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Categoria: Geopolítica

  • Guilherme Estrella fala sobre o Pré-sal em palestra na Unicamp

    Guilherme Estrella fala sobre o Pré-sal em palestra na Unicamp

    ” Energia é questão de soberania ou dependência. O que estão fazendo com a Petrobras não é privatizar; é desnacionalizar o que nos garante a soberania, de forma a nos colocar de volta na condição de colônia”, apontou o geólogo e ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras, Guilherme Estrella, em palestra realizada no Instituto de Geografia da Unicamp, em Campinas/SP.

     

    Na última terça-feira (5), a UNICAMP recebeu o Guilherme Estrella, geólogo e ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras entre os anos de 2003 e 2012, é considerado o “Pai do Pré-Sal”, rótulo que rejeita, exaltando a equipe superqualificada com quem ele trabalhava. “Era como ser o técnico da seleção brasileira de 58. Só precisava fazer um pedido: ganhem o jogo”, disse.

    Estrella começou sua fala exaltando as qualidades naturais do Brasil: “Temos a maior floresta tropical do mundo. Somos o país mais bem servido de recursos hídricos. Os dois maiores aquíferos do mundo estão no Brasil. Temos uma produção agrícola que nos coloca como segundo maior produtor de alimentos do mundo. E também somos muito ricos em minérios, sendo a maior província mineral do planeta”.

    Em seguida, ele começa a demonstrar a relação do acesso a fontes de energia e desenvolvimento de Estados ao longo da história. Começando com a revolução industrial na Inglaterra, propiciada pelo acesso ao carvão mineral. Num segundo momento os EUA descobrem petróleo e em seguida se tornam potência mundial. Enquanto que a primeira fonte de energia do Brasil foi a eletricidade. Então já percebemos que nosso desenvolvimento foi tardio em relação a essas grandes nações.

    Então, devido a muita luta política chegou o fim a política café com leite com a chegada de Getúlio Vargas ao poder. Com ele construímos a Companhia Siderúrgica Nacional, a Eletrobrás e a Petrobrás, além de diversas outras empresas estatais. A partir de então, com um esforço 100% do Estado brasileiro, começamos a desenvolver tecnologias e entender a geologia do nosso país, o que muitos anos depois resultou no descobrimento do pré-sal, em 2006.

    No momento do descobrimento do pré-sal, nenhuma empresa queria assumir o risco exploratório de desenvolver estas áreas tão desafiadores. Quem assumiu esse risco foi a Petrobras. Foram instituídas duas formas de explorar e produzir o pré-sal: o regime de partilha, onde nas licitações promovidas pela ANP, a empresa vencedora será aquela que oferecer ao Estado brasileiro a maior parcela de petróleo e gás natural (ou seja, a maior parcela do excedente em óleo), e a Cessão Onerosa que é um contrato celebrado entre a Petrobrás e a União através do qual a empresa adquiriu pelo montante total de R$ 75 bilhões o direito de produzir um volume total de 5 bilhões de barris de petróleo equivalente a partir de seis áreas onde a estatal já havia conduzido estudos exploratórios.

    Na quarta-feira (6) aconteceu o leilão do excedente da cessão onerosa. Considerando a descoberta posterior de volumes superiores ao limite do contrato, de cinco bilhões de barris, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) autorizou a ANP a licitar esse excedente, no regime de partilha da produção, na Rodada de Licitações do Excedente da Cessão Onerosa.

    O valor de R$ 106 bilhões inicialmente apresentado pelo governo como sendo algo maravilhoso não é bem assim. A rodada do “excedente da Cessão Onerosa” leiloará uma área que possui um volume de 6 a 15 bilhões de reservas provadas, ou seja, reservas com uma probabilidade de 90% de que serem produzidas. Nesse caso, praticamente não há risco exploratório. Portanto, estão entregando praticamente de graça uma das maiores riquezas do mundo. Enfático, Estrella disse que a energia não é mercadoria, é questão de soberania ou dependência. E o que estão fazendo com a Petrobras não é privatizar; é desnacionalizar o que nos garante a soberania, de forma a nos colocar de volta na condição de colônia.

    Das quatro áreas, duas foram concedidas, e pelo lance mínimo. Quem levou foi a própria Petrobrás, com a arrecadação de R$ 69,9 bilhões dos R$ 106 bil que o governo esperava arrecadar. Ontem (7), a Petrobras, também em sociedade com uma estatal chinesa, fechou o contrato por R$ 5,05 bilhões dos R$ 7,8 bi previstos.

    Para concluir a palestra, Estrella afirmou: “Nós, petroleiros, sozinhos, dificilmente enfrentaremos essa parada com perspectiva de êxito. Nós temos que ter a sociedade ao nosso lado. Temos que convencer o cidadão brasileiro que ele é proprietário disso. Quando você entrega o pré-sal, quando você vende uma refinaria brasileira, nós estamos vendendo uma riqueza que pertence ao cidadão brasileiro”.

     

    Assista à palestra “Território e energia: geologia do pré-sal e geopolítica do petróleo”, com Guilherme Estrella realizada no Instituto de Geografia da Unicamp, em Campinas/SP

    https://youtu.be/8J3Z4uGW-RU

     

    Com informações:

    Geopetro – Coletivo de Geopolítica do Petróleo da Unicamp.

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    Instagram: @geopetrounicamp

    Twitter: @geopetrounicamp

  • O Chile despertou!

    O Chile despertou!

     

     

    Liss Fernández

    Há 12 dias ninguém ia imaginar que Chile mudaria para sempre. Tudo começou com o aumento das passagens do metrô. Os estudantes se juntaram e saíram para protestar pulando as catracas em grande parte nas estações do metrô de Santiago. Simultaneamente, os cidadãos foram chamados para o famoso “cacerolazo” (bater panela). Eram nove horas da noite e já dava para escutar o som do que seria o início da revolução por todas as ruas da capital.

    A mídia, como era de supor, começou a difundir o pânico na população, falava-se de mercados saqueados e queimados, de falta de abastecimento e, inclusive, de vandalismo e assaltos a propriedades privadas. Mas a realidade era outra: armazéns e pequenos estabelecimentos comerciais não demostravam o Chile que estava sendo transmitido pela televisão. Feiras, alguns mercados e inclusive restaurantes funcionavam com total normalidade. E foi nesse momento que o Estado decidiu apagar o fogo com gasolina decretando “toque de recolher” em Santiago, militares nas ruas e helicópteros de madrugada “velando” pela segurança.

    A “doutrina do choque” começou a se espalhar pela capital e, não contentes com isso, essas políticas foram implementadas nas outras regiões do país. Após dez dias do início das manifestações, o governo propôs vagas soluções para tranquilizar o povo, mas os chilenos, descontentes não aceitaram. As ruas estão manchadas de sangue inocente, as redes sociais explodindo com vídeos que mostravam abusos por parte da polícia e das forças armadas do Chile.

    O governo se apropriou do maior protesto da nossa história, um milhão de pessoas marchando de forma pacífica, quando, na realidade, a gente já estava fazendo isso há dez dias. O Chile está cansado dessas políticas neoliberais, não queremos uma aposentadoria miserável, não queremos ter o primeiro lugar em suicídios de idosos na América Latina, não queremos um sistema de saúde no qual você morre esperando para ser atendido e ainda ter que pagar por isso, não queremos nos endividar para conseguir estudar, não queremos que sigam matando e destruindo nossos povos indígenas e, acima de tudo não queremos continuar com uma Constituição feita durante a ditadura militar. Nossos avós foram reprimidos com metralhadoras e não vamos aceitar que isso se repita. Tudo isso ficou conhecido no estrangeiro como ‘o protesto dos $30 pesos’, porém, a gente prefere dizer: CHILE DESPERTÓ.

  • #BOLÍVIA bloqueio e tensão próximo a Santa Cruz de La Sierra

    #BOLÍVIA bloqueio e tensão próximo a Santa Cruz de La Sierra

    Já faz mais de 24h que apoiadores se Carlos Mesa bloquearam um dos principais acessos à Santa Cruz de La Sierra. Uma fila de vários quilômetros de veículos vai crescendo nas proximidades da cidade de Puertachuelo. Pessoas idosas já acusam mal-estar, fome, inchaço.
    Há pouca comida, água e as condições de higiene são precárias, com ônibus de viagem tendo que despejar seus dejetos na estrada. O cheiro é ruim, e as pessoas tem poucas opções para banhar-se. Já, dentre os que fizeram o bloqueio –apoiadores de Mesa – há comida, água, mobilidade e até diversão, como a roda de música que ocorreu ontem à noite. “Fazemos isso por todos nós, companheiros”, dizem os mesistas aos que estão presos no bloqueio.
    Veja o relato da situação feito pela manhã dia (24), ao vivo pelo facebook:

    NO JOGO DA TENSÃO, VALE TUDO, ATÉ A DESUMANIDADE


    Uma cena dramática, demonstra até onde querem ir os que se opõe ao resultado que dê a vitória à Evo Morales, na disputa acirrada com Carlos Mesa.
     
    Uma ambulância que vinha da fila quilométrica de veículos não conseguiu passar pelo bloqueio feita pelos opositores de Evo, e a pessoas que estavam presas no bloqueio tiveram que ajudar a abrir caminho, enquanto apoiadores de Mesa nada fizeram.
     
    Depois de uma comissão tentar negociar com os líderes que bloqueiam a estrada, pedindo clemência e compreensão ouviram:
    – Não querem apoiar, então aguenta!
    – Vocês sabiam que haveria o bloqueio. Por que vieram?
    – Temos algo maior aqui, que é comum a todos: queremos tirar este merda do poder.
     
    As Cholas (senhoras indígenas) passam chorar e gritar:

    –COVARDES!

    Depois de uma hora, que foi o prazo negociado, apoiadores de Carlos Mesa, ficaram passando de moto encapuzados, entre os carros parados, com paus, ameaçando as pessoas que estão no bloqueio. 
     
    Depois de muita tensão, uma senhora que apoia Mesa, levou um pouco de água, para alguma senhoras que estão no bloqueio, e disse que traria comida e ajuda, mas que o justo é que eles apoiem Carlos Mesa em troca deste cuidado.
    A informes de que situações graves de conflito se estendem por várias regiões, principalmente nas regiões em que o candidato de oposição tem maioria, como é a região de Santa Cruz de La Sierra, próximo ao bloqueio de onde repórter Leonardo Milano fez essa reportagem.

    #CoberturaEspecial #EleiçõesBolívia
    #AjudeOsJornalistasLivres a fazer esta narrativa.


  • OS ALIENÍGENAS CHILENOS

    OS ALIENÍGENAS CHILENOS

     

     

     

    Prof. Dr. Alexandre Santos de Moraes

    Profa. Dra. María Verónica Secreto

    do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense

     

             Os protestos no Chile seguem intensos e com resposta violenta do governo. De acordo com números oficiais, foram registradas 17 mortes. As manifestações começaram após o aumento das tarifas de metrô, fato que excitou a memória de muitos brasileiros em relação a junho de 2013. As semelhanças, contudo, não vão muito além. A efervescência chilena não é tributária apenas do aumento no preço dos transportes, mas da aventura liberal que há décadas sufoca o país e que ampliou significativamente o fosso que separa os mais ricos dos mais pobres.

             Um áudio vazado oferece a perfeita metáfora para essa distância. Cecilia Morel, esposa do presidente Sebastián Piñera, de centro-direita, teve uma conversa captada a partir de um áudio enviado a uma amiga. Nele, mostra não apenas o desespero que tomou conta do governo, mas a sensação de absoluta impotência diante do levante popular que, a confiar em seu próprio prognóstico, tende a piorar nos próximos dias. Segundo as informações que dispõe – ou das suposições que julgou seguro fazer – a primeira-dama denuncia que o próximo passo dos manifestantes é interromper toda cadeia de abastecimento, incluindo água e alimentos. Diz estar surpreendida, como se diante de “uma invasão estrangeira, alienígena”; mais do que isso, ou precisamente por isso, não teriam “ferramentas para combatê-la”. 

              Os manifestantes não chegaram de outro planeta, mas há certa razão nessa fala se se adota a perspectiva de Cecilia Morel. É preciso admitir que ricos e pobres realmente não vivem no mesmo mundo, ainda que partilhem algumas vezes os mesmos espaços. Para os pobres, ensinados a nutrir expectativas inalcançáveis que se colocam nos apelos cada vez mais agressivos ao consumo, os ricos não vivem em um lugar insólito, afastado de toda civilização conhecida: eles estão onde a maioria gostaria de estar. O contrário, contudo, não é verdadeiro, não só porque a pobreza não é acalentada por ninguém, mas porque a perda de privilégios parece ser bem mais difícil do que a conquista. Os alienígenas, contudo, não são exatamente, ou tão somente, os pobres chilenos, mas a juventude que se insurge contra esse seleto grupelho de poderosos. Os jovens, com sua potência revitalizadora, não querem para seu futuro o presente tenebroso em que vivem seus pais e avós.

             Em 2013, o Chile era o país mais desigual do mundo, sobretudo por causa da privatização do sistema de seguridade social realizado durante o governo ditatorial de Pinochet. Na prática, quase metade dos chilenos não dispõe de benefícios quando param de trabalhar. O sistema de previdência é de capitalização individual, em mãos das AFP (Administradoras de Fundos de Pensão). Quando o sistema previsionário foi reformado na década de 1980, os Carabineros e as Forças Armadas não foram atingidos. Não sem razão, o Chile possui o maior índice de suicídio de idosos na América Latina. Aproximadamente 74% das famílias estão endividadas. Os serviços públicos são escassos e não há alternativa privada com preços acessíveis à maioria da população. Todas essas questões contribuem para a vulnerabilidade da maioria, tornando-os estrangeiros em sua própria terra.

    A mídia dominante sempre coloca o Chile como modelo, como a ovelha branca entre ovelhas negras. É a terra fértil onde a escola de Chicago conseguiu se enraizar. O próprio Paulo Guedes desembarcou no Chile, onde viveu na década de 1980 e conheceu de perto a política econômica que ele tanto admira e luta ferozmente para implementar no Brasil. Em fevereiro deste ano, em uma entrevista ao Financial Times, o atual ministro da Economia disse que Pinochet fez do Chile uma Suíça. Hoje o país está em chamas, inflamado por esse fetichismo rentista que afaga banqueiros e ignora o povo.

    O modelo econômico desenhado na década de 1970, durante a ditadura militar, teve continuidade no período democrático. Devemos lembrar que o processo de democratização no Chile começou com limitações: Pinochet continuou como comandante em chefe do Exército (1990-1994) e foi senador vitalício até 1998.  As “verdades liberais” passaram a ser inquestionadas. Chile é hoje o país da América Latina que tem a maior renda per capita e também o pior índice de distribuição da riqueza. As duas coisas num mesmo espaço. Ricos, demasiado ricos; pobres, demasiado pobres. 

    Enquanto na América Latina eram presidentes Lula, Evo Morales, Kirchner, Correa e Chávez, as economias cresciam e eram implementadas políticas públicas de distribuição de renda e riqueza. Ao mesmo tempo, o Chile era enaltecido como modelo da modernidade econômica com seu Estado mínimo, minúsculo, que tinha funções exíguas para transferir ao mercado o poder de intermediar todas as relações e transações.

    A mídia tradicional começou a última semana buscando as razões que motivaram esses “loucos” a sair do paraíso. Descobriram que os serviços consomem parte importante dos salários e que a educação é das mais caras da América Latina. O estopim nada desprezível foi o preço do transporte, que consome 30% do salário dos trabalhadores e trabalhadoras, mas por trás dele se escondia um sem-fim de privações que a imprensa muito se esforça para ignorar. O “modelo” neoliberal está povoado de privações.

    Apenas 1% da população chilena concentra 26,5% da riqueza. Os números não são muito diferentes do Brasil e a tendência é que nossa situação se torne cada vez mais parelha, já que Paulo Guedes, manipulando seu fantoche Jair Bolsonaro, tenta implementar hoje o que foi feito no Chile, sobretudo na década de 1990. Sem luta, o Brasil produzirá ainda mais alienígenas em sua própria terra, tornando-a um território hostil em que só os ricos têm direito de viver.

    Cecilia Morel, quase no fim do áudio, reconhece o cerne do problema e diz: “Temos que diminuir nossos privilégios”. Esse arroubo de sinceridade, possível só pelo aspecto privado da mensagem, é o núcleo do problema que há muito as esquerdas sinalizam e que os interesses financeiros fazem questão de ignorar.

    Ontem, ao final do dia, Piñera, o mesmo que chamou o cidadão que protestava na rua de inimigo poderoso e implacável que tinha o único propósito de produzir o maior dano possível, avaliou o caos, refletiu e anunciou que se reformará o sistema de pensões, a saúde, a renda mínima e as tarifas elétricas. Uma agenda social que inclui maior carga impositiva para os mais ricos, redução dos salários dos parlamentares e de outras esferas da alta administração pública. Embora paliativas e não estruturais, vem pela frente um conjunto de medidas heterodoxas. Paulo Guedes deve estar decepcionado com o exemplo que tanto admirava, mas não há profilaxia possível: em algum momento a vida material grita, e quem está habituado ao silêncio corre realmente o risco de achar que se trata de um berro alienígena.

    Felizmente, são terráqueos como nós que estão lutando para romper esse nó górdio atado pelas privatizações. Os chilenos já ergueram a espada de Alexandre e deram um belíssimo exemplo para a América Latina.

     

  • CLIMÃO: “Docente pela Liberdade” da UFMT censura debate

    CLIMÃO: “Docente pela Liberdade” da UFMT censura debate

    Uma docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), integrante do recém-nascido Docentes Pela Liberdade (DPL), causou um verdadeiro “climão” num debate sobre aquecimento global realizado na instituição na semana passada. Dois professores pesquisadores foram expulsos da palestra do climatologista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Ricardo Felício, simplesmente porque demonstraram interesse em fazer perguntas ao final do evento. Os docentes expulsos destacaram que Felício faz parte de uma minoria científica chamada “negacionistas climáticos”. Notadamente financiados por grandes grupos econômicos, esses pesquisadores ganham muito dinheiro para contrapor a grande maioria de cientistas, que alerta para as transformações climáticas causadas pela exploração desenfreada do meio ambiente pelos seres humanos.

    “Fomos muito bem recebidos na entrada, falaram que não havia nenhuma restrição, podíamos entrar sem fazer a inscrição, sem assinar a lista. Então nós entramos e ficamos tranquilos, ouvindo a palestra, como em todo evento acadêmico que a gente vai. Em determinado momento, nós perguntamos para uma menina da organização se haveria espaço para perguntas, e ela respondeu que sim. Em questão de minutos veio essa professora, já com tom repreensivo, dizendo que não haveria espaço para perguntas, que seriam apenas três, destinadas a estudantes dos cursos de Zootecnia, Agronomia e Veterinária. Eu disse que era estudante do doutorado, mas ela se estressou, disse que não e perguntou se nós queríamos conversar com ela fora do evento”, contou um dos professores, egresso do doutorado em Ecologia e Conservação da Biodiversidade da UFMT.

    Um dos professores ignorou o ato repressivo e continuou assistindo a palestra, que, embora tenha sido anunciada como uma atividade da Semana de Agronomia da UFMT, constava também como parte da programação do Circuito Universitário promovido pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) entre os dias 14 e 31/10. Pelo sexto ano seguido, a associação realiza o evento em inúmeras instituições de ensino superior. Este ano, o circuito, denominado “Aquecimento Global: mito ou realidade?” foi realizado em Diamantino, Nova Xavantina, Cuiabá, Várzea Grande e Campo Novo do Parecis e, na próxima semana, deverá ser apresentado também a futuros profissionais em Sinop, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum e Tangará da Serra.

    “Meu colega ficou no auditório, mas eu pensei um pouco e aceitei sair para conversar com a professora. Lá fora ela ficou ainda mais alterada, disse que estávamos tumultuando o evento. Eu respondi que nós estávamos numa universidade pública, e ela disse que a universidade é pública, mas nada é de graça, que ‘eles’ estavam pagando. Essa discussão durou entre cinco ou dez minutos. Mas como eu estava com meu filho, fiquei preocupado, peguei ele lá dentro e fui embora”, explicou o pesquisador censurado.

    O colega, no entanto, permaneceu no evento, mas o “climão” estava instalado. “Nós fomos rechaçados pela organizadora principal da palestra, que é professora da Agronomia. Ela disse ‘aqui não terá debate, vocês não farão polêmica. Apenas estudantes da Agronomia, Zootecnia e Veterinária poderão fazer perguntas’. Eu ignorei, mas ela saiu e foi conversar com o meu colega. Quando a exposição do Felício acabou eu fui tentar dialogar com a coordenação, mas fui barrado na sala da organização por estudantes da Agronomia, que disseram que a professora estava ocupada. Aí retornei ao espaço para assistir às perguntas feitas pelos estudantes. Nesse momento eu ouvi várias pessoas da organização falando para chamarem a segurança e apontando para mim. Foi um conhecido da Aprosoja que impediu que isso fosse feito, porque ele nós trabalhamos em outras atividades no Ministério Público”, afirmou o segundo professor censurado.

    Irresponsabilidade acadêmica

    “Ricardo Felício tem uma dialética boa, mas o currículo não é bom. Por exemplo, ele usa um mapa interessante desenvolvido por um Laboratório da NASA, mas pegando apenas uma parte, o espaço que mostra a variação da quantidade de carbono na atmosfera. Esquece de incluir – esquece, entre aspas – o final do gráfico, a parte dos últimos anos, em que há um aumento abrupto da temperatura. É o finalzinho, só os últimos anos, mas ele não usa esse finalzinho do gráfico. Ele utiliza meios argumentos, não expõe toda a opinião da comunidade científica que está disponível em milhares de publicações”, afirmou um dos professores.

    Para a comunidade acadêmica, a abordagem científica de Felício representa, antes de tudo, um risco. “Existem dados reais do Paleoclima [estudos e reconstituições do clima num determinado período da pré-história] que falam de temperatura mais altas do que as que enfrentamos hoje. Mas há várias contra argumentações. Não que a gente quisesse fazer todas elas na palestra, mas é muita irresponsabilidade dele vir aqui dizer que não precisa haver nenhuma preocupação por parte do setor produtivo, porque o clima vai esfriar. Nós filmamos o final da palestra. Ele diz ‘podem ficar tranquilos, vai esfriar’. Isso é uma irresponsabilidade acadêmica muito grande, porque não existe essa tranquilidade por parte da maioria da comunidade científica. Até porque, se a grande maioria que alerta para a questão climática estiver errada, não vai acontecer nada. Nós seremos, no máximo, mais eficientes na produção de alimentos, no uso de fontes energéticas. Mas e se ele estiver errado? Vai ser o caos! Isso é uma irresponsabilidade acadêmica, e esse é o ponto mais importante”, alertou o professor.

    Há várias contra argumentações da comunidade científica às teorias utilizadas pelos negacionistas climáticos, não só nas revistas especializadas, mas também em outros dispositivos da web.  O professor titular da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Alexandre Araújo Costa, por exemplo, doutor em Ciências Atmosféricas, fez uma série de vídeos no youtube respondendo ponto por ponto dos argumentos do Ricardo Felício. Clique aqui para assistir.

    Que liberdade querem os “Docentes pela Liberdade”?

    O conceito de liberdade é uma disputa política histórica. O fato é conhecido e discutido em diversos espaços, especialmente nas universidades, instituições que têm o objetivo de observar, antes de tudo, as relações sociais cotidianas. A questão é: “liberdade” não se materializa automaticamente quando alguém reivindica a palavra. Para que ela exista, de fato, é preciso diferenciar a aparência da essência, a teoria e a prática. E é preciso qualificar o que significa liberdade.

    Para os liberais, a liberdade sempre foi um problema, a partir do argumento de que muita liberdade pode provocar “instabilidades no sistema”. Por isso, a necessidade do controle, da censura, de limitar a liberdade principalmente de participação nos espaços políticos. Por isso o medo da educação, das universidades públicas, dos movimentos organizados de estudantes e trabalhadores que, ao contrário, priorizam os debates, a contraposição de ideias, os direitos sociais, o coletivo, o bem estar de todos e não apenas o individual.

    Os professores expulsos do evento sobre clima destacaram outras atitudes semelhantes de membros do DPL. “Um aluna residente do Hospital Veterinário está processando uma professora por agressão, saiu na imprensa. O nome não foi divulgado, mas todos sabem que a professora também é do DPL. Um outro professor conservador, que gosta de discutir crise moral e falência ética, é conhecido na universidade pelo perfil autoritário, chega a ser hipócrita. Ou seja, já são três docentes de um grupo minúsculo com esse perfil. Eu jamais iria a esse espaço fazer polêmica. Nós queríamos qualificar o debate, principalmente porque o público que estava lá será de grande importância como força intelectual-técnica da produção agrícola do Brasil nos próximos anos. Os questionamentos seriam mais dirigidos ao senso crítico do público. Que o Ricardo Felício trabalha para o grande capital nós já sabemos, mas nós achamos que é possível atrair jovens para um pensamento de sustentabilidade e preocupação com os limites ecossistêmicos em espaços como esses”, afirmou o segundo professor.

    O caso, que parece isolado, ressaltou uma discussão acerca do perfil dos conservadores de direita que integram o DPL. Os docentes pela liberdade defendem uma liberdade parcial, restrita. Uma liberdade de mercado, reservada a indivíduos que podem pagar ou comprar o que querem. Assim, questionamentos, pontos de vistas diferenciados, pensar o coletivo antes do individual são perspectivas que não cabem.

    Em julho deste ano alguns, quando o DPL foi lançado em Mato Grosso, alguns membros do grupo apareceram na foto oficial posicionando as mãos como se fossem armas. A apologia à violência gerou mais polêmica do que o anúncio da associação em si, pois os grupos liberais conservadores de direita mobilizam não só cursos e pesquisas com sua perspectiva ideológica, mas até grupos cristãos de orações dentro da universidade – que, em tese, é laica.

     

    Por: Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

     

    Matéria original em: https://www.adufmat.org.br/portal/index.php/comunicacao/noticias/item/4203-climao-docente-pela-liberdade-censura-debate-sobre-aquecimento-global-na-ufmt?fbclid=IwAR0DPigwsJyMo-tw_q6YtNSeGc_pP2mgZiPU7dl-dj7gPcoSGIhclOpTpxw

  • Direita de Israel sofre revés

    Direita de Israel sofre revés

    Foto: Lucas Martins/Jornalistas Livres

     

    Nessa segunda-feira, o líder do Likud (partido conservador israelense), Benjamin “Bibi” Netanyahu, renunciou ao cargo de primeiro-ministro.

    Netanyahu, que durante dez anos seguia no comando do Estado de Israel e que ficou conhecido internacionalmente pela posição linha-dura em relação à questão palestina, já havia sofrido um revés considerável nas eleições legislativas de setembro, quando não conseguiu formar maioria parlamentar, o que impossibilitou o arranjo de um novo governo.

    Com a renúncia de “Bibi” o presidente Reuven Rivlin passa a responsabilidade de conseguir costurar uma coalização parlamentar capaz de formar maioria no Knesset (Assembleia israelense) para o líder oposicionista Gal. Benny Ganz, da Coligação Azul e Branco, mais moderada, e que possui o apoio do Partido Trabalhista e da maioria dos membros da Lista Conjunta Árabe (representante dos cidadãos não-judeus de Israel). Caso Ganz não consiga levar a cabo a missão, Israel pode voltar às urnas pela terceira vez em apenas um ano, o que evidencia a profunda cisão entre ultra-ortodóxos, árabes, moderados e pacifistas na política e sociedade israelense.

    A derrota de ontem marcada pela capitulação de “Bibi” Netanyahu após uma década no poder, respinga em Bolsonaro. Netanyahu, que se vê às voltas com denúncias sérias e indiciamento judicial em casos de fraude, suborno, recebimentos indevidos e manipulação de notícias, era o único líder mundial de vulto que apoiava incondicionalmente o mandatário brasileiro. Assim, cresce o isolamento internacional de Bolsonaro que, por hora, faz turismo no Japão.