O Dia Internacional das Mulheres, conhecido também como “8 de Março”, é considerado uma data de resistência e luta feminista pela emancipação feminina e pela garantia dos direitos das mulheres. Mas, você sabe a origem da data? Conheça mais sobre a história do “8 de Março”.
Fonte: As Origens do Dia Internacional das Mulheres de Ana Isabel Álvarez Gonzáles
Texto:Fernanda Maria Caldeira
Fotos: Isis Medeiros
Vamos entender melhor o que aconteceu naquela época?
Muitas pessoas acreditam que as comemorações do dia das mulheres se iniciou em homenagem às trabalhadoras que morreram em um incêndio numa fábrica dos Estados Unidos. Mas, na verdade esse é um dos maiores mitos difundidos na história.
De fato, houve um incêndio em uma fábrica têxtil; a Triangle shirtwaist Company, em Nova York no dia 25 de março de 1911, onde 146 operárias/os foram mortos/as, sendo a brutal maioria de mulheres. No entanto, o Dia da Mulher – Woman Day’s – já era comemorado nos EUA desde 1908, no último domingo de fevereiro – três anos antes do famoso incêndio.
No final do Século 19 e início do Século 20 efervesciam as discussões e mobilizações sobre o Sufrágio feminino. Nessa época, as mulheres ainda não tinham uma série de direitos como o de estudar, de trabalhar e ter igual salário, de se divorciar, e também o direito político de votar. Esse período de intensa organização feminina por direitos com foco na luta pelo sufrágio, é conhecido na história como a 1ª onda do feminismo.
Geralmente, quando pesquisamos sobre a 1ª onda, os olhares se voltam às movimentações que ocorreram nos EUA e Inglaterra. Todavia, na Alemanha existia um poderoso movimento de mulheres trabalhadoras, desenvolvido a partir da forte organização das lutas operárias apoiadas por sindicatos e pelo Partido Social-Democrata (PSD), de orientação socialista, o único que reivindicava em seu programa a luta das mulheres.
A frente do movimento estava Clara Zetkin. Clara se tornou uma excelente oradora, muitas vezes subiu em tribunas para falar à uma plateia hegemonizada por homens, confrontando a noção do papel das mulheres naquela época. Ficou conhecida internacionalmente pela sua atuação no Congresso da Segunda Internacional (ou Internacional Socialista) em 1889, onde foi uma das 8 mulheres delgadas dos 400 que se somavam de 19 países. Sua ação ao longo dos anos seguintes, foi organizar as mulheres para torna-las fortes e conquistar direitos para transformar a sociedade através de uma revolução, abolindo as classes sociais e a opressão das mulheres.
Em 1910, aconteceu em Copenhague a 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas. Nos debates, Clara Zetkin propôs organizar a celebração de um Dia Internacional das Mulheres, inspirado no “ Woman’s Day ” Americano. É importante dizer que o Dia da Mulher passou a ser comemorado nos EUA a partir de 1908, após uma resolução da Segunda Internacional (proposta pela própria Clara Zetkin no Congresso de 1907), segundo a qual todos os partidos socialistas membros deveriam promover em seus países um dia de reivindicação do direito de voto das mulheres.
O Woman’s Day foi um sucesso, sobretudo em 1910 na cidade de Nova York, devido à greve geral de 13 semanas do setor têxtil, conhecido como “O Levante das 20 mil”. Resistindo aos empresários, policiais e juízes, a greve reivindicava melhores condições de trabalho e melhores salários. A greve se encerrou 12 dias antes das comemorações do Dia da Mulher (todo último domingo de fevereiro), e contou com a participação das operárias grevistas da fábrica Triangle Shirtwaist Company, dando o caráter da classe trabalhadora às reivindicações pelo direito do Sufrágio Universal. Um ano depois, no dia 25 de março, a maioria delas foram mortas no incêndio, por imprudência dos patrões que trancavam os portões das saídas de emergência para evitar furtos por parte das trabalhadoras.
Por fim, devido ao êxito das comemorações americanas e da deliberação do congresso das mulheres, internacionalizou-se o “Women’s Day“ – Dia das Mulheres -, no plural, abarcando as diversas nacionalidades das mulheres trabalhadoras. Portanto, foi definido que haveria um dia específico para a reivindicação das mulheres, embora não tenha sido definido o dia exato para as celebrações.
Então porque 8 de março?
Se na Alemanha Clara Zetkin tinha papel fundamental na organização das mulheres trabalhadoras, na Rússia era Alexandra Kollontai quem estava à frente do movimento. Alexandra iniciou sua vida política ao participar dos protestos que culminaram no episódio conhecido “Domingo Sangrento” de 1905, quando o Tsar mandou matar a população que se manifestava. Kollontai, começou a frequentar círculos de estudos marxistas em São Petersburgo, onde conheceu a camarada Nádia Krupskaya – que posteriormente veio a ser a primeira mulher que escreveu uma obra marxista sobre as questões das mulheres na Rússia. As duas se integraram ao Partido Social-Democrata Russo e posteriormente foram para a ala Bolchevique, onde desenvolveram um vasto trabalho com as operárias e camponesas.
Foto: Isis Medeiros | Nádia Krupskaya, interpretada por Ana Júlia para o projeto Mulheres Cabulosas da História.
Kollontai era integrante do Secretariado Internacional de Mulheres junto a sua parceira e amiga, a alemã Clara Zetkin, ao lado da qual, na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, defendeu a necessidade do Dia Internacional das Mulheres. No entanto, as comemorações não ocorreram na Rússia até 1913, quando foi organizado um encontro no edifício da bolsa de São Petersburgo, no dia 23 de fevereiro do antigo calendário Russo – 8 de março, no calendário ocidental. No mesmo dia, atividades da luta das mulheres aconteceram em outras cidades como Kiev, Samara e Tíflis. Mas os encontros foram dissolvidos pela polícia do Tsar, pois na época eram proibidos encontros com a participação das mulheres.
Nos anos seguintes, impulsionado pelo Partido Bolchevique, o dia 23 de fevereiro (no calendário Russo/Juliano) foi comemorado na Rússia como Dia Internacional da Mulher. Em 1916, apesar de ter sido uma comemoração mais discreta, o Dia da Mulher foi dedicado a protestar contra a Primeira Guerra Mundial. Um ano depois, o dia 23 de fevereiro deu início ao que o mundo veio a conhecer como Revolução Russa. De acordo a historiadora Ana Isabel Ávarez Gonzáles;
“ Segundo todas as fontes, os fatos começaram no dia anterior, quando os operários da fábrica de armamentos de Putilov a encontraram fechada no momento em que tentaram entrar para começar sua jornada de trabalho. As mulheres de Petrogado, que tinham se convertido em chefes de família enquanto os homens estavam na frente de guerra, cansadas da escassez e dos altos preços dos alimentos, saíram às ruas”.
Ao longo do protesto, as donas de casa que ficavam por horas nas filas para buscar o pão se uniram as operárias, e no dia seguinte somaram 190 mil mulheres que cantavam a palavra de ordem: “Pão! Nossos filhos estão morrendo de fome!”. O motim iniciado pelas operárias no dia 23 de fevereiro de 1917 impulsionou grandes manifestações nos dias seguintes, que culminaram na derrubada do Tsar e colocaram em marcha o processo revolucionário de tomada do poder pelas trabalhadoras e trabalhadores, em outubro do mesmo ano, sintetizado no mote “Todo poder aos sovietes”.Após a conquista do poder, em 1919 foi fundado a Terceira Internacional Comunista (ou Komintern), e seu congresso foi realizado em Moscou, contando com a participação de 82 delegadas vindas de 21 países diferentes. Em conjunto ocorreu a 1ª Conferência Internacional de Mulheres Comunistas. Na conferência foi apresentada uma resolução com a proposta de celebrar oficialmente o Dia Internacional das Mulheres no dia 8 de março, em memória ao 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário russo), motivado pelo papel que mulheres russas tiveram na revolução.
Nas palavras de Alexandra Kollontai, que se tornou Ministra e a 1ª mulher no mundo a ser embaixadora:
“O Dia das Mulheres de 1917 tornou-se memorável na história. Nesse dia as mulheres russas ergueram a tocha da revolução proletária e incendiaram todo o mundo. A revolução de fevereiro se iniciou a partir desse dia.”O 8 de março na Rússia (23 de fevereiro de 1917 no calendário juliano) marca o início do processo revolucionário impulsionado pelas mulheres, ao mesmo tempo era a data que as Russas celebravam o Dia das Mulheres Trabalhadoras.
Essa data tão simbólica para a vida das mulheres foi estabelecida para que a comemoração do Dia Internacional das Mulheres fixasse no 8 de março em todo o mundo.
“As imagens foram retiradas do livro “Mulher, Estado e Revolução” de Wendy Goldman”
Visualizando histórias
Foto: Isis Medeiros | Clara Zetkin, interpretada por Beatriz Simas.
Foto: Isis Medeiros |Rosa Luxemburgo, interpretada por Andressa Pestilli.Foto: Isis Medeiros | Alexandra Kollontai, interpretada por Letícia Proença.
Conhecer a história do Dia das Mulheres, é tão importante quanto conhecer a história delas. Desde 2016, o projeto fotográfico “Mulheres Cabulosas da História”, idealizado pelas mulheres do Levante Popular da Juventude, vem resgatando através da fotografia nomes e histórias de mulheres que foram importantes, mas são ignoradas historicamente nas páginas da história. Clara Zetkin, Alexandra Kollontai e Rosa Luxemburgo são alguns dos nomes retratados pelos projeto, que agora em 2018 vira um livro de 100 mulheres.
Uma vez por mês a praça Bento Quirino, localizada no centro de Campinas (SP) recebe o “Sarau das Manas”, o público ocupa as mesas dos bares para ver as apresentações artísticas.
Aline, 22 anos, constata: “ É bom ver as garotas se apresentarem em local público acessível a todos”, Luiza, 26 anos completa; “ Tomamos a nossa cerveja curtindo ótimas apresentações. Lugar de mulher é onde ela quiser estar. Cantando, tocando, ou apenas tomando a sua cerveja”.
No Sarau das Manas as mulheres são as protagonistas, são elas que fazem toda a produção desde os alvarás até a parte técnica de som e iluminação, a grade de programação, estão na frente do microfone ou atrás da mesa de discotecagem.
A Dj Raquel tem comandado a arte das mixagens.
Surgido em dezembro de 2016, o Sarau das Manas contribui para o empoderamento feminino nas artes por meio do protagonismo das mulheres. O Sarau é um mecanismo de visibilidade instrumentalização das mulheres pois a produção e sustentação do evento é exclusivamente feminina.
Escritoras, dançarinas, cantoras, instrumentistas, produtoras, jornalistas, jongueiras, sambistas, DJ e articuladoras do movimento hip-hop são algumas das frentes artísticas presentes no sarau.
A Mc Nega Maay ressalta a importância do fortalecimento da cena da arte, do RAP e da poesia, a Mc Mina Min acrescenta que “ os homens são bem-vindos sim, estão convidados a vir assistir. É tudo democrático e com respeito, só que o microfone é das mulheres, somos nós mulheres que temos que ter nossas vozes ouvidas e a cada dia conquistar o nosso espaço”.
Participam da rede de realização do Sarau das Manas; Coletivo Aos Brados Campinas , Comunidade Jongo Dito Ribeiro , Coletivo de Mulheres Negras Lélia Gonzalez , Quilombo Urbano O.M.G. , Associação de Promotoras Legais Populares CIDA DA TERRA de Campinas e Região, Frente de Mulheres Negras de Campinas e Região, “AsMinaÉZika”, Coletivo TransTornar, Coletivo NINA e Estúdio Jabuticaba.
DJ Raquel no Sarau das ManasA cantora e compositora Marilia Correa solta a voz no Sarau das Manas
O enfrentamento à violência contra as mulheres foi tratado como prioridade em meus governos e no do Presidente Lula que, em 2006, criou a Lei Maria da Penha, hoje fazendo 11 anos.
O caráter machista do governo golpista está evidente no abandono das políticas para as mulheres. O governo ilegítimo retirou as mulheres do orçamento, abandonou o enfrentamento à violência, cortou os recursos destinados às políticas de fortalecimento econômico e social como o bolsa família, o Minha Casa Minha Vida, o Prouni, a educação e o Mais Médicos.
As Casas da Mulher Brasileira, centros de combate à violência contra as mulheres nos estados, que estão prontas para serem abertas, não tem, no entanto, recursos para funcionar . O retrocesso que está sedo imposto pelo governo golpista é muito grave pois a violência de gênero ainda coloca o país entre aqueles onde mais se matam mulheres e, onde os estupros são vistos com descaso. Foi para combater a violência de gênero que nos empenhamos, trabalhando incansavelmente, no meu governo e no do Presidente Lula, para mudar a visão patriarcal e misógina, aprovando leis e implantando políticas públicas.
Um grande passo, sem dúvida, foi a Lei Maria da Penha, que tornou crime a violência contra mulher pelo fato de ser mulher. Usamos de todos os meios para acelerar a implantação da Lei Maria da Penha, tornando disponível serviços de denúncia como o disque 180, os núcleos contra o tráfico de mulheres nas áreas de fronteira seca e a interiorização nas áreas rurais dos serviços de enfrentamento à violência contra a mulher.
A Casa da Mulher Brasileira, em cada capital e no Distrito Federal, soma-se a essas políticas com o objetivo de integrar num só lugar os serviços especializados como a delegacia da mulher, o juizado especializado em violência contra a mulher, a defensoria pública, o acesso a emprego e renda e a assistência psicossocial. Além disso, aprovamos a Lei do Feminicídio, tornando crime inafiançável o assassinato de mulheres e os decretos que impõem a obrigatoriedade no atendimento às vítimas de estupro pelos hospitais e a realização das cirurgias reparadoras às mulheres vítimas de violência.
Ao sair, em 2016, tínhamos inaugurado três Casas – em Campo Grande, Brasília e Curitiba. Deixamos cinco em construção, em São Paulo, Fortaleza, São Luiz, Boa Vista e Salvador, que já estão prontas à espera de funcionamento. Mas o governo golpista que me sucedeu não as abriu porque não tem compromisso com os direitos humanos das mulheres.
O desmonte das políticas, com o corte do orçamento da SPM, a suspensão de repasses de recursos aos estados e municípios, o abandono da rede de atendimento, a redução de direitos trabalhistas, mostra que para os usurpadores as mulheres não importam.
A Emenda Constitucional 55/2016, que congela investimentos nas áreas sociais por 20 anos e o desperdício do governo ilegítimo com a distribuição de emendas com o objetivo de comprar votos e sair ileso de graves denúncias, deixa de fora as prioridades dadas por políticas aprovadas em conferências, virando as costas para quem mais precisa das políticas públicas: mulheres, pobres, negras, indígenas, do campo e da floresta, moradoras das periferias. Mulheres brasileiras trabalhadoras e batalhadoras.
Hoje, quando faz 11 anos da sanção pelo Presidente Lula da Lei Maria da Penha, uma vez mais é preciso afirmar o caráter misógino do golpe à democracia de 2016. E chamar toda a sociedade para resistir e retomar o caminho democrático, com a participação ativa das mulheres brasileiras.
A democracia, o lado certo da história, se faz com participação das mulheres e a luta por igualdade de gênero.
Enquanto a denúncia contra os crimes de corrupção do presidente ilegítimo era covardemente rejeitada no Congresso Federal, em Florianópolis, um pelotão gigante de mulheres de todo o país e de várias partes do mundo marchava no final do dia 2 de agosto pela cidade aos gritos de “Fora Temer” e exigindo o fim da violência machista e a retirada de direitos sociais. A cidade tremeu ao rufar dos tambores da Banda Cores de Aidê, formada só por mulheres, como se sacudida por um terremoto colorido pela explosão de cordões das minorias políticas pelas ruas. Não foram sete, nem oito mil, como eram as expectativas das organizadoras: foram 10 mil, segundo a coordenadora do Movimento de Mulheres Urbanas de Santa Catarina, Shirley Azevedo, apoiada no cálculo de especialistas com base no número de pessoas por metro quadrado.
Um exército feminino aguerrido ocupou as ruas principais da cidade desde o início da tarde até passadas as 20 horas. A Marcha Internacional Mundos de Mulheres por Direitos integrou a programação das duas maiores assembleias acadêmicas da humanidade sobre relações de gênero: o 13º Congresso Mundo de Mulheres por Direitos e o 11º Seminário Internacional Fazendo Gênero, que este ano acontecem simultaneamente no campus da Universidade Federal de Santa Catarina, de 31 de julho a 4 de agosto. O ato mostrou que lugar de intelectual, sobretudo em tempos de opressão, é também as ruas. “Não existe essa separação entre a academia e a militância. Nós todas estamos entrelaçadas nesta luta”, defendeu a presidente da Comissão de Mulheres na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, Marielle Franco, vereadora pelo PSol, que veio a Florianópolis participar das mesas de debates e do protesto de rua.
Vídeos: Raquel Wandelli
Aproveitando a presença de 8.600 pesquisadoras e ativistas sociais inscritos nos dois eventos, a rede de entidades reunidas em torno da Tenda dos Movimentos Sociais do Mundo de Mulheres começou a articular a manifestação junto com o movimento sindical. O trabalho começou já no ano passado, para que houvesse tempo de mobilizar caravanas de todo o país e de preparar apresentações artísticas, cartazes, faixas, refrões, performances teatrais. Foi assim que tornou-se realidade o sonho coletivo dessas lideranças de colocar as acadêmicas nas ruas para militar junto com as trabalhadoras, camponesas, mulheres dos povos tradicionais em luta e todas as minorias políticas organizadas.
Fotos: Rosane Lima
A concentração partiu às 17 h pelas principais ruas de Florianópolis, provocando um impacto estridente com o rufar dos tambores da Banda Cores de Aidê
O resultado ultrapassou as expectativas dos organizadores, como afirma Shirley Azevedo. E o feminismo provou definitivamente que é o movimento mais potente deste milênio, como já haviam previsto as sociólogas do século XX. “E é só o começo. Ainda vamos incomodar muito esses golpistas que querem esmagar nossos direitos”, avisa ela. “São meninas e jovens que vêm junto para a luta, têm garra e sabem muito bem o que defendem”. O caminho do feminismo após o pedido de investigação de Temer ter sido barrado no Congresso Federal é, conforme Shirley, a unidade na América Latina e em todo o mundo. “O que acontece no Brasil não é isolado, é uma ação global de violência e de retirada de direitos das mulheres e das minorias, contra a qual temos que dar uma resposta também mundializada”. No encerramento dos congressos, na sexta-feira (04/07), será aprovado um manifesto do 8M pela unificação mundial da luta feminista.
Dez mil mulheres marcharam sobre Florianópolis forjando uma poderosa aliança de minorias
Uma faixa pedindo “Demarcação Já” sobreposta à faixa do “Congresso Multimulheres”, como também é chamado, deu o grito de guerra que unificou não só indígenas e quilombolas, mas todos os coletivos que integram a diversidade do movimento feminista. Atrás dessa composição de faixas, que ficou como um emblema do grande ato, formou-se uma barreira de solidariedade. São mulheres brancas, quilombolas, camponesas, trabalhadoras urbanas, indígenas, negras, ativistas dos grupos LGBTTTQI, gordas, mulheres com deficiência, sindicalistas e muitos homens que incentivam o movimento feminista por considerarem que o machismo oprime todos os seres humanos.
À frente desse pelotão heterogêneo, ocorreu a cena mais tocante da marcha, que selou o pacto de solidariedade entre as minorias: depois de dançarem ao som do seu batuque eletrizante, as ativistas da Banda Cores de Aidê, na maioria negras, foram retribuídas com a dança e a música das mulheres indígenas de cerca de 15 aldeias de diferentes etnias, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. “Fiquei muito emocionada porque estava acostumada a fazer nossas coreografias para as outras mulheres, mas ainda não tinha visto as indígenas cantarem e dançarem com a gente”, diz com a voz embargada Nattana Marques, integrante do Cores de Aidê. Com essa troca arrepiante de rituais étnicos, a banda nascida no Morro do Quilombo, em Florianópolis, completou dois anos de criação. “Nós fazemos da arte um espaço de luta e empoderamento das mulheres tratadas como minorias”, explica a cantora e percussionista Dandara Manoela.
Pertubador do início ao fim, o ato transformou a imprevisível Ilha de Santa Catarina, ora conservadora, ora vanguardista, na capital internacional do feminismo. A concentração iniciou às 16 horas, no Terminal de Integração do Centro (Ticen) e partiu às 17 horas pelas principais ruas de Florianópolis, provocando um impacto estridente com os tambores, os jograis, as coreografias, as performances teatrais as palavras de ordem contra as reformas trabalhistas e da Previdência Social, que penitenciam sobretudo as mulheres. O Grupo de Teatro do Oprimido encenou a violência física e simbólica contra as mulheres pela estrutura patriarcal do Estado.
Ao partir do Ticen, as manifestante saíram em disparada pela avenida Paulo Fontes, ecoando o grito de guerra das mulheres árabes. A imagem estremecedora encenou uma grande corrida de milhares de mulheres avançando para o front de guerra. Antes, às 15 horas, uma concentração prévia já acontecia na UFSC, de onde um pelotão de cinco mil pessoas percorreu, com faixas e cartazes, cerca de 10 quilômetros para se encontrar com os manifestantes reunidos no Ticen. O Nome de Ricardo Nascimento, Rafael Braga, Cláudio Ferreira e outros negros e pobres vítimas da exclusão étnica e social foram muitas vezes lembrados.
Mulheres camponesa vieram em caravanas do Oeste de Santa Catarina para dizer não à retirada de direitos
Mostrar a capacidade de articulação e de aliança das causas feministas às lutas específicas de outros grupos foi o grande mérito desse movimento que surpreendeu Florianópolis e o país. “Nós lutamos pela libertação de todos os que lutam contra um mundo regido pelo patriarcado capitalista, racista, homofóbico e fundamentalista religioso”, diz o manifesto da marcha. “Protestamos contra a perda de direitos, a lesbofobia, o racismo, o governo machista este governo corrupto que aí está”, explica Maria de Lourdes Mina, que fez a chamada pública de todos os nomes de mulheres negras e quilombolas assassinadas pela polícia ou perseguidas pelo sistema judiciário, como Maria da Graça Jesus, a Gracinha. Presente na manifestação, a mãe do quilombo da Toca luta há dois anos para reaver a guarda das duas filhas. Um ônibus com 40 mulheres de várias etnias indígenas do Rio Grande do Sul engrossou a passeata, que também recebeu caravanas do Movimento de Mulheres Camponesas vindas de ao menos dez municípios do Oeste do Estado.
Professora de educação indígena da etnia Kaingang, no Rio Grande do Sul, Jocélia Daniza conta que as lideranças do seu povo fizeram uma coleta com amigos para poder financiar a vinda de um ônibus com 40 mulheres para o evento. “Foi muito importante vir para que a gente pudesse expor nossa cultura, falar de nossos problemas de saúde e de educação, da violência sexual imposta por homens brancos nas aldeias e da nossa árdua luta por território, enfim, para mostrar que existimos”, afirma ela, que é mestre em Antropologia pela UFSC e doutoranda em Memória Social e Patrimônio pela Universidade de Pelotas.
Um exército feminino infindável ocupou as ruas principais da cidade desde o início da tarde até passadas as 20 horas
Depois do término da passeata, as congressistas se concentraram no vão do Mercado Público de Florianópolis, onde as manifestações políticas continuaram noite adentro, com coros de Fora Temer cortando a todo instante a falsa normalidade pública no dia em que o país foi violentado pela legitimação da corrupção e do golpe. A quinta-feira à tarde foi o dia das lésbicas, dos gays, travestis, transformistas, transexuais LesGaysBiTiniques fazerem sua revolução contra a ditadura do padrão.
DEPOIMENTOS:
“Ser mulher indígena é já nascer guerreira. Tá no sangue, tá na alma”, diz o refrão da música criada pelas compositoras e músicas Guarani do Morro dos Cavalos, em Florianópolis, e interpretada por indígenas de várias etnias especialmente para a marcha. A doutoranda e professora Kaingang Jocélia Daniza explica o sentido desta letra: “Ser mulher indígena, nascer num povo indígena é ser guerreira desde o momento que a tua mãe te concebe. É poder se empoderar e saber que no teu sangue vai correr sangue de um povo que foi massacrado, que continua sendo humilhado, que continua sendo retirado do seu território e expropriado ainda em 2017”.
Levando na garupa a pequena Dora, de dois anos, e ainda sustentando dois cartazes e um celular para gravar a marcha, Laura Denise Castilho, enfermeira, explica porque a filha a acompanha na manifestação. “Nós somos mulheres feministas mostro pra minha filha aquilo que eu mais acredito que é gostar de mim mesma e defender os meus direitos. Trabalho com obstetrícia, com saúde pública, defendo o direito de todos e também os meus. Todos os dias eu atendo alguém que foi vítima do machismo.
Ela vem do Oeste do Estado, numa carava de ônibus junto com outros 30 camponesas. “Estamos participando dessa marcha e do congresso, denunciando toda violência praticada contra mulheres, opressão, dominação, exploração e também contra este governo antidemocrático que tira os direitos de trabalhadores, principalmente das mulheres e das camponesas”, manifesta-se Zenaide Coleto do Movimento de Mulheres Camponesas. “Estamos aqui somando por que esta luta é dos trabalhadores e das trabalhadoras da roça e da cidade”.
Um dia de igualdade na diversidade para todos os que fogem à ditadura do padrão (Walderes, à direita da foto)
Algumas integrantes da marcha se emocionaram com a participação marcante das indígenas que costumam fazer uma resistência mais silenciosa e discreta, mas neste evento expuseram com mais exuberância sua arte. Como foi essa decisão? “Na verdade não somos quietas. É que dificilmente temos oportunidade de falar. Então hoje nós abraçamos essa oportunidade”, afirma Walderes Priprá, professora indígena da aldeia LaklãNõ Xocleng, do município de José Boiteux, no Alto Vale do Itajaí. “Foi muito gratificante ter participado deste evento porque pudemos mostrar um pouco da história do nosso povo e da nossa luta. Sem palavras, foi incrível, todas nós estamos felizes. Para o seu povo, a dança e a música são os rituais que alimentam a vida.
No dia seguinte à Marcha, choveu torrencialmente em Florianópolis. A antropóloga Miriam Grossi, coordenadora geral do Congresso Multimulheres e uma das idealizadoras do Seminário Fazendo Gênero, que começou em 1994 como uma atividade restrita ao Curso de Letras da UFSC e logo ganhou proporções internacionais, deixou este depoimento em sua página: “Ontem as deusas nos protegeram até da chuva na Marcha das Mulheres por Direitos, que reuniu 10 mil mulheres no centro de Florianópolis. Foi tão lindo, intenso, perturbador e emocionante estar ao lado de uma multidão de jovens (e algumas mais velhas) mulheres lutando pelas bandeiras feministas pelas quais lutamos há décadas, que nem fotos fiz. Após três dias de muito sol e calor, hoje o dia amanheceu chovendo… E vamos para o quarto dia do 13º Mundo de Mulheres/11º Fazendo Gênero que depois de centenas de atividades fechará com a conferencia de Clare Hemings. Todas lá, companheiras de luta!”
“Foi lindo, intenso, perturbador”, escreve Miriam Grossi (de roxo), coordenadora do Mundo de Mulheres, que encerra nesta sexta (Foto: arquivo pessoal)
Sob o emblema da insubordinação negra do escritor brasileiro Lima Barreto e a presença massiva de autoras mulheres, a Feira Internacional de Literatura de Paraty (FLIP) inicia oficialmente nesta quarta-feira (26/7), às 19 horas, agarrando a tarefa que costuma engajar a escritura em tempos de exceção: a da resistência. Além de vir a ser um território para a literatura das minorias políticas, que derrubaram seus muros para a entrada de negros, mulheres e autores ligados a grupos e etnias não referenciados pelo mercado editorial, o maior evento de literatura do Brasil terá que lutar por sua própria sobrevivência. Os reflexos na redução de 30% do seu orçamento, determinada pelos cortes dos recursos do Governo Federal, principalmente, já são evidentes para o público que começou a chegar em Paraty já no final de semana. Eles vão encontrar uma FLIP mais heterogênea e inclusiva, porém, contraditoriamente encolhida, para não dizer desprestigiada pelo Governo Temer.
Uma programação bem mais enxuta do que as anteriores já denuncia por si só os efeitos do menor orçamento desde que a FLIP iniciou em 2010 e se tornou um evento de fama internacional. Em vez da grande tenda para 800 pessoas, a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios abrigará metade desse público, restrito a convidados e pagantes dos ingressos, vendidos a R$ 55,00, e esgotados logo na abertura das vendas, em 13 de junho. Além da transferência para a igreja, diversas oficinas e programas educacionais que ocorriam paralelamente à programação oficial foram suspensos pela Associação Casa Azul, responsável pela organização da Festa, para que os cortes não inviabilizassem sua realização, conforme o diretor-presidente, o arquiteto e urbanista Mauro Munhoz.
Em abril, o diretor anunciou à mídia que a restrição de lugares para as palestras dos autores seria compensada pela ampliação do número de lugares na tenda de projeção, os quais passariam de 200 para 700. A poucas horas antes da abertura oficial, contudo, ninguém viu essa possibilidade se concretizar no espaço montado ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, onde permanece a mesma estrutura. “Estou impressionada de ver como a programação e os ingressos foram reduzidos”, lamenta Ângela Palomo, produtora de cinema, que mora entre a capital do Rio de Janeiro e Paraty. “É duro pensar que não teremos mais a grande tenda ao ar livre, um acontecimento único e marcante no Brasil”, acrescenta ela, que acompanha a feira desde sua primeira edição. Ninguém com quem se fale transitando pelas ruas de Paraty conseguiu ingressos, nem mesmo muitos jornalistas credenciados.
Nas vésperas do grande evento, o público de jovens, artistas, intelectuais e ativistas sociais atraídos pela diversidade política dos autores parecia estar disposto a fomentar a vocação de resistência da literatura. No dia Internacional da Mulher Negra, grupos de músicos se alternavam no esquenta da FLIP, na Praça da Matriz, sacudindo o público com melodias e letras alusivas à luta contra o racismo e ao orgulho negro. Depois dos protestos da edição passada pela baixa representatividade de mulheres e negros, a atual curadora, a jornalista e biografista Josélia Aguiar, defendeu o fim da supremacia branca e masculina. Josélia configurou as 22 mesas de palestras e debates com a participação de 24 mulheres e 22 homens.
A aliança entre povos subjugados não podia ter atravessado a literatura em hora mais necessária. Lima Barreto, que era um feminista de vanguarda no Brasil imperial e uma pena insubmissa contra o racismo e toda sorte de discriminação social, opera como uma espécie de guerreiro póstumo no front de batalha dessa minoridade política que rasga seu território na FLIP. A lista de estrelas negras contempla Scholastique Mukasonga, da etnia tutsi, de Ruanda, Marlon James, da Jamaica, os brasileiros Conceição Evaristo e Lázaro Ramos, que na abertura fará uma dramatização especial da obra de Lima Barreto, criada por Lilia Schwarcz, com direção de cena de Felipe Hirsch.
O feminismo será tratado pela angolana Djaimilia Pereira de Almeida e pela autora Deborah Levy, Beatriz Resende, Carol Rodriguez, Natalia Borges Polesso, Noemi Jaffe, Scholastique e Conceição Evaristo, que ao lado de Ana Maria Gonçalves fará uma homenagem às escritoras africanas. Em casa, nas artes, na política ou nas fábricas, a mulher sempre deu duro, como escreveu o próprio Lima Barreto: “Então a mulher só veio a trabalhar porque forçou as portas das repartições públicas? Ela sempre trabalhou, aqui e em toda a parte, desde que o mundo é mundo; e até, nas civilizações primitivas, ela trabalhava mais do que o homem”.
Estou ensaiando em Brasília L, o musical, uma peça cuja história é absolutamente lésbica e cujas personagens gravitam à volta do tema do amor entre mulheres. Peço então agora, meus senhores e senhoras, a atenção ao tema. Vamos olhar para este assunto com o que meu amigo querido, “filósofo” pop, pensador, produtor e agitador cultural Diogo Rodrigues, chama de “comunicação compreensiva”, a prática da anti-intolerância.
Então, vamos lá: Quando Sérgio Maggio, jornalista, escritor, dramaturgo e diretor, me convidou para tanto, o primeiro espanto foi concluir que, em trinta anos de carreira, é a primeira vez que me convidam para interpretar uma mulher que gosta de namorar outra mulher. Que absurdo! Então a ficção está atrasada assim em relação à realidade? Então a ficção ainda está tímida para contar as inúmeras histórias de amor e os dramas que envolvem romances homoafetivos? Então a ficção está desatualizada, é discriminadora, fixando o seu protagonismo somente no amor heterossexual? Então essas histórias não merecem ser tratadas na arte? Ó, ficção, estás desatualizada, sim!
Para viver a minha Ester, a primeira coisa que tomei emprestada é a sensação de opressão que eu sinto por ser negra. As opressões se igualam quando são eficazes e provocam mal-estar, inibição, exclusão. Conheço isso. Conhecemos. Tanto eu, quanto minha assistente, Taís Espírito Santo, quanto minha empregada doméstica, Valéria Falcão, quanto Lázaro Ramos, quanto Flávia Oliveira, quanto Mariana Nunes, quanto Djamila Ribeiro. Todos negros. Todos os negros. Numa sociedade com forte fundamento escravocrata conhece-se logo cedo as crueldades desse delírio de superioridade branca que se incrustou numa banda do mundo e nela ainda manda e desmanda.
A grande lição da vida tribal ou em cooperação coletiva é a da compaixão, o colocar-se no lugar do outro. Sem altruísmo, sem alteridade, sem brincar de ser o outro (tal qual os atores fazem profissionalmente), não há possibilidade de uma sociedade harmônica e justa.
Então, eu peço a você que odeia viado, que não perdoa a diferença, você que “aceita”, você que acha que a pessoa lésbica tem algum problema, algum defeito de fábrica, você que acreditou quando afirmaram que isso é coisa do diabo; eu peço a você, que reconsidere a questão e se coloque no lugar desse outro. De verdade. Você aguentaria a chacota?
Ninguém é gay ou lésbica contra ninguém não. Não é crime. Não é fácil ser condenado pela sua natureza. Senão, vejamos: como deve ser difícil ser um homem com real atração por outro homem sendo obrigado a esconder isso em todos os lugares… Nos colégios, no trabalho, festinhas e bares. Como deve ser opressor ser casado com uma mulher sendo em verdade no fundo uma bicha presa no armário. E uma bicha preta? Com quantos estereótipos tem que brigar para ainda ouvir: “Que desperdício um negão desse!?”
Parto desse lugar para, usando o nome do livro do meu querido Lázaro Ramos, sugerir que “Na minha pele” para ler essa realidade. Ou seja a pele da personagem que representarei no teatro, a pele do seu vizinho, sua colega de sala, sua aluna, seu chefe, que você nunca engoliu por causa “disso”.
É tão maluco o preconceito que chegou a cobrir de cegueiras o olhar preconceituoso, deturpou e trouxe para tais grupos excluídos uma pecha, uma marca, uma alcunha permanente de mau-caratismo. E é isso o tempo inteiro o que se faz; comete -se diariamente injustiças. O cara fez alguma coisa errada, bateu, roubou, atentou contra o coletivo, alguém sempre acrescenta: “também, viado, né?” Como se houvesse uma lógica. Como se isso quisesse dizer que ser gay é uma coisa relacionada ao caráter. E pejorativamente, sempre. Isso é muito cruel, extremamente cruel, mau, porque gostar de homem ou de mulher não dá a ninguém nem ao heterossexual, nem ao homossexual, nenhuma atribuição do ponto de vista do caráter.
Pode se pressupor que sejam pessoas mais livres, mas nem sempre essa recíproca é verdadeira, nem sempre escapa-se dos “ismos” ou seja, os machismos, dos racismos, dos sistemas de opressão que estão incrustados nas relações de trabalho, nas relações sociais.
Inclusive entre gays e lésbicas.
Me dei conta de que em minha vida, das coisas mais maravilhosas que eu tenho, muito dessas coisas maravilhosas, eu devo ao meu encontro com os gays na dramaturgia da minha vida, no novelo do meu destino, no enredo existencial que eu compus até agora, que nós compusemos até agora: Minha arte, a possibilidade de exercê-la. A possibilidade de vivê-la em outra cidade. Stravinsky, Grotowski, Ravel, Villa-Lobos, Bidu Sayão, Jorge Mautner, Itamar Assumpção, Carmina Burana, foram palavras que ouvi primeiro da boca dos gays. Meu filho amado, muitas associações de trabalho, muitos afetos indescritíveis nos cânones dos afetos, todo este tesouro eu vivi e tenho por causa do meu encontro com o mundo gay e lésbico.
Esse é o meu Grito. Estamos sendo injustos. E estamos iludidos. Nossos médicos, grandes médicos, pessoas que fizeram arte e ciência no mundo, enfim nossos dentistas, nossos advogados… Há milhares deles que gays espalhados neste mundão. Tem muita sapatice entre jornalistas, atrizes , cantoras que amamos; muitas mulheres que namoram mulheres e que são extremamente brilhantes no trabalho; que sem elas o mundo seria muito pobre. Como se ama e se admira essas pessoas e, muitas vezes sem saber ou sem perceber sua preferência de objeto de desejo erótico, fica tudo certo.Mas há aqueles que quando esta verdade é revelada se sentem traídos. Como no caso de Daniela Mercury que recebeu graves violências, fruto da mente fechada de alguns fãs, ou que se diziam fãs.
Então, é muito ridículo que sigamos nessa ignorância burra, de excluir o que julgamos desconhecer e o que julgamos errado só porque não é como a gente.
Pude ouvir, ao longo da minha vida até aqui, grandes depoimentos comoventes, sabe? De amigos que me contaram o quanto sofreram. Crianças aterrorizadas com a própria verdade. É só um tipo de gente, gente! Uma variedade. Há aqueles que foram criados na igreja católica, por exemplo, que tinham que confessar os seus pecados. E como confessar que desejavam o coleguinha, a coleguinha? Nossa, são gerações que sofreram muito, meu Deus! Demais, demais, demais. Não é exagero reiterar. Mulheres que casaram com homens sem gostar e que sofriam muito na hora da relação, porque transar com quem a gente não sente atração… É um martírio. Deve ser. Eu acho. Trata-se de uma experiência contra a própria natureza da experiência sexual.
Talvez tenhamos em nossas famílias histórias ocultas. Aquele tio que ninguém comenta ou que todos comentam. Aquela tia que nunca se casou. Só sofreu o olhar cruel e o dedo apontado. Por quê? Qual é o delito?
Me valho de todas as histórias que eu ouvi. Me valho das convivências com essa tribo multifacetada que enriquece o mundo, o nosso mundo, para fazer L’, o musical, para viver a minha Ester, para exibir nossa viagem. (Somos seis atrizes, cinco são héteros), pela experiência da vida desse outro, dessa outra cidadã que merece e exige respeito. Estou adorando.
O teatro possibilita o exercício de nossas variações. E de nossa imensa pluralidade. Mas não restringe aos atores a possibilidade de compreensão da história do outro, se colocando em seu lugar, o mais profundo e honesto que se conseguir. Não é exercício fácil. Há fantasmas do superego de plantão. Mas vale a pena.
No caminho da reflexão para escrever essas linhas juntei vantagens incríveis da presença das relações homoafetivas no mundo, e que melhor este mesmo mundo.
Afinal o que é a luta anti-homofobia senão um pedido desesperado de paz? Nenhum cidadão ou cidadã pode ser agredida por causa de sua vida amorosa, e muito menos ser duplamente vitimizado ou vitimizada quando cria coragem pra denunciar a barbárie.
O espirituoso Roberto Samico costumava dizer para as pessoas heteros: “Ah, lá na sua família ninguém é gay, trans ou lésbica? Que pena, né, não tiveram essa sorte!”
Faz sentido. Sem esses e essas, muitas mentes morreriam sem se abrir. Quantos entendimentos da vida a presença destas pessoas não provocou? Duas amigas minhas, são um casal aqui em Brasília, acabaram de adotar dois meninos, um de 15, outro de onze anos. Irmãos. Os meninos estão felizes, com aparelhos nos dentes, escola boa e duas mães. Qual o absurdo? Nenhum. Conheço gente com duas mães. Dois pais. O que sei é que, esses e essas que amam pessoas do mesmo sexo formam casais que despontam cada vez mais na pratica da adoção de crianças, e são também campeões na preferência pelos maiores. Estes, coitados, costumam ser abandonados por todos os lados e mofam até os dezoito anos no abrigo onde cresceram na ilusão desta esperada hora.
Se fossemos revirar o mundo concluiríamos que vemos disparates criados por nossa ignorância no lugar de enxergarmos imensas belezas.
É sério. Tenho passado a semana toda em Brasília mergulhada no tema. Tentando encontrar em mim a lésbica que eu seria, se fosse. Estou aqui sendo estudante do outro, da outra, de mim e da vida. Não é ruim não. Nos enriquece. Amplia. A prática da discriminação provoca cortes, desentendimentos, rupturas… A prática da exclusão gera equívocos, distorções da realidade, produz intolerâncias, radicalismos, mortes inexplicáveis, torpes, indefensáveis. Que, não por acaso, são os componentes da guerra.