Jornalistas Livres

Categoria: Feminismo

  • 200 mil mulheres e dissidências debatem realidade possível no 34º Encontro na Argentina

    200 mil mulheres e dissidências debatem realidade possível no 34º Encontro na Argentina

     

    Por Fernanda Paixão, do Coletivo Passarinho, em Buenos Aires

    Com fotos de Vivian Ribeiro e Nuria Alvarez

     

     

    O que não se nomeia, não existe.

    Essa máxima atravessou os debates do 34ª Encontro Nacional de Mulheres, evento anual em que se encontram mulheres e dissidências em uma cidade diferente da Argentina a cada edição. Cerca de 200 mil participantes conformaram o Encontro e habitaram a cidade de La Plata neste último fim de semana, durante os dias 12 a 14 de outubro. E se a questão da linguagem  e a importância de nomear como um ato político foi uma constante nesse Encontro, o desfecho desta 34ª edição pode ser considerado exitoso: a partir de agora, o grito uníssono é por um Encontro Plurinacional de Mulheres, Lésbicas, Trans, Travestis, Bissexuais e Não-Bináries.

     

    O que melhor caracteriza os encontros são a coletividade organizada e afetiva e a participação popular, tanto nas inúmeras atividades e marchas nas ruas e nas praças quanto nas dezenas de grupos de discussão nas universidades e escolas sobre temáticas que interpelam às diversidades. Não é à toa que conta, em grande parte, com cobertura colaborativa: o encontro massivo de mulheres e dissidências de diversas nacionalidades debatendo para construir perspectivas e repensar propostas políticas e combater o patriarcado capitalista heteronormativo parece não ser fato noticioso para as grandes mídias argentinas.

     

     

    Das divergências

     

    Apesar de ser organizado horizontalmente, há uma forte divisão na comissão organizadora entre as que querem manter o nome original, desde sua primeira edição, em 1986, e entre quem segue a campanha “Somos Plurinacional”, que defende a mudança oficial por um nome mais inclusivo e democrático. Dessa forma, estariam nomeadas, devidamente representadas e com suas existências reivindicadas xs migrantes, os povos originários e as dissidências sexuais.

     

    Portanto, um evento tão abrangente em seu conteúdo é permeado por embates partidários e posturas obsoletas que reproduzem as práticas patriarcais que são denunciadas pelas próprias diversidades que participam e compõem os encontros. As grandes divergências que geram os conflitos centrais do Encontro são derivados de uma lógica que a maioria que os conforma quer combater: o conservadorismo, o pensamento colonizador, a opressão do capitalismo e do patriarcado. Em diversos grupos de debate e nos discursos nas praças foi enfatizado categoricamente que o que não se nomeia, não existe. Nomear –ou escolher não nomear– é um ato político.

     

    A cada Encontro fica mais claro que as concepções de “mulher” e “nacional” ficaram no tempo, e não correspondem ao que se dá a cada ano. A comissão organizadora liberou comunicados que deixavam clara a divergência, fincando a bandeira do “Encontro Nacional de Mulheres” como um “nome histórico” referente ao evento. A campanha Somos Plurinacional defende, por sua vez, que a ideia de “nacional” exclui xs migrantes e povos originários e a palavra “mulher” reforça o binarismo patriarcal que não dá conta das diversidades que conformam o encontro. Ainda assim, há um segundo nível de debate, já que os povos originários não seguem a ideia de Estado e, portanto, não se veem unanimemente representados no termo “nação” e, por outro lado, as chamadas dissidências também rechaçam a invisibilização de sua autenticidade ao serem agrupados em um termo tão abrangente e que acaba se esvaziando.

     

     

    Xs silenciadxs tomam a palavra

     

    Muito ainda há que se debater. Nesse aspecto, o Encontro é um espaço extremamente fértil: foram 114 grupos de discussão com temáticas urgentes, essenciais para construir novas maneiras de pensar, de descolonizar os corpos e as mentes, de relacionar-se unxs com xs outrxs a partir de um lugar novo. Em 2019 deu-se o primeiro grupo temático sobre pessoas não-binárias que, como muitos outros, teve que de desdobrar em dois, três ou quatro salas. Nos encontros também é onde se percebe a demanda que existe por certos temas. Na abertura do segundo dia de discussão, x mediadorx abriu a sessão esclarecendo a importância da mudança oficial do nome do Encontro, porque “o que não se nomeia, não existe”, e que ficava determinado uso da linguagem inclusiva em todo o âmbito da discussão. “Se alguém errar, tudo bem, estamos em desconstrução. É só se corrigir e seguir”, pontuou.

     

    A palavra tem peso e um enorme valor nesse contexto de encontro. Todxs estão em desconstrução e em constante reflexão ao mesmo tempo que promovendo mudanças sociais, seja em um âmbito macro ou micro. A palavra é política, o pessoal é político. Os relatos pessoais compartilhados, gatilhos de lágrimas, sorrisos de cumplicidade e abraços de contenção e por identificação se unem aos questionamentos de falta de representatividade institucional, de amparo legal, de políticas públicas, de direitos sobre o próprio corpo e poder de decisão.

     

    No ato político de tomar a palavra e reivindicar existências, há um movimento de descolonização do pensamento também em relação às próprias formas de relacionar-se afetivamente. Os grupos de discussão desta temática se desdobraram em pelo menos seis grupos, em salas lotadas. Predominaram reflexões sobre formatos de relacionamento, sobre o próprio desejo, o autoconhecimento, sem as amarras e etiquetas sociais, vinculados à responsabilidade afetiva.

     

    Através da fala e da escuta, em um grande e coletivo processo de empatia e compartilhamento, se constroem sentidos e se geram novos pontos de vista. Em um depoimento emocionado no grupo de não-bináries, umx jovem profundamente tocadx por ter em volta a tantas outras pessoas com quem se podia identificar, enfatizou: “Só conheço a uma pessoa não-binária, e na minha cidade é muito difícil, são muito conservadores. Criem laços de confiança, se apoiem, conversem com essas pessoas. É muito importante.”

     

     

    Apesar dos desencontros

     

    Superando as censuras e os inúmeros problemas logísticos do evento  em La Plata, entre dias de chuva e frio, a atmosfera de encontro e coletividade encheu as ruas. Nesses dias de encontro, predomina a realidade de uma vida possível, as ruas repletas de cânticos no lugar do medo, com debates construtivos e a potente vontade de construir um mundo igualitário.

     

    No sábado, primeiro dia do 34º Encontro, a abertura dos grupos de discussão foi seguida de uma marcha contra os travesticídios, que já expressava a notável quantidade de participantes reunidxs para esta edição. Diversas atividades culturais fecharam a primeira noite e, no domingo, deu-se continuidade aos grupos de discussão para, depois, fechar as conclusões que seriam lidas no palco do Estádio Ciudad, no dia seguinte. A tarde de domingo foi reflexo do poder da coletividade, em rádios abertas, apresentações artísticas e assembleias nas praças, banhadas pela luz do sol inesperado em um fim de semana inteiro previsto com chuvas torrenciais.

     

    O Encontro foi, e continua sendo, um grande transformador da história do movimento feminista argentino há 34 anos, com poucas iniciativas comparáveis em outros territórios. Dele, nasceu a campanha pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, de grandes proporções e visibilidade internacional – que quase culminou na aprovação da lei no ano passado, em 2018.

     

    O desfecho foi igualmente uma mistura de tensão e comemoração. Os portões abriram uma hora mais tarde, o que provocou um alvoroço de uma multidão correndo para ocupar o espaço de audiência do estádio. Os agrupamentos políticos levavam enormes bandeiras e lutavam por posicionar-se o mais próximo possível do palco. A confusão resultou em pessoas machucadas, algumas caíram com os empurrões, e, outra vez, um clima anti-sororidade contradisse o propósito do Encontro.

     

    Mas o ponto alto do conflito no evento de fechamento foi a tentativa de impedir o inevitável: o grito em uníssono pela mudança oficial do nome do evento. O público cantava em coro, enquanto integrantes da campanha Somos Plurinacional eram impedidas de falar a respeito no microfone do palco, dedicado, naquele momento, à leitura das conclusões de cada grupo de discussão.

     

    Ao passarem com dificuldade por uma barreira de algumas integrantes da comissão organizadora contrárias à mudança do nome, as jornalistas Claudia Vasquez Haro, professora e militante trans, e Zulema Enríquez, quechua  e também docente, anunciaram o caráter inclusivo do evento e a mudança do nome, apoiadas por uma multidão que não deixava de soar o cântico “plurinacional e com as dissidências”. Por aplausômetro, ficou decidido que o encontro era plurinacional e das dissidências, da mesma forma que assim se decidiu a próxima sede do Encontro: na província de San Luis.

     

    “Estamos muito felizes de poder abarcar todos os corpos que habitam esse espaço”, disse Claudia, em entrevista após o anúncio do novo nome. “Isso mostra que temos um feminismo potente, que reúne todas as diversidades, a pluriculturalidade e expressões de forma horizontal. Todas as particularidades que temos, de diferentes mulheres, feminidades e corpos dissidentes, faz o movimento feminista na Argentina ser o mais potente da região latino-americana e caribenha. Estamos felizes que essas questões foram discutidas em todos os grupos de debate, pelas redes sociais, na mídia, e que esse 34º Encontro termina sendo plurinacional.” No palco, Zulema enfatizou: “O feminismo não é mais branco e europeizado, os feminismos são favelados, indígenas, comunitários, trans e travestis, são afro, são do povo.”

     

    A mensagem final deste encontro pode ser lida como um chamado a seguir discutindo, questionando e transformando, até encontrar palavras que correspondam, para dar sentido e linguagem ao movimento das bases e dos pensamentos que, na prática, já está acontecendo. A linguagem é construção e um preciso reflexo da nossa expressão.

     

  • Damares ataca reportagem sobre aborto seguro recomendado pela OMS

    Damares ataca reportagem sobre aborto seguro recomendado pela OMS

    Não basta defender cadeia de no mínimo um ano para qualquer mulher que, simplesmente dona de seu corpo, queira interromper uma gravidez indesejada no Brasil. Não basta ignorar que uma brasileira morre a cada dois dias por complicações de abortos inseguros segundo o Ministério da Saúde. Não basta sequer fechar os olhos para a o fato de que são as mulheres pobres e vulneráveis que padecem nessas condições por aqui – o que transforma o procedimento seguro em mais um privilégio dos ricos. Em sua nova cruzada anti-feminista, Damares Alves, a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, quer privar a população do acesso à informação confiável sobre como evitar os riscos de morte ou as sequelas de um aborto inseguro.

    Na sexta-feira, dia 20 de setembro, a ministra se pronunciou, pelo Twitter, contra a reportagem “Como é feito um aborto seguro?”, de autoria da repórter Helena Bertho, publicada na revista feminista digital AzMina, que também reproduzimos neste post dos Jornalistas Livres para difundir ainda mais o conteúdo. A matéria é fundamentada em informações públicas sobre os protocolos médicos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e conta como o procedimento foi realizado, a partir dessas diretrizes, pela estudante de direito Rebeca Mendes, 32 anos, em uma clínica na Colômbia, onde o aborto é legalizado.

    Pelo twitter, Damares chama de apologia ao aborto reportagem com as recomendações da OMC (reprodução)

    Realizamos o trabalho jornalístico de transmitir informações sobre saúde pública, de uma fonte confiável que é a OMS.” (Revista AzMina)

    Damares não gostou. Na rede social, avisou que encaminhou o caso às autoridades em uma denúncia. De acordo com a ministra, “liberdade de expressão é uma coisa. Isso aí é apologia ao crime e pode matar meninas e mulheres”. A ministra não mencionou, porém, que os dados da reportagem, assim como o procedimento realizado ou mesmo o nome de medicamento utilizado e a dose indicada para a colombiana Rebeca, são informações de acesso público e em português constam no documento “Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde”, como bem lembrou a revista. “Realizamos o trabalho jornalístico de transmitir informações sobre saúde pública, de uma fonte confiável que é a OMS.”

    Damares busca criminalizar o jornalismo e o ato de informar. Parece tentar usar o sistema penal e a máquina pública para impedir que pensamentos diferentes dos dela sejam divulgados” (André Lozano, mestre em Direito Penal, IBCCRIM)

    O documento de divulgação mundial foi criado para direcionar as políticas públicas nos países que permitem a interrupção da gravidez e conta orientação técnica para abortamento seguro que trata de tudo: desde os procedimentos para a interrupção até orientações sobre contracepção que devem ser dadas à mulher após o procedimento.

    A reportagem ainda explica que a colombiana tentou na Justiça o direito de fazer o procedimento no Brasil, mas teve seu pedido negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, por isso, buscou ajuda para fazer o aborto no exterior. “Na época, Rebeca tinha um emprego temporário, fazia faculdade com bolsa e já criava sozinha seus dois filhos. Sem condições para bancar a viagem, ela teve a ajuda de uma organização internacional”, esclarece a matéria, que além dos dados da OMS traz entrevistas com profissionais da área médica e investiga o contexto do aborto no Brasil.

    USO DA MÁQUINA PÚBLICA PARA CRIMINALIZAR O JORNALISMO

    Para o mestre em direito penal André Lozano, a reportagem deixa evidente que aborto, via de regra, é proibido no Brasil e explica as exceções e os procedimentos adotados para fazer o aborto legal por aqui. “O que a Damares busca é criminalizar o jornalismo e o ato de informar. Ela parece tentar usar o sistema penal e a máquina pública para impedir que pensamentos diferentes dos dela sejam divulgados”, diz o especialista, que é coordenador do laboratório de ciências criminais do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), centro de referência de ciências criminais que há 22 anos posiciona-se como entidade não-governamental, sem fins lucrativos, de utilidade pública e promotora dos Direitos Humanos.

    O mais correto, diz Lozano, é realizar “o arquivamento imediato da denúncia feita pela Damares, pois não há indício de crime”. Se houver investigação, esclarece, há a possibilidade de arquivamento após investigações ou oferecimento de uma denúncia pelo Ministério Público. “Nesses casos me parece que se estaria usando a máquina pública e os órgãos de persecução penal de maneira irregular, talvez um aparelhamento das instituições, como a polícia e Ministério Público, uma vez que quando não há indícios de crime não podem ocorrer investigações pois além de causar constrangimento ilegal a um cidadão, há gastos públicos injustificados.”

    Não é apologia ao aborto. É informação de saúde pública que já existe e está disponível, nós apenas organizamos.” (Helena Bertho, repórter AzMina)

     

    A repórter Helena Bertho levou dois anos para se preparar para a reportagem e, por sua vez, reitera que tudo o que está na matéria são recomendações da OMS sobre aborto seguro e também sobre como é feito o aborto quando é legal. “Quais são os procedimentos? E os remédios? As doses? Os efeitos esperados? Quais os sinais de alerta? Não é apologia ao aborto. É informação de saúde pública que já existe e está disponível, nós apenas organizamos.”

    Como era de se esperar, houve internautas que responderam à publicação com ameaças de processo e ofensas, e chegaram a divulgar dados pessoais de uma das mulheres da equipe. Sobre a denúncia de Damares, diz a revista, “está em seu direito, como qualquer cidadão, isso faz parte da democracia. Seguiremos fazendo jornalismo responsável e defendendo os direitos das mulheres.”

    Para saber mais:

    A Revista AzMina é um veículo independente, financiado por pessoas físicas e fundações que apoiam os Direitos Humanos. O ataque representa risco para a existência do veículo e abre mais um precedente contra a liberdade de toda a imprensa brasileira. Para ajudar, divulgue a reportagem , marcando AzMina nas redes sociais e seja um  apoiador da Revista.

     

    Como é feito um aborto seguro?

  • Empresária cria bonecas negras para vender e enfrenta o racismo no mercado de brinquedos infantis

    Empresária cria bonecas negras para vender e enfrenta o racismo no mercado de brinquedos infantis

    Era uma vez uma mãe de uma criança que não conseguia encontrar, para o filho recém-nascido, brinquedos em que o bebê pudesse se identificar. Nas lojas, só encontrava bonecos e personagens brancos. Não havia brinquedos em que as crianças negras pudessem se ver. “Eu senti falta de produtos no mercado que me atendessem desde quando eu estava esperando meu filho”, conta. A partir daí, com o auxílio do marido, ela começou a produzir os próprios brinquedos e itens decorativos para o pequeno Matias. De casa, passou a usar no trabalho até que decidiu criar sua própria empresa para vender os produtos e, assim, nasceria a “Era uma vez o mundo”.

    O caso que pode se aplicar à história de diversas mães negras do país foi a forma que a empresária carioca Jaciana Melquiades, 35 anos, encontrou de modificar o mundo para o próprio filho. “Eu comecei a fazer algumas coisas, já tinha algumas habilidades manuais e comecei a fazer coisas decorativas para o quarto dele. Fiz bonequinhos e várias outras coisas ao longo da vida dele, desde quando era bebê. Eu e o pai dele fizemos isto para compor o universo infantil dele”.

    Do quarto do menino, a ideia se expandiu. “Daí veio um start para a gente começar a usar esses produtinhos nas nossas oficinas que a gente fazia em escola. Meu ex-marido, que hoje é meu sócio, era professor. Ele trabalhava em escola de educação infantil e eu fazia atividades com o coletivo do qual faço parte que é o ‘Meninas Black Power’. E aí eu comecei a usar esses produtos que a gente fazia para o meu filho nas oficinas com as crianças”, lembra.

    Das oficinas, professores e amigos passaram a fazer encomendas. “Comecei a achar que talvez desse para ganhar uma grana, sem muitas pretensões. Em 2013, eu abri uma e-commerce para vender as coisas que eu fazia e compartilhava com outros professores e acabou dando certo”.

    Antes de ter o filho, quando ainda estava na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) cursando História, Jaciana havia decidido contar sua experiência enquanto jovem negra no Ensino Superior em um blog, intitulado “Era uma vez o mundo”. Na nova empreitada comercial, decidiu carregar o nome do blog.

    “Era uma vez o mundo foi criada em 2013. Só que os nossos objetivos começaram a ser perseguidos a partir de 2017. Foi quando eu comecei a me dedicar exclusivamente a este trabalho e desenvolver a marca como uma empresa mesmo. Comecei a estudar negócios. Fiz um MBA em gestão de negócios. Começamos a nos inscrever em processos de aceleração também”, acrescenta a empresária.

    “Brinquedos afirmativos” – Em entrevista para o Portal Mídia 4P, ela afirma que o objetivo foi se firmar no mercado como uma empresa referência em brinquedos afirmativos. “É a nossa proposta. Ser reconhecidos em território nacional como uma empresa que cria representatividade a partir dos brinquedos para crianças”.

    Na trajetória, no entanto, houve percalços. Jaciana conta que, ao botar as bonecas negras nas ruas, o racismo reagiu. Muitas pessoas não conseguiam e ainda não conseguem enxergar os produtos da empresa como mais um a disputar o mercado. “O principal obstáculo hoje para colocar a empresa para funcionar tem a ver com o racismo. À medida que a gente consegue aumentar nossa cartela de clientes, a gente também recebe, em contrapartida, certa resistência de outro grupo que não consegue entender a necessidade, por exemplo, de uma loja que venda bonecas negras”.

    Ela cita uma pesquisa da ONG Avante em que ficou evidenciado que atualmente no mercado apenas 7% das bonecas são negras. “É obvio que a gente está falando de uma sociedade racista, que não consegue ver o porquê da pessoa negra querer existir e querer ser representada. Então, a gente acaba sofrendo algumas represálias, alguns ataques por conta desse nosso posicionamento de tentar balancear o mercado”, acrescenta. A falta de dinheiro para investir no projeto também dificultou, no início. “O dinheiro acaba não sendo o problema maior quando a gente tem que administrar o racismo no qual a gente está inserido”.

    Diversificado – Há alguns anos, a empresária passou a realizar atividades educativas em oficinas para crianças e professores, além de palestras em universidades e ambientes corporativos, falando de infância, educação e racismo. Na loja física, no centro do Rio de Janeiro, ela vende bonecas, bonecos e livros de panos. Até o final de 2020, outros produtos serão lançados como jogos, cabanas para crianças e o EBAA – Espaço de Brincadeiras Artesanais Afroreferenciadas.

    “O EBAA é uma série de atividades referenciadas em brincadeiras africanas. A gente leva para a escola e, dentro dessa brincadeira, a gente desenvolve conceitos filosóficos africanos de uma forma lúdica e cooperativa. São conceitos importantes para a gente trabalhar uma sociedade menos desigual”, adianta a empresária para o Mídia 4P.

    Na empresa, ela conseguiu desenvolver uma linha de produção. Há quatro pessoas trabalhando na produção dos itens: A boneca Dandara, o boneco Zambi e o Pequeno Príncipe Preto. Até o final deste ano, outras três bonecas serão lançadas: as amigas da Dandara. Os produtos são vendidos também no site e em seis lojas colaborativas – cinco no Rio e uma em São Paulo. No total, são produzidas 400 bonecas por mês.

    Educação – Para ela, os produtos, assim como peças teatrais com negros, livros com personagens negros, contribuem para a educação de crianças negras e brancas. “Tudo isso cria um universo possível para uma criança, seja negra ou branca. Uma criança branca tem acesso a personagens negros nos diversos formatos começa a entender que pessoas negras estão em diversos lugares da sociedade. Ela começa a entender que a pessoa negra não necessariamente vai ser a empregada dela. Vai ser outras coisas também”, pontua.

    Já para as negras faz com que as crianças se vejam com referências positivas. “Eu cresci me vendo de um jeito muito negativo. Tudo que aparecia sobre uma pessoa negra era ruim. Ou eu era a escrava na novela ou era a empregada maltratada. As crianças, quando brincávamos de casinha, não queriam entender que eu também tinha uma casa. Queriam que eu fosse a empregada. Ninguém queria ser o pai comigo”. Ela diz que o brinquedo, o livro, o personagem negros servem para romper com esse imaginário e permite ampliar o lugar do negro. “Nosso lugar é em qualquer lugar”.

    Jaciana conta, ainda, que, na infância, não tinha noção da falta de representatividade da população negra. “Quando criança, eu queria ganhar a Barbie porque era o que tinha. Eu não vim de família de pessoas militantes. Eu sabia que era uma menina negra e sabia que eu era bonita. Isso era repetido dentro da minha casa, mas o meu entorno não dizia isso. Meus brinquedos não me diziam isso. A TV não me dizia isso”.

    Diante da falta de referências negras, ela cresceu se achando feia. Mas a maternidade mudou sua trajetória. “Tive vários encontros incríveis. Entrei para o coletivo Black Power e comecei a entender que as minhas referências é que estavam equivocadas. E criar um mundo onde meu filho coubesse me abriu os olhos de um jeito muito positivo”. Hoje, ela quer que mais crianças, além do próprio filho, acessem “essa liberdade de poder ser e se ver nos espaços e se achar bonito e potente”.

  • Semeando a Resistência: Mulheres de Mato Grosso se preparam para o encontro nacional do MST

    Semeando a Resistência: Mulheres de Mato Grosso se preparam para o encontro nacional do MST

    Texto e fotos por Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com – Especial para os Jornalistas Livres

    Depois do grande sucesso da última Marcha das Margaridas, que reuniu mais de 100 mil trabalhadoras rurais em Brasília na primeira quinzena desse mês, agora é hora de preparar o I Encontro Nacional de Mulheres Sem Terra, marcado para os dias 22 a 26 de novembro no Pavilhão do Parque da Cidade, também na Capital Federal. Na última terça, 27 de agosto, professoras, ativistas e lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra de Mato Grosso fizeram sua terceira reunião preparatória numa sala do Instituto de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Nesse momento estão ocorrendo algumas ações para levantar o dinheiro suficiente para transporte e alimentação das participantes. A primeira é um acordo com a Cia D’Artes do Brasil para uma apresentação no próximo dia 20 de setembro da peça teatral Cafundó – Onde o vento faz a curva, de Amauri Tangará, no Cine Teatro, com renda revertida para o MST. Também está prevista uma feijoada comunitária mas a data ainda não foi definida.

    Uma das principais preocupações das mulheres matogrossenses é o feminicídio, já que o estado possui atualmente o maior índice do país, com 4,6 assassinatos por 100 mil mulheres, segundo levantamento de 2018. De acordo com a polícia civil da capital, Cuiabá, somente na região metropolitana houve um aumento no ano passado de 38% em relação a 2017 e 21 casos no primeiro semestre desse ano em todo o estado. Já a Comissão Pastoral da Terra – CPT, alerta que 28 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais sofreram algum tipo de violência no campo ano passado. Dessas, muitas são mulheres, já que o número de famílias acampadas (portanto sem o título da terra) saltou de 96 em 2017 para 474 em 2018. “Temos várias mulheres, sozinhas ou com crianças, em assentamentos, sem a presença da figura masculina”, contou Elizabete Flores, ativista da CPT em reportagem para o RDNews em maio (https://www.rdnews.com.br/cidades/conteudos/113477). Comumente, elas foram abandonadas ou decidiram deixar uma vida na qual eram vítimas de violência”.

    Outra preocupação é o avanço das queimadas no estado, que até o dia 21 de agosto acumulava 13.682 focos de calor acumulados no ano, conforme levantamento do Instituto Centro da Vida com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, superando todos os outros estados da nação. A maioria dos incêndios, 60%, ocorrem em áreas privadas, muitos sobre mata nativa para o aumento da exploração pecuária. No entanto, 16% são em áreas indígenas. Tanto trabalhadores rurais pobres e sem terra quanto indígenas e quilombolas estão na alça de mira de latifundiários, com apoio, às vezes explícito mas agora mais discreto, do governo federal. Lutar por mais demarcações e mais assentamentos da reforma agrária, que trabalham com agricultura agroecológica sem depredar o meio ambiente, é uma das prioridades das mulheres do MST.

  • Cultura e política marcam festival Elas por Elas em Natal

    Cultura e política marcam festival Elas por Elas em Natal

    Júlia Carvalho I Agência Saiba Mais 

    Único estado do país governado por uma mulher, o Rio Grande do Norte foi escolhido para sediar o festival Elas por Elas, que acontece entre os dias 2 e 4 de agosto, na Praça da Árvore, no bairro de Mirassol, Zona Sul da capital potiguar. Toda a programação é gratuita e aberta ao público.

    O projeto é executado pela Secretaria Nacional de Mulheres do PT em parceria com as secretarias estaduais do partido e guiado pela defesa do avanço da igualdade de gênero e empoderamento feminino. Nas eleições do ano passado, a iniciativa ofereceu suporte para que as candidatas participassem da disputa com condições reais, além de oferecer formação política e de comunicação para as candidatas.

    O empenho do Elas por Elas trouxe resultados. No pleito, a maioria das mulheres eleitas em 2018 é do Partido dos Trabalhadores. No total, foram 34 mulheres, sendo 10 deputadas federais, 21 estaduais, duas vice-governadoras e a única governadora do país, Fátima Bezerra, chefe do executivo aqui no estado do Rio Grande do Norte. A representatividade na eleição de Fátima fez que o estado fosse escolhido para sediar o evento.

    O Brasil é um dos piores países do mundo em representatividade de mulheres na política, com uma porcentagem ínfima de 10,7% dessas representantes no parlamento.

    Rio Grande do Norte foi o estado escolhido por ser o único do país governado por uma mulher

    A construção do festival contou com etapas regionais em que cada estado percorrido ganhou uma banca avaliadora para escolher uma comida típica, uma atividade cultural, um artesanato local e um poema ou poesia com o tema Lula Livre, que devem ser apresentados no festival nacional, que inicia nesta sexta.

    A programação do evento vai contar com atrações artísticas, mostra de filmes, desfile, teatro, mesas temáticas, oficinas, debates e palestras. Entre as artistas, estão nomes como Marina Lima, Barbara Eugênia, Josyara e As Bahias e a Cozinha Mineira.

    Durante o evento estão sendo aguardadas as presenças da presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, da Secretária Nacional de Mulheres Anne Karolyne, da deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ), da deputada Natália Bonavides (PT/RN), bem como da governadora Fátima Bezerra (PT/RN). A expectativa é de que delegações de todos os cantos do país participem do festival.

    PROGRAMAÇÃO

    A cantora e compositora Marina Lima é uma das atrações do festival Elas por Elas

    Dia 02.08 (Sexta-feira)

    19:00 – Abertura com apresentações artísticas dos estados

    20:00 – Elas Dançam com Lenna Beauty (CE)

    20:30 – Mesa de Abertura -“Elas por Elas: mudando o curso da história”

    Dia 03.08 (Sábado)

    09:00 – Apresentações artísticas estaduais

    10:00 – Mesa 2: Mulher, cultura, arte e poder

    12:00 – Apresentações artísticas estaduais

    14:00 – Apresentações de Poesia

    14:30 – Oficinas

    16:00 – Mesa 3: Comunicação e disputa da narrativa

    18:00 – Apresentações artísticas estaduais

    Peça: “Mulheres Invisíveis” – Grupo Estandarte de Teatro (RN)

    19:30 – Elas Desfilam

    Peça: “Mulheres Invisíveis” – Grupo Estandarte de Teatro (RN)

    20:00 – Monólogo “Os Rastros das Marias” – Cyda Bau (MG)

    21:00 – Peça “Mulheres Invisíveis” – Grupo Estandarte de Teatro (RN)

    22:00 – Elas Rimam: Bex (RN), Preta Rara (SP), e Pretta Soul (RN)

    Trio Trancelim com Elas: Ângela Castro (RN), Bianca Maggi (RN), Tiquinha Rodrigues (RN), Dani Cruz (RN), Luanda Luz (RN) e Isaar (PE)

    Show Elas por Elas: Marina Lima (RJ), As Bahias e a Cozinha Mineira (BA, SP, MG) e Josyara (BA), com apresentação e direção de Bárbara Eugênia (RJ)

    Dia 04.08 (Domingo)

    09:00 – Apresentações artísticas estaduais

    10:00 – Mesa 4 – Trabalho e economia: a mulher construindo sua autonomia

    12:00 – Apresentações artísticas estaduais

    14:30 – Oficinas

    18:00 – Sessão de Cinema:

    “Um filme para Ehuana” – Direção Louise Botkay (RJ)

    “Kbela” – Direção Yasmin Thayná (RJ)

    “Quando elas Cantam” – Direção Maria Fanchin (SP)

    “Diriti de Bdè Burè – Direção Silvana Belini (DF)

    “Corpos Políticos” – Direção MAPE – Mulheres no Audiovisual Pernambucano (PE)

  • Vem aí a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas

    Vem aí a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas

    Via Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

     

    De 09 a 13 de agosto acontece, em Brasília, a Marcha das Mulheres Indígenas, que reunirá 2 mil mulheres dos mais diferentes povos, de todo o Brasil.

    Com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, o objetivo é dar visibilidade às ações das mulheres indígenas discutindo questões inerentes às suas diversas realidades, reconhecendo e fortalecendo os seus protagonismos e capacidades na defesa e na garantia dos direitos humanos, em especial o cuidado com a mãe terra, com o território, com o corpo e com o espírito.

    A realização do encontro foi deliberada durante a plenária das mulheres no ATL em abril de 2019. Desde então lideranças de todas as regiões do país iniciaram o processo de mobilização das mulheres e a captação de recursos para a realização do encontro.

    O encontro será realizado com recurso próprio das indígenas, apoio de organizações parceiras e com as doações arrecadadas nessa vakinha! Sua contribuição é fundamental para garantir a chegada das lideranças até Brasília e a realização do encontro.
    Você também pode colaborar doando milhas de viagens, mantimentos, cobertores e colchonetes para quem está em Brasília. A arrecadação será realizada pela APIB, mais informações em apibbsb@gmail.com

    #MarchaDasMulheresIndigenas #MulheresIndigenas