Todos já devem saber que a Feijoada e a apresentação do samba na quadra da Mangueira foram canceladas.
Apesar da triste notícia, a diretoria da Mangueira resolveu distribuir para a comunidade do Morro toda a feijoada que foi preparada pra a festa que aconteceria hoje em sua quadra, na apresentação da cantora Alcione e segmentos da escola. O motivo foi um forte tiroteio que ocorreu no Morro.
Me chamou atenção o Depoimento do Romário Souza, presidente da torcida organizada da Mangueira.
Não teve feijoada, mais sobrou emoção.
Assim relatou o Romário responsável pela torcida organizada da Estação Primeira de Mangueira:
Como não teve feijoada a Escola liberou a feijoada pra comunidade comer, estava eu na fila e tinha muitas crianças, e uma no meio de muitas me chamou atenção… Um menino aparentemente de 8 anos de idade fez a pergunta: “Tio, feijoada é bom?” Prontamente respondi que sim e perguntei se ele nunca tinha comido e ele disse que não, e vendo aquela fila olhei e me perguntei quantos também não têm essa oportunidade de comer uma feijoada. Não, não teve feijoada. Foi um prejuízo enorme pra escola, mas, pra inúmeras pessoas, foi a comida que salvou o seu dia.
Essa é a IMAGEM que uma ESCOLA DE SAMBA deve ter. Muito provável que em outros lugares essa comida fosse toda para o lixo. Ela teve custos e ninguém gosta de perder. Mas ganha que sabe ser solidário. Decerto, a COMUNIDADE DA MANGUEIRA retribuirá muito mais do que ela já faz.
“As pessoas que se preocupam com o bem estar do próximo mostram que a solidariedade enriquece suas almas e as faz mensageiras da alegria.”
SALVE A ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA ??
Leia a nota oficial da Mangueira, sobre o cancelamento da feijoada e do ensaio da escola:
“A diretoria da Estação Primeira de Mangueira vem informar ao público frequentador do Palácio do Samba, que devido à falta de segurança na região, que no dia de hoje fechou o Jardim Zoológico da Quinta da Boa Vista e vias de acesso, causando grande transtorno à população, optamos por cancelar o Ensaio Show deste sábado, 13 de janeiro, que aconteceria a partir das 22h no Palácio do Samba. Confirmamos a realização do Ensaio de Rua, amanhã, domingo, 19h na Av. Estação Primeira de Mangueira, ao lado do metrô Maracanã e o Ensaio Show no próximo sábado, dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião padroeiro da cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Que Ele possa nos abençoar com paz e segurança! Gratos pela compreensão de todas e de todos. Saudações mangueirenses.”
Neste domingo, 10 de dezembro, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) comemorou em praça pública, em companhia de 30.000 pessoas (o que não é para qualquer um), seus 20 anos de luta. Tinha Caetano Veloso, Criolo, Maria Gadú e outras jóias preciosas da Música Brasileira, cantando num show de graça, uma festa aberta a todo mundo. Uma celebração.
Mas dona Martha Rodrigues achou de criticar o rolê, argumentando que tinha pouco MTST na festa do MTST. Veja o link aqui.
Vamos falar a real: se tem um movimento que não precisa mostrar as credenciais populares e o enraizamento entre a gente oprimida, preta e pobre, esse movimento é o MTST.
São ocupações, lutas, atos públicos, caminhadas épicas imensas, cenas bíblicas, com milhares e milhares de mulheres, idosos, LGBTs, pretos, homens sofridos e guerreiros. Não tem Moisés abrindo o Mar Vermelho, efeito especial de todos os jeitos, nas novelas da Record, que rivalize em emoção com o povo do MTST de carne e osso lutando unido pela sua terra prometida.
Bom, aí o MTST faz uma festa-celebração com alguns dos maiores artistas brasileiros, e vem a amargura se pronunciar: “festa sem povo”, “festa da Vila Madalena”, “festa de branco”.
Eu prefiro um milhão de vezes focalizar o fato de que esses brancos, essa Vila Madalena, provavelmente, foi pela primeira vez a um evento do Movimento dos Sem-teto. Que, pela primeira vez, eles puderam ver que o MTST é cultura, é arte, é amor. É festa. É praça aberta, é felicidade.
Quando se sabe que os Kim Kataguiri, Alckmin, os latifundiários urbanos, e os poderosos sempre imputam aos lutadores a pecha de “criminosos”, a praça lotada caetaneando o que há de bom é a melhor contra-narrativa ao discurso dominante.
Caetano canta na festa dos 20 anos do MTST – foto de Guilherme Silva
Por fim, disponibilizo para vocês o depoimento de uma linda guerreira sem-teto, da Ocupação Marisa Letícia Lula da Silva, ligada à Frente de Luta pela Moradia (um movimento distinto do MTST e, num certo sentido, rival deste). Toninha é negra e é pobre. E é da luta. E estava lá, no largo da Batata, acompanhada de outras mulheres pobres da mesma ocupação. Mas dona Martha Rodrigues não as viu e nem as entrevistou.
Em vez de se ater ao que separa as duas organizações, essas mulheres falaram sobre a necessidade de todos se unirem contra os retrocessos, contra o confisco dos direitos do povo, por um mundo mais justo.
Elas estavam felizes, dançando, cantando –gloriosas–, com Caetano Veloso. É, esse cara, a quem elas nunca teriam tido acesso se não fosse o feliz encontro do artista com o MTST, estava ali, generosamente, espalhando a sua poesia e arte para todos.
Aprende, Martha! União e gratidão levam a gente a brilhar. O resto é a treva da amargura e da depressão. Ninguém precisa disso.
Centenas de pessoas ocuparam as ruas centrais da cidade no Dia da Consciência Negra. O feriado de 20 de novembro tornou-se um dia marcado por luta e resistência contra a invisibilidade que oprime e população negra. E também um dia de homenagear os que lutaram por liberdade e igualdade para o povo negro.
Nomes como os de Zumbi, que dá o nome a marcha em Campinas, e Dandara são constantemente lembrados e homenageados como símbolos de luta, liberdade e igualdade.
Movimentos sociais, culturais , religiosos e a população se concentram na Estação Cultura Antônio da Costa Santos, tocando seus tambores e cantando. Seguiram em cortejo pelas ruas 13 de Maio, Praça José Bonifácio, Barão de Jaguara, Francisco Glicério até o Largo do Rosário.
Durante o trajeto falas de representantes dos movimentos faziam reflexão sobre desigualdade racial no nosso país.
A desigualdade social
Números oficiais sobre a desigualdade social, os inúmeros episódios de violência e racismo nas periferias do Brasil colocam ainda os negros entre os mais pobres do país e muito distantes da conquista pela igualdade.
A população negra é a mais afetada pela desigualdade e pela violência no Brasil, de acordo com o alerta da ONU ( Organização das Nações Unidas). No mercado de trabalho, os afrodescendentes enfrentam mais dificuldades na progressão da carreira, na igualdade salarial e são mais vulneráveis ao assédio moral.
A população negra também corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios, segundo o Atlas da Violência 2017,
O feminicídio também tem cor no Brasil: atinge principalmente as mulheres negras. Entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54%, ao passo que o índice de feminicídios de brancas caiu 10% no mesmo período de tempo. Os dados são do Mapa da Violência 2015, que comprova a necessidade de olhar para o componente racial nos avanços nas políticas de enfrentamento à violência de gênero.
Jovens e negros: as maiores vítimas da violência
As informações contidas no Atlas da Violência 2017 revela ainda que os, jovens do sexo masculino, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País. A população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios, de acordo com informações do Atlas da Violência 2017.
Atualmente, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência.
Intolerância Religiosa
Crescem assustadoramente os ataques às casas religiosas de matriz africana no Brasil, agressões verbais, destruição de imagens sacras, e até ataques incendiários, ou tentativas de homicídio. A situação preocupa integrantes das diversas religiões. Em vários estados, o Ministério Público investiga ocorrências recentes de intolerância religiosa. Segundo o Ministério dos Diretos Humanos, 1.486 casos foram relatados ao Disque 100 entre janeiro de 2015 e o primeiro semestre deste ano, uma denúncia a cada 15 horas.
Educação é uma saída
Ações afirmativas e de inclusão são caminhos para minimizar e tentar corrigir desigualdades raciais presentes na sociedade, acumuladas ao longo de anos.
A necessidade de políticas públicas que garantam a inclusão da temática da igualdade racial no âmbito escolar, a importância da cultura negra e a história africana e a capacitação dos professores, com certeza é um caminho para a equidade social.
Uma vez por mês a praça Bento Quirino, localizada no centro de Campinas (SP) recebe o “Sarau das Manas”, o público ocupa as mesas dos bares para ver as apresentações artísticas.
Aline, 22 anos, constata: “ É bom ver as garotas se apresentarem em local público acessível a todos”, Luiza, 26 anos completa; “ Tomamos a nossa cerveja curtindo ótimas apresentações. Lugar de mulher é onde ela quiser estar. Cantando, tocando, ou apenas tomando a sua cerveja”.
No Sarau das Manas as mulheres são as protagonistas, são elas que fazem toda a produção desde os alvarás até a parte técnica de som e iluminação, a grade de programação, estão na frente do microfone ou atrás da mesa de discotecagem.
A Dj Raquel tem comandado a arte das mixagens.
Surgido em dezembro de 2016, o Sarau das Manas contribui para o empoderamento feminino nas artes por meio do protagonismo das mulheres. O Sarau é um mecanismo de visibilidade instrumentalização das mulheres pois a produção e sustentação do evento é exclusivamente feminina.
Escritoras, dançarinas, cantoras, instrumentistas, produtoras, jornalistas, jongueiras, sambistas, DJ e articuladoras do movimento hip-hop são algumas das frentes artísticas presentes no sarau.
A Mc Nega Maay ressalta a importância do fortalecimento da cena da arte, do RAP e da poesia, a Mc Mina Min acrescenta que “ os homens são bem-vindos sim, estão convidados a vir assistir. É tudo democrático e com respeito, só que o microfone é das mulheres, somos nós mulheres que temos que ter nossas vozes ouvidas e a cada dia conquistar o nosso espaço”.
Participam da rede de realização do Sarau das Manas; Coletivo Aos Brados Campinas , Comunidade Jongo Dito Ribeiro , Coletivo de Mulheres Negras Lélia Gonzalez , Quilombo Urbano O.M.G. , Associação de Promotoras Legais Populares CIDA DA TERRA de Campinas e Região, Frente de Mulheres Negras de Campinas e Região, “AsMinaÉZika”, Coletivo TransTornar, Coletivo NINA e Estúdio Jabuticaba.
DJ Raquel no Sarau das ManasA cantora e compositora Marilia Correa solta a voz no Sarau das Manas
A Mostra Luta, que acontece em vários locais da cidade de Campinas (SP), prestará uma homenagem à Sandra, uma das fundadoras da Associação Mulheres Guerreiras – Profissionais do Sexo, vítima de feminicídio no dia 1º de outubro de 2017.
A homenagem será na quinta-feira, 19 de outubro no MIS ( Museu da Imagem e do Som – Rua Regente Feijó, 859, Centro, Campinas ) a partir das 19 horas.
Sandra foi o nome escolhido por Theresinha Ferreira para exercer seu trabalho. Foi brutalmente assassinada, aos 58 anos, com oito facadas no Jardim São Sebastião em Monte-Mor, região metropolitana de Campinas. O criminoso ainda não foi identificado pela polícia, e, segundo testemunhas do feminicídio, ele usava “balaclava” – conhecida como “touca ninja” – e capacete para evitar o reconhecimento.
Theresinha Ferreira, a Sandra, era mestiça e órfã, descendente da tribo indígena kayapós e de espanhóis, sua família foi assassinada em disputas de terras. Sandra foi traficada aos 12 anos de idade e mantida em cativeiro onde gerou duas crianças que foram retiradas dela.
Após liberta-se do cativeiro e depois de algumas andanças chegou à Campinas. Trabalhou muitos anos no Jardim Itatinga, zona de prostituição na periferia da cidade. Protegia as prostitutas do centro da violência da polícia e era conhecida como: “ Mãe da Rua”. Sandra adotou uma criança cigana que ficou órfã devido à ação violenta envolvendo sua família e policiais no centro da cidade. Também lutava pelas mulheres que trabalhavam como profissionais do sexo em Campinas, e, em conjunto com as mulheres, da região central da cidade, fundou a Associação Mulheres Guerreiras – Profissionais do Sexo.
Sandra foi mais uma vítima de feminicídio, que é o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher.
No Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2015, o Mapa da Violência sobre homicídios entre o público feminino revelou que, de 2003 a 2013, o número de assassinatos apenas em Porto Alegre cresceu 0,7 ao ano.
Em março de 2015 foi aprovada a Lei do Feminicídio, classificando-o como crime hediondo e com agravantes quando acontece em situações específicas de vulnerabilidade (gravidez, menor de idade, na presença de filhos, etc.)
A programação da quinta-feira, 19 de outubro da Mostra Luta
19h- “Direitos Humanos na resistência à indireitação planetária”
Roda de conversa coordenada por Paulo Mariante, presidente do Fórum Municipal de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania de Campinas, grupo Identidade e convidados.
SANDRA PRESENTE!!! – Homenagem a Sandra, mulher guerreira, uma das fundadoras da Associação das Mulheres Guerreiras de Campinas
Mostra Luta
É um evento político cultural organizado por coletivos de comunicação popular de Campinas, que começou em 2008 como uma mostra de vídeos que abordavam as lutas sociais e, ao longo dos anos, passou também a incluir realizações em outras linguagens, como fotografia, quadrinhos, poesia, dança, música, teatro, debates, rodas de conversa, oficinas e saraus.
Em tempos de golpes, a Mostra Luta! reafirma que a luta continua presente nas ruas, nos bairros, nas fábricas, nos sindicatos, nas escolas, nos quilombos e nas quebradas de todo o país, nas muitas formas de luta por direitos, justiça, dignidade e emancipação social.
www.mostraluta.campinas.br
Semelhança das inscrições rupestres com ideogramas chineses despertou a investigação
Foi o interesse apaixonado pela história da Ilha de Santa Catarina que levou Fausto Guimarães, filho de pescador, a “atravessar a ponte” para a China e a ser reconhecido no Oriente e nos Estados Unidos como o maior pesquisador do mundo sobre a presença dos chineses nesta região antes da chegada de Cabral. Agente de vigilância do INSS, ele lança, na sexta-feira (15), às 19 horas, no Restaurante Árabe Falah, em Florianópolis, sua quarta publicação sobre a passagem pelo Brasil de dois dos cinco almirantes da dinastia chinesa Ming, entre os anos de 1421 e 1423. Criado no Morro do Céu, Fausto tornou-se não apenas um grande especialista nas incursões chinesas pelo Novo Mundo, como autor de uma descoberta arqueológica capaz de revolucionar tudo que se sabe sobre as relações entre os indígenas que aqui habitavam e esse povo do Oriente. Capaz também de mudar o entendimento sobre as inscrições rupestres e os artefatos de pesca locais que, na sua hipótese, são uma transferência de tecnologia chinesa na troca de conhecimento com os índios Avás.
Para início de compreensão da importância de suas pesquisas, a partir delas a origem das inscrições rupestres dos sítios arqueológicos teria uma versão muito diferente da conhecida: “Já temos evidências para demonstrar que nos desenhos dos dois costões do Santinho ou da Ilha do Arvoredo, por exemplo, há presença de caracteres chineses”, afirma Fausto. O encontro feliz entre o manezinho da Ilha e o mundo do Oriente aconteceu há 15 anos quando caminhava pela praia doSantinho e é tão
Inscrições rupestres poderiam indicar a troca de símbolos indígenas e ideogramas chineses (Ilha do Campeche)
fascinante quanto a história que ele passou a contar a partir daí, traduzidas do português para o mandarim e para o inglês. Junto com as publicações, ele tem realizado inúmeras palestras em congressos internacionais sobre as incursões marítimas das dinastias chinesas pelas Américas no período pré-colombiano, patrocinadas pelo governo e por instituições de pesquisa na China e nos Estados Unidos, onde suas teses já são referência.
Não limitado a publicar suas descobertas em forma de romance no primeiro livro “A rampa do Santinho, um legado chinês na Ilha de Santa Catarina” (Editora Insular, 2010), edição bilíngue português-mandarim de 456 páginas, o servidor recorre agora às histórias em quadrinhos para divulgar essa narrativa épica. “A grande maioria dos florianopolitanos e brasileiros – e mesmo os entendidos na cultura local – desconhece completamente os impactos da presença chinesa na Ilha”, enfatiza Fausto, 52 anos, que com o cabelo ruivo e os olhos clarosfoge ao estereótipo brasileiro. “Desconhecem inclusive o fato histórico das navegações marítimas chinesas”. Em A grande viagem às Terras do Oeste (Brasil) – 1421, a revista em quadrinhos que ele lança na sexta-feira vem para romper um pouco o silêncio sobre esse contato prodigioso entre dois povos fundadores da cultura local, na sua visão. Compõem as ilustrações um mix de tecnologia virtual com alguns desenhos dele mesmo e de outros autores, mas a maior parte são adaptações fotográficas, a exemplo das fotos aéreas da região dos Ingleses e do Santinho, explica Fausto, que trabalha na Previdência Social há 33 anos.
Tanto livro como revista são, conforme o autor, coerentes com paradigmas e estudos já consolidados sobre as experiências dos chineses com outros povos. Sem referências exatas de realidade para compor uma etnografia, optou por preencher as lacunas com as suas suposições, narrando em forma de romance a relação desses exploradores com os índios Avás, que habitavam a Ilha de Santa Catarina e arredores. “Mas tudo que escrevi explorando a imaginação parte das minhas pesquisas e do
Agente de vigilância lança sua quarta publicação
conhecimento estabelecido por outros autores”, esclarece Fausto, que fará distribuição gratuita das revistas no lançamento. Com a ajuda das comunidades Guarani, árabe e chinesa, organizou para o evento uma grande performance com música, dança e teatro em torno de episódios do seu épico que mostram a pluralidade cultural dessas relações entre povos.
Primeiro livro do autor é a história romanceada das relações entre chineses e os índios Avás na Ilha de Santa Catarina
Até 15 anos atrás, antes da publicação do romance de Fausto, os pesquisadores canônicos só falavam das expedições europeias ao Brasil e ao Novo Mundo como um todo. Ao longo de seis séculos, a misteriosa passagem dos chineses manteve-se desconhecida dos historiadores modernos como um tesouro secreto. Com esse episódio, o romance entre a índia Iracema e o marinheiro Xiao também ficou guardado feito uma pérola em concha fechada para ser reinventado pela pena do autor. Interessado pela cultura chinesa desde que estudou acupuntura no Ceata, em São Paulo (1995), e desde a graduação no curso de História da UFSC (1997), Fausto fez sua primeira viagem à China em 2005. Ficara entusiasmado pelas viagens marítimas pré-colombianas ao ouvir de uma guia turística chinesa em São Paulo sobre sua presença no Amazonas. Essa informação reforçou a hipótese da presença chinesa também em Meiembipe (nome indígena de Florianópolis) e aumentou a suspeita de que as inscrições rupestres tinham a marca oriental.
As investigações bibliográficas e em campo acabaram tomando conta do seu tempo livre e deram origem ao segundo livro, que apresenta a trajetória dos seus estudos e fundamenta suas hipóteses. Em Do Shan Hai Jing às épicas viagens do almirante Zheng He; estariam os chineses visitando as Américas e o Brasil há mais de quatro mil anos?, ele explica os elementos que foi interligando para creditar a narrativa sobre os rastros deixados pelos chineses na Ilha. Entre eles estão os registros do Padre Alfredo Rhor, no primeiro congresso local sobre Arte Rupestre, em meados de 1960, revelando ter tirado e extraviado na década de 40 a pedra com a imagem de uma santa que se atribuía à padroeira dos navegantes. Diante desse objeto sacralizado pela comunidade local, as mulheres dos pescadores faziam suas preces para pedir proteção antes de os homens se lançarem ao mar, numa espécie de ritual pagão.
Depois de escrever o romance, Fausto recorreu a história em quadrinhos para divulgar essa história ignorada que desmonta a vulgata ocidental sobre o descobrimento
Décadas depois, conversando com o pai pescador e com as mulheres mais velhas do Santinho, que alegaram ter ouvido a explosão da pedra quando crianças, Fausto verificou que o artefato tinha uma localização e um tamanho muito diferentes dos mencionada pelo arqueólogo. “Segundo os relatos, o santuário devia ter o tamanho de uma porta, e não os 33 centímetros informados pelo padre”. A descrição da imagem feita pelo padre também difere da apresentada pelas mulheres, o que levou Fausto ao seu primeiro grande achado: tratava-se, na verdade, não de uma santa católica, mas de uma mulher grande e forte, com um chapéu quadrado e um manto nas costas, que corresponde à figura de uma chinesa chamada Mazu. Hábil nadadora, essa personagem viveu de fato no século X na colônia de pescadores Meizhou, no litoral de China. Entre seus feitos, consta ter salvado vários homens de afogamento com seus braços fortes. Depois de sumir no mar, Mazu foi mistificada como uma espécie de padroeira dos pescadores.
Com equipe de pesquisadores na China
As surpresas não terminam por aí. Nesse trabalho de campo, o autor confirmou no costão esquerdo da Praia do Santinho, bem na entrada pelo mar, a existência de uma pedra com um furo de dinamite, provavelmente a da imagem da Santa dos Navegantes oriental, implodida pelo padre. E o mais importante: descobriu ao lado dela uma grande rampa cortada na pedra, visivelmente produto de manufatura humana e não da ação da natureza, que serviria ao atracamento das embarcações. Tomou o cuidado de registrar essa descoberta na certeza de que em breve suas evidências seriam confirmadas, assim como outros indícios impactantes: num museu de Hong Kong, identificou muitos instrumentos de pesca, como puçá, coca, jererê, tarrafa que os índios usavam na Ilha de Santa Catarina. “Todos esses artefatos para pegar siri existem na China”, diz Fausto, sustentando ainda a tese de que a sofisticação das técnicas de pesca na Ilha, identificadas pela presença abrupta e inexplicável de esqueletos de grandes peixes nos sambaquis, seria resultante desse contato profícuo entre Avás e orientais. “Sem falar na semelhança etimológica e material da jangada nordestina com um pequeno junco chinês”, comenta o pesquisador, com uns olhos arregalados de espanto pelas possibilidades de interconexões multiculturais que a investigação de sua Ilha lhe trouxe. Da mesma forma, reflete, os chineses, que têm como padrão de comportamento o contágio e a apropriação cultural devem ter aprendido muito com os índios.
NO CONTEXTO DA MISSÃO CHINESA PELOS MARES
Estudante de mandarim há seis anos, logo o vigilante-historiador se faria um dos grandes pesquisadores das expedições chegadas à Ilha por ordens do imperador Zhu Di. O chefe da dinastia alistou cinco almirantes para, sob o comando de seu homem de confiança, o almirante Zheng He, cumprirem uma desafiadora missão: descobrir terras além da África e cartografar todos os oceanos do mundo. O imperador estava decidido a implantar uma importante mudança cultural no mapa político e geográfico do planeta. Desejava romper definitivamente com uma tradição de milênios, pela qual os chineses mantinham-se fechados ao olhos do mundo. Nessa expedição, Hong Bao seria o responsável pela “descoberta” de terras, hoje conhecidas como Brasil. Junto com ele, outros chineses, indianos e um africano de nome Kebec, empreenderiam uma impactante relação com os índios Avás, que significa gente em Guarani e substitui a denominação europeia de Carijós (índios escuros e claros).
Na hipótese do historiador, algumas inscrições são feitas de símbolos indígenas e outras de caracteres chineses
Conta o livro, sempre preservando o tom solene e misterioso de um grande épico que versa sobre o encontro de dois povos de diferenças abissais: “Hong Bao é o comandante da missão que se dirige para a terra do Oeste. Sob suas ordens homens e mulheres viverão em comunhão com ideais confucianos. O mundo dos nativos Avás nunca mais será o mesmo. Os chineses levarão seu conhecimento e em troca receberão o respeito dos povos desta terra”. Além de criar a história amorosa de Iracema e Xiao, o romance fala da vida simples do cacique e de seu povo, a trama de Seci para roubar Xiao de Iracema e as armadilhas feitas pelas índias amazonas para capturar seus prisioneiros. Pergunto se essa relação não foi romantizada, considerando que na história mundial os países expedicionários sempre foram truculentos e dominadores com outros povos em suas explorações marítimas. E ele me responde com uma aula sobre o pensamento e a história chinesa, segundo a qual os ditadores que barbarizaram a Ásia não eram de fato chineses, mas pertenciam a outras nações que invadiram a própria China, como os mongóis e manchus. “Ao contrário das explorações europeias que marcaram nossa colonização, a base desse relacionamento chinês com outros povos sempre foi a paz e o respeito”, garante, citando várias fontes bibliográficas e episódios históricos.
Revista em quadrinhos ilustrada pelo próprio autor
Em 2013, Fausto viajou à China a convite da Universidade de Macau e da Universidade de Shanghai para participar do seminário Viagens Marítimas Chinesas do Século XV. Nessa expedição de rota contrária aos antepassados de Hong Bao, apresentou seu trabalho sobre as evidências arqueológicas da possível passagem dos chineses pela Ilha de Santa Catarina antes da chegada dos portugueses, na Associação Macau para promoção e Intercâmbio entre Ásia-Pacífico e América Latina (Mapeau) na cidade de Macau. Em dezembro de 2016, já era o maior especialista no assunto e viajou a vários centros acadêmicos de pesquisas sobre explorações marítimas da China, em cidades como Beijing, Nanjing, Guangzhou, Hong Kong, entre outras, para divulgar seu terceiro livro, em inglês: From the Shan Hai Jing to the Epic Journeys of Admiral Zheng He in the XV Century; Where the Chinese visiting the Americas and Brazil over 4000 years ago? Por todos os institutos de pesquisa onde passou, só recebeu um gesto de imediato reconhecimento de ideogramas chineses quando mostrou as inscrições rupestres do Santinho e da Ilha do Arvoredo: “tui, tui, tui” (sim, sim, sim), respondiam-lhe com aquele gesto de cabeça afirmativo típico dos chineses.
Na Califórnia, onde o interesse pelo tema é fortíssimo, há também inscrições rupestres com evidências de ideogramas. Os estudos apontam, contudo, que elas resultam de visitas chinesas mais antigas ao continente americano, de cerca de dois mil anos atrás, o que poderia perfeitamente ter ocorrido também no Brasil. “Quando se fala em história, tudo são possibilidades”, reconhece Fausto, que não tem a pretensão de ser a última palavra a vencer essa distância de séculos ou de milênios, mas coloca em dúvida a vulgata do pioneirismo ocidental a partir das pegadas orientais que encontra pelas praias e no próprio corpo dos Guarani. “Não podemos mais é manter no encobrimento a presença de culturas anteriores à chegada dos navegadores europeus”.
Em outubro, o pesquisador anônimo em sua terra, mas famoso entre os sinólogos do Oriente e dos EUA, apresentará seu trabalho num simpósio de quatro dias sobre diáspora chinesa pelo mundo e pelo Brasil, no hotel Hilton, em São Francisco, na Califórnia. Essas viagens a convite de outros países são sempre patrocinadas, mas as pesquisas documentais ou de campo resultam de investimentos do próprio bolso. De tanto estudar as expedições não-ocidentais ao Brasil antes da invasão europeia, ele próprio se tornou um navegador a refazer obstinadamente, pelos livros ou pelas explorações físicas, as pontes que fazem as ligações estreitas entre dois povos muito mais próximos do que nossa vã herança ocidental é capaz de imaginar…