Jornalistas Livres

Categoria: LGBT

  • Dilma entre irmãs: Contra os podres poderes!

    Dilma entre irmãs: Contra os podres poderes!

    A presidente Dilma Rousseff, eleita por 54 milhões de brasileiros, será afastada hoje do cargo por um Senado venal, mergulhado no caldo grosso e repulsivo da corrupção.

    Será afastada pelo machismo, pela burguesia, pelo fundamentalismo religioso, pela mídia mentirosa e hipócrita.

    Será afastada pelo que há de pior neste país, que é a sua elite e os aparelhos ideológicos que sempre justificaram a escravidão e a submissão de um povo lindo e generoso demais.

    E foi nos braços da parcela mais oprimida dentre todas, a das mulheres pobres, negras, periféricas, quilombolas, indígenas, nordestinas, de todo o país, que a presidente Dilma Rousseff resolveu viver a véspera da consumação do golpe.

    Enxugando a todo momento as mãos –este o único sinal de ansiedade que aparecia, humana demais—Dilma tinha a História nas mãos.

    Em seu discurso, diante das representantes da luta feminista do país todo, reunidas na 4ª Conferência Nacional de Políticas Para as Mulheres, no ginásio Ulysses Guimarães, em Brasília, a mulher (que todos os podres poderes querem derrubar) abraçou as suas irmãs de luta. Que enfrentam a dura e tantas vezes inglória batalha da sobrevivência e do cuidar de si e dos filhos.

    Dilma era a mãe que apanha do machismo –todas entenderam logo.

    A plateia que escutou a fala firme de Dilma (não, ela não gaguejou nenhuma vez, viu, imprensa escrota!) era composta por irmãs que conseguiram se transformar em sujeitos de suas vidas apenas nos últimos anos, graças a políticas públicas distributivistas, que privilegiaram as mulheres pobres.

    São agricultoras que puderam sair de casamentos e relacionamentos abusivos e violentos graças ao Bolsa Família, ao programa Minha Casa, Minha Vida. Que puderam ir para a faculdade graças ao ProUni e ao Fies. Que ganharam qualificação profissional por conta do Pronatec. Que puderam sair pela primeira vez de situações de semi-escravidão, graças ao Estatuto das Domésticas. Que, ganhando salário mínimo, viram esse piso ser valorizado além da inflação –pela primeira vez depois de anos de políticas de fome neoliberais.

    Dilma concluiu seu discurso para a História, abraçando suas irmãs de sofrimento. Havia lágrimas nos rostos.

    Mas não foi uma despedida. Dilma prometeu seguir na luta, com todas. Nas ruas, nas casas. Saiu abraçada e feliz. Com o reconhecimento apaixonado das mulheres que ela representa.

    Na caminhada de volta para casa, para os hotéis e para o acampamento pela Democracia, junto ao Ginásio Nilson Nelson, viam-se lutadoras exaustas, embandeiradas, com o corpo marcado por vários adesivos colados. Sinais da luta pelo Direito ao Aborto, Contra a Discriminação às Lésbicas, Contra a Violência Doméstica, da CUT, do PT, Fica Dilma!, pela Reforma Agrária, pela Demarcação das Terras Indígenas, da UNE, da Juventude Revolução etc.

    Esses adesivos são as insígnias desse Exército que, de golpes, entende muito. Porque este não é o primeiro e nem o último que sofre. Vida que segue! Luta que segue!

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  • Dilma assina decreto em defesa do nome social de travestis e transexuais

    Dilma assina decreto em defesa do nome social de travestis e transexuais

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    por Leo Moreira Sá especial para os Jornalistas Livres

    A presidenta Dilma Rousseff assinou, nesta quinta-feira (28), no Palácio do Planalto, decreto que permite o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais. Essa conquista é fruto da militância organizada de militantes travestis, mulheres transexuais  e homens trans, que desde a I°Conferência Nacional LGBT realizada em junho de 2008, em Brasília, colocou como prioritária a luta pelo reconhecimento e respeito ao nome social.

    “Pela primeira vez na história Brasil um chefe de estado assina um decreto presidencial que reconhece a população de travestis, mulheres transexuais e homens trans no Brasil”, declarou Tathiane Araújo, da RedeTrans Brasil, que estava presente na Conferência Conjunta de Direitos Humanos em Brasília, onde Dilma assinou o documento. Ela e outras lideranças do movimento trans, pressionaram para que o documento fosse assinado pela presidenta.

    No ato da assinatura estavam presentes a Ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes e
    o secretário de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, Rogério Sottili. Estavam presentes também os criadores do Projeto de Identidade de gênero João W Nery, Jean Wyllys (Psol-RJ) e Erika Kokay (PT-DF). Este decreto é um avanço em relação a proposta de transitoriedade do nome social, pois permite a mudança definitiva do nome e do gênero nos documentos oficiais e também obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde a custear tratamentos hormonais integrais e cirurgias de resignação sexual a tod@s os interessad@s maiores de 18 anos, aos quais não será exigido nenhum tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial.

    Gênero é uma construção social binária e heteronormativa, que ao longo dos séculos foi se cristalizando nos conceitos de “homem” e “mulher” da forma como conhecemos hoje. Na nossa cultura, todas as pessoas que nascem com vagina são definidas como “mulheres” e as que nascem com pênis são definidos como “homens”. Qualquer dissidência à esta ‘verdade’ instituída é encarada como patológica e criminosa. Todas as pessoas que não se identificam com o gênero atribuído ao nascimento são pessoas trans que tem o direito à cidadania como qualquer outra, mas sofrem agressões cotidianas por transfobia, e muitas vezes são são assassinadas. Diante de tanta violência e vulnerabilidade social, a comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans tem se articulado politicamente há mais de duas décadas. Uma das principais reinvindicações é o respeito ao nome social, que é aquele escolhido pela própria pessoa, e que representa sua verdadeira identidade de gênero.

    “O  nome social é uma solução transitória, paliativa e incompleta, contudo indispensável até que uma lei de identidade de gênero seja aprovada no pais” desabafou a professora Sayonara Nogueira, secretária de Comunicação da Rede Trans Brasil.

    Dilma realiza um ato magnânimo ao assinar uma lei que reconhece federativamente a existência da comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans, e promove o respeito à identidade de gênero. Na prática, explica Rogério Sottili, “as pessoas vão poder usufruir de toda a máquina governamental, inclusive nas políticas públicas de inclusão social, sendo tratadas pela identidade de gênero que as representam.”

    O decreto passa a valer após a publicação no Diário Oficial, mas ainda terá um prazo de seis meses para que a mudança seja implementada em formulários, e de até um ano para o todo o sistema. A identidade de gênero é definida como a vivência interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, que pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento.

  • Gays espancados até a morte no Brasil: até quando?

    Gays espancados até a morte no Brasil: até quando?

    Igreja em frente onde o jovem trabalhava em São João del-Rei. Foto: Aline Frazão/Jornalistas Livres
    Igreja em frente onde o jovem trabalhava em São João del-Rei. Foto: Aline Frazão/Jornalistas Livres

    A sexta-feira estava atípica no Largo do São Francisco, no centro histórico de São João Del Rei. Nenhum dos bares por ali, em frente à Igreja São Francisco de Assis, um dos cartões postais mais bonitos e importantes da cidade, estava aberto.

    As pessoas também não circulavam, alegres e em bando, como de costume. De fato, muito atípico.  O motivo, soube-se depois, era o luto por um assassinato cruel ocorrido naquela madrugada do dia 11 de março. Um garçom de um dos bares havia sido espancado até a morte a caminho de casa, depois do trabalho. Ninguém viu ou ouviu nada. O corpo dele foi encontrado por uma moradora que voltou mais tarde ainda do trabalho naquele dia.

    O jovem morto, Adílio Silva, era pobre, negro e homossexual. Três características que suscitam o ódio de pessoas que se preocupam tanto com o desejo alheio que não sabem o que fazer com o próprio desejo, e o pior, se sentem no direito de tirar a vida de alguém que acredita não ser merecedor da vida.  Atitude estúpida, mesquinha, egoísta, e que deixa transparecer o pior dos sentimentos: ódio, muito ódio.

    Há alguns anos, o ex-namorado de Adílio também teve o mesmo fim, com diferente meio: ao invés de espancamento, ele foi queimado vivo. Adílio, contam, era uma pessoa de bom coração, um rapaz alegre e extrovertido que sempre atendia muito bem os clientes. O que explica o luto (no sábado apenas um bar estava aberto e não havia ainda a animação de costume) e a manifestação contra o crime, marcada por moradores e amigos para o próximo sábado (19) na cidade.

    Como também não é de costume – sempre volto feliz das viagens até São João Del Rei, a volta da cidade histórica dessa vez foi triste, pesada. Chorei alguns momentos, imaginando cada soco e chute contra o indefeso que o levaria sangrar até a morte. Até quando teremos de ver esse tipo de coisa? Até quando teremos de ver políticos que deveriam nos representar incitando o ódio e perseguição aos homossexuais? Até quando essas pessoas, falsos de uma boa moral, vão falar que ser homossexual é comportamento e até doença? Até quando Brasil?

     

  • Cresce o protagonismo de travestis e transexuais no ativismo LGBT

    Cresce o protagonismo de travestis e transexuais no ativismo LGBT

     

     

    A III Conferência Municipal LGBT de São Paulo( CMLGBT-SP), que foi realizada nos dias 04 e 05 de março, foi marcada por um fato inédito na história do movimento LGBT brasileiro: os novos atores e atrizes travestis, mulheres transexuais e homens trans participando de forma maciça da cena política. “Isso está incomodando, principalmente a comunidade gay, porque eram sempre os gays que falavam por todas as letrinhas. Agora a nossa comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans está se levantando com voz própria”, declarou Lam Matos do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat).

    Desde o seu surgimento, no final da década de 70, como o “movimento homossexual”, a militância LGBT sempre foi marcada pela presença hegemônica de ativistas homossexuais masculinos. Já nos anos 80, as mulheres lésbicas se reuniam de forma independente, sendo incorporadas pelo nascente movimento feminista brasileiro. Foi apenas em 1993 que travestis e mulheres transexuais começaram a se articular politicamente, tendo em vista a luta contra a epidemia de Aids que sempre fez muitas vítimas na comunidade trans, fragilizada pela extrema vulnerabilidade social.

    Embora já houvesse o protagonismo individual de homens trans desde 2004, a criação da Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT), em 2012, e do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT), em 2013, deu o impulso final a uma crescente articulação política de pessoas transmasculinas.

    A III Conferência Municipal LGBT foi organizada pelo Conselho Municipal LGBT, um órgão “de caráter consultivo, deliberativo e propositivo” formado por 10 representantes da sociedade civil LGBT e 10 representantes do poder público, em parceria com a Coordenação Municipal de políticas LGBT. Foi realizada no Hotel Dan, no centro de São Paulo, e contou, em sua abertura no dia 04 de março, com a presença de Rogério Sotilli, secretário de Direitos Humanos da Presidência da República e de Eduardo Suplicy, secretário de Direitos humanos e Cidadania de São Paulo.

    JL - Chapa Renovar a esperança

    A Conferência aconteceu efetivamente no dia 05, com a parte da manhã destinada ao credenciamento dos delegados com direito a voz e voto que iriam participar do evento. Depois do almoço, oferecido apenas aos credenciados no próprio hotel, foi colocado à apreciação o regimento interno da Conferência para os delegados. O artigo 25, que tratava das regras da eleição dos representantes da sociedade civil que devem participar da Conferência Estadual LGBT, foi o ponto de maior disputa política.

    As regras básicas para a formação das chapas eram que elas deveriam ter no mínimo 20 e, no máximo 100 integrantes, e que cumprissem os pré-requisitos de representatividade da comunidade LGBT, obedecendo os seguintes critérios: 60% de pessoas do gênero feminino, 35% de pretos e pardos, e ter pelo menos um morador/a das cinco regiões de São Paulo.

    Thomas Fernando, do Ibrat, apresentou uma proposta alternativa ao sistema de chapas propondo que a disputa fosse individual que, segundo ele, garantiria maior paridade entre os representantes de cada segmento envolvido. Dessa forma, seria possível a eleição de pelo menos oito homens trans em vez de apenas um, ” levando em consideração que o número de homens trans que as chapas incluem é sempre para manter a cota.

    Thomas criticou o governo por ao tornar pública as regras da composição das chapas apenas dois dias antes da conferência. “Como é que a gente vai compor as chapas dois dias antes, agregando tantos diferenciais: raça, idade, segment. Como é que a gente vai montar uma chapa com gente que a gente não conhece?”, desabafou a lideranca do Ibrat. Por votação por contraste, manteve-se o texto original das regras das chapas e foram formadas duas chapas.

    A chapa “Bonde do rabo solto” teve 44 votos e foi defendida pelo advogado Dimitri, que declarou em seu discurso que o nome, “embora pareça jocoso, significa que temos a liberdade de falar em nome dos nossos interesses e não dos interesses da administração pública”, afirmou.

    “Renovar a esperança” foi a chapa ganhadora com 118 votos, e que tinha em sua composição o maior número de travestis, mulheres transexuais e homens trans. A maior parte dos votos foram da comunidade trans que compareceu em peso à Conferência, em especial as alunas do programa Transcidadania que oferece, além das aulas tradicionais, o curso de Direitos Humanos e Cidadania. A chapa foi defendida pela bolsista do transcidadania, a travesti Aline Marques, num discurso inflamado que levantou a platéia aos gritos: “Viva as travestis, viva as travestis”.

    “A gente quer a realidade, a gente quer que todas essas políticas saia do papel de uma vez por todas e venha até nós. Eu trabalhei 21 anos numa esquina e nenhuma dessas polítcas nunca me atingiu, a não ser o que está acontecendo agora.” concluiu Aline.

    O coordenador municipal de políticas LGBT da cidade de são Paulo, Alessandro Melquior, pontuou em uma entrevista exclusiva para os Jornalistas Livres, que depois do lançamento do programa Transcidadania em 29 de janeiro de 2015, tem surgido uma nova articulação política mais empoderada da comunidade trans com o surgimento de três novas organizações na cidade de São Paulo: o Fórum Municipal de Travestis e Transexuais (FMTT) , o Grupo de resistência de travestis e transexuais ativistas (GRETA) e o Centro de Apoio e Inclusão de travestis e transexuais (CAIS).

    “Não só a política LGBT, mas a política trans de uma maneira geral tem conquistado uma visibilidade enorme em São Paulo e isso, obviamente, tem gerado impacto positive. As trans se sentem mais valorizadas, se sentem mais emponderadas para ocupar um espaço”, diz Alessandro.

    Ele avaliou também, que, apesar de todas as dificuldades estruturais, a III Conferência Municipal LGBT de São Paulo teve o mérito de ter sido a maior de toda a história de conferências desse ciclo no Brasil, com a participação de mais 450 pessoas LGBT e observadores. Além disso, ele acredita que o grande diferencial foi a mudança nos atores que sempre tiveram seu lugar de fala na militância lgbt.

    “Esses novos atores que estão surgindo no movimento de travestis, principalmente as novas atrizes, estão querendo espaço e estão conquistando. Acho que o resultado da conferência é isso. Um número gigantesco de travestis e mulheres transexuais que saíram delegadas dessa conferência. Mostrando que tem muita gente nova querendo o microfone, e conseguindo. As pessoas vão ter que conviver com essa realidade”, resume Alessandro Melquior.

    Com relação aos futuros desafios, Alessandro declarou que quer que as conquistas que há existem e que vão aparecer até o final desse ano passem a ser políticas de Estado, e não fiquem suscetíveis a governos. “Que os Centro de Cidadania LGBT e o programa Transcidadania possam ser leis. Assim, o próximo governo, seja ele qual for, não coloque em risco o que se conquistou. O que conseguimos na cidade de São Paulo não é patrimônio de São Paulo, é patrimônio do Brasil. “

  • As últimas palavras de Marina Garlen

    As últimas palavras de Marina Garlen

    “É um dia importante pra nós. Fico muito feliz quando estou em um local onde as pessoas se interessam pelo assunto, que nos entrevistam, que registram os nossos momentos, e não só o de discussão política, mas também o cultural. E que não fique apenas ali, que isso vá se expandir para que a sociedade veja o nosso dom, veja de que nós somos capazes, e que temos os mesmos direitos , e que nós temos capacidade de sermos inseridas e estarmos dentro da sociedade”, declarou Marina sobre o Dia da Visibilidade Trans.

    Eu tive a honra de registrar suas palavras e algumas imagens um dia antes da trágica morte por embolia pulmonar e parada respiratória da artista e ativista baiana Marina Garlen na madrugada do domingo, 31 de janeiro, em São Paulo. Ela estava na cidade desde o dia 25 representando a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) por ocasião das atividades em comemoração do dia 29, o Dia da Visibilidade Trans. A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, que estava patrocinando as atividades da rede ANTRA, arcará com o translado do corpo para a sua cidade natal.

    JL -Marina Garlen e Aline Marques

    Expulsa de casa aos 16 anos, Marina acabou indo “atrás do sonho” na Europa, onde viveu por 17 anos como profissional do sexo, o que lhe possibilitou várias conquistas, como a compra da casa própria. De volta para o Brasil, a baiana atuava como cabeleireira, maquiadora e fazendo shows em casas noturnas, trabalho que já realizava há 35 anos. Depois da entrevista, eu tive a fortuita oportunidade de ver sua última performance dublando uma música antiga da cantora Vanusa, e entendi porque sua poderosa e fascinante presença de palco lhe renderam um troféu e o título de Diva Trans em 2011.

    A presidente do Fórum Municipal de Travestis e Transexuais Nicolle Mahier contou que esteve com Marina no dia 28, e que ela comentou que tomou chuva no dia 25. Se sentia gripada e sentia febril. No dia 29, antes de fazer o show, Marina havia dito que ainda se sentia um pouco fraca, mas já estava melhor. No dia seguinte, ela ligou para Nicolle pedindo que o marido dela, que é taxista, a levasse do hotel onde estava para a casa de um amigo por conta de fortes dores no peito. Ainda comentou que não iria na Marcha pela Paz, realizada naquele dia pela ONG Cais, porque se sentia muito fraca e preferia ficar descansando.

    Marina ainda marcou horário para que o taxista a buscasse para levá-­la ao aeroporto. Um pouco antes do horário marcado Nicolle mandou algumas mensagens, mas Marina não respondeu. Algumas horas depois, toda a comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans de São Paulo e do Brasil, ficou sabendo da perda de uma das suas mais aguerridas guerreiras.

    Marina foi conduzida ao hospital da Barra Funda. Segundo Nicolle, a médica que a socorreu informou para algumas pessoas que foram até o local que “ela estava com uma mancha preta no pulmão, mas como ainda não foi feita a necrópsia, não se sabe se foi o silicone industrial (que era usado antigamente pelas travestis para tornear seus corpos) que vazou para o pulmão… mas, até o momento, isto é apenas hipótese.”

    Confira o áudio com a última entrevista da artista:

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    “Eu me chamo Marina Garlen, tenho 49 anos de idade e sou ativista da causa LGBT. Fiz parte do Comitê de Cultura LGBT da Presidência da República, do Ministério da Cultura. Sou estudante, sou de Salvador, e eu fui convidada para estar aqui representando a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) para fazer parte das atividades da Visibilidade Trans que em todo Brasil está sendo comemorada este ano.

    Eu tenho certeza que assim como existe o Dia do Orgulho Gay, assim como existe a Visibilidade Lésbica, a Visibilidade Trans é uma maneira que nós temos de mostrar para a sociedade, para os políticos, para as pessoas que nós existimos, e que nós precisamos de Direitos. É um momento para mostramos também os dotes que nós temos, e não é só o de trabalhar apenas em salão de beleza, não! 

    Vamos deixar a prostituição seja uma questão de opção, e não de necessidade. Está na hora da sociedade entender que nós somos capazes, que nós estudamos. Existem muitas travestis e transexuais amigas da ANTRA que são professoras, outras são advogadas, assistentes sociais etc. Eu fui convidada no ano passado pela Fernanda de Morais para participar deste evento aqui, em São Paulo. Essa é a primeira vez que eu participo do evento.

    Acho que nem teria necessidade de ter visibilidade trans, mas apesar de vivermos em um país democrático, a sociedade brasileira é arrogante, preconceituosa e machista. Por isso é importante gritar. Gritar para que as pessoas nos ouçam, vejam que nós estamos aqui. Somos artistas, somos prostitutas, somos jornalistas, somos professoras, somos médicas. A única coisa que nos falta é oportunidade.

    Que as pessoas abram as sua mentes, que os empresários, os diretores de teatro, os donos das grandes empresas comecem a abrir espaço para que nós possamos ser inseridas no mercado de trabalho, nas escolas, porque sem educação, infelizmente, não é possível avançar. Hoje [Dia da Visibilidade Trans] é um dia importante para nós.

    Espero que a sociedade veja o nosso dom, veja de que nós somos capazes, e que temos direitos, e também capacidade de sermos inseridas e estarmos dentro da sociedade participando.

    Uma vez que pagamos os nossos impostos como qualquer cidadão – e nós temos esse dever – creio que os direitos também devem ser iguais. É muito importante essa visibilidade, pois esta é a maneira que temos de dizer para as pessoas que não somos marginais, que não somos bichos de sete cabeças. É uma maneira de abrir portas, de conscientizar as pessoas para que elas nos enxerguem como pessoas e cidadãs de fato.”

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  • A visibilidade que queremos

    A visibilidade que queremos

    Hoje, 29 de janeiro, se comemora em todo o Brasil o “Dia da Visibilidade Trans”. Desde o dia 25 estão sendo realizados debates em torno de demandas importantes para a comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans como saúde, educação, mercado de trabalho entre outros. Também estão sendo exibidos filmes e shows artísticos.
    No dia 22 foi lançado o vídeo da campanha “Transfobia é uó” e amanhã, dia 30, haverá uma caminhada pela paz que sairá às 14hs do vão do Masp, em SP. Foi a partir da primeira campanha nacional “Travesti e respeito”, em 29 de janeiro de 2004, que foi instituído o dia de luta por visibilidade da comunidade T. Realizada por ativistas da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) em parceria com o Ministério da Saúde, tinha como objetivo o combate às DST-Aids, que, devido às condições históricas de exclusão social, travestis e mulheres transexuais ainda são um segmento bastante vulnerável. A campanha também contou com a exposição de cartazes com fotos de 27 travestis que buscavam promover o respeito e a cidadana da comunidade com o slogan: “Travesti e respeito: está na hora dos dois serem vistos juntos”. Inicialmente chamado “Dia da Visibilidade das Travestis”, passou a ser chamado “Dia da Visibilidade Trans”, em 2005, quando as mulheres transexuais foram agregadas ao movimento político organizado. Em fevereiro do ano passado, os homens trans se filiaram ao Antra, sendo oficialmente agregados, depois da definição de sua identidade política no primeiro ENAHT ( Encontro Nacional de Homens Trans).

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    As maiores conquistas da população T estão na área da saúde como a inclusão de travestis e transexuais na “Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde” e o criação do “Processo Transexualizador” no SUS. Outra grande conquista foi o respeito ao nome social em toda a área de Saúde Pública, e em todas as instituições educacionais públicas e privadas. Mas a luta pela aprovação do projeto de lei de identidade de gênero para a mudança definitiva do pronome nos documentos ainda continua. Invisibilidade é a pior forma de exclusão social porque impede a existência do ser político, do indivíduo enquanto cidadão ou cidadã. São negados os direitos básicos como acesso à educação, à saúde, a uma moradia digna e ao mercado de trabalho. Muitas vezes é negado até o direito de ir e vir, porque travestis e transexuais são empurrados para os guetos sociais e não são bem vind@s nos tradicionais espaços de convívio de pessoas cisgêneras. E todos os dias agressores transfóbicos tiram dessa população também o direito à vida. Quantas vezes você, caro leitor, viu uma travesti, uma mulher transexual ou um homem trans no mesmo espaço de lazer que o seu ou na mesma empresa onde você trabalha? Com certeza nunca. Mas quase todos os dias irá encontrar notícias com travestis e pessoas trans envolvidas em situações de agressões e assassinatos.

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    O Brasil, de acordo com a ONG Transgender, é o país que mais mata travestis e transexuais do mundo. Geralmente são praticados crimes de ódio com requintes de crueldade como tortura, espancamento ou estupro. Depois, a banalização da vida no descarte do corpo em vias públicas, em terrenos abandonados, meio do mato ou beira de estrada. A notícia é dada sem emoção ou comoção, como se aquelas existências não tivessem nenhum valor, fadadas a não existir física e socialmente. Tanto o conteúdo quanto a forma das reportagens reforçam o estereótipo de que toda travesti ou transexual são marginais perigosos que devem ser evitados, além do escandaloso desrespeito a suas identidades de gênero, tratando no masculino e publicando o nome de registro da vítima. Visibilidade Trans é a luta pela cidadania plena, ocupando todos os espaços sociais, saindo dos guetos para a batalha política nas ruas. Lutar por uma legislação específica e rigorosa que puna os crimes de ódio para parar com o genocídio da nossa população. Acesso não só à saúde, à educação, ao mercado de trabalho e o respeito a todos os nossos direitos civis. Pela despatologização das identidades trans! Chega de travestis, mulheres transexuais e homens trans serem taxados de doentes e criminosos para legitimar a “normalidade” instituída e normatizada. Queremos respeito e dignidade. Essa é a visibilidade que queremos.

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