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  • A antecipação do voto útil e a tragédia política brasileira

    A antecipação do voto útil e a tragédia política brasileira

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com ilustração de Al Margen

     

    Sem a foto de Lula na urna, as eleições de 2018 se encontram diante de um impasse: a antecipação do voto útil para o primeiro turno da corrida presidencial.

    Na situação que temos hoje, não importa o que aconteça, não importa quem vença, o governo que sairá das urnas será eleito mais pelo veto do que pelo voto. Isso significa uma tragédia política para o Brasil. É disso que quero falar neste ensaio.

    Na prática, o voto útil funciona como veto. O eleitor vota em X para evitar que Y vença. No segundo turno, quando sobram apenas dois candidatos e a polarização é normal, o voto/veto é natural. Acontece sempre, no Brasil e em qualquer outra parte do mundo que tenha um sistema eleitoral parecido com o nosso.

    Mas no primeiro turno isso não deveria acontecer, de jeito nenhum.

    O primeiro turno é o momento em que o eleitor precisa estar à vontade para fazer o voto propositivo, programático.

    O primeiro turno é o momento de votar no aerotrem de Levy Fidelix, nas promessas soviéticas do Zé Maria, nos devaneios líricos do poeta Mauro Iasi, na bomba atômica do Enéas. É o momento de escolher uma terceira via, aquela candidatura que fica ali, sempre com algo entre 15 e 20% e que se apresenta como alternativa às forças hegemônicas.

    Não teremos esse momento nessas eleições, o que é muito ruim para o Brasil, muito ruim mesmo. Péssimo.

    A pessoa que em 1º de janeiro de 2019 subirá a rampa do Palácio do Planalto terá sido eleita quase que exclusivamente pelo veto e não pelo voto. Haverá um déficit de legitimidade. O novo governo já nascerá fragilizado.

    Explico melhor:

    Hoje, existem na cena política brasileira duas forças que são capazes de assombrar eleitores nos dois lados da fronteira ideológica: Lula e Jair Bolsonaro.

    Não se trata exatamente de uma polarização, pois falar em “polarização” significa sugerir alguma igualdade entre os polos, o que não é verdade. Há meses que todas as pesquisas mostram que Lula tem o dobro de intenções de voto de Jair Bolsonaro, e com uma rejeição ligeiramente menor.

    Lula e Bolsonaro, portanto, ao mesmo tempo em que são os mais amados, são, também, os mais odiados. A política sempre foi e sempre será território fértil para os afetos.

    A dose de amor e ódio não é igual, que fique claro. Bolsonaro tem uma margem de fidelidade que não é menor que 15%, mas que também não é muito maior que 20%, o que o torna praticamente inelegível, como mostram as simulações para o segundo turno feitas por todos os institutos de pesquisa. Bolsonaro é o adversário dos sonhos. Todos os outros querem disputar o segundo turno com ele.

    Já Lula tem uma fidelidade que não é menor que 35% e um teto que chega na casa dos 40%. Se pudesse concorrer, Lula venceria com facilidade e da urna sairia um governo legitimado pela soberania popular. Essa seria a única possibilidade de termos uma eleição capaz de nos tirar do caos institucional em que estamos vivendo. Mas Lula não estará na urna. O golpe não nadaria tanto para morrer na praia.

    Fernando Haddad representará o lulismo e aqui começa, prematuramente, a disputa pelo voto útil.

    À direita vencerá a candidatura que conseguir se apresentar com mais potencial para derrotar o lulismo num eventual segundo turno.

    À esquerda, sairá vitoriosa a candidatura que conseguir convencer o eleitorado progressista de que pode derrotar Jair Bolsonaro no segundo turno.

    Acho muito difícil que direita e esquerda cruzem suas espadas já no primeiro turno. A competição será endógena, acontecerá dentro de cada trincheira ideológica, onde o que estará em jogo será a disputa pela capacidade de vetar o outro lado.

    De um lado, a campanha de Alckmin vai investir na desconstrução de Bolsonaro, dizendo que o PSDB ainda é capaz de rivalizar com o PT. A campanha de Alckmin vai tentar convencer o eleitorado que odeia o PT de que o antipetismo ainda é capital político monopolizado pelos tucanos. Para isso, Alckmin terá a TV. É aqui que veremos se a TV ainda é determinante para o convencimento eleitoral.

    Bolsonaro vai continuar fazendo o jogo de formulações facilmente digeridas pelo seu eleitorado cativo. “Bandido bom é bandido morto”, “ideologia de gênero”, “sou honesto” e por aí vai. Bolsonaro joga pelo empate. Quanto menos falar, quanto menos aparecer, melhor pra ele.

    Amoedo corre por fora e pode tirar votos tanto de Bolsonaro como de Alckmin. Se a disputa for apertada, isso pode significar algum protagonismo para o candidato do banco Itaú.

    Do outro lado, a campanha de Ciro Gomes vai tentar mostrar ao eleitorado progressista que Haddad não é viável, que não é o herdeiro ideal. Ciro já começa a defender Lula com veemência, algo que ele não fez até aqui. Quarenta por cento dos votos válidos é motivo suficiente para inspirar algumas mudanças na estratégia.

    O grande trunfo da campanha de Ciro são as simulações de segundo turno, que mostram Haddad como o único candidato que não consegue derrotar Bolsonaro. Enquanto estiverem disponíveis, esses números serão usados à exaustão pela candidatura cirista, com o objetivo de criar uma tendência que beneficie Ciro Gomes.

    Só que Ciro não está sozinho. Marina Silva rivaliza com ele nessa disputa pelo veto ao Bolsonaro.

    Evocando a imagem da mulher negra, mãe, pobre, seringueira e analfabeta até os 16 anos, Marina ainda atrai votos progressistas, mesmo que sua agenda econômica seja extremamente conservadora. Talvez Marina Silva seja mais capaz que Ciro Gomes de capitalizar o veto a Bolsonaro. Por questões de gênero e raça, ela tensiona melhor com Bolsonaro.

    A operação “Todos menos Bolsonaro” pode significar a vitória de Marina Silva. Se eu tivesse dez fichas para apostar, colocaria quatro nela.

    Já a candidatura de Haddad tem a seu favor os tais 40%, que sem Lula estão por aí, órfãos, soltos no ar. Ainda não temos dados disponíveis que nos permitam saber se esses votos migrarão para Haddad. A mudança oficial na cabeça da chapa acontecerá nos próximos dias, em um grande ato simbólico a ser realizado, pelo que li na imprensa, em Curitiba. Lula escreverá seu testamento político e abençoará Fernando Haddad. Acho muito difícil que Haddad não consiga herdar uma quantidade mínima de votos que o coloque pelo menos na casa dos 30%, o que fatalmente o levaria ao segundo turno.

    Como disse há pouco, as projeções para o segundo turno mostram Haddad muito próximo a Bolsonaro, mesmo sem fazer campanha, mesmo sem ser oficialmente a cabeça de chapa. Haddad tem margem pra crescer, inclusive junto a um eleitorado tucano mais tradicional. Pode ser que o jeitão de bacharel uspiano sirva para alguma coisa. As outras seis fichas, eu colocaria em Fernando Haddad.

    A última pesquisa eleitoral, a ser divulgada nas vésperas do 7 de outubro, será determinante. Quem aparecer na frente na disputa entre Alckmin e Bolsonaro atrairá o veto ao lulismo. Quem aparecer na frente na disputa entre Marina Silva, Fernando Haddad e Ciro Gomes atrairá o veto ao Bolsonaro. Ainda não dá pra saber.

    Fato, fato mesmo, é que o impedimento de Lula significa uma tragédia política para o Brasil. A eleição em que o favorito disparado não pode concorrer já nasce com aparência de golpe preventivo. Apenas Lula venceria pelo voto. Os outros só podem vencer pelo veto.

    Definitivamente, a crise não acabará com a eleição do novo governo. Ainda há muito sofrimento pela frente.

     

  • TVs ferem Lei Eleitoral ao esconder candidatura Lula

    TVs ferem Lei Eleitoral ao esconder candidatura Lula

    Não é novidade pra ninguém que o Brasil vive um processo de Golpe de Estado e, portanto, um Estado de Exceção. Assim, leis, normas e regulamentos que valem para uma pessoa ou empresa não necessariamente são aplicadas a outra. É o que vem acontecendo, por exemplo, na cobertura que as grandes redes de rádio e TV estão dando às diversas candidaturas presidenciais. Enquanto candidatos com porcentagens ínfimas de intenção de voto têm espaço garantido para propagar suas propostas, “ideias” e até mesmo mentiras em rede nacional, a chapa PT-PCdoB, que lidera todas as pesquisas com mais que o dobro da segunda colocação, é colocada sistematicamente fora da telinha.

    O caso mais escandaloso é o da Rede Globo, que em comunicado no Jornal Nacional em 22 de agosto simplesmente anunciou que não daria qualquer cobertura jornalística à candidatura de Lula e Haddad. Veículos impressos ou digitais independentes, como os Jornalistas Livres, têm total liberdade editorial para definir linhas de cobertura, interesses comerciais e mesmo apoios políticos, ainda que a maioria finja ser imparcial. No caso das emissoras de rádio e TV, no entanto, como espectro eletromagnético é limitado, cabe ao poder público decidir quem pode e quem não pode ter um canal, definindo, portanto, regras especiais para seu funcionamento. Como funcionam de facto e historicamente como um oligopólio, contudo, o capítulo de Comunicação da Constituição de 1988, que por exemplo proíbe políticos de possuírem concessões, nunca foi regulamentado. Com isso, na prática, ainda vale a Lei Geral das Telecomunicações, promulgada durante o processo que levou ao golpe de estado de 1964.

    Os “donos da voz”na Abril, Folha e Globo, na primeira fila para ouvirem palestra de William Waak em encontro do Instituto Millenium em 2009. foto: www.mediaquatro.com

    A legislação eleitoral, por outro lado, vem sendo modificada a cada pleito. Atualmente, com algumas mudanças, está vigente a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Mas, para a Globo, isso parece que “não vem ao caso” (MORO, Sérgio. 2014/15/16/17/18 em relação às acusações contra tucanos).

    A candidatura de Lula à Presidência, queiram ou não, foi registrada em 15 de agosto último e segue vigente.

    Enquanto a chapa (e não apenas o nome dele) não for impugnada (o que não é impossível que aconteça, afinal, como já dissemos antes, estamos em um Estado de Exceção), a Lei Eleitoral EXIGE que concessionárias de rádio e TV deem um tratamento isonômico às candidaturas, não privilegiando (e, por óbvio, depreciando) qualquer candidatura. Aliás, se já não estivéssemos em um Estado de Exceção, o representante da chapa PT/PCdoB deveria ter garantido seu espaço com os mesmos 30 minutos na bancada do Jornal Nacional a que tiveram direito outras quatro candidaturas essa semana. Sexta dia 31 de agosto seria um ótimo dia…

    Veja abaixo o que diz a Legislação Eleitoral sobre isso:

    Artigo 36-A:
    I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na Internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

    Artigo 45: Encerrado o prazo para a realização das convenções no ano das eleições, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e em seu noticiário:
    IV – dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação;

    Veja também uma excelente montagem sobre a atuação política da Rede Globo desde 1964, passando pela criminosa edição do debate entre Lula e Collor em 1989 até chegar em William Bonner na maior cara de pau dizendo que “obviamente” não haveria cobertura da nova candidatura de Lula:

     

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/192125934891966/

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/192125934891966/?hc_ref=ART58PQtk-UPJO9iE1c2i916A82vE3iW325eJzDvGMQiXOER_iSesFXisT7-bSoSSd4&xts[0]=68.ARBaWHHeFJUzCmHg0TJ9ZobciyyCovWZCvFXrRbhcyPxH7R8DFBujLD0AvqdKb0LyLA-2_hUzKCsRrnVQ8bJ1vPwWVTGOuqEEtcmb9XnZoBMSpHQ4S9yUCmDdm4c7oyZO6ps0Bs&tn=FC-R&fb_dtsg_ag=Adyc40gx5IjHTnFD1vXIaXCKpCAmM93_dEZmBHXBgnrbhA%3AAdyU3yhCppQz6WRkaBevX0s2EHULVKkumS_IDMzsdOoh7A

  • NOVAS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA PARA NOVOS TIPOS DE GOLPE

    NOVAS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA PARA NOVOS TIPOS DE GOLPE

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Stocker

    À direita dizem que não está acontecendo um golpe no Brasil. Afinal, os canhões não estão nas ruas e não tem milico governando. Se não tem milico governando e canhão na rua, os da direita dizem que não é golpe. Pra ter golpe mesmo só com canhões na rua e milico governando. Não pode ser diferente.

    À esquerda, por uma lógica inversa, também existe o mesmo fetiche com as baionetas. Os companheiros e companheiras estão sempre à espera da chegada dos canhões. Basta um general de pijamas e sem tropas vomitar meia dúzia de tweets que o pânico se espalha. Afinal, se é golpe, e os da esquerda dizem que é golpe, tem que ter canhão na rua e milico governando. Não pode ser diferente.

    Uns e outros erram porque não percebem que os tempos mudaram e os golpes mudaram junto. Mudaram também as formas de resistência. É exatamente disso que quero falar neste ensaio. Novos tipos de golpe exigem novas práticas de resistência. Trato aqui especificamente da resistência que vem sendo organizada pelo Partido dos Trabalhadores.

    Antes, alguns esclarecimentos:

    “Guerra Híbrida” / “Lawfare”

    É impossível entender o que está acontecendo no Brasil sem compreender o que essas palavras significam.

    “Guerra híbrida” é um termo usado para definir estratégias de ataque que não se limitam à esfera militar. Na “guerra híbrida” não ouvimos bombas estourando e metralhadoras produzindo o som da morte. Não há vísceras e membros espalhados no chão. A “guerra híbrida” acontece em silêncio e com tom de legalidade. A “guerra híbrida” é tão discreta que nem parece guerra. Mas é guerra sim. É muita guerra.

    A “guerra híbrida” envolve ciberataques, difusão de fakenews, espionagem, desestabilização de governos.

    Até hoje ainda existe quem acredita que o Lulinha é dono da Friboi. Os donos da Friboi já foram presos, já ficou evidente que o Lulinha nunca teve nenhuma relação com a empresa. Mesmo assim, não é difícil ouvir na rua alguém dizendo “Lulinha era zelador de zoológico e agora é dono da Friboi!”. A “guerra híbrida” também deixa cicatrizes.

    Na “guerra híbrida” chefes de Estado são espionados. Foi isso que a CIA fez com Dilma entre 2013 e 2015. Deve ter feito mais, provavelmente fez mais. Deve tá fazendo isso agora com centenas de pessoas ao redor do mundo.

    Sabiam não, leitor e leitora? Tão achando que é teoria da conspiração? Não é não. É verdade verdadeira. A CIA espionou a Dilma entre 2013 e 2015, exatamente quando a crise brasileira se tornava mais aguda. Teve maior repercussão na época. Deu até no “Fantástico”. Só googlar aí que vocês acham.

    É tática da “Guerra Híbrida” utilizar a lei para perseguir adversários políticos. É isso que chamamos de lawfare. O caso do triplex do Guarujá é o exemplo mais acabado de lawfare. Daqui uns tempos vai ser tutorial de lawfare.

    Resumindo, relembrado:

    A família Lula da Silva comprou uma quota imobiliária num condomínio. Essa quota foi declarada no Imposto de Renda de Lula e de dona Marisa. Até aqui não existe triplex. É uma quota imobiliária, apartamento na planta, desses que a gente paga as prestações.

    Aí, Leo Pinheiro, um “campeão nacional” (termo usado para designar os maiores empresários do país), sabendo que Lula é um ativo político importante, chegou à meia voz e disse:

    – Que apartamento chinfrim, presidente. O senhor merece mais. Vamos dar um plus nesse negócio!

    Leo Pinheiro, no lugar da tal quota imobiliária, ofereceu um triplex para Lula no mesmo condomínio. Ele queria que Lula pagasse um apartamento normal e recebesse um triplex, com elevador privativo, cozinha planejada, banheira de hidromassagem e um monte de outros luxos que eu nem sei que existem.

    Lula visitou o apartamento, foi fotografado. O zelador do prédio disse que a obra estava sendo supervisionada pessoalmente por Marisa Letícia. Essas são as provas mobilizadas por Sérgio Moro: a fotografia e o testemunho do zelador.

    Lula aceitaria o regalo? Daria algo em troca? A relação de Lula com os “campeões nacionais” se tornou abusiva e imoral? Lula poderia ter sido mais cuidadoso?

    Temos aí conversa pra mais de metro e cada um pode acreditar no que quiser. Fato, fato mesmo é que a família Lula da Silva não ficou com o triplex, nunca morou no triplex. O triplex nunca foi de Lula. Além disso, Sérgio Moro não conseguiu mostrar em quais atos de ofício, Lula, na posição de presidente da República, beneficiou a OAS para fazer por merecer os mimos.

    Hoje, Lula está preso, condenado a 12 anos em regime fechado.

    Por outro lado, existe um e-mail onde Fernando Henrique Cardoso pede dinheiro a Marcelo Odebrecht, outro “campeão nacional”. Entendam: FHC pediu, textualmente, dinheiro. Tipo, “Ei você aí, me dá um dinheiro aí”.

    O Ministério Público e a Polícia Federal não tocaram em Fernando Henrique Cardoso, não relaram nenhum dedinho nele.

    É assim que a lawfare está funcionando no Brasil: a ampliação seletiva do conceito de “corrupção” visando a criminalização de determinadas lideranças políticas.

    É evidente que estamos vivendo em uma situação de golpe, um outro tipo de golpe, é claro. Sem canhões na rua, sem milico no governo, mas nem por isso menos golpe. Não precisa ter canhão na rua e milico governando para ser golpe.

    Como é possível reagir a esse novo tipo de golpe?

    Luta armada? Fugir da polícia? Milhões de pessoas nas ruas protestando?

    No dia da prisão de Lula, muitos companheiros e companheiras, tomados pela emoção, prometiam resistência direta. Outros diziam que Lula deveria fugir para uma embaixada. Todos estavam equivocados.

    Politicamente é melhor ser mártir do que ser fugitivo. É melhor estar preso do que estar foragido. É mais seguro também. Duvido que alguém tenha coragem de matar Lula numa prisão brasileira. Agora, em qualquer outro lugar do mundo….

    Milhões de pessoas nas ruas protestando seria algo maravilhoso de ver. Mas essa não é a nossa realidade. Não vivemos, no Brasil e no mundo, tempos de mobilização. As agendas coletivas não afetam mais as pessoas. As pessoas olham umas para as outras e enxergam mais diferenças que semelhanças.

    O que fazer, então, diante de um cenário tão complexo? Como reagir a esse novo tipo de golpe?

    Estou convencido de que a direção do Partido dos Trabalhadores encontrou a estratégia adequada: insistir nos trâmites institucionais.

    Trata-se de uma crença ingênua na legalidade?

    Não, de forma alguma. O objetivo é esgotar as instituições, levando-as ao seu limite, obrigando-as a adotar medidas de exceção. O Partido dos Trabalhadores obriga os golpistas a deixarem no chão as suas pegadas. Destaco três momentos em que a estratégia ficou muito clara.

    1) O processo de impeachment da presidenta Dilma

    Desde a admissão do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados já estava claro que Dilma seria afastada. Mesmo assim, o Partido dos Trabalhadores foi até o fim, esgotando os mecanismos institucionais. Isso não foi feito para permitir que José Eduardo Cardozo desse seus showzinhos de eloquência. O objetivo era fazer com que os deputados, em rede nacional, encenassem aquele espetáculo grotesco que vimos em 17 de abril de 2016. O objetivo era forçar os senadores a dizerem com clareza que não estavam a favor do impedimento por causa das pedaladas fiscais, mas, sim, pelo “conjunto da obra”.

    Apenas no parlamentarismo é possível derrubar um governo ruim. No presidencialismo, somente crime de responsabilidade derruba governo. O impeachment de Dilma é um golpe parlamentarista contra uma República presidencialista.

    Tá tudo gravado, registrado em nota taquigráfica. O golpe de 2016 talvez seja o evento mais documentado da história política brasileira. É fácil, fácil contar essa história.

    2) A ofensiva de Rogério Favreto

    Ainda está fresco na memória de todos nós o dia 8 de julho de 2018, um domingo, quando Rogério Favreto, desembargador do TRF-4, ligado ao Partido dos Trabalhadores, autorizou um habeas corpus em benefício de Lula.

    Nenhuma ilegalidade aqui. O desembargador de plantão é soberano e sua decisão somente pode ser anulada pelos outros juízes. Nesse dia, as forças do golpe agiram à revelia da lei e, informalmente, ordenaram que a PF descumprisse a ordem de soltura. Qualquer outro preso seria solto, nem que fosse para prende outra vez no dia seguinte, quando o habeas corpus fosse derrubado.

    O que vale para todos não vale para Lula. No dia 8 de julho de 2018, o Partidos dos Trabalhadores obrigou os golpistas a saírem daquela tradicional preguicinha de domingo para mostrar ao mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

    3) A representação na ONU

    A notícia de que a ONU havia feito uma recomendação pela garantia dos direitos políticos de Lula caiu como uma bomba em 15 de agosto de 2018, provocando reações apaixonadas por todos os lados.

    Na letra fria da lei, a recomendação não altera em nada a situação do presidente Lula. Porém, a manifestação da ONU, provocada pelo PT, irá obrigar as forças do golpe a descumprirem tratados internacionais que o Brasil, no exercício de sua soberania, assinou.

    Isso pode se desdobrar em sanções comerciais, em constrangimento diplomático, além de desgastar a imagem de algumas lideranças do Judiciário brasileiro, especialmente de Luís Roberto Barroso, que é o relator do caso Lula no TSE. Barroso é aquele típico bacharel tropical colonizado: adora pagar de civilizado no centro do mundo, como quem diz “Vejam como sou limpinho”.

    Se fosse outro preso, o golpe não sacrificaria o pouco de credibilidade internacional que ainda lhe resta. Lula vale o esforço. Com Lula, tudo é diferente. É que Lula não é um preso comum, é um preso político.

    De burro, nosso povo não tem nada. As pessoas viram isso tudo, estão vendo o que está acontecendo e essa percepção se traduz em manifestação eleitoral.

    Tá tendo golpe, tá tendo muito golpe. Mas tá tendo resistência também. Uma resistência possível e adequada aos novos tempos. Não é a resistência dos nossos sonhos. Todos sonhamos com resistência direta e épica. Nossos sonhos estão ultrapassados.

    Ao que parece, a resistência está dando resultado, um resultado possível: Dilma lidera com folga para o Senado em Minas Gerais. Lula, no calabouço de Curitiba, sem fazer campanha, cresce a cada pesquisa. Tudo indica que Haddad herdará uma quantidade suficiente de votos para chegar pelo menos ao segundo turno. A situação não está fácil também para os golpistas.

    Penso que há motivo para termos algum otimismo, nem que seja para preservar a saúde mental. Além disso, como já disse Frei Beto, mais vale deixar o pessimismo para dias melhores.

  • Lula envia carta a repórter de rádio mineira

    Lula envia carta a repórter de rádio mineira

    Minha cara Edilene Lopes, queridos e queridas ouvintes da Itatiaia.

    Se eu pudesse estaria aí com vocês agora, comendo um bom prato de feijão tropeiro e ouvindo aqueles causos que só o povo mineiro sabe contar. Isto nas horas vagas, porque no resto do tempo eu e o Fernando Haddad estaríamos percorrendo esse estado, fazendo campanha para presidente e vice-presidente da República, porque é preciso e porque nós queremos colocar o Brasil outra vez nos trilhos do crescimento econômico com justiça social. E o Haddad e eu, com toda certeza, estaríamos também pedindo votos para reeleger o Pimentel governador e dar à Dilma uma votação histórica para o Senado.

    Mas, infelizmente, eu não posso estar aí com vocês, porque aqueles que deram o golpe no povo brasileiro e derrubaram a primeira presidenta do Brasil, sem crime de responsabilidade, são os mesmos que me condenaram e me prenderam sem nenhuma prova de qualquer crime cometido. São os mesmos que deixaram Minas Gerais com uma dívida do tamanho que tinha a Serra do Curral antes de ser comida pela mineração.

    São os mesmos que tentaram impedir a candidatura do Pimentel à reeleição, e que tentaram o tempo todo inviabilizar o governo dele, chegando inclusive a sabotar a renegociação da imensa dívida que eles criaram. E mesmo assim o Pimentel governou, e segue governando para todos os mineiros, principalmente para aqueles que mais necessitam.

    E a vergonha dos nossos adversários é tanta que o candidato deles, o mesmo que não soube aceitar a derrota na eleição presidencial de 2014, achou mais prudente se esconder atrás de uma candidatura a deputado federal pra não perder de novo pra Dilma, dessa vez na disputa ao Senado. Foi assim que eles inventaram o mais novo prato da culinária mineira, indigesto e difícil de engolir: o escondidinho de tucano

    Meus queridos e minhas queridas ouvintes da Itatiaia, minha cara Edilene, a quem darei uma entrevista exclusiva tão logo a democracia seja restaurada no nosso país. Preso injustamente em Curitiba, exilado do povo brasileiro, faço aqui uma promessa. Mais cedo do que temem meus adversários, estarei de volta a Minas e ao convívio com o povo mineiro e com o povo brasileiro, comemorando a nossa vitória tomando uma boa salinas, porque afinal ninguém é de ferro.

    Um grande abraço, e até breve.

    Luiz Inácio Lula da Silva, candidato a presidente do Brasil.

     

  • Haddad, o bacharel que o lulismo escolheu para chamar de seu

    Haddad, o bacharel que o lulismo escolheu para chamar de seu

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com foto de Ricardo Stuckert

     

    A candidatura de Lula foi registrada no TSE. Todos sabemos que Lula não será candidato e o registro de sua candidatura foi um ato político, um necessário ato político.

    A estratégia está clara desde o início: o objetivo é esgotar a legalidade institucional, num constante esforço de denúncia. Assim, os gestores do golpe são obrigados a adotar medidas excepcionais à luz do dia, a deixarem no chão as pegadas de sua infâmia. O golpe é uma narrativa que deve ser reforçada a todo momento.

    Foi isso que o PT fez quando levou Dilma ao Senado, para encarar face a face seus inquisidores. Foi isso que o PT fez em 8 de julho, quando o desembargador Rogério Favreto obrigou o primeiro escalão do golpe a se mobilizar para descumprir uma ordem judicial. Foi isso que o PT fez em 15 de agosto, ao registrar a candidatura de Lula, mesmo com a certeza da impugnação.

    Cada um desses eventos teve a sua função. Em cada um deles, a narrativa do golpe foi reforçada na prática, com o colaboracionismo dos próprios golpistas. Temos aí ações políticas para o presente e uma narrativa destinada ao futuro. A batalha será travada, também, no plano da memória.

    Não é de Lula que quero falar neste ensaio. Quero falar do ungido de Lula, daquele que estará com a foto na urna quando os eleitores digitarem “13”.

    Mentira: vou falar de Lula também, e do início ao fim. É impossível deixar falar de Lula. Quando discutimos política no Brasil, todos falamos de Lula, à esquerda, à direita e ao centro. Fala de Lula até quem não quer falar de Lula. Ninguém fica indiferente a uma instituição desse tamanho.

    Meu argumento aqui é simples e pode ser definido numa frase curta: a unção de Haddad leva o lulismo aos limites de uma grande contradição. Explico.

    Como prática de governo, o lulismo não teve nada de revolucionário. A bibliografia especializada está cheia de estudos que demonstram como Lula foi dócil com o tripé macroeconômico montado no governo de FHC e tão importante para os interesses do neoliberalismo internacional.

    Porém, em um aspecto o lulismo foi, sim, revolucionário. A revolução lulista é simbólica!

    Num país tão complexo como o Brasil, é sempre difícil fazer generalizações O analista que se aventura por esse caminho costuma escorregar na primeira esquina, logo ali, onde algum aspecto rebelde da realidade está pronto para desmenti-lo.

    Mas acho que pelo menos uma generalização seja possível: no Brasil, desde sempre, a política institucional é assunto a ser tratado entre iguais, no clube das elites. Tá aí algo tão presente na nossa história que ainda no século XIX Joaquim Nabuco disse que as faculdades de direito eram a “antessala da Câmara dos Deputados”.

    Ou seja: os filhos das elites saíam da Casa Grande, estudavam nas faculdades de Direito e depois seguiam carreira política.

    Somente no século XXI essa realidade foi alterada, ainda que temporariamente, mesmo que parcialmente. Com Lula, vimos, pela primeira vez, o Estado brasileiro sendo chefiado por uma liderança nascida nas bases da sociedade e amadurecida em movimento social organizado.

    Lula não foi a primeira liderança política que colaborou para a promoção da justiça social e para o fortalecimento da soberania nacional. Antes dele vimos Arraes, Brizola, Getúlio e Jango. Depois de Lula veio Dilma. Porém, diferente de Lula, todos os outros eram bacharéis, a maioria tendo sangue oligarca correndo nas veias.

    No lulismo, um nordestino, um operário sem curso superior que escorrega no uso da norma culta da língua portuguesa, é o maestro do jogo político. Esse é o dado novo. Essa é a revolução.

    E o que aconteceu quando o lulismo foi posto nas cordas?

    Lula escolheu um bacharel como sucessor. Pois é exatamente isso que Fernando Haddad é: um bacharel paulista, uspiano, roqueiro, com jeitão moço criado a leite com pera. Olhando para Fernando Haddad, tenho a sensação de que ele nunca transou sem camisinha, bêbado, depois de sair um forró.

    Nada poderia ser mais diferente de Lula que Fernando Haddad.

    Que o leitor e a leitora não me interpretem mal. O problema não é pessoal. Não tenho nenhum interesse em desqualificar Fernando Haddad, que foi um bom prefeito em São Paulo, que foi um grande ministro da Educação, talvez o melhor que já tivemos por aqui.

    Só estou dizendo o que é óbvio, ao menos o que me parece ser óbvio: na estética, na simbologia, Haddad não representa o lulismo. Isso é um problema que a direção do PT vai precisar enfrentar durante a campanha.

    Como aproximar Haddad de Lula? Eu não queria estar na pele dos organizadores da campanha petista.

    Eles vão conseguir? Mesmo preso, Lula será capaz de transferir seus votos para Haddad? Alguns dizem que sim. Outros dizem que não. Este é o fator que irá decidir as eleições presidenciais. Só o tempo dirá.

    Se Haddad não é o herdeiro ideal, a pergunta a ser feita é: havia outra alternativa?

    Falou-se muito em uma aliança com Ciro Gomes, agora do PDT. As escolhas dos dois partidos inviabilizaram a aliança. Além disso, tenho muitas dúvidas se Ciro encarnaria o lulismo melhor que Haddad.

    Dentro do próprio PT existiam outros candidatos. Nenhum deles seria mais adequado que Haddad. Afinal, não se tira um Lula da cartola, assim, do nada. Não se fabrica um Lula do dia pra noite. Não nasce um Lula a cada geração.

    Talvez diante das opções disponíveis, o que significa a total ausência de opções, a escolha por Haddad tenha sido a melhor possível, ou a menos pior. Haddad foi ministro importante do governo de Lula. Prefeito da maior capital do país. Enfim…

    É sempre bom lembrar que o Lula do lulismo também não nasceu do dia pra noite, tendo sido forjado a muito custo, num longo processo de amadurecimento político, numa estrada pavimentada por doloridas derrotas eleitorais. Antes de subir a rampa em 2002, o PT não era um partido popular, não atraía os votos da parcela mais humilde da nossa população.

    Muito longe disso. O PT era um partido de classe média, muito querido pelos trabalhadores com alguma capacidade de organização, mas amplamente rejeitado pela grande maioria daqueles que vivem um dia de cada vez, sem saber quando será a próxima refeição.

    Foi ao longo do primeiro mandato de Lula que o lulismo tomou o PT de assalto, alterando drasticamente as bases do partido. As bases históricas, formadas pelos trabalhadores organizados, rapidamente se sentiram abandonadas e traídas, o que explica em parte a debandada que aconteceu entre 2005 e 2006. Por outro lado, aqueles que não votavam no PT foram convidados a entrar no jogo, e atenderam ao chamado.

    O lulismo transformou os miseráveis em pobres. Essa talvez tenha sido a mais profunda mudança social da história do Brasil.

    No seu primeiro mandato, Lula fez uma escolha política deliberada: escolheu não tensionar com os poderosos e preferiu atender uns e não outros. Pagou o preço, levando a pecha de traidor, sendo xingado e hostilizado pelos seus antigos companheiros. Colheu os dividendos políticos também. Está colhendo até hoje. O saldo parece ter sido positivo para ele.

    Lula deixou de ser o grevista, o líder sindical, para se tornar o protetor, reencarnando a mística do “pai dos pobres”, imagem tão importante na mitologia política brasileira. Você, pessoa letrada que acompanhou a leitura até aqui, pode até achar isso ruim, paternalista, arcaico. Você pode até falar em “populismo”. Você pode achar o que quiser.

    Ironicamente, a força do lulismo é também sua fragilidade. A grandeza do protagonista transformou o lulismo em um capital político que, no limite, é intransferível. Hoje, nenhuma liderança viva, a não ser o próprio Lula, é capaz de se apropriar plenamente do lulismo.

    É até possível que o PT vença as eleições. Ainda assim, vitória não significará que Haddad terá herdado o lulismo. Significará, apenas, que herdou os votos. Haddad não é capaz de herdar o lulismo. O lulismo não lhe cai bem, é traje que não lhe serve.

    Se for eleito, Haddad, para sua sobrevivência política, terá que fazer outra coisa, inventar uma outra forma de governar, uma outra maneira de conversar com a população, com o risco de se tornar um poste caso não consiga fazê-lo.

    Mas isso é conversa pra um futuro que não sabemos se chegará. Por hoje, só é possível dizer que o lulismo foi obrigado a escolher um bacharel para chamar de seu e, com isso, acabou morrendo um pouco.

     

  • Imagens da Onda Vermelha em Brasília

    Imagens da Onda Vermelha em Brasília

    Dezenas de milhares de cidadãos estiveram em Brasília nos últimos dias para apoiar a luta pela retomada da democracia e pelo direito de Lula ser candidato a Presidente da República. Entre as centenas de fotógrafos que registraram esses eventos (que “inexplicavelmente” não tiveram destaque na mídia hegemônica brasileira) estava Francisco Alves, que viajou à capital do Brasil com o grupo dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que saiu de Cuiabá – MT, e se juntou à Coluna Tereza de Benguela.

    Foto: Francisco Alves

    Na primeira galeria de fotos, as imagens do encontro, dia 14 de agosto,  das três colunas: Tereza de Benguela (Amazônia e Centro-Oeste), Ligas Camponesas (Nordeste) e Carlos Prestes (Sul e Sudeste).

     

    Abaixo, as imagens da população na tarde em que Lula foi oficialmente registrado como candidato a Presidente da República, todas também de Francisco Alves.