em https://frenteelissonprieto.wordpress.com/ . Conheça abaixo algumas das histórias de quem mora no bairro Elisson Prieto.

  • Black Lives Matter

    Black Lives Matter

    A violência policial contra a população negra tem sido motivo de protestos em muitas cidades norte-americanas. Ontem, sexta 15, foi em Reno, Nevada.
    Cerca de 500 manifestantes gritavam: “Black lives matter” (As vidas dos negros têm importância) e “No justice, no peace!” (Sem justiça não há paz!).
    As lideranças do protesto em Reno eram muito jovens: nenhum dos que tomaram a palavra tinha mais de 30 anos.
    Um menino que gritava, insistente e solitariamente, o nome de Donald Trump, teve seu grito abafado por dezenas de vozes bradando: “Black lives matter”.
    À pergunta: “What do we want?”(O que queremos?), todos respondiam: “Justice!” (Justiça). Outra pergunta se seguia: “When do we want it? (Quando a queremos?). “Now!” (Já!), respondiam os manifestantes.

     

     

  • Prestes a ser desocupada, Fábrica de Cultura do Capão Redondo recebe um “salve” do Mano Brown

    Prestes a ser desocupada, Fábrica de Cultura do Capão Redondo recebe um “salve” do Mano Brown

     

    Oitavo episódio: O dia em que Mano Brown manda um salve em solidariedade a todos os aprendizes das Fábricas de Cultura. Ele reitera seu apoio aos ocupados na Fábrica do Capão Redondo que estão prestes a serem despejados e faz votos para que a PM aja dentro da lei e sem violência

     

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    A reintegração de posse da Fábrica de Cultura do Capão Redondo pode acontecer a qualquer momento. Os aprendizes, que tomaram conta do espaço e organizam atividades para a comunidade há um mês e 16 dias, sabem que a Polícia Militar já recebeu o mandado de despejo. Os policias do 37o. Batalhão da PM do Capão Redondo estão de prontidão e o clima é tenso entre as crianças e jovens que estão na Fábrica. Mano Brown, morador da área, mandou um vídeo para manifestar seu apoio à rapaziada: “que a PM aja dentro da lei e não aja com violência contra os adolescentes que estão lá exigindo os direitos deles. A Fábrica de Cultura é do povo, eles estão exigindo isso”.

    A ocupação na Fábrica do Capão começou quando a Poiesis, Organização Social responsável pela gestão do local (que é dirigida por um fundador do PSDB), decidiu reduzir em quatro horas o horário da biblioteca da Fábrica. A justificativa era o corte de verbas. Sabe-se, no entanto, que essa era só mais uma das ações da política de sucateamento da cultura e educação promovida pelo governo do Estado. Antes mesmo de os educadores decretarem greve por causa dos rumores de cortes, a Poiesis já havia demitido 20% do quadro, por telegrama.

    A greve dos educadores continua e outras Fábricas de Cultura aderiram ao movimento. Houve uma tentativa de ocupação na unidade do Jardim São Luís, fortemente repreendida pela PM e com denúncia de que policiais obrigaram aprendizes a apagar as fotos e gravações da ação. Um jovem foi preso e terá de responder por um processo de corrupção de menores.

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    Na Fábrica de Cultura da Brasilândia, crianças e jovens foram obrigados a desocupar o espaço sem nenhum mandato judicial em menos de 24 horas de ocupação. A alegação era a de que eles haviam causado dano ao patrimônio público. O dano, no caso, era na porta de um elevador que teve de ser arrombado pelos bombeiros depois de cinco crianças passarem mal por estarem presas no local há horas. O elevador havia parado de funcionar porque faltou luz no local. Um detalhe curioso: naquele dia, só faltou luz na Fábrica de Cultura. O bairro todo estava iluminado.

    O episódio rendeu a detenção de 11 crianças e 11 jovens. As crianças, todas devidamente apoiadas pelos seus pais, foram para a casa no mesmo dia. Os outros 11 jovens, no entanto, passaram 36 horas na cadeia. Sem nenhuma passagem antecedente pela polícia, todos terão de responder a processos sustentados no artigo 163 do código penal – dano qualificado – e por corrupção de menores, artigo 244b do Estatuto da Criança e do Adolescente.

    A posição do juiz que liberou os jovens da cadeia depois da ocupação na Brasilândia revelou o óbvio: “o único pecado [dos jovens], ao quanto consta, seja o de resistir.”

    A luta continua. Toda a atenção é necessária à desocupação da Fábrica de Cultura do Capão Redondo. Mano Brown mandou muito bem: “É era bom que as pessoas se informassem pra saber o porquê da atuação da rapaziada que está ocupando o espaço para não deixar fechar. A intenção é que tudo seja feito na paz e na ordem e que a democracia prevaleça e que o direito do povo seja preservado. Um abraço.”mano1

    Abraço, Brown!

    Por Flávia Martinelli, Adolfo Várzea e Sato do Brasil/Jornalistas Livres

    Fotos e vídeo: Aprendizes de Olho – https://www.facebook.com/aprendizesdeolho

    A série A VOZ DAS PERIFERIAS é uma reportagem especial dos Jornalistas Livres sobre as Fábricas de Cultura de São Paulo. Confira aqui os episódios anteriores

    Primeiro episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/374805742643309

    Segundo episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/375040505953166

    Terceiro episódio:
    https://jornalistaslivres.org/2016/06/voz-da-periferia-mais-uma-fabrica-de-cultura-e-ocupada/

    Quarto episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/376608255796391

    Quinto episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/377211349069415

    Sexto episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/378582975598919

    Sétimo episódio:
    https://jornalistaslivres.org/2016/07/voz-das-periferias-uma-serie-dos-jornalistas-livres-sobre-as-fabricas-de-cultura-de-sao-paulo/

  • Jovens defendem a cultura na Brasilândia e são presos sem provas

    Jovens defendem a cultura na Brasilândia e são presos sem provas

     

    Sétimo episódio:

    O dia em que 11 crianças foram parar na delegacia e 11 jovens dormiram na prisão sob acusação de flagrante por dano e vandalismo – sem que a Polícia, a Secretaria de Cultura, a Procuradoria-geral do Estado ou a Secretaria de Segurança Pública explicassem quais danos ou qual ato de vandalismo!

    Às 8h20 da manhã o ônibus da Polícia Militar estacionou na porta da Fábrica de Cultura da Brasilândia. Lá dentro desde o dia anterior, crianças e jovens mantinham uma ocupação em protesto à política de sucateamento da cultura e da educação promovida pelo governo do Estado de São Paulo. Os fardados chegaram sem nenhum mandado de segurança ou termo de reintegração de posse para despejar os aprendizes. E, assim, sem muita explicação 22 deles, 11 crianças e 11 jovens, foram levados para o 72º Distrito Policial.

    O sábado foi longo e angustiante. Pais e mães foram para a porta do DP sem saber por qual motivo seus filhos estavam detidos. Eles chegaram a escrever para o delegado uma carta dizendo que apoiavam a ocupação e que estavam cientes dos motivos do ato: a demissão em massa de educadores amados pelos aprendizes, o corte de verbas, a diminuição do horário das oficinas e a falta de transparência da Organização Social Poiesis, responsável pela gestão das Fábricas de Cultura.

    Os figurões da Poiesis, por sua vez, não se pronunciaram. O diretor da instituição, Henzo Dino Sergente Rossa, não trocou uma única palavra sequer com a mãe aflita e em prantos que cruzou na porta do DP. “Meu filho é um bom menino. Por que ele está na cadeia? Por que?” Henzo não respondeu. Ninguém, aliás, respondia nada.

    PM mantém jovens no ônibus.

    Só no meio da tarde a Secretaria da Segurança disse que a PM agiu a pedido da Secretaria da Cultura que, então, resolveu se pronunciar. Por meio de nota, afirmou que a decisão pela desocupação foi “tomada a partir da necessidade de garantir o funcionamento da unidade e o acesso do público aos serviços oferecidos pela Fábrica”.

    Curioso. A Fábrica estava aberta. Os educadores estavam em greve. Os aprendizes da Brasilândia fariam o mesmo que seus colegas que mantêm a ocupação da Fábrica de Cultura do Capão Redondo: assumiriam a programação do local. “Talvez fosse mais simples bater um papo com os aprendizes e educadores em vez de chamar a polícia, né?”, sugeriu um educador. “Nos textos bonitos de fundamentos pedagógicos que a Poiesis manda para a Secretaria da Cultura fala-se muito em fomentar a autonomia dos jovens em situação de vulnerabilidade. Mas, olha ai, tanto a secretaria quanto a Poiesis, no final das contas, estão colocando a molecada na cadeia e criminalizando quem apenas está defendendo a cultura! É um absurdo!”

    Na mesma nota à imprensa, a Secretaria da Cultura informou que a desocupação foi feita por via administrativa, de acordo com o parecer da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), um órgão jurídico que defende o governo. Em maio deste ano, poucos dias antes de virar ministro da Justiça do interino Michel Temer, Alexandre de Moraes, então secretário de Segurança Pública de Alckmin, orientou o procurador-geral do Estado a permitir a desocupação de prédios públicos ocupados por estudantes que lutam por melhorias na merenda. A reintegração de posse seria feita sem necessidade de decisão judicial. O parecer foi dado, baseado no direito de autotutela, que é o poder de exercer diretamente a tutela de seus bens.

    Mas, ainda, assim, isso não responde à pergunta daquela mãe angustiada: por qual motivo seu filho ainda estava na delegacia com outros jovens?

    Foi então que, por volta das 19hs, a delegacia de polícia informou que as crianças sairiam do DP. Parecia que tudo ia se resolver. Um pai emocionado reafirma o orgulho que tem de ver sua filha lutando pelo direito a cultura e educação. Mas e os outros? O que iria acontecer com os 11 jovens detidos? Vão passar a noite na cadeia? “Sim, os maiores de idade estão presos”, disse o escrivão do 72 DP. E finalmente ele revelou o motivo da prisão: flagrante por dano. Qual dano? “Ah, liga para a comunicação da polícia militar que esse assunto é com eles.”Foi o que os Jornalistas Livres fizeram. A soldado Monique, que não informou seu sobrenome por este ser seu “nome de guerra”, disse que esse assunto era da alçada da Secretaria de Segurança Pública. “Eles estão acima da polícia”. Ela, no entanto, revelou a orientação difundida entre os policiais sobre como proceder em desocupações sem mandado de segurança ou termo de reintegração de posse. “Funciona assim: esses documentos são obrigatórios apenas quando NÃO existe ato de vandalismo. Se a polícia entrou lá, é porque teve vandalismo”, completou. “Mas fale com a Secretaria de Segurança Pública. Eles respondem por isso.”

    Educadores levam comida para os aprendizes encarcerados.
    Educadores levam comida para os aprendizes encarcerados. Foto de Adolfo Várzea.

    De novo, foi o que os Jornalistas Livres fizeram. Foram mais de dez ligações para os plantonistas da assessoria de imprensa. Ninguém atendeu. As telefonistas já reconheciam a repórter pela voz e, vencida pelo cansaço uma delas desabafou: “também… só tem estagiário em plantão. Não tenho culpa se eles ficam no facebook e no whatts o tempo todo. Não posso sair do meu lugar.” E, assim ficou.

    Onze jovens vão passar a noite na cadeia. Onze jovens são acusados de vandalismo e flagrante por dano sem provas. Qual vandalismo? Qual dano? A Secretaria da Cultura não contou. A Secretaria de Segurança Pública também não falou. A Procuradoria-Geral do Estado não explicou. Os Policiais Militares também não. Ninguém sabe, ninguém viu.

    Mas, ah, como o dia foi longo, por volta das 23hs o delegado resolveu explicar uma coisinha: a porta do elevador da Fábrica de Cultura está danificada e seria esse o ato de vandalismo e dano flagrante. Só um detalhe: ontem, logo após a ocupação, apenas a energia elétrica da Fábrica de Cultura falhou no bairro da Brasilândia. Cinco crianças ficaram presas no elevador por mais de três horas. Quando dois deles começaram a passar mal, o Corpo de Bombeiros foi acionado. A abertura da porta foi gravada em vídeo. Mas o delegado, o secretario de cultura, o procurador, o diretor da Poiesis, o secretário de segurança, o governador e até ao ministro da Justiça não manifestaram interesse em assistir a esse episódio da história. É bem mais fácil deixar 11 jovens na cadeia sem provas.

    Em tempo: os jovens também responderão por corrupção de menores. E isso obriga o caso a ter uma audiência de custódia, uma garantia de rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. Mas isso só na segunda-feira.