No dia 21 de agosto, a Folha de S. Paulo publicou um editorial intitulado “Jair Rousseff”. Confesso que poucas vezes vi um texto ser ruim de tantas maneiras diferentes. Como nem todos os graves problemas que traz estão na superfície, é importar ler com uma lupa para aclarar o tamanho da infâmia que tiveram coragem de publicar. Muitas críticas foram feitas, é verdade, mas há tantas coisas a criticar que parece necessário reforçar esse coro.
Infelizmente, o texto não é assinado. É prática corrente no jornalismo brasileiro deixar textos sem assinatura. Essa escolha me parece prudente quando a reportagem aborda um tema sensível e potencialmente capaz de colocar a vida do profissional em risco, sobretudo nesse momento em que o governo federal está envolvido até o pescoço com milícias. Não é o caso desse editorial. A opção pela apocrifia é típica desse tipo de narrativa jornalística que ignora, dentre outras coisas, que a Constituição de 1988 assegura a liberdade de expressão sem endossar o anonimato.
O problema maior é que editoriais não costumam ser assinados porque pretendem ser textos coletivos. A Folha de S. Paulo, por exemplo, define seus editoriais como “o que a folha pensa”, o que compromete seriamente a noção de pluralidade de opiniões e a própria heterogeneidade dos profissionais que trabalham na redação, como se todos pensassem da mesma forma ou fossem reféns de uma forma específica de pensar que os submete por força da hierarquia empresarial. Em outras palavras, são textos que presumem pertencer a todos sem se ligar especificamente a ninguém. Disso surge outro problema: o autor fica escudado, protegido, livre para escrever toda sorte de asneiras sem ser pessoalmente responsabilizado. É uma questão urgente, mas não especificamente ligada à Folha, e julgo que os profissionais de jornalismo deveriam sentir desconforto diante disso e sugerir mudanças no formato.
A proposta do editorial é comparar as políticas econômicas de Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. É importante dizer que todo gesto comparativo é precedido de uma escolha. Como toda comparação pressupõe cotejar semelhanças e diferenças, o autor precisa decidir qual aspecto irá explorar. Nesse caso, optou-se por sustentar que tanto Bolsonaro como Dilma Rousseff elevaram os gastos públicos para pavimentar o caminho para a reeleição. A crítica é direcionada aos programas de assistência social. Ainda que não explicite quais são, o autor que se esconde provavelmente considerou o Bolsa Família, no caso de Dilma, e o auxílio emergencial, no caso de Bolsonaro. Infelizmente, como a comparação é desonesta, o editorial não explica que no caso da presidenta, era uma política de governo; no caso de Bolsonaro, uma imposição do Congresso Nacional contra a qual lutou ferozmente e que dela se apropriou somente após a derrota que sofreu no Parlamento.
De todo modo, em ambos os casos, esses programas seriam problemáticos porque elevariam o déficit nas contas públicas. Ignora-se a enorme dívida interna jamais auditada que consome mais da metade de nossa arrecadação. Ignora-se os abonos e as isenções fiscais dadas aos empresários. Ignora-se os privilégios da elite do funcionalismo público. Enfim, ignora-se todo gasto corrente que não tem a ver com os pobres.
A tática do autor desconhecido não é nova: faz-se de conta que a austeridade fiscal é a única medida aceitável de gestão dos gastos públicos, coisa que nem o mais ortodoxo economista formado em Chicago seria capaz de afirmar com o mínimo de honestidade intelectual. Aliás, o ministro Paulo Guedes decerto concordaria com esse receituário, mas ele não é citado no texto. Trata-se de outra prática corrente na mídia hegemônica: quando as medidas econômicas afagam os interesses dos rentistas e empresários, Paulo Guedes é alçado à condição de ídolo; quando não, fazem de conta que a decisão é exclusiva de Bolsonaro. É compreensível, já que o autor parece servir aos propósitos do mesmo grupelho de milionários para quem o ministro da Economia trabalha como um cão fiel e submisso. Outra grosseria cometida pelo autor é traçar esse comparativo ignorando as qualidades e características dos programas de assistência social em seu contexto histórico e ideológico. Dá-se a tendência de alimentar o anti-petismo comparando-o, apenas do ponto de vista retórico, ao bolsonarismo doentio ao qual o próprio PT se opõe.
Aliás, sobre esse ponto, convém uma nota interessante. O texto afirma que a manutenção do teto de gastos é necessária para não colocar em risco “a estabilidade econômica, duramente conquistada pela sociedade brasileira nas últimas décadas”. Ora, não é possível falar em estabilidade econômica antes do governo Fernando Henrique Cardoso. Confesso que teria enormes críticas a essa noção de “estabilidade econômica”, mas é importante lembrar que Fernando Henrique governou por apenas oito anos, o que é pouquíssimo para sintetizar “as últimas décadas”. Parte substancial dessa estabilidade foi garantida pelos governos petistas, que asseguraram criação de empregos, quitaram as dívidas com o FMI e Banco Mundial, garantiram reservas bilionárias, dentre outras coisas. A contradição é óbvia: Dilma está sendo criticada pelo desrespeito à estabilidade econômica que sua própria gestão trabalhou para manter. Para escudar-se da contradição, dizem ser uma “conquista da sociedade brasileira”, apelando para a generalização. Mas já sabemos qual é o problema que gera essa desconfiança: despesas ligadas às camadas mais empobrecidas. Se há dúvidas a esse respeito, o último parágrafo é esclarecedor.
Aliás, esse último parágrafo do texto deveria constar doravante como exemplo de vileza em todo bom manual de jornalismo. Segundo o autor, o desrespeito ao teto de gastos prejudicaria “como de hábito, os pobres e miseráveis, que por inconveniência política constituem também a parcela mais decisiva do eleitorado”. Se o sentido não ficou claro, vale recorrer à paráfrase: afirma-se, com todas as letras, que seria conveniente que os pobres não votassem. Infelizmente, também nessa afirmação asquerosa não há novidade, já que traduz com enorme poder de síntese a concepção preconceituosa e aristocrática que as elites atrasadas desse país cultivam. É como se os pobres, que votam com o estômago, precisassem ser tutelados pelos ricos que, esses sim, votam com base na razão e isolam qualquer interesse pessoal de suas decisões políticas. Eles perderam tudo, inclusive o pudor de revelar publicamente seu lado mais vil e bestial.
Por fim, o título. Parece óbvio que uma comparação que tenta construir um elo sem lastro com a realidade precisa de enormes reforços retóricos. Exatamente por isso apelaram para esse título, cuja infâmia só é percebida quando se recorda as diferenças colossais que separam a ex-presidenta do atual presidente. Ora, o nome próprio é nosso principal símbolo de subjetividade. Diante da pergunta “Quem você é?”, a tendência é responder com o próprio nome. O nome funciona como profunda marca identitária, como a palavra-síntese que nos faz singulares e permite sinalizar quem somos. Quando o autor desconhecido lança “Jair Rousseff” como título, produz um efeito de sentido que cria um sujeito fictício que encarnaria as personalidades tanto de Dilma como Bolsonaro. Em outras palavras, converte a crítica política em ataque pessoal, avançando diante da mais visceral intimidade. Cumpre recordar que Bolsonaro, no plenário da Câmara dos Deputados, dedicou seu voto de impeachment à memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, milico torturador caracterizado pelo então deputado como “o terror de Dilma Rousseff”. É ao nome desse sujeito, que elogia torturadores e defende ditaduras, que o autor apensou o sobrenome de Dilma, que arriscou sua juventude para combatê-los.
Como o roteiro do ano de 2020 parece estar sendo escrito por alguém com enorme sadismo criativo, apenas dois dias após a publicação desse editorial infame, Bolsonaro abandonou o ostracismo das polêmicas para fazer mais um ataque à imprensa livre. Após ser perguntado por um jornalista sobre os depósitos que o criminoso Fabrício Queiroz fez na conta da primeira-dama, respondeu: “Minha vontade é encher sua boca de porrada, tá?”. Curiosamente, quando a militância petista criticava a mesma imprensa, Dilma respondia que preferia o barulho da democracia ao silêncio da ditadura. Gostaria de conhecer a opinião do autor sobre isso, mas infelizmente não tenho como procurá-lo. No entanto, se ele quiser, pode me responder livremente, pois esse texto aqui não foi redigido por um covarde que precisa do anonimato para se esconder dos próprios posicionamentos.
[1] Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense. E-mail: asmoraes@gmail.com.
Em uma Tribuna virtual transmitida pelo Jornalistas Livres, na tarde da última quarta- feira, 19, os juristas Deborah Duprat, Isadora Brandão, Ivo Aureliano, Roberto Tardelli, Sheila de Carvalho e Thiago Amparo apresentaram detalhes dos principais crimes cometidos por Jair Bolsonaro em sua gestão na presidência da República.
Por Wellington Amorim, especial para os Jornalistas Livres
“O presidente da República pode muito, mas não pode tudo”, com essa frase a desembargadora Kenarik Boujikian, mediadora da Tribuna, iniciou a discussão que buscou mostrar quais são esses crimes. Até o momento já foram protocolados 54 pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro, sendo o último deles entregue pela Coalizão Negra Por Direitos na quarta-feira, 12 de agosto.
Segundo os juristas, o presidente é um criminoso e deve ser responsabilizado legalmente por crimes contra a Humanidade, Meio Ambiente e Responsabilidade. Para Deborah Duprat, “os limites do Presidente da República estão na própria Constituição”. Segundo Duprat, a Constituição foi desrespeitada por diversas vezes em falas e ações do governo Bolsonaro. Para a jurista, a Constituição de 1988 foi um marco que prendia reorganizar a vida coletiva. A Convenção Climática e a Convenção da Diversidade Biológica, de 1992, garantem direitos fundamentais de proteção ao meio ambiente. As ações do governo Bolsonaro descumprem as leis tanto da Constituição brasileira quanto desses importantes tratados internacionais, afirma a jurista. Isso significa uma ameaça aos recursos naturais, florestas e rios, que respondem por boa parte do equilíbrio climático global.
Duprat pontuou que o descaso se acentua com a indicação de profissionais sem capacidade administrativa para gerir importantes órgãos, como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Os crimes de Jair Bolsonaro vão muito além da questão ambiental, segundo os juristas. Para Isadora Brandão, esses crimes atingem centralmente a população pobre, os trabalhadores, os negros, as mulheres, os LGBTQI+ e os indígenas do Brasil. Em 2016, a CPI do Assassinato de Jovens, do Senado, reconheceu a existência uma prática genocida contra a vida de jovens negros no País. A jurista mostrou que, desde sua campanha, Bolsonaro incentiva publicamente procedimentos que potencializam a letalidade da polícia. Para Brandão, ações do presidente reforçam o extermínio de jovens negros. Dados do Atlas da Violência, 2019, revelam que 75% das vítimas de homicídios no Brasil são pessoas negras. Brandão ainda destacou que o discurso que ajuda a validar o extermínio da população negra está associado ao revisionismo histórico, encabeçado por lideranças que ocupam cargos importantes, como Sérgio Camargo, da Fundação Palmares.
Para a jurista Sheila de Carvalho, o projeto genocida contra a população negra “não é apenas um ato de fazer morrer, mas um ato de deixar morrer por falta de políticas públicas.” Carvalho lembra que, durante a discussão o pacote anticrime, de Sérgio Moro, Bolsonaro elegeu um inimigo ao falar “os caras vão morrer na rua igual barata.”
“Sabemos que o Brasil tem declaradamente um presidente anti-indígena. Uma ameaça a sobrevivência da população indígena, no Brasil”, afirmou o jurista Ivo Aureliano, advogado indígena do Povo Makuxi e da Comissão Especial da Defesa dos Povos Indígenas OAB. Segundo Aureliano o aumento do número de invasões em terras indígenas, o assassinato de lideranças, a não demarcação de terras e a destruição de órgãos importantes como a FUNAI, contribuem com o etnocdio da população indígena. Aureliano afirmou ainda que essas ações incentivam ataques contra às populações indígenas, aumentam o desmatamento, a poluição de lagos e de rios. “Nesse cenário, sobreviver é um desafio para os índios.”
A pauta LGBTQIA+ foi outro assunto abordado durante a discussão. Thiago Amparo afirmou que “Bolsonaro se orgulha de demonstrar ódio contra a população LGBT”. Amparo destacou que o presidente diz não é a opinião dele e sim a opinião do cargo que lhe compete. “Desde janeiro de 2019, logo quando assumiu o cargo, o presidente Jair Bolsonaro assinou uma Medida Provisória que retira a população LGBT das diretrizes de Direitos Humanos”. O jurista ressaltou que a atuação do presidente viola diretrizes de tratados internacionais.
“A crise sanitária por conta da Covid-19 agravou todos esses crimes, afirmou o jurista Roberto Tardelli, membro do Coletivo Transforma Ministério Público. Tardelli destacou a absoluta negação de Bolsonaro em liderar ações efetivas contra a pandemia. “A postura de Bolsonaro na pandemia é efetivamente dolosa, e como diriam os juristas do passado, de dolo intenso. A não criminalização dos atos de Bolsonaro pode estimular o descumprimento da Constituição Federal”, enfatizou o jurista.
Você pode acompanhar a tribuna aqui:
O evento foi idealizado e organizado pelos professores universitários Rose Naves e Plínio de Arruda Sampaio Jr. O vídeo da Tribuna de juristas está disponível nas redes dos Jornalistas livres.
Um agradecimento especial a todos os apoiadores, retransmissores, participantes e idealizadores da Tribuna:
– Comitê NACIONAL Lula Livre
– ABJD (Associação Brasileira de Juristas pelo Democracia)
– CTB (nacional)
– PCdoB – SP
– Frente Brasil Popular – FBP
– FBP – SP
– Barão de Itararé
– Barão de Itararé – SP
– Movimento Paulista de Solidariedade a Cuba
– MST
– Brasil de Fato
– Opera Mundi
– CUT – SP
– Vermelho
– PCdoB Nacional
– UNE
– GGN
– Coletivo Transforma MP
– SASP- Sindicato dos Advogadxs SP
– CTB – SP
– SindJor-SP
– MAB
– UBES – Uniao Brasileira dos Estudantes Secundaristas
De início, já deixo bem claro que a intenção desse texto não é atingir ou expor ninguém. O objetivo é simples: analisar o comportamento dos grupos em tempo de pandemia (que ainda vivemos). A princípio, eu só ficaria um mês nos grupos, mas como meu celular resetou durante a produção da matéria, tive que ficar por mais um período . O texto será dividido em duas partes: a primeira será uma pequena análise do comportamento de determinados grupos, no Whatsapp e no Facebook. Na segunda parte, vou falar da minha experiência pessoal, até porque estamos em meio a uma pandemia e certas coisas afetam demais a gente.
Por Sergio Pantolfi*
Para ser bem sincero, eu acho que comecei a ter essa ideia a partir de um sentimento de inconformismo diante de tudo o que tem acontecido no meio da quarentena, em que o principal assunto do país não é o novo coronavírus, e sim a crise política instaurada no Brasil. Ver o que se passa dentro desses grupos foi algo chocante. O que se passa ali é muito pior do que eu poderia imaginar.
Segundo João Guilherme Bastos, doutor em comunicação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), grupos com convite aberto ou grupos segmentados não vão além de discursos e mensagens feitos por meio de conteúdos replicados.
Em 2018, João pesquisou 90 grupos de Whatsapp relacionados aos seis principais candidatos à presidência na época, e conseguiu analisar que alguns estão em posições estruturais dentro da cadeia do aplicativo.
Pessoas presentes em mais de um grupo conseguem montar uma estrutura de grupos interconectados no WhatsApp, tornando possível que a desinformação se viralize rapidamente. Dentro do processo de viralização de uma fake news, a desinformação vai de nós (hubs) centrais para periféricos, adquirindo uma amplitude muito maior, diz Bastos.
Grupos abertos com convites e links disponíveis são fáceis de entrar, uma vez que não exista nenhum tipo de barreira ou inspeção.
Whatsapp
Entrei em três grupos de Whatsapp no domingo dia 24 de maio e, a partir daí, é simples entrar em outros, já que sempre aparecem links e convites dos mais variados. No total, entrei em dez grupos, com nomes genéricos voltados para o patriotismo ou palavras de apoio ao presidente — e que são alterados constantemente. Por exemplo: “100% Patriotas Bolsonaro”; “Patriota contra corruptos”; “Ordem e progresso” e “#somostodosbolsonaro”.
Dentro dos dez grupos dos quais eu fiz parte, a maioria estava cheio, ou seja, com 256 participantes em cada. Em todos, haviam mais homens (majoritariamente brancos) do que mulheres. Conforme Bastos, existem alguns motivos para isso:
“Os grupos, em sua maioria, são formados por homens, porém existem aqueles em que só mulheres participam, por exemplo o ‘Mulheres com Bolsonaro’. Isso acontece, porque em muitos dos grupos que têm homens, outros tipos de conteúdos são compartilhados como pornografia e similares.”
É necessário afirmar que a maioria desses grupos é bombardeada de “informações” 24 horas por dia. São fotos, vídeos, notícias de fontes duvidosas e divulgações de canais de Youtube, e de longe, são os grupos que mais compartilham conteúdo encaminhado. Muitos destes conteúdos já foram encaminhados tantas vezes, que foram limitados ao envio para somente um contato ou grupo.
Além disso, se a opção de baixar vídeos automaticamente não estiver desabilitada, provavelmente a memória do celular vai ‘entupir’ rapidamente. Em um mês e meio (aproximadamente ), o armazenamento do meu smartphone já estava quase tão cheio, que tive de excluir alguns aplicativos e fotos para liberar espaço.
Print Celular com os Grupos de Whatsapp de apoiadores de Jair Bolsonaro.
Já dentro dos grupos, logo de cara, algumas coisas chamam atenção. Uma das primeiras mensagens no grupo “#somostodosbolsonaro” era sobre o menino João Pedro, assassinado por policiais dia 18 de maio deste ano em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
A mensagem que foi encaminhada, dizia o seguinte: “João Pedro, o adolescente ‘coitadinho’ que está sendo defendido no Fantástico”. Em seguida vinha um vídeo em formato Lomotif, mostrando um garoto (aparentemente menor de idade) acompanhado de armas, drogas, dinheiro, prostitutas e bebidas no meio de uma favela. Olhando o vídeo rapidamente, fica claro que o menino em questão não é o João Pedro e, mesmo assim, o vídeo foi compartilhado em quatro, dos dez grupos em que eu estava.
Print do grupo #somostodosbolsonaro
Em seguida, mais comentários como:
“É normal a Globo defender bandido”
“Globo sempre refém dos esquerdistas!!”
Depois, ao encaminhar a mensagem para mim mesmo, apareceu a notificação no Whatsapp avisando que esse conteúdo já havia sido replicado muitas vezes e que, por isso, eu só conseguiria mandar para um contato por vez, assim como contei anteriormente .
Segundo a professora de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Flávia Rios, o Brasil tem profundas desigualdades de natureza racial que fazem aflorar esse tipo de discurso, sempre marginalizando o negro —e isso vale para quase todos os aspectos básicos da nossa sociedade.
“As disparidades acontecem dentro do mercado de trabalho, nos rendimentos, no acesso à educação, nos ciclos educacionais, principalmente no ensino médio. Existe uma evasão escolar ligada à questão racial de maneira muito forte, à violência de maneira igualmente muito forte. Isso influencia até no acesso à saúde, que impacta no número de mortos devido ao novo coronavírus por exemplo.”
Além de professora, Flávia é doutora em sociologia e é associada ao projeto Race and Citizenship in the Americas e integra o projeto “Vozes do Genocídio da Juventude Negra” (CNPq/2019). Tem experiência na área de Sociologia Política e da Cultura, com ênfase nos estudos sobre ação coletiva, teorias interseccionais, relações raciais e de gênero, educação e políticas de ações afirmativas no ensino superior.
De volta aos grupos, a maioria dos comentários feitos, em sua grande maioria, tem cunho racista, misógino, machista, além de uma quantidade absurda de mensagens contra a imprensa e em apoio à volta da ditadura militar.
Movimentos antirracistas como o Black Lives Matter Global Network, movimento indígena, feminista e LGBTQI+ são constantemente desacreditados e criticados de maneira incisiva. Por várias vezes, a morte de George Floyd, homem negro assassinado por um policial branco em Minneapolis, nos Estados Unidos, foi ironizada enquanto se multiplicavam protestos nas cidades norte-americanas.
Prints bolsonaristas relacionados a George Floyd
De acordo com Flávia, abordagens como essas legitimam a violência policial também dentro do Brasil, uma vez que o próprio presidente e seus ministros as reproduzem, reverberando os discursos de grupos neonazistas e de extrema direita.
Nesse contexto, é importante apontar que é proibido discordar dentro dos grupos, uma vez que o presidente e seus apoiadores sempre estão corretos por definição. Sérgio Moro virou comunista e até mesmo Donald Trump, um dos queridinhos de bolsonaristas passou a ser criticado por questionar as medidas de prevenção do Estado brasileiro contra a Covid-19. É bom lembrar que tanto os Estados Unidos como o Brasil lideram o ranking de mortes e casos da doença.
Outro ponto importante é a quantidade enorme de fake news distribuídas em áudio, vídeo, links, imagem e texto. Em tempos de pandemia, era de se esperar que muitas mensagens seriam relacionadas ao coronavírus. O problema é a falsa interpretação dos textos e de vários conteúdos. Como nos exemplos abaixo.
Prints de grupos bolsonaristas relacionados a Covid-19
Na última imagem, é mostrada uma matéria do site Jornal da Cidade, portal de notícias que é o queridinho em basicamente todos os grupos bolsonaristas. Foi o mais compartilhado em todos os dez em que participei, e, de longe, o de maior influência também.
O texto publicado no dia 6 de julho de 2020 tem um tom agressivo e é composto de informações duvidosas sem a mínima base de comprovação. Há inclusive uma parte que diz assim:
“Hoje também sabemos, mas muitos “especialistas” infectologistas sabiam desde o início que a contaminação não poderia ser freada e que considerando um vírus que já circulava em meio à população, só poderia contaminar mais gente numa adoção de Lockdown. Portanto: adotar Lockdown foi um dos incontáveis crimes praticados contra a população (não só em termos de contaminação, como pela destruição da economia) … e ainda há quem os defenda, e o que é pior, os imponha.” — Jornal da Cidade
O que se provou, na verdade, foi o oposto disso, pois em países que adotaram medidas como o lockdown , os resultados foram expressivos no combate à pandemia. Por exemplo, a Nova Zelândia e países europeus como Portugal e Alemanha já começaram a retomar as rotinas de ‘’normalidade’’.
Por sua vez, o Brasil sozinho contava no dia 27 de julho de 2020 com mais de 87 mil mortes, enquanto o resto da América do Sul contabilizava cerca de 45 mil mortes. Isso levando em consideração que a população brasileira é de 210 milhões, enquanto o continente sem o Brasil, tem 219 milhões de pessoas. Os dados apresentados foram divulgados no dia 27 de julho de 2020 pela Organização Mundial da Saúde.
Com isso, o Jornal da Cidade foi recentemente exposto pelo perfil Sleeping Giants no Twitter. A página mostrou casos de empresas que anunciavam no site do Jornal. Grandes conglomerados, como Americanas, Avon, Claro, Mercado Livre, entre outras, promoviam seus produtos no Jornal da Cidade.
Para o jornalista e professor da Unesp de Bauru, Juarez Xavier, existem dois pontos fundamentais para a disseminação de notícias falsas. A primeira delas é que a veiculação de informação mentirosa distorce a percepção que a esfera pública tem sobre determinado problema. Segundo Xavier, a propagação de informações com mentiras, tira a possibilidade de entendimento, compreensão e o contexto.
“A sua função não é informar e sim desinformar.Ao desinformar, a notícia falsa não está pautada na realidade factual. A função dela é criar uma percepção de caráter ideológico no sentido de não ter correspondência com a realidade e, a partir daí, se constrói uma narrativa falsa e mentirosa. São essas fake news que têm sido objeto de investigação do STF e condenadas por organizações de jornalistas.” — Juarez Xavier, jornalista e docente universitário
Dentro dos grupos, também era constantemente compartilhada uma lista de sites, portais e canais do Youtube que deveriam ser seguidos. Todo o conteúdo consumido deveria estritamente vir desse tipo de comunicação, a exemplo da foto abaixo.
Prints dos Grupos Bolsonaristas e as recomendações para se ‘’informar de verdade’’.
Além de terem canais com um discurso beligerante contra opositores do governo, as deputadas Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e o blogueiro Bernardo Küster estão sendo investigados pelo inquérito (4.781),das fake news, no qual respondem pela disseminação de notícias falsas. O blog Terça Livre, de Allan dos Santos, também aparece na lista como uma indicação de fonte confiável. Allan teve sua casa revistada pela Polícia Federal , que cumpriu mandados de busca e apreensão como parte da ação conduzida pelo STF.
Segundo Juarez Xavier, existe uma grande diferença entre a imprensa profissional (e também independente ) e os criadores de conteúdo, uma vez que a imprensa profissional é regida por um código de ética regulamentado na Constituição. Caso o veículo ou jornalista venha a divulgar notícias mentirosas e sem conexão com a realidade factual, ele pode ser penalizado, segundo o código.
“Não se pode dizer que existam ataques contra a imprensa profissional. O que se pode dizer, é que há setores descontentes com o trabalho independente, autônomo e crítico da imprensa e, por conta disso, têm uma ação beligerante em relação aos profissionais. O problema é quando esses setores atuam sobre participantes sociais que partem para a violência contra os profissionais de imprensa”, diz Xavier.
No caminho da criação de conteúdo, existem portais bolsonaristas que funcionam exatamente como uma fonte independente de notícias. É o caso do grupo chamado Zap Bolsonaro. Em uma de suas mensagens, o administrador mostrou preocupação com o inquérito das fake news e fez um alerta para os integrantes de que muitas das informações deveriam ser apagadas.
Prints do Grupo ZapBolsonaroSP.
Esse grupo é relativamente novo, criado em maio de 2020 e é vinculado ao site https://zapbolsonaro.com/. Existe um total de 27 grupos, um para cada estado brasileiro mais o Distrito Federal, e neles a interação e divulgação de mensagens é restrita apenas ao administrador. Os demais membros são proibidos de interagir.
No grupo, encontram-se muitos links e mensagens defendendo a tese segundo a qual o coronavírus é uma invenção chinesa, ou até mesmo de que João Dória (PSDB-SP), governador do estado de São Paulo, teria um escritório na China. Esses posts foram veiculados pelo dono do grupo.
O administrador é um homem chamado Newton Martins. Além do site e dos grupos, ele também possui perfis em todas as redes sociais e um canal no Youtube. Pelo seu número, é possível ver que ele mora fora do país, mais especificamente nos Estados Unidos. O curioso também é que muitos dos números dos integrantes são do exterior. O vídeo abaixo, feito pelo próprio autor em seu canal, mostra como fazer para entrar nos grupos.
https://youtu.be/cWF4RqfNzUE
“A maioria dos links compartilhados nos grupos de Whatsapp provém do Youtube e está ligada a algum canal, site ou conteúdo de fora. Então é necessário que a desinformação já esteja alocada em outra plataforma pra poder ser compartilhada” — João Guilherme Bastos doutor em comunicação social e pesquisador.
É esse o caso do grupo ZapBolsonaro, uma vez que o seu autor alimenta e compartilha vídeos do seu próprio canal nos grupos de Whatsapp.
Facebook
No Facebook, a estrutura é completamente diferente. Apesar de existir uma variedade enorme de grupos dentro da plataforma, é muito fácil filtrar os que são mais famosos e relevantes, justamente pela quantidade de pessoas dentro do grupo e pelos administradores responsáveis.
A maioria dos nomes dos grupos também é algo genérico e utiliza a alcunha de “Aliança pelo Brasil” em alusão ao partido que Bolsonaro quer criar desde que se desligou do PSL. A página tem constantes ataques a opositores e informações falsas que são amplamente divulgadas por lá. Apesar disso, não encontrei o perfil ligado diretamente aos grupos em que entrei. Muitos desses grupos têm o selo de verificação do Facebook, o que parece ser contraditórios com as medidas de combate a notícias falsas já anunciadas pela rede.
Conforme as próprias diretrizes da rede social, uma página é verificada quando:
Além de seguir os termos de serviço do Facebook, sua conta também precisa ser:
Autêntica: sua conta deve representar uma pessoa real ou uma entidade/empresa registrada.
Única: sua conta deve ser a única presença da pessoa ou da empresa que representa. Apenas uma conta por pessoa ou por empresa pode ser verificada, com exceções para contas específicas de idiomas. Não verificamos contas de interesse geral (por exemplo, Puppy Memes).
Completa: sua conta deve ser pública e ter uma biografia, uma foto de perfil e pelo menos uma publicação.
Notável: sua conta deve representar pessoas, marcas ou entidades bastante conhecidas e pesquisadas. Analisamos contas que aparecem em várias fontes de notícias. Não consideramos conteúdo promocional ou pago como fontes para análise.
Se você fornecer informações falsas ou enganosas durante o processo de verificação, removeremos seu selo de autenticidade e poderemos adotar medidas adicionais para excluir sua conta — Leis de privacidade do Facebook.
Destaque para esse último parágrafo em relação à página “Aliança pelo Brasil”, perfil que também compartilha notícias falsas.
Mas, voltando aos grupos. Inicialmente, participei de dez. Em todos eles existe um certo filtro ou questionário, que deve ser respondido antes de entrar no grupo para, segundo as próprias descrições dessas comunidades, afastar “comunistas, socialistas e esquerdistas que vão de encontro com as normas do grupo”.
Outra característica é a existência de regras dentro dos grupos que, ou você segue, ou é banido rapidamente pelos administradores. Em geral, as normas são quase que um padrão, por exemplo ‘’cuidado com fake news’’ ou ‘’sem posts esquerdistas no grupo’’, etc.
Prints de regras e requisitos para fazer parte de grupos Bolsonaristas.
Algo que me impressionou, com certeza, foi o número de publicações e de participantes nos grupos. Diferentemente do Whatsapp, o Facebook não limita o número de pessoas e nem a quantidade de publicações que podem ser feitas naquele mesmo espaço.
Um grupo chamado “Eduardo Bolsonaro Oficial” com 600 mil perfis, tinha a incrível marca de 160 mil publicações por dia. Durante esses dois meses, o grupo caiu e foi refeito no dia 14 de junho de 2020 e hoje já conta com 38 mil pessoas e mais de 127 mil publicações em um mês.
O grupo “Aliança pelo Brasil — Presidente Jair Messias Bolsonaro” é administrado pela página SomostodosBolsonaro, que conta com mais de 1 milhão e 800 mil curtidas. O perfil foi criado em fevereiro de 2017 e ficou conhecido entre os apoiadores do presidente muito antes das eleições presidenciais de 2018.
Informações básicas sobre os grupos apoiadores de Bolsonaro.
Apesar de ser estruturalmente diferente do Whatsapp, ainda existem algumas semelhanças, principalmente no tipo de conteúdo publicado. Assim como as mensagens encaminhadas no aplicativo de mensagens, muitas das postagens dos grupos do Facebook são de páginas de fora da rede social ou links do Youtube. Ou seja, são compartilhadas para dentro dessas comunidades.
Em específico, acompanhei as publicações na época de pandemia sobre o coronavírus e o início das votações para a PL 2630/2020, que investiga notícias falsas.
A “PL da censura” — como era descrita na maior parte das postagens — movimentou os grupos rapidamente com uma “enxurrada” de mensagens contra o projeto de lei no seguinte sentido:
‘’Não podem nos calar, isso é censura.’’
‘’Estão querendo censurar o povo brasileiro.’’
Prints de Grupos Bolsonaristas
O mesmo aconteceu acerca da Covid-19 . Enquanto o país atravessa uma média de mais de mil mortos por dia, muitas matérias eram compartilhadas afirmando que a Covid-19 é uma mentira, assim como o lockdown e o isolamento social. Até mesmo o uso de máscaras foi recriminado dentro dessas comunidades.
O foco é basicamente combater dados científicos, apostar em teorias mirabolantes e na inversão de valores noticiosos. No entanto, da mesma forma que no Whatsapp, vários desses grupos são apenas grandes replicadores de notícia e a estrutura é simplesmente compartilhar mais vezes possível.
Prints com matérias de grupos bolsonaristas.
Importante destacar que, diferentemente do Whatsapp, o “Jornal da Cidade” não apareceu entre os portais mais veiculados, apesar da grande quantidade de notícias falsas.
No grupo “Estou com Bolsonaro Presidente 2022 no Aliança pelo Brasil”, o site mais compartilhado é o welessonoliveira.com.br . O portal é publicado pelo próprio Welesson, que é jornalista e apresentador da TV Rio Doce em Governador Valadares, Minas Gerais. Além do seu perfil pessoal, ele possui uma página com mais de oito mil curtidas na qual divulga entrevistas com políticos ligados ao PSL.
Afora lives e comunicados, Welesson também faz links para aparições ao vivo do presidente e enche o grupo com matérias para o seu site. O jornalista também é dono da página “TV Bolsonaro Presidente”, que conta com mais de 85 mil curtidas e é lotada de vídeos do programa que apresenta, o “Na Integra”.
Prints de Welesson no Facebook
Como Experiência Pessoal
Apesar de ser fácil permanecer nos grupos sem ser incomodado, é basicamente um desperdício de saúde mental, por isso não recomendo de forma nenhuma.
Se você realmente pensa em fazer algo parecido, eu sugiro que seja para fazer algum estudo ou tentar tirar algum proveito para analisar determinados segmentos, se não, é como ficar se flagelando em um momento em que as coisas já não estão boas por conta da pandemia.
No Facebook, foi uma situação menos pior, já que não uso mais a rede com tanta frequência e conseguia ignorar a atuação dos grupos bolsonaristas; no Whatsapp o problema era maior, pois usava a plataforma também para falar com amigos, família e trabalho. Nesse meio tempo, acabei me afastando de lá por um tempo e até de outras redes sociais, como Twitter e Instagram.
Entretanto, algumas vezes pode até ser engraçado, a exemplo de quando mandam mensagens de bom dia que se assemelham com aqueles gifs que provavelmente sua tia te manda, ou quando aparecem pessoas que “invadem” o grupo para travar o aplicativo ou mandar stickers comunistas, além de partidos e políticos ligados à esquerda brasileira. Porém, são prontamente removidos e o grupo se fecha novamente.
Também acontece de dar risada com mensagens enviadas pelos próprios integrantes dos grupos. São coisas tão absurdas e surreais que você acaba por pensar: “Como tem gente que acredita nessas coisas?” Sim, você volta para si mesmo e se lembra que eles não só acreditam, como replicam esse tipo de conteúdo. Vou dar um exemplo com imagens abaixo.
Prints com imagens de grupos bolsonaristas.
Porém, isso acaba sendo até bem triste, na verdade. Primeiro por utilizarem a imagem de Jair Bolsonaro comparando-o com um messias ou alguém abençoado por Deus. Inclusive, uma de suas maiores estratégias durante sua campanha presidencial foi a utilização de discursos religiosos como chance de obter votos. Em segundo lugar, é lamentável ver que eles compartilham (e acreditam) em uma imagem totalmente sem nexo, colocando Hitler como um antagonista das armas –justo ele!
Imagens assim aparecem “a torto e a direito” na maioria desses grupos. É normal chegar no fim do dia (lá pelas 22h) com 600, 700 mensagens para visualizar porque, simplesmente, eles não param de bombardear conteúdo o dia inteiro.
E as imagens que eu trouxe são só a ponta do iceberg , porque o tanto de vídeos, áudios e links que são expostos por lá também não é brincadeira. Além disso, optei por não colocar os vídeos aqui pois são muito pesados, (geralmente chegam a ter mais de 7 ou 8 minutos) e sempre é algo como “Bolsonaro bota deputado esquerdista no seu lugar”, “PT não consegue mais governar e agora quer armar golpe para tirar presidente Bolsonaro” , “Atenção patriotas, caminhoneiro convoca greve contra o presidente, vamos ajudá-lo e expulsar os esquerdistas do país, viva a ditadura!!”. Isso vale tanto para Whatsapp, quanto para Facebook.
Sem falar nas grandes correntes e teorias conspiratórias que rondam o imaginário bolsonarista. Como falei, muito do conteúdo que circula nesses grupos são mensagens repassadas e que acabam virando correntes de uma forma ou de outra.
Frivolidades, como a disputa da final do campeonato carioca transmitida pelo SBT, virou objeto de “luta” e “resistência” contra a Globo. Integrantes que nem torciam para Flamengo ou Fluminense estavam vendo o jogo, porque era em uma rede de televisão concorrente da emissora carioca.
Particularmente, uma das correntes que eu mais gostei foi a do estado da Bahia que é o “centro da China no Brasil”. Acho que nada explica melhor que as imagens, né?
Prints da corrente sobre a Bahia ser o núcleo chinês no país
Isso é apenas uma parte dessa corrente que passou por, literalmente, todos os grupos do qual eu participei. Durante o processo, demorou, mas fui expulso de dois grupos por falta de atividade . Eu não escrevia nada e raramente interagia, já que estava ali apenas para observar. Ainda sim, questionei algumas coisas triviais e fui removido por não colaborar diretamente com o grupo.
Como já disse, certamente não recomendo isso a ninguém, nem para “ver como é”. Desgasta bastante ser bombardeado com um monte de notícia falsa e discurso de ódio o dia inteiro e, provavelmente, a análise que você vai fazer, é parecida com essa que eu trouxe. É horrível de verdade. Não façam.
Links úteis:
Aqui, deixo alguns links de trabalhos e matérias sobre o assunto, incluindo a pesquisa do João Guilherme Bastos que detalha muito mais o comportamento dos grupos e como funciona a cadeia da plataforma no Whatsapp.
Sergio Pantolfi, 24 anos, é jornalista formado pela Unesp. Autor do Livro ”Quando a Água Toca a Terra”, escrito em parceria com Giovanna Bonfim de Castro. Instagram: @sergiopantolfi Twitter: @serjeuros Facebook: Sergio Pantolfi
Quatro de agosto de 2020. Sérgio Moro sofre sua principal derrota desde que se tornou um dos principais atores na cena política nacional.
Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
A segunda turma do STF determinou a exclusão da delação de Antonio Palocci do processo movido no âmbito da Operação Lava Jato contra o presidente Lula.
Ricardo Lewandovski e Gilmar Mendes votaram favoráveis à exclusão. Edson Fachin (o ahá uhú do Dallagnol) votou contra a exclusão, o que significa votar a favor de Sérgio Moro. Fachin é o melhor advogado que Moro poderia ter.
Não é exatamente a primeira derrota. Houve outras. Mas essa, sem dúvida alguma, foi a maior e sinaliza para a possibilidade de outra derrota, que seria devastadora. A suspeição de Moro no julgamento de Lula deve ser julgada pela plenária da corte ainda neste ano. A derrota na segunda turma não significa, necessariamente, que Moro será derrotado no colegiado ampliado. Mas indica a possibilidade. Definitivamente, o ex-juiz já viveu dias melhores.
Lewandovski e Mendes falaram o óbvio! Moro politizou o julgamento de Lula com o objetivo claro de interferir nas eleições presidenciais.
Grande novidade!
Moro inseriu a delação de Palocci no processo por conta própria, sem ser provocado pela acusação, o que é mais do que atípico. É criminoso. É prova cabal de que o juiz era, na verdade, o chefe da acusação.
Todos sabiam o que estava acontecendo. Todos calaram, consentiram, incluindo o próprio STF, que em abril de 2018 negou o pedido de habeas corpus, decisão que, na prática, mandou Lula pra cadeia. A mesma segunda turma negou outros dois pedidos de habeas corpus, em junho e agosto de 2019. Lewandowski sempre votou a favor da defesa de Lula, o que significava votar a favor do devido processo legal.
Por que agora, justo agora, esse revés?
Simples! O tempo da política é o tempo rápido, da constante mudança, principalmente em tempos de crise.
A partir de 2014, o establishment jurídico brasileiro se associou aos grupos políticos anti-petistas. O objetivo era colocar um ponto final na hegemonia do Partido dos Trabalhadores, o que em cenário de normalidade democrática seria impossível.
A aposta era que o PSDB, antagonista do PT desde meados da década de 1990, herdaria o butim. A situação saiu do controle e Bolsonaro foi eleito.
O establishment jurídico dobrou a aposta: acreditou que seria possível negociar com Bolsonaro, controlar Bolsonaro. Errou novamente.
A Lava Jato acumulou muito poder, a ponto de não querer mais ser puxadinho de ninguém. Nem do PSDB, nem do bolsonarismo, nem do próprio Ministério Público. Costuma-se dizer que o Ministério Público é o quarto poder, independente até mesmo do Poder Judiciário. A Lava Jato se tornou o quinto poder, independente do próprio Ministério Público.
Nessa situação de desencanto, onde bolsonarismo e lava-jatismo se tornam ameaças ao próprio sistema, Lula volta a ter grande relevância. Primeiro, porque quando presidente sempre foi conciliador. Ninguém defendeu melhor o capitalismo brasileiro que Lula. Segundo, porque Lula é “o outro” tanto do bolsonarismo como do lava-jatismo.
O sistema político que foi construído na redemocratização encontrou em Lula o seu melhor gestor. É uma virtude. Tenho saudade não apenas do tempo em que Lula era presidente. Tenho saudade do Lula como presidente. O Lula presidente foi muito melhor que o Lula metalúrgico. O Lula presidente é muito melhor que esse Lula líder esquerdizado pós-cárcere.
Reabilitar os direitos políticos e a reputação de Lula seria a única forma possível de confrontar, ao mesmo tempo, o lava-jatismo e o bolsonarismo, os dois filhos rebeldes daqueles que apostaram na desestabilização da democracia como tática de retomada do poder.
Que seja assim. Que se reposicionem. Que assumam, mesmo que silenciosamente, sua responsabilidade nessa nossa tragédia geracional. Sem ressentimento. Mas também sem esquecimento. Esquecer jamais. Nomes e sobrenomes serão sempre lembrados.
Em postura corajosa e profética, 152 bispos da Igreja Católica assinaram Carta ao Povo de Deus, divulgada dia 26/7/2020 na Coluna de Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo, se posicionando contra os desmandos do atual desgoverno federal chefiado por Jair Bolsonaro. Outros 150 bispos poderão assinar esta Carta em breve, pois mais de 70% dos bispos e dos padres não apoiam o atual presidente que comanda política autoritária, criminosa, genocida e ecocida.
Na Carta, os 152 bispos dizem em alto e bom tom: “Nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta indiferença. […] Temos clareza de que a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados […], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência.”
Os bispos alertam que o Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história com “a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança.” “Não cabe omissão, inércia e nem conivência diante dos desmandos do Governo Federal”, pontuam os bispos. Todos devem “combater as mazelas que se abateram sobre o povo brasileiro e a Casa Comum, ameaçada constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que despreza os direitos humanos e os da mãe terra.” Os 152 bispos denunciam também “a liberação do uso de agrotóxicos antes proibidos e o afrouxamento do controle de desmatamentos.” “Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós”” (Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/6/2020).”
Com a ira santa de Jesus Cristo diante dos vendilhões do templo, lugar sagrado, os 152 bispos denunciam: “Assistimos, sistematicamente, a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino, o caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço. Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). […] As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo.”
Profetizam os bispos: “É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população”. Como bons pastores que não apenas cuidam das ovelhas feridas, mas enfrentam os lobos vorazes, os 152 bispos denunciam: “O sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço. Convivemos, assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população, e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais.”
De forma lapidar e com precisão cirúrgica, os 152 bispos põem o dedo nos desmandos do desgoverno federal: “O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas.”
A idolatria do mercado é denunciada com veemência também pelos 152 bispos: “No plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda.”
Com veemência profética, continuam os 152 bispos: “Fechando os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que sobrevive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil. […] O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial para Enfrentamento à COVID-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais” (Cf. Presidência da CNBB, Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020).
Os 152 bispos interpelam nossa consciência: “Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?” Cientes que mudança emancipadora só vem de baixo para cima, a partir dos explorados, os 152 conclamam a todas as pessoas de boa vontade: “Despertemo-nos, portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo, alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz”” (Romanos 13,12).
Esta Carta ao Povo de Deus é tão contundente e profética como os Documentos divulgados por bispos da Igreja Católica nos anos de chumbo da ditadura militar-civil-empresarial iniciada em 31 de março de 1964. Dia 6 de maio de 1973 – ano do milagre econômico -, 18 bispos e superiores religiosos do regional Nordeste II da CNBB lançaram o documento Eu ouvi os clamores do meu povo, que denunciava as práticas assistencialistas da Igreja, pois eram mancomunadas com os dominadores (Eu ouvi os clamores, 1973, p. 10). Nesse Documento, os bispos do Nordeste analisavam e propunham revisão de postura. Diziam os bispos do Nordeste: “A Igreja tem feito o jogo dos opressores, tem favorecido aos poderosos do dinheiro e da política contra o bem comum. […] À luz, portanto, de nossa Fé e com a consciência da injustiça que caracteriza as estruturas econômica e social de nosso país, entregamo-nos a uma profunda revisão de nossa atitude de amor pelos oprimidos, cuja pobreza é a outra face da riqueza de seus opressores” (Eu ouvi os clamores, 1973, p. 27).
Seis bispos do Centro-Oeste, da parte mais violentada da Amazônia, também lançaram no mesmo dia, 6 de maio de 1973, o documento Marginalização de um povo – grito das Igrejas, onde se afirmava: “Precisamos apoiar a organização de todos os trabalhadores. Sem isto, eles não se libertarão nunca” (Marginalização de um povo, 1973, p. 42). Os bispos denunciavam a exploração a que era submetido o povo trabalhador nas contradições do capitalismo: “[…] é um povo que luta e labuta, diário, num trabalho que, se não tira da pobreza os que trabalham, serve para enricar mais ainda os que já são ricos. […] O latifúndio está crescendo, fica mais poderoso. E tem apoio das autoridades. […] O sistema capitalista é a fonte de todos os males que assolam a vida do povo” (Marginalização de um povo, 1973, p. 9 e 14). E, mesmo confundindo dinheiro com capital, os bispos do Centro-Oeste compreendiam as contradições do capital e anunciavam uma utopia: “Queremos um mundo onde os frutos do trabalho sejam de todos. Queremos um mundo em que se trabalhe não para enriquecer, mas para que todos tenham o necessário para viver: comida, zelo com saúde, casa, estudos, roupa, calçados, água e luz. Queremos um mundo em que o dinheiro esteja a serviço dos homens e não os homens a serviço do dinheiro” (Marginalização de um povo, 1973, p. 43).
Os bispos e missionários da causa indígena lançaram também em 25 de dezembro de 1973 a declaração Y-juca-pirama – o índio: aquele que deve morrer, que era “documento de urgência”. Nesse se repudiava ‘civilizar’ os indígenas e defendia o reconhecimento das culturas indígenas. Nesse sentido afirmavam: “O objetivo do nosso trabalho não será ‘civilizar’ os índios. […] Urgente necessidade de reconhecer e publicar certos valores que são mais humanos, e assim, mais evangélicos do que os nossos ‘civilizados’ e constituem uma verdadeira contestação à nossa sociedade” (Y-Juca-Pirama, 1973, p. 21).
Esses documentos assinados por vários bispos deixavam patente a necessidade de uma mudança radical na atuação pastoral da Igreja. No livro O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta, José de Souza Martins aponta a revolução que esses Documentos de vários bispos provocavam: “Esses documentos anunciavam uma verdadeira revolução no trabalho pastoral, e constatavam que, de fato, o capitalismo subdesenvolvido e tributário não levaria à emancipação dos pobres. Ao contrário, o desenvolvimento econômico, que o Estado e o capital levavam adiante, no País, semeava fome, violência, destruição e morte” (MARTINS, 1999, p. 137).
A Igreja muda para contribuir com o processo de emancipação humana da classe trabalhadora e do campesinato ao abraçar a opção pelos pobres, que “é uma opção preferencial pela des-ordem que desata, desordenando, os vínculos de coerção e esmagamento que tornam a sociedade mais rica e a humanidade mais pobre. E ao desatar, liberta” (MARTINS, 1989, p. 57). Deus levanta os líderes da Igreja para denunciar o mal e anunciar que seu povo e toda a criação devem ser tratados com respeito e justiça, e conclamar a ações libertadoras, transformadoras . “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Miquéias 6,8). Com o monge Marcelo Barros saudamos “a volta da profecia na voz dos cuidadores do povo de Deus” e esperamos que estas denúncias claras contra o desgoverno federal que nos assola possam continuar por posicionamento claro destes bispos sobre os setores da nossa própria Igreja que apoiam esta iniquidade ou simplesmente ao se omitirem nesta hora a legitimam. Quem tiver ouvidos, ouça o que os 152 bispos dizem e enxergue o caminho que apontam.
Referências.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso:ensaios de Sociologia da História Lenta. 2ª edição. São Paulo: HUCITEC, 1999.
MARTINS, José de Souza. Caminhada no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo. São Paulo: HUCITEC, 1989.
Documento de Bispos e Superiores Religiosos do Nordeste – Eu Ouvi os Clamores do Meu Povo. Salvador, Editora Beneditina, 1973; Marginalização de um Povo – o Grito das Igrejas, Goiânia, 1973; Y-Juca-Pirama – o Índio Aquele que Deve morrer (Documento de urgência de Bispos e Missionários), s.e., s.l., 1973.
28/7/2020.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 – 3ª Live do Movimento Inter-Religioso do Vale do Aço, MG: Fora, Bolsonaro? – Debate Inter-Religioso.
2 – Live – Fora Bolsonaro e o (des)governo federal? – Debate interreligioso
3 – Live CRISTÃOS TAMBÉM GRITAM: “FORA BOLSONARO”!!! – Frei Gilvander Moreira, Pastor Daniel Elias (Frente de Evangélicos/PT), Renata Miranda (Frente de Evangélicos/MG), Sara Suzan (PJ) e Paulo Amaral.
4 – Padre Nelito Dornelas: Debate Inter-Religioso “Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?”- 26/7/2020
5 – Dom Vicente Ferreira na Live “Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?” – Debate Inter-Religioso, dia 12/7/2020.
6 – Irmã Claudicéa Ribeiro na Live “Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?” – Debate Inter-Religioso – 12/7/2020.
7 – Padre Ronan: “Fora, Bolsonaro e esse governo de morte!” Eloquência e Profetismo – 12/7/2020
https://www.youtube.com/watch?v=3DEzWkp_7f4
8 – A voz profética de dom Mauro Morelli: Por que “Fora, Bolsonaro”? – 12/7/2020
9 – Padre Edson, de Artur Nogueira/SP reafirma denúncias das opressões causadas por Bolsonaro. 05/7/2020
10 – Frei Gilvander e Dom Mauro Morelli na Live “Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?” – Parte I
11 – Frei Gilvander na Live Cristãos também gritam “FORA BOLSONARO e todo desgoverno federal!”- 28/6/2020
12 – Padre José Ailton: Faz carreata contra Quarentena quem não se preocupa com a vida dos trabalhadores
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
É muito comum associar o bolsonarismo ao negacionismo científico. O bolsonarismo seria eticamente repulsivo, entre outras coisas, porque nega os consensos científicos, porque rejeita os fundamentos da ciência cartesiana, porque desobedece a comunidade científica. Implícita está a ideia de que a ciência sempre é humanista, é sempre virtuosa. Como se não fosse possível ser, ao mesmo tempo, perverso e seguidor dos protocolos científicos.
Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Essa relação imediata entre entre ciência e virtude é algo ingênua e facilmente desmentida pela própria história da ciência. A ideia de que o bolsonarismo é necessariamente negacionista também não se sustenta na crônica política, especialmente no que se refere ao enfrentamento à pandemia da covid-19.
A forma como governo de Jair Bolsonaro está enfrentando a pandemia da covid-19 não tem nada, absolutamente nada, de negacionista, de anticientífica. Pelo contrário, é perfeitamente coerente com o pensamento científico. Está correta do ponto de vista técnico.
Desde o primeiro dia de pandemia, as autoridades sanitárias nacionais e internacionais recomendaram: o isolamento social é o único jeito de combater a pandemia. Fecha tudo, esvazia as ruas, dá um tapa na curva pra preservar o sistema de saúde, enquanto os cientistas trabalham num medicamento ou numa vacina.
Este é a solução científica eticamente adequada para combater a pandemia. Mas não é a única saída cientificamente possível. Como nem tudo são flores nesta vida, há também a solução científica eticamente repulsiva.
O científico eticamente adequado é tão científico quanto o científico eticamente repulsivo. Por isso, a discussão jamais, sob hipótese alguma, pode ser apenas científica. Tem que ser também políticamente normativa, um tantinho filosófica.
O governo de Bolsonaro escolheu a estratégia científica eticamente repulsiva. Foi coerente com sua própria essência. Não podemos negar.
Não é incompetência. Não é negacionismo científico. É pior!
Quando Bolsonaro boicotou as medidas de isolamento, fritou dois ministros da saúde, vetou a lei que decretava a obrigatoriedade do uso de máscaras e gastou apenas 1/3 do orçamento previsto para o combate à pandemia, estava escolhendo um método cientificamente autorizado para lidar com o problema.
Deixa o vírus correr, infectar as pessoas, até o momento em que a populacao estiver naturalmente imunizada, custe o que custar, morra quem morrer.
Num país de 210 milhões de habitantes, de proporções continentais, qual será o custo da estratégia? Quanto tempo leva?
0,1% de mortos? Parece pouco, né? Em números absolutos são 210 mil pessoas. Se for 0,2%? Ainda assim será pouco? 420 mil pessoas! E vamos somando, de 0,1 em 0,1%. Até onde vai? Será que chega em mim, no meu pai, na minha mãe? A cada, 0,1%, a chance aumenta. Vale pra você também, leitor e leitora. É uma bomba relógio. Tic, tac, tic, tac.
O governo brasileiro está disposto a pagar o preço, seja ele qual for. Estamos com quase 85 mil mortos. E contando. E o vírus circulando, e as pessoas morrendo. Em algum momento, virá a tal imunidade natural do rebanho. É o que a ciência diz.
Os que sobreviverem ficarão imunes. Os que morreram, em sua maioria pessoas mais frágeis, não voltam mais. Óbvio! A ciência também diz isso. Sobram os mais fortes, aptos e saudáveis. Na história da ciência, a estratégia bolsonarista tem nome: eugenia, darwinismo social. Na história politica tem nome também: genocídio!
Nomear as coisas com os nomes que elas têm é, antes de tudo, ato político desestabilizador, como percebemos na reação histérica dos generais à entrevista de Gilmar Mendes.
Dizer que o bolsonarismo é obscurantista, negacionista, ignorante, significa ser indulgente. Não se trata de nada disso. É pior. É muito pior.
Quando Osmar Terra participou do programa da Globo News, no começo de maio, e disse que as pessoas não deveriam ficar trancadas em casa, que tinham que ir mesmo pra rua se infectar, ele estava cientificamente correto, certinho.
A máxima “obedeçam a ciência”, tão ventilada no início da pandemia, pode ser muito perigosa. Não é tudo que a ciência manda que a gente tem que obedecer não. Carece de ter cautela, de selecionar repertórios, caso a caso, com lupa ampliada em cada situação.
Há no meio disso tudo apenas duas certezas, que podem ser provadas, cientificamente: 1°) Bolsonaro e seus cumplices são genocidas. 2°) A ciência não detém o monopólio da virtude.