Jornalistas Livres

Categoria: Programas Sociais

  • DANIEL HÖFLING: Onipresença e Onisciência Neoliberal

    DANIEL HÖFLING: Onipresença e Onisciência Neoliberal

    O comportamento aparentemente descabido do inacreditavelmente ainda presidente Jair Messias Bolsonaro impressiona sob vários aspectos. Não há líder no planeta que combine tantas aberrações. Qual presidente no mundo sairia às ruas com a possibilidade de estar infectado e daria a mão aos seus eleitores? Qual presidente demitiria um ministro da saúde em meio à pandemia? Qual presidente discursaria ao lado de uma faixa pedindo intervenção militar e fechamento dos poderes Legislativo e Judiciário? Qual presidente afirmaria que tudo não passa de uma gripezinha e que, dado seu histórico de atleta, passaria incólume num eventual contágio? Pode até ser que um transloucado fizesse uma ou duas das coisas acima; todas não. Uma possível explicação para tais bizarrices seria acometimento de loucura.  Um fascista que leva suas atitudes às últimas consequências, colocando sua vida e a de seus apoiadores em risco, seria outra justificativa “plausível”. Um narcisista com a crença absoluta de ter sido ungido por Deus para livrar o Brasil de todos os males e instaurar o paraíso na terra, outra boa explicação. Entretanto, o problema nos parece ainda maior.

    Sem dúvida, Bolsonaro é um pouco de tudo isso: louco, fascista, narcisista eleito por Deus. Mensurar o peso de cada uma dessas variáveis na formação de sua personalidade e no condicionamento de suas atitudes é impossível e desnecessário. O que importa no debate acerca do comportamento do presidente bem como da sua capacidade de manutenção no poder é (re) acrescentarmos dois fatores “adicionais”, em grande medida negligenciados desde o começo da pandemia: 1) a crença do presidente nas ilusões do livre mercado e 2) o apoio dos atores econômicos/sociais/políticos interessados na vitória inconteste do projeto neoliberal. Parece lugar comum insistir no poder ideológico do neoliberalismo e na força do credo de seus agentes. O assunto começa a ficar desgastado. Logo vem alguém e diz: “Tudo é culpa dos interesses econômicos? ” “Esse papo já deu o que tinha que dar, muda o disco! ”. Entretanto, me parece que é hora de escutarmos o disco novamente e com mais atenção…

    É importante explicitarmos que o liberalismo econômico, em termos quantitativos, é a ideologia que mais abarcou adeptos na história da humanidade. Nenhuma religião, isoladamente, contemplou tantos fiéis. Nunca um conjunto de valores desenrolou-se com maior assiduidade e profundidade no cotidiano das pessoas do que os preceitos liberais. Pelos quatro cantos do mundo bilhões de seres humanos vivem e morrem há séculos movidos pela concorrência, meritocracia e amor ao dinheiro.

    Não seria exagero afirmar que tais valores são os fatores que mais impactaram o consciente e o inconsciente da maioria dos terráqueos nos últimos 300 anos. A ideologia liberal está presente em nossas vidas com muito mais intensidade do que qualquer outro pensamento ou sentimento; é o substrato da quase totalidade das nossas ações bem como das nossas relações sociais. De tão intensa e presente, passa despercebida; naturalizou-se. Justamente por isso, jamais podemos menosprezar sua força e capacidade em condicionar os acontecimentos não somente econômicos como também sociais e políticos. Senão vejamos.

    Bolsonaro, bem como seus apoiadores, querem que a economia volte à “normalidade” (como se isso fosse possível). Voltar à normalidade, para eles, é colocar a economia em funcionamento. É deixar o setor privado trabalhar. É liberar as forças de mercado para gerarem emprego e renda; portanto, é prescindir do auxílio estatal. Na sua lógica o Setor Público não tem dinheiro para sustentar pessoas e negócios; precisa economizar recursos para pagar a dívida pública pois, extinguindo-a, o empresariado sentir-se-á confiante e ampliará seus investimentos, culminando em maior crescimento econômico, geração de renda e bem-estar. Nada mais liberal que isso! Entretanto, não é preciso desenhar para demonstrar tamanha falácia. Basta dizer que o principal fator de estímulo ao investimento privado é a perspectiva de demanda futura; nenhum empresário olha a relação dívida/PIB para investir. E, como qualquer aluno de primeiro ano de economia sabe, a demanda do amanhã deriva do investimento e do consumo público e privado de hoje. Logo, cortar gastos do setor público em tempos de crise é a receita certa ao aprofundamento da recessão.

    A tática do governo é clara. Concede recursos públicos insuficientes à manutenção mínima da renda e do emprego agregados. Os negócios começam a quebrar, o desemprego aumenta, a população sofre. O tecido social começa a se desestruturar. Aí Bolsonaro avisa: “Se não voltarmos à normalidade, o povo brasileiro irá sofrer; o povo precisa trabalhar”. A pressão dos seus apoiadores aumenta e, gradativamente, o isolamento vai abrandando. As pessoas voltam às ruas, o comércio reabre, a vida parece voltar ao normal… Só que esqueceram (ou não se importaram) que estamos entrando na pior fase da pandemia; todo o esforço pretérito será jogado no lixo. A tentativa de isolamento vertical num país cuja pobreza é horizontal será uma catástrofe. A pressão ao fim do isolamento aumenta na pior hora possível…

    Todos juntos pelo Deus Mercado

    Devemos nos perguntar de onde vem essa pressão. A resposta, infelizmente, é clara: de todos os setores e classes sociais. É bom repetir: a pressão pelo fim do isolamento cresce em todos os setores e classes sociais, simplesmente porque o liberalismo é onipresente e onisciente. Os argumentos para o fim do isolamento parecem variados mas possuem raízes comuns: a necessidade premente de sobrevivência dos mais pobres, a manutenção dos ganhos extrativos dos mais ricos, o desejo de ir à academia ou às compras não importando as consequências alheias, tudo é decorrência do domínio neoliberal. Os menos favorecidos precisam trabalhar porque, infelizmente, o governo atual os abandona; os ganhos superelevados dos mais abastados ocorrem porque não há mecanismos extra mercantis para regulá-los; a vontade de fazer o que quiser objetivando o gozo individual, sem pensar no próximo… nada mais liberal do que tais “necessidades”!

    Não precisamos nos aprofundar muito para concluir a dissonância entre retórica e prática do discurso liberal. Ao prometer liberdade, riqueza e felicidade, entrega submissão e controle, desigualdade e pobreza, angústia e insatisfação permanentes. O enorme poder da ideologia liberal no imaginário da sociedade brasileira reflete não só a manutenção de Bolsonaro na presidência como também parte considerável dos males econômicos, sociais e políticos que nos afligem há décadas. Entretanto, essa letargia pode ser interrompida! A atual crise econômica nos dá a oportunidade de repensarmos nossos valores e crenças intuindo a construção de um país justo, digno e ambientalmente sustentável. A onipresença e onisciência liberal nos tornou conformistas; precisamos nos indignar! Não aceitar as coisas como elas são, mas sim lutar pelo que deveriam ser! Precisamos debater, refletir e agir politicamente! Isso nos moverá em direção a um Brasil e a um mundo melhor! Nossas próximas sessões se dedicarão a contribuir com isso.

    Daniel de Mattos Höfling

    é doutor em Economia

    pela Unicamp

    (Universidade Estadual de Campinas)

    Leia também de Daniel Höfling:

     

    DANIEL HÖFLING: Manifesto anti-barbárie (remédios contra a crise)

    DANIEL HÖFLING: A Casa-Grande propaga o coronavírus Covid-19

     

  • LGBTQIA+. Resistência do Movimento em tempos de COVID-19

    LGBTQIA+. Resistência do Movimento em tempos de COVID-19

    Por Karina Iliescu, para os Jornalistas Livres

    Fotos: Sato do Brasil

    Membros da Frente Parlamentar Em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, no dia 08 de abril de 2020, abriram um ofício à Secretaria dos Direitos Humanos e Cidadania da Cidade de São Paulo, cobrando ações emergenciais, frente à crise do coronavírus, para proteção da população LGBTQIA+ em tempo.

    Maria Clara Araújo, educadora em formação/PUC-SP e articuladora política na Mandata Quilombo da Deputada Erica Malunguinho respondeu algumas perguntas sobre a articulação e a prefeitura neste momento de pandemia.

    LGBTQIA+
    Deputada e educadora Erica Malunguinho

    – Existe alguma forma que a população possa estar ajudando para pressionar mais a prefeitura?

    Sim, sem dúvidas. Toda colaboração de outros coletivos, entidades e ativistas é bem vinda – inclusive, convidamos que venham construir a Frente conosco. Como exemplo, ofícios também são construídos pelo associativismo civil e se configuram como um instrumento de pressão institucional.

    A sociedade civil tem se articulado bastante para garantir cestas e produtos de higiene para LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade. São iniciativas importantes, mas que evidenciam a omissão do Estado. Temos equipamentos LGBTI no município, temos uma Secretaria que cuida da pasta e é legítimo que sociedade civil indague e pressione por proposições que incidam objetivamente na garantia de subsídios, atendimento psicológico e acolhimento seguro para indivíduos LGBTQIA+ em um momento de crise como esse.

    Também acredito ser benéfico quando portais jornalísticos visibilizam proposições como essa e questionam a Secretaria sobre as ações que estão sendo pontuadas pela sociedade civil. Ficamos felizes com a procura do Jornalistas Livres e esperamos que outros portais também se engajem. Não só em São Paulo, como em todo Brasil.

    LGBTQIA+
    Intervenção do coletivo casadalapa. Projeto Famílias LGBT no Largo do Arouche, São Paulo.

    – E agora no momento de pandemia, as frentes que cuidam da população LGBTQIA+ estão sofrendo com falta de recurso pela prefeitura para estar viabilizando as ações?

    Tendo em vista que os equipamentos LGBTI do Município são referencia para a população LGBTQIA+, é compreensível que os pedidos de ajuda para se alimentar ou para adquirir produtos de higiene cheguem por via dos Centros. Infelizmente, as OS que administram os Centros não conseguem dar conta sozinhas da grande demanda que vem chegando por conta do Covid-19. É urgente um apoio significativo por parte Secretaria de Direitos Humanos e da Coordenação Municipal para Políticas LGBTI aos Centros de Cidadania LGBTI.

    As OS criaram campanhas e isso é válido, mas enquanto Frente Parlamentar que atua na institucionalidade, nos cabe indagar e exigir ações efetivas que partam da própria Secretaria de Direitos Humanos e da Coordenação Municipal para Políticas LGBTI. Enquanto movimentos, é visível como a vulnerabilidade se acentuou para LGBTQIA+ no Município e no Estado. Portanto, que o Poder Público reconheça as questões postas pela população LGBTQIA+ nesse momento. Os pontos elencados pelo Ofício se baseiam nessas questões.

    LGBTQIA+
    Intervenção do coletivo casadalapa. Projeto Famílias LGBT, no Largo do Arouche, São Paulo.

    As medidas são:
    – A importância de um repasse emergencial para os Centros de Cidadania LGBTQIA+, a fim de suprir a grande demanda de cestas básicas e produtos de higiene;
    – A viabilização, de forma conjunta com a SMADS, do cadastramento no CadUnico dos LGBTQIA+ que constam no cadastro de atendimento dos Centros LGBTQIA+ e dos Centros de Acolhimento da Assistência que atendem LGBTQIA+. E, caso exista algum impasse cadastral, que as Secretarias possam auxiliar juridicamente na efetivação do cadastro da LGBTQIA+;
    A criação de uma campanha nas redes da Secretaria sobre a importância do CadUnico para LGBTQIA+;
    – A criação de um “gabinete” LGBTQIA+ de crise para o enfrentamento do coronavírus, de modo a possibilitar a escuta ativa das demandas e construção de um plano de ação. Nesse gabinete, contaríamos com a Secretaria de DH, SMADS, Coordenações Municipal e Estadual de Políticas LGBTQIA+ e representantes do movimento LGBT com experiência no atendimento a população LGBT vulnerável, como o Coletivo Arouchianos, Projeto Seforas, TransEmpregos;
    – A importância dos psicólogos dos centros de cidadania LGBTI realizarem o acolhimento e o atendimento aos LGBTQIA+ que procurem o serviço diante do aumento de pessoas com vulnerabilidade psíquica em tempos de Covid-19. Caso seja possível, que os atendimentos também possam ocorrer através de videoconferência, visando o cumprimento da quarentena para os residentes da cidade.
    – O acolhimento, por parte dos Centros de Cidadania, de mulheres LBT vítimas de violência doméstica e o acompanhamento dos processos preliminares com essas mulheres, o que inclui registro de ocorrências, exame de corpo de delito e encaminhamento para um abrigo onde a segurança da mulher esteja resguardada;
    – A garantia de espaço seguro, de forma conjunta com a SMADS, às pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade, sobretudo mulheres trans, travestis, homens trans e pessoas transmasculinas.

    Saiba quais são os membros que formam a Frente Parlamentar Em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e as informações completas do ofício no link: https://www.professorabebel.com.br/wp-content/uploads/2015/12/OficioLGBTQIA.pdf

     

    LGBTQIA+
    Desfile da Daspu no Festival Verão Sem Censura
  • Movimentos lançam Campanha “Taxar Fortunas Para Salvar Vidas”

    Movimentos lançam Campanha “Taxar Fortunas Para Salvar Vidas”

    A Campanha “Taxar Fortunas Para Salvar Vidas”, através de abaixo-assinado http://chng.it/Pyv9TnLZzc lançado hoje, dia 13, movimentos propõe diminuir a desigualdade social com a taxação de grandes fortunas.

    Isso porque o Brasil está na lista dos 10 países mais desiguais do mundo e a pandemia do coronavírus escancara ainda mais a necessidade de medidas que busquem justiça tributária.

    De acordo com o o texto da petição, “o Estado tem capacidade de aumentar o investimento público e deve agir urgentemente garantindo transferência de renda para salvar as vidas de quem mais precisa.”

    Assim como já existe em outros países taxar quem pode mais é necessário para proteger quem pode menos, como as pessoas sem renda, trabalhadores informais e a classe média.

    A iniciativa também é alternativa às propostas de cortes de salários dos servidores públicos e captação de recursos públicos já destinadas para outras áreas.

    Lançada pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, a Campanha conta com o apoio de todas as centrais sindicais do país (CUT, CTB, Força Sindical, UGT, CSB, NCST, CGTB, CSP- Conlutas, Intersindical, Intersindical Instrumento de Luta) e de entidades do serviço público e de coletivos de auditores.

    Como participar da Campanha

    1. O primeiro passo para quem quer participar é assinar o abaixo-assinado.

    2. O segundo é reforçar a campanha com a divulgação do link para os seus contatos. Paute com seus amigos, em grupos do WhatsApp a urgência do tema.

    É muito importante postar em sites das redes sociais e dialogar com mais pessoas sobre a proposta da Campanha.

    Acesse aos materiais e compartilhe a Campanha Taxar Fortunas Para Salvar Vidas:

    Materiais
    https://rebrand.ly/nuvemtaxarfortunas

    Whatsapp
    https://rebrand.ly/taxarfortunas

    Telegram
    https://t.me/taxarfortunas

  • Artistas de cena. Carta Aberta pela Renda Básica

    Artistas de cena. Carta Aberta pela Renda Básica

    A “Articulação de Trabalhadores das Artes da Cena pela Democracia e Liberdade (ATAC)”, que reúne representantes de 15 estados brasileiros, soma-se a trabalhadoras e trabalhadores de todo o Brasil que, para sobreviver à pandemia do coronavírus em nosso país, necessitam do acesso à “Renda Básica Emergencial”. Reivindicamos a apreciação imediata pela Câmara dos Deputados do projeto de lei 873/2020, já aprovado pelo Senado Federal, que faz menção explícita aos trabalhadores das Artes e da Cultura, garantindo o acesso à este direito para os milhões de artistas e profissionais que integram nosso segmento.

    Manifestamos também nosso pedido de que sejam tratadas em caráter de urgência as proposições que tramitam no Congresso Nacional com ações emergenciais para o setor cultural, por meio dos projetos de Lei: 1075/2020, 1089/2020 (Câmara dos Deputados) e 1541/2020 (Senado Federal).

    Essas iniciativas apresentam, além de medidas de liberação orçamentária de recursos do Fundo Nacional de Cultura, a complementação de renda à profissionais autônomos da área cultural, a desoneração tributária para entidades do setor e o fomento a espaços culturais independentes: pontos de cultura, teatros, circos, sedes de grupos, centros culturais, escolas de artes, dentre outros.

    Existe um multiverso desses espaços, geralmente esquecidos pelas políticas públicas, onde se promove diariamente a cidadania e o bem viver, tão necessários nesses tristes tempos que atravessamos. Estão espalhados pelos quatro cantos do país, das pequenas às grandes cidades, e foram os primeiros a terem suas portas fechadas e, sem dúvida, serão dos últimos a poderem retomar plenamente suas atividades.

    Por isso, o Estado Brasileiro deve implementar urgentemente políticas destinadas a estes espaços e entidades da cultura, para que tenham condições de manterem seus trabalhadores e logo reabrirem suas portas ao encontro entre agentes culturais e público.

    A continuidade da produção artística e cultural é um imperativo para nossa existência como nação soberana!

    Os Governos, em todas as suas esferas, devem fazer todos os esforços necessários para garantir que a produção criativa do povo brasileiro se mantenha*, e possa, uma vez passada a pandemia, manter pulsante a vida cultural do país!

    Veja como colaborar:

    1⃣ Faça chegar a carta para parlamentares federais de sua cidade/estado/região.

    2⃣ Envie os materiais abaixo em grupos de agentes culturais nas redes sociais.

    3⃣ Siga a página da ATAC no Facebook e no Instagram pelos links:

    👉🏼https://www.facebook.com/ataccultura/
    👉🏼https://www.instagram.com/atac.cultura/

    #CulturaÉVida

    #ATAC

    Viva os Artistas Brasileiros!

     

    https://www.facebook.com/ataccultura/videos/694587557983685/

  • Governo ameaça fechar o ATENDE 2, último equipamento público na Cracolândia

    Governo ameaça fechar o ATENDE 2, último equipamento público na Cracolândia

    Com a iminência do fechamento do ATENDE 2, ações do governo vão na contramão das orientações da sociedade civil e deixam os moradores em situação de rua com risco mais agudo de vida.

    Neste momento de pandemia do coronavírus, que gera a COVID-19, as condições de quem
    mora na rua estão ainda mais precárias e a população que vive na região conhecida como
    Cracolândia, no centro da cidade de São Paulo, tem tido direitos básicos, desde acesso à
    água até informação sobre prevenção, ainda mais violados.

    O ATENDE 2 (unidade de Atendimento Diário Emergencial) faz parte do Programa
    Redenção da prefeitura de São Paulo, “para atendimento multidisciplinar destinado ao
    acolhimento de pessoas em situação de rua e em uso de substâncias psicoativas”. Este é
    um dos últimos equipamentos na região que continua funcionando e, agora, é alvo de mais
    uma política de desmonte. Ele tem sido um dos únicos locais do território onde é possível
    ter acesso a pias com água corrente, por exemplo, além de alimentação, pernoite e
    chuveiros.

    Um espaço da cidade que, historicamente apresenta uma rede de atenção e cuidado
    insuficiente, agrava-se com as recentes tomadas de decisões dos governos municipal e
    estadual. Desde 2017, a gestão municipal vem tentando deslocar a Cracolândia para fora
    do centro de São Paulo.

    Recentemente, tem circulado nas redes sociais diversos áudios, já verificados pela Agência
    Lupa como falsos, relatando arrastões na região. Tais relatos com frequência embasam
    ações truculentas da polícia contra as pessoas moradoras da região.
    Para além da estratégia coercitiva marcada pela constante violência policial, a prefeitura
    flerta com a intenção de fragilizar, ainda mais, a rede de cuidado existente. Também não é
    novidade que “acabar” com a Cracolândia faz parte do plano de governo do governador do
    estado João Dória (PSDB).

    Sociedade Civil

    No dia 31 de março, Maria Angélica Comis, do Centro de Convivência É de Lei, e Nathália
    Oliveira, da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, apresentaram
    reivindicações construídas com o Fórum Mundaréu da Luz para a Secretaria Geral do
    Governo Municipal, 17 solicitações para reduzir os danos sociais e à saúde causados pela
    pandemia na população em situação de vulnerabilidade.

    Decisões que produzam condições ainda mais vulneráveis são no mínimo irresponsáveis. O
    atual momento requer acolhimento e abertura para o próximo. As ações do governo vão na
    contramão das orientações da sociedade civil que atua no território: o fechamento de um
    dos poucos canais de acesso a direitos básicos da população local revela a perversidade da
    política de deixar morrer que governos impõem à população em situação de rua na cidade
    de São Paulo.

    Confira abaixo as solicitações apresentadas:

    1. Equipes de Saúde/SMADS preparadas para identificar sintomas e orientar as pessoas
      nos locais de distribuição de comida;
    2. Garantir leitos de isolamento nos SIATs Porto Seguro, Glicério e Armênia (se ainda
      houver contêiner);
    3. Garantir que o Atende 2 ofereça possibilidade de banho e distribuição de kits de higiene;
    4. Aumentar a quantidade de pias instaladas na região central e nas cenas de uso da
      cidade, garantindo sabão;
    5. Focar as abordagens nas cenas de uso para a orientação em relação à prevenção de
      transmissão e ofertar encaminhamentos para evitar aglomeração;
    6. Verificar se no serviço da região da Vila Mariana só estão casos confirmados, pois
      tivemos a informação de que os encaminhamentos estavam desordenados;
    7. Avançar na ampliação dos Consultórios na Rua;
    8. Garantir que os Consultórios na Rua consigam conversar e fazer abordagens e
      encaminhamentos com a SMADS (sabemos o quanto isso é difícil);
    9. Pensar em estratégias de divulgação de informações usando colagem de dicas nos
      muros da cidade, além de possíveis projeções;
    10. Garantir que profissionais de ponta tenham acesso aos EPIs;
    11. Garantir que as equipes estejam com as informações alinhadas e tenham conhecimento
      de todas as novas possibilidades de encaminhamentos;
    12. Ter equipes que façam triagem das pessoas nos novos Centros de Convivência
      PopRua;
    13. Possibilidade de uso de hoteis sociais emergenciais para os grupos em maior
      vulnerabilidade (pessoas idosas, comorbidades);
    14. Garantir a interlocução com os Médicos sem Fronteiras
    15. Fortalecer as equipes dos CAPS, tendo em vista que possivelmente terão que lidar com
      mais pessoas com síndrome de abstinência nesse período;
    16. Utilizar redutores e redutoras de danos dos CAPS AD para fazerem busca ativa em
      seus territórios de atuação;
    17. As equipes de PRD (depto de IST/HIV) da cidade também poderiam contribuir para o
      fortalecimento das abordagens de Consultório na Rua, pois já fazem esse trabalho em
      regiões que tem muitas profissionais do sexo e pessoas que usam substâncias.

  • O amor em tempos de crack

    O amor em tempos de crack

    Diz a Ela Que Me Viu Chorar é um daqueles filmes que você se mexe na cadeira do cinema a todo momento. Algo angustiante, algo que incomoda, e incomoda muito. As personagens vão sendo apresentadas. Um universo muito distante de você. Pessoas que usam “crack” que tentam uma saída para suas vidas acolhidos pelo projeto de redução de danos e acesso aos direitos básicos de cidadão, da prefeitura de Fernando Haddad, o programa “De Braços Abertos”. Um universo muito distante de você. A medida que o filme progride, você nunca perde esse referencial. Mas as cenas vão mostrando, uma a uma, a relação de proteção, embate, empatia e amor que também nos atravessa. E nos atravessam de maneira permanente, nos atravessam com aquele nó na garganta, na boca seca, no incômodo de nossa vida confortável em uma sala refrigerada de cinema ou num sofá cercado de pipoca e bebidinhas da sua sala de estar. Uma constatação: somos iguais na corrida pela felicidade.

    Chega de spoiler. Vá sentir essas coisas ao vivo. E essa semana, um grupo de amigos e coletivos que trabalharam durante o tempo em que o programa “De Braços Abertos”estava ativo, Casa Rodante, da casadalapa, Coletivo Transverso, Paulestinos, A Craco Resiste, Coletivo Resistência, trabalhadores do programa nos hoteis e nas ruas, estiveram junto com a diretora e produtores do filme no coração do fluxo de usuários da chamada Cracolândia para projetar o filme na rua. Ali, na Helvétia, em frente a tenda do programa. Um exército de Brancaleone puxando fios e cabos, ligando o laptop, erguendo a tela, criando um universo mágico onde a mágica é sobreviver.

    Hoje vai ter cinema! Essa foi a chamada. Em meio ao movimento para lá e para cá, comum do fluxo, alguns passavam, olhavam e sentavam no asfalto para ver do que se tratava. Eles mesmo limparam a área, nos deram proteção, nos ajudaram a montar tudo. E aí, começa a aventura. O silêncio das salas de cinemas substituidas por gritos, risadas, dedos apontando, nomes sendo ovacionados, lembranças de tempos em que muitos podiam ter um teto, uma casa, uma cama, um banho diário. E nesse ver o outro, perceber que muitos continuam por ali, algumas personagens ali com a gente, chorando em suas cenas mais fortes, rindo de outras mais engraçadas, mas ali, sempre ali, sem uma possibilidade urgente de mudança em seu destino. Mas também perceber que, sim, várias histórias enfrentaram as estatísticas. Pais que retomaram suas relações com filhos e parentes, pessoas que tiveram tentativas reais de procurar novos caminhos, outras que, vencendo o vício, tentavam ajudar outros a conseguir o mesmo. E mais que tudo, compreender que somos todos personagens de uma cidade à procura de alegria, compreensão, um pequeno toque de amor e de felicidade.

    Pelo olhar da diretora, que também é antropóloga, Diz a Ela Que Me Viu Chorar é um filme sobre amor em tempos de crack. O longa, um documentário de observação que se aproxima da ficção, narra a vida dos moradores de um hotel social prestes a ser extinto no centro de São Paulo. Entre escadas circulares, casas decoradas, viagens de elevador e ao som romântico das músicas do rádio, o longa acompanha histórias de amor, dor e perda.

    Nesse filme eu assumo o desafio de fazer cinema com os personagens e não sobre eles. É um cinema que tem a ver com a intimidade, com consentimento, com chegar perto, compartilhar tempo, descobrir afetos e aprender sobre a condição humana. Tem a ver com construir um encontro com pessoas em extrema vulnerabilidade social que não está mobilizado pelo medo, pela moral ou pela discriminação. É uma experiência que se estabelece na contramão do senso comum preconceituoso, no qual usuários de crack são conhecidos como zumbis. O que me mobiliza é cruzar distâncias geográficas, sociais e subjetivas na direção da empatia e do amor”, comenta a diretora Maíra Bühler.

    O longa teve sua estreia mundial no True/False Film Festival e participou dos festivais, Sheffield Doc Fest 2019, 37º Festival Cinematográfico Internacional Del Uruguay, sendo eleito Melhor Filme pela Associação de Críticos de Cinema do Uruguai, e do Cinéma du Réel, na França, no qual ganhou o prêmio The Library Award. Neste ano, o filme participou da seleção do Festival 8º Olhar de Cinema, conquistando o prêmio Olhar de melhor filme da competição internacional, de acordo com a revista francesa Cahiers du Cinéma o Olhar de Cinema é dos melhores festivais de cinema atualmente do Brasil.

    O filme acaba de participar da 43ª Mostra Internacional de Cinema e é o lançamento de novembro da Sessão Vitrine no dia 14 de novembro, quinta-feira, nos cinemas e plataformas de TVOD. Produzido e ambientado em São Paulo, o documentário estreia em diversas cidades e estados.

    confira o trailer: https://www.youtube.com/watch?v=SPwDTg_pYvo

    Texto e fotos da projeção: Sato do Brasil

    Fotos do filme: frames retirados do filme.