Jornalistas Livres

Categoria: Vídeo

  • A quem interessa ser profeta do caos?

    A quem interessa ser profeta do caos?

    Por Jacqueline Muniz, Ana Paula Miranda e Rosiane Rodrigues
    Imagens de autoria dos Jornalistas Livres, capturadas em protestos, no último final de semana, em São Paulo e na França
    A advertência de não realização de manifestações políticas, fundada no medo e na promoção do pânico social, é um atentado à democracia, uma forma de extorsão de poderes, de dirigismo monopolista das pautas plurais e das reivindicações divergentes de sujeitos que são diversos em cor, classe, renda, gênero, orientação sexual, instrução, etc. A advertência sob a forma de ameaça produz paralisia decisória de lideranças, imobilismo social e lugares resignados de fala, que seguem aprisionados nas redes sociais, na política emoticon do “estamos juntos” até o próximo bloqueio, diante da comunhão de princípios com diferença de opiniões: “você deve ir ao shopping, mas não a passeata”.
    A fabricação de conjecturas apocalípticas e suposições catastróficas com roupagem analítica é um recurso de persuasão de via única, impositiva, que aponta para um sentido hierárquico e, até mesmo autoritário, de quem se acha portador de uma verdade ‘revelada’ sobre os atos políticos e de uma razão superior sobre os fatos da política. A fala profética é uma fala moralista, ilusionista, que, por meio do uso da fé e do afeto, inocula nas pessoas uma culpa antecipada por suas escolhas para desqualificar seus arbítrios e fazê-las rebanho dependente de um guia despachante do juízo final. Este projeto de poder necessita fazer crer que o pessimismo visionário e proselitista é mais real que a própria realidade vivida e que deve fazer parte do cálculo das ovelhas boas e más, dos aliados e opositores de ocasião. A fala profética serve aos senhores da paz, da guerra e do mercado, sem distinção. É um jogo ardiloso do ganha ou ganha em qualquer circunstância ou resultado obtido.
    A quem interessa ser o profeta do caos? Ao próprio profeta que, inventor do jogo do quanto pior melhor, sacrifica seus seguidores feito gado, gasta a tinta das representações com seu próprio manifesto e promove a tensão entre espadas para se manter como o grande  conselheiro conciliador.  
    Os profetas do caos são como uma fênix que ressurgem da crise que criam. Eles se apresentam como proprietários das representações políticas, à direita ou à esquerda, em cima e embaixo. Eles se oferecem como mediadores dos conflitos que provocaram, como tradutores intérpretes na Torre de Babel que criaram entre nós.  A ameaça (do caos, da morte e do cerceamento da liberdade) não serve como advertência. Os profetas do caos produzem o medo, moeda de troca fundamental para a construção de milícias, para vender os seus remédios (previsíveis, amargos e inócuos). Para eles, não importa se os doentes morrem ou vivem, o que importa é que, doentes ou não, consumam suas previsões do passado.
    É notório que as polícias no Brasil têm tradição em policiar eficazmente o entretenimento lucrativo dos blocos de carnaval, shows e aglomerações em campeonatos de futebol. Nesses casos, sua atuação se dá na manutenção do status quo dos públicos, constituída a partir das atividades de contenção e dispersão das multidões. Já para o controle de pessoas que ocupam o espaço público sob a forma de protestos de todos os matizes políticos, apesar de ser um fenômeno relativamente recente e não haver protocolos policiais escritos e validados, sabemos que esses eventos se tornam encenações, nas quais janelas são abertas para oportunistas de todas as ordens, para acertos de contas da polícia dos bens com a polícia do bem, incluindo os ‘caroneiros’ de manifestação que comparecem por motivos completamente alheios às pautas dos protestos.
    Nesses espetáculos públicos que encenam os jogos da política aprendemos coisas muito básicas, sejamos nós manifestantes ou espectadores: sempre haverá a presença de agentes infiltrados (que ajudam na contenção) e de provocadores, para providenciar a dispersão. A infiltração de agentes de inteligência por dentro dos movimentos sociais remonta uma antiga estratégia estadunidense da década de 1960. Ou seja, muito antes do surgimento dos Black Bloc. Nos últimos 60 anos, acumulou-se um aprendizado sobre o uso do espaço
    público relativo ao círculo do protesto (aglomeração, deslocamento,  ato de encerramento e dispersão) que permite que os movimentos saibam lidar com esses elementos internos. 
    Neste mesmo período aprendemos, também, que o que torna legítimo um protesto não é a quantidade de indivíduos reunidos em um território específico por um período de tempo determinado, mas os modos de ocupação do espaço público e a construção coletiva de uma agenda política que os mobilize e tenha impacto na sociedade. A produção de dossiês intimidatórios, com a participação de agentes públicos, também não é novidade. Os constrangimentos da exposição de dados acabam por jogar na lama do “tribunal digital” os adversários, fortalecendo a promoção de linchamentos virtuais, de direita ou de esquerda.
    O governo Bolsonaro não é o único que tem disseminado o medo para sabotar os mecanismos de cooperação e mobilização sociais, substituindo práticas de coesão por coerções e cruzadas moralistas vindas de cima, de baixo e ao redor. Discursos do medo contra ou a favor de Bolsonaro são péssimos conselheiros porque dão a #Elenão um tamanho e uma agilidade política irreal, retirando-o do isolamento político em que se encontra para nos fazer acreditar que, quando chegarmos às ruas, imediatamente um cabo e um soldado fecharão o Congresso, o STF e tirarão as emissoras e os portais de internet do ar. O medo transforma Bolsonaro num bicho papão, num monstro mítico incontrolável que atira hordas de zumbis (com cabelos tingidos de acaju) contra todos nós.
    O medo disseminado faz com que as pessoas vejam gigantes onde há sombras e abram mão de seus direitos e garantias em favor de um ‘libertário do agora’ que prometa proteção. Mas o profeta-liberador de hoje será o seu tirano de amanhã!
    O rigor científico não permite que nós, pesquisadores, determinemos como os movimentos sociais devem se comportar, nem que sejam pautados por oráculos que anunciam profecias que se autorrealizam. A contemporaneidade produziu os ativismos acadêmicos, mas eles não devem substituir jamais a liberdade dos sujeitos de decidir suas agendas, nem servir de chofer dos movimentos sociais em direção à “Terra sem Males”, um mundo idílico sem conflitos e, por sua vez, sem a política. A ciência pode contribuir com diagnósticos da realidade e oferecer alternativas que considerem, inclusive, que a negação dos conflitos monopoliza o debate e as representações, obscurecendo as negociações dos interesses em disputa. Quando a decisão científica está acima da pactuação social ela deixa de ser ciência e passa a ser doutrina, retira da sociedade a responsabilidade pelas escolhas que faz, para o bem e para o mal.
    Ao  olharmos a história vemos que os discursos de “lei e ordem” são utilizados sempre a serviço dos interesses do Estado e seus grupos de poder. Viver sob o jugo da espada não é novidade para as pessoas para quem o isolamento social é uma prisão histórica dos direitos de cidadania, e não um privilégio de classes. A juventude, principalmente a negra, conhece de perto a violência policial, e sabe que nem em casa está protegida.
    Sobre as autoras do texto: 
    JACQUELINE MUNIZ,antropóloga, professora da UFF.
    ANA PAULA MIRANDA, antropóloga, professora da UFF
    ROSIANE RODRIGUES, antropóloga, pesquisadora do INEAC/UFF.
  • S.O.S. Cinemateca, um grito contra o descaso

    S.O.S. Cinemateca, um grito contra o descaso

    A manifestação da manhã desta quinta-feira, 4 de junho, foi idealizado organizada pelo “Grupo de Trabalho Cinemateca” da APACI – Associação Paulista de Cineastas, com apoio do Movimento “Cinemateca Acesa”. Aconteceu em frente à sede da Cinemateca Brasileira, no bairro de Vila Mariana, em São Paulo, e contou com vários profidssionais da área do cinema e audiovisual, obedecendo as regras de proteção e distanciamento por causa da pandemia do novo coronavírus. Uma faixa com os dizeres SOS CINEMATECA – nome do movimento, foi extendida na porta da Cinemateca.

    No Largo em frente à Cinemateca, leu-se um Manifesto explicando o movimento, assinado pelas mais importantes associações cinematográficas do Brasil e que conta com importantes adesões internacionais como Cineteca di Bologna, Cinémathèque  Française; FIAF International Federation of Film Archives (152 cinematecas do mundo), Festival de Cannes e  CLAIM – Coordenadoria Latinoamericana de Archivos de Imágenes em Movimento.

    Estiveram presentes ao ato Roberto Gervitz, Cristina Amaral, que cuida do acervo de Andrea Tonacci, Tata Amaral, Rodrigo T. Marques, Joaquim Castro, Francisco Martins, Raquel Gerber, Alain Fresnot, Daniel Santiago, Gustavo Vinagre, Caetano Gotardo, Eliane Coster, Rubens Rewald, Mauro D’Addio, Fabio Yamaji, Renato Ciasca, Leandro Saraiva, Ícaro Martins, Fernanda Tanaka, Renata de Almeida, diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a diretoria da ABPA, Debora Brutuce, pesquisadores Piqueras Carango Sá, Flora Rouanet, Eloá Chouzal, Celso Jamelo, Fernanda Costa Paulino, mais diretorias da ADB, APACI, Sindicato de Radialistas de São Paulo e representantes de outras associações de cinema, entre outres.

    O movimento pretende articular novas ideias, produções e processos de criação em defesa da Cinemateca Brasileira com o objetivo de manter a luz acesa da Cinemateca. Pretendem, com o video manifesto que está sendo criado e outras ações, provocar a participação e articulação daqueles que querem defender a Cinemateca Brasileira e o Cinema Brasileiro. Planejam, também,  uma série de intervenções no entorno da Cinemateca Brasileira e da cidade de São Paulo com uma proposta de Vigília Criativa.

    SOS Cinemateca

    O Manifesto

    CINEMATECA BRASILEIRA. Patrimônio da Sociedade

    A comunidade cinematográfica brasileira, representada por suas entidades, vem manifestar a sua inconformidade com a grave crise que se aprofunda e pode levar à falência da Cinemateca Brasileira.

    A Cinemateca é uma conquista histórica do cinema brasileiro. Nela está depositada a maior parte das imagens domésticas, filmes de todos os gêneros e bitolas, programas de TVs e jornais televisivos que o nosso país já produziu ao longo dos últimos 100 anos. Ela é a memória viva de nosso país e o testemunho da grandeza atingida por nosso cinema ao longo da sua existência. O trabalho de restauro desenvolvido pela Cinemateca foi considerado de excelência pelos principais centros especializados do mundo.

    No entanto, estamos assistindo à inaceitável deterioração de suas funções que já atingiu um patamar absolutamente incompatível com a sua importância. Técnicos valiosos e especializados foram demitidos e as atividades foram reduzidas drasticamente. Entre outras coisas, isso se refletiu na subutilização dos equipamentos de ponta, fruto de vultosos investimentos, que correm o risco de sucateamento.

    Há muito a Cinemateca, em grave crise financeira, não recebe recursos governamentais necessários para o seu pleno funcionamento. Desde de abril, está com os salários dos poucos funcionários que restam atrasados e luta para pagar a conta de luz, que pode ser cortada a qualquer momento. Um eventual apagão elétrico será desastroso, pois atingirá a climatização das salas onde estão arquivados verdadeiros tesouros de seu acervo histórico. Sem refrigeração e inspeção constante, os filmes em nitrato de celulose- material altamente inflamável – ficarão expostos ao tempo e podem entrar em autocombustão como já ocorreu em 2016. A lista de obras ameaçadas inclui filmes da Atlântida, da Vera Cruz, tudo o que restou do cinema silencioso brasileiro, arquivos históricos de Glauber Rocha e grandes filmes restaurados pela cinemateca – a história do audiovisual nacional corre enorme risco.

    Todo esse processo de irresponsável negligência se combina com o afastamento da comunidade cinematográfica nacional que não é consultada ou sequer informada a respeito dos rumos desta instituição.

    Por acreditarmos que a interlocução da Cinemateca Brasileira com a comunidade cinematográfica é essencial para o seu urgente e devido resgate, reivindicamos a formação de uma comissão com membros indicados pelas principais entidades cinematográficas do país a fim de que se estabeleça um contato formalizado e periódico, condição sine qua non para que se trabalhe com transparência e a Cinemateca volte a assumir a sua vocação pública primeira de preservar e difundir o cinema brasileiro.

    Para isso, exigimos que o governo federal providencie imediatamente a dotação urgente e necessária para que a Cinemateca Brasileira volte a funcionar plenamente e em bases seguras para os filmes nela depositados – patrimônio cultural e histórico de nosso país.

    SOS Cinemateca

    ENTIDADES QUE ASSINAM O MANIFESTO ENTIDADES NACIONAIS – ORDEM ALFABÉTICA

    ABC Associação Brasileira de Cinematografia, ABD Associação Brasileira de Documentaristas , ABPA Associação Brasileira de Preservação Audiovisual, ABRA Associação Brasileira de Roteiristas, ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, ABRACI Associação Brasileira de Cineastas, ABRANIMA Associação Brasileira de Animação, ACCIRS -Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, ANDAI Associação Nacional Distribuidores do Audiovisual Independente, APACI Associação Paulista de Cineastas, APAN Associação Paulista do Audiovisual Negro, API Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro, APRO Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais, APROCINE Associação de Produtores e Realizadores de Cinema e Audiovisual DF, CONNE Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste, DBCA Diretores Brasileiros de Cinema e Audiovisual, FORCINE Fórum Brasileiro de Ensino de Cine e Audiovisual, FÓRUM DOS FESTIVAIS – Fórum Nacional dos Organizadores de Festivais de Cinema, FUNDACINE Fundação de Cinema do Rio Grande do Sul, SANTACINE Sindicato da Indústria do Audiovisual de Santa Catarina, SIAESP Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo, SIAV Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul, SICAV Sindicato da Indústria Audiovisual, SINDAV-MG Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais, SINDCINE Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual, SOCINE Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, STIC Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual, Mostra Internacional de São Paulo, PAVI – Pesquisadores do Audiovisual e da Iconografia

    ENTIDADES INTERNACIONAIS – ORDEM ALFABÉTICA

    BIBLIOCI – Red de Unidades de Información Especializadas en Cine y Medios Audiovisuales, Cinémathèque Française – França, Cinémathèque Suisse – Suíça, Cineteca di Bologna – Itália, CLAIM – Coordenadoria Latinoamericana de Archivos de Imágenes em Movimento, FIAF International Federation of Film Archives (152 cinematecas do mundo), FIPCA Federación Iberoamericana de Productores Cinematográficos y Audiovisuales, FIACINE – Federación Iberoamericana de Academias de Cine, Locarno Film Festival – Suíça

    Os organizadores explicam a situação

    “Estamos atravessando um momento terrível para todas a cultura brasileira com o governo Bolsonaro. Nesse contexto, a Cinemateca Brasileira passa por sua maior crise desde a sua fundação a 7 de outubro de 1946.

    Há alguns anos esta instituição não recebe recursos governamentais necessários para o seu funcionamento pleno. Técnicos valiosos e especializados foram demitidos e as atividades foram reduzidas drasticamente. Entre outras coisas, isso se refletiu na subutilização dos equipamentos de ponta, fruto de vultosos investimentos, que correm o risco de sucateamento.

    Desde de abril deste ano, está com os salários dos poucos funcionários que restam atrasados e luta para pagar a conta de luz, que pode ser cortada a qualquer momento. Um eventual apagão elétrico será desastroso, pois atingirá a climatização das salas em que estão arquivados verdadeiros tesouros de seu acervo histórico. Sem a climatização e inspeção constante, os filmes em nitrato de celulose-material altamente inflamável – ficarão expostos ao tempo e podem entrar em autocombustão como já ocorreu em 2016 –  a história do audiovisual nacional corre enorme risco.”

     

    SOS Cinemateca

     

    A Cinemateca Brasileira

    A Cinemateca Brasileira é a instituição responsável pela preservação e difusão da produção audiovisual brasileira. Tem o maior acervo da América do Sul, formado por cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos relacionados ao cinema, como fotos, roteiros, cartazes e livros, entre outros.

    A origem da Cinemateca aconteceu quando Paulo Emílio Sales Gomes, Décio de Almeida Prado, Antonio Candido de Mello e Souza, entre outros, fundaram o Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, que se propunha a estudar o cinema como arte independente por meio de projeções, conferências, debates e publicações. Em 1949, foi aprovado um acordo entre o recém-criado Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP e o Clube, para a criação da Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 1956, a Filmoteca se desligou do Museu de Arte Moderna, transformando-se em Cinemateca Brasileira, uma sociedade civil sem fins lucrativos. Cinco anos depois, a Cinemateca tornou-se uma fundação, personalidade jurídica que lhe permitiu estabelecer convênios com o poder público estadual. Em 1997, a sede da Cinemateca Brasileira foi definitivamente instalada na Vila Clementino, onde está até hoje. Os edifícios históricos depois foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – Condephaat, e pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – Conpresp. Em toda esta história, o acervo sofreu em quatro incêndios, perda de muito material histórico. Em 2016, o antigo Ministério da Cultura, através de sua Secretaria do Audiovisual, assinou contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – Acerp, organização social qualificada pelo Ministério da Educação, para execução de um projeto de preservação e acesso de acervos audiovisuais, da Cinemateca Brasileira, e em março de 2018, foi assinado um Contrato de Gestão, parceria entre o antigo Ministério da Cultura e o Ministério da Educação, em que a Cinemateca passou a ser administrada integralmente pela Acerp por um período de 3 anos.

    Ofício do Ministério Público Federal pediu um posicionamento do Governo e da Secretaria Estadual da Cultura sobre a falta de repasses dos recursos direcionados à Cinemateca, De acordo com o MPF, essa situação “vem prejudicando o funcionamento da unidade e causando danos ao acervo audiovisual brasileiro”.

    Campanha Emergencial

    Foi criada em paralelo, uma campanha pública em apoio aos trabalhadores da Cinemateca Brasileira. “Em respeito do quadro emergencial em que se encontra o acervo da Cinemateca Brasileira, que abriga mais de 120 anos de história da cultura audiovisual brasileira. Mas pouco tem se falado sobre a situação do seu corpo de trabalhadores, cuja sobrevivência também se encontra inteiramente em risco. Apoie os trabalhadores da Cinemateca Brasileira que permanecem com salários e notas de prestação de serviços atrasadas, e sem os benefícios essenciais durante a pandemia da COVID-19.”

    Campanha emergencial
    Campanha emergencial para os trabalhadores da Cinemateca

    https://benfeitoria.com/trabalhadoresdacinemateca

  • Miguel: quantos como ele correm perigo nas casas das patroas de suas mães?

    Miguel: quantos como ele correm perigo nas casas das patroas de suas mães?

    https://www.youtube.com/watch?v=sMvyTtB070M

    Se nesse momento a história da trágica morte do menino negro, Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, filho da empregada doméstica, Mirtes Renata Santana da Silva, fosse inversa em todas os seus detalhes: se ele fosse o filho branco da patroa, Sari Mariana Gaspar Corte Real, e tivesse morrido depois de despencar do 9º andar por desleixo e irresponsabilidade da empregada doméstica, certamente essa mulher negra estaria, neste exato momento, encarcerada.

    Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos de vida, é vítima do racismo arraigado na vida cotidiana de pessoas como Sari, uma mulher que, ironicamente, possui sobrenome supremacista branco “CORTE REAL”.

    Mas esse não é o pior dos detalhes. Nesse episódio trágico, a imprensa pernambucana, majoritariamente branca, portanto “limpinha”, não quis desagradar a mulher do prefeito da cidade de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB).

    Até agora não há sequer uma menção realmente incisiva sobre a responsabilização de Sari na morte do menino.

    O mesmo aconteceu com o delegado Ramón Teixeira, que acolheu o caso inicialmente. Preferiu preservar a identidade de Sari Mariana Gaspar Corte Real.

    Sari não dispensou Mirtes por causa da pandemia. Sari não quis limpar sua própria merda, não quis varrer seu chão, não quis colocar  suas roupas na máquina de lavar, não quis cozinhar sua própria comida. Sari não quis levar seu cachorro para passear. Sari colocou a vida de sua empregada em risco, exposta à COVID-19. Sari matou o filho de Mirtes.

    Que tipo de gente é essa?  Miguel, 5 anos, queria ver a mãe, que saiu para levar o cachorro da patroa a passear. Insistiu, fez birra, como qualquer criança faria. E não se curvou ao racismo de Sari. Por isso entrou no elevador. Por isso foi ao nono andar. Sozinho, porque Sari não se importa, não se importou com o fato de ele ser um menino. Ele era filho da empregada, não era nada. E ele caiu do nono andar. Ele morreu. Quando um filho morre, a mãe é a primeira que desce à cova. Era um filho negro. Na casa da patroa branca. A mãe negra, a empregada, não percebeu isso ainda. Em meio à dor, em estado de choque, ela humildemente lamenta a “falta de paciência” da patroa assassina.

    Miguel
    Miguel com sua mãe, Mirtes. Ao lado, Sari Corte Real, a patroa que colocou a empregada e seu filho em risco.

    O FATO – O menino foi vítima de homicídio na terça-feira (2). Caiu do 9° andar da sacada de um prédio de luxo no Centro do Recife, em Pernambuco, conhecido como Torre Gêmeas. A informação inicial era de que, na hora do acidente, a empregada estaria trabalhando no 5° andar do prédio, mas hoje foi revelado que, na verdade, a empregada estava cumprindo a função de passear com os cachorros da família, enquanto a patroa cuidava de Miguel. Sari foi presa inicialmente, mas pagou uma fiança de R$ 20 mil e responde em liberdade, mesmo depois da divulgação de vídeos mostrando que Sari colocou Miguel sozinho no elevador de serviço, o único que dava acesso para a área desprotegida da qual o menino despencou para a morte. Os elevadores para pessoas como Mirtes e seu filho, na prática, ainda são diferentes no Brasil. E foi lá que a patroa o deixou.

    Apartamento onde Miguel estava
    Planta de um apartamento no prédio de luxo de Sari, marcado por corrupção e tragédia

     

    Um corpo negro que vale 20 mil reais? Realmente vivemos um pesadelo legitimado pela racismo institucional do judiciário

    Liana Cirne Lins, professora da Faculdade de Direito da UFPE, relatou em suas redes sociais que muitos têm defendido a tese de que, inclusive, houve homicídio DOLOSO, configurando dolo eventual. “Afinal, que adulto coloca uma criança de cinco anos, que está chorando pela mãe, sozinha, num elevador, e não calcula a possibilidade de um acidente?” Miguel não tinha intimidade com elevadores. Morava com os pais em uma casa pobre, num bairro humilde.

    Sari sabia dos riscos e não faria o mesmo com os próprios filhos. Aliás, essa é uma pergunta que gostaríamos de fazer à patroa de Mirtes: como você acabaria com a birra de seus filhos?

    Certamente Sari não os colocaria em risco. O centro desse debate é, sem dúvida, a herança de nossa cultura escravocrata e racista.

    Outra declaração importantíssima de Liana Cirne é sobre o local e a data simbólica do homicídio: “O local é nas famigeradas Torres Gêmeas, esse lugar horroroso que tem essa energia do mal, do crime, da corrupção. Elas são um aborto em nossa paisagem e cenário de vários escândalos, desde que a [construtora] Moura Dubeux as ergueu, entre liminares. Nesse momento, mais do que em outros, queria que a sentença demolitória do juiz Hélio Ourém tivesse sido executada. Sobre a data: Miguel morreu no dia em que a PEC das Domésticas completou cinco anos! E é assim que se celebra o aniversário da legislação de proteção das Domésticas, o que diz muito sobre nosso país, que não superou sua herança escravagista.”

    Os Jornalistas Livres se solidarizam demais, profundamente, com mais esse fato absurdo, horroroso, que tem como alimento o racismo.

    Miguel, presente!

     

     

     

    Leia mais sobre o racismo que mata no Brasil:

    A Polícia de Wilson Witzel matou João Pedro, um jovem estudante. Ele poderia ser seu filho

     

  • Polícia prende segundo torturador que chicoteou adolescente no supermercado Ricoy

    Polícia prende segundo torturador que chicoteou adolescente no supermercado Ricoy

    Por Fabiana Kelly e Laura Capriglione, dos Jornalistas Livres

     

    A polícia prendeu hoje (7) o segundo segurança que torturou o adolescente negro E.M.O., de 17 anos, no supermercado Ricoy, na zona sul da capital paulista. Waldir Bispo dos Santos, de 49 anos, se apresentou na Deatur (Delegacia de Apoio ao Turista), o 2ª DP do aeroporto de Congonhas (zona sul), e foi encaminhado ao 80º DP, na Vila Joaniza, onde a investigação corre em segredo de Justiça. A agressão ocorreu no mês passado, depois que o adolescente foi flagrado tentando furtar um chocolate de marca Twix. Santos é o segundo segurança preso por envolvimento no caso. O primeiro, Davi de Oliveira Fernandes, foi detido nesta sexta-feira (6).

    E.M.O., que tem 17 anos de vida materializados em um corpo franzino de 1,60 metro, apareceu em vídeo de 40 segundos divulgado pelas redes sociais nu, uma bola de pano sujo enfiada na boca lacrada por fita adesiva, sendo humilhado, ameaçado de morte e açoitado com um chicote feito com dois fios de cobre entrelaçados. A imagem chocou o País e viralizou nas redes sociais, abrindo __sob o signo do horror__  a Semana da Pátria Amada Brasil. Em depoimento à polícia, o menino disse que a sessão de tortura durou cerca de quarenta minutos, e que aconteceu em um anexo ao supermercado, no “quartinho dos seguranças”.

    O “quartinho dos seguranças”, onde o menino E.M.O. foi chicoteado durante 40 minutos
    ​Waldir Bispo dos Santos e Davi de Oliveira Fernandes eram seguranças terceirizados do supermercados Ricoy. Trabalhavam para a empresa KRP Valente Zeladoria Patrimonial, com sede em São José dos Campos. O chicote cortou as costas da vítima e deixou marcas, visíveis até hoje, passados mais de 30 dias das agressões.
    42 anos na polícia e o o delegado Pedro de Sousa não conseguiu assistir até o fim o vídeo mostrando a tortura do menino E.M.O.: ecos da escravidão

    Segundo o delegado Pedro Luís de Sousa, do 80° DP,  responsável pelo caso, o segurança preso neste sábado tem histórico de lesão corporal contra mulher. O outro já foi denunciado por apropriação indébita.

    Na quarta-feira (4), o  delegado afirmou acreditar que o caso não foi isolado – há mais duas investigações de possíveis torturas, uma delas contra um menino. “Acho que o chicote foi usado outras vezes [dentro do supermercado], já que pequenos furtos são corriqueiros no local.”

    O titular do 80° DP afirmou ainda que o crime de tortura, em que os dois seguranças são acusados, é inafiançável, imprescritível e não pode nem ser perdoado mediante indulto oferecido pela Presidência da República.

    Onde está a vítima?

    Um mês depois da sessão de tortura, o corpo do adolescente E.M.O. ainda mostra as marcas do suplício

    Desde ontem, o adolescente E.M.O. foi incluído no serviço de acolhimento, um abrigo da rede sócio-assistencial da Prefeitura de São Paulo. O encaminhamento foi feito pelo Conselho Tutelar da Cidade Ademar e pelo Centro de Referência da Assistência Social. Nos próximos dias, o jovem deve ser incluído no PPCAAM- Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados.

    A inclusão dele no Programa já foi solicitada pelo Conselho Tutelar e pelo Creas. A Vara da Infância e Juventude de Santo Amaro também acompanha o caso. Familiares do jovem reclamaram de ameaças e de que foram procurados por pessoas desconhecidas. O menino estava morando com um irmão dele, que foi favorável ao acolhimento dele num abrigo.

    O adolescente de 17 anos torturado no mercado Ricoy esteve na última quinta-feira, dia 5, acompanhado de seu irmão Wagner Bispo de Oliveira, 30 anos, no Conselho Tutelar da Cidade Ademar. Lá foram atendidos por 4 conselheiros tutelares. O conselho tutelar encaminhou o adolescente para acompanhamento Psicossocial junto ao Creas (Centro de Referência da Assistência Social) e o Centro de Apoio Psicosocial (Caps).

    Um relatório sobre a situação de risco do menino, que vivia nas ruas e usava drogas, foi encaminhado para a Vara da Infância e Juventude de Santo Amaro, que acompanha caso. O pai do jovem faleceu no início desse ano e a mãe, conforme os familiares, sofre de alcoolismo e não foi localizada pelo Conselho Tutelar.

    O advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Ariel de Castro Alves, foi quem requisitou aos membros do Conselho Tutelar da Cidade Ademar para que acompanhassem o caso, com apoio e proteção através de encaminhamentos sociais e de atendimento psicológico ao adolescente.

    LEIA TAMBÉM:

    Menino diz que foi torturado três vezes no supermercado Ricoy

     

    “Um corpo negro. Uma chibata. A perpetuação do genocídio”, por Cynthia Ciarallo

  • Edna Sampaio luta por candidatura do PT em Mato Grosso

    Edna Sampaio luta por candidatura do PT em Mato Grosso

    O Partido dos Trabalhadores está em uma encruzilhada histórica no Mato Grosso. Estado tradicionalmente submetido às oligarquias do agronegócio, o grande produtor de gado e soja sempre teve poucos votos de esquerda, concentrados em cidades como Cáceres e Várzea Grande. Mas pela primeira vez na história as pesquisas de intenção de voto colocam Lula à frente dos demais candidatos a presidência, com 34%, e apontam que 27% do eleitores votariam em um candidato (ou candidata) a governador(a) indicado por Lula. O fato inédito estimulou a militância do partido a buscar entre os membros da base o nome de Edna Sampaio, professora e sindicalista filiada há 31 anos.

    No vídeo abaixo, ela fala sobre a possível candidatura, analisa o cenário político no estado e conclama a militância a comparecer no encontro do partido nesse sábado 28 de julho no hotel Mato Grosso Palace para derrotar, no voto e nas teses, parte da diretoria do PT que prefere a coligação com o PR golpista.

    A ideia de Edna e da militância era acompanhar a resolução nacional do partido, definida no início do ano, de fazer alianças apenas com agremiações que apoiassem a liberdade de Lula e sua possibilidade de concorrência nas eleições, viabilizando palanques locais para a campanha, o que não existe em Mato Grosso. No estado, as forças de direita estão divididas entre três candidaturas principais, cada uma com cerca de 15% das intenções de voto: o atual governador Pedro Taques (PSDB – em coligação com o PSL de Bolsonaro), o ex-prefeito de Cuiabá Mauro Mendes (DEM) e o senador Wellington Fagundes (PR). Na esquerda, o PCdoB já anunciou a intenção de se coligar ao PR para viabilizar a candidatura ao Senado da ex-reitora da Universidade Federal do Mato Grosso Maria Lúcia Neder. E o Psol decidiu não fazer alianças e disputar a eleição majoritária com Procurador Mauro, derrotado no pleito para prefeito da capital em 2016.

    Acontece que mesmo diante desse cenário inédito de possibilidade de um segundo turno com candidatura própria e da resolução nacional de evitar alianças com golpistas, parte importante da diretoria do PT de Mato Grosso advoga seguir os passos do PCdoB e fechar coligação com o PR de Wellington Fagundes, que votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e a favor das desastrosas reformas do presidente ilegítimo. O cálculo é que a participação na chapa garantiria a eleição de ao menos um deputado federal, mas o tiro pode sair pela culatra.

    “Qual partido com uma liderança como Lula, com o percentual que o PT tem aqui em Mato Grosso, abriria mão disso (a candidatura própria) pra fazer aliança com um candidato que representa as velhas elites oligárquicas, vinculadas ao baronato no agronegócio, e que não representa do ponto de vista eleitoral um percentual significativo sequer pra mudar o quadro de disputa pro segundo turno?”, questiona Edna Sampaio. “Que princípio essa aliança esta obedecendo, se é uma aliança com um golpista, se é uma aliança que representa o que há de mais atrasado na política, que representa as velhas oligarquias aqui do estado e não vai defender o presidente Lula? Qual é o ganho eleitoral, político que a gente tem com uma aliança como essa? Nos esperamos que no dia 28, no sábado, quando teremos nosso encontro, que as pessoas que defendam a aliança com Wellington Fagundes não façam o ‘patrolamento’ como maioria, mas façam uma defesa qualificada das razões que levam à aliança”.

  • “A Sós”: Só um grande jornalista poderia fazer um documentário como este

    “A Sós”: Só um grande jornalista poderia fazer um documentário como este

     

    Vinicius Lima é um jornalista recém-formado pela PUC-SP. Há anos ele trabalha no projeto SP invisível, um movimento que conta histórias  de moradores de rua e de pessoas que vivem ou trabalham nas ruas de São Paulo. Veja a página aqui.

    A experiência serviu para apurar o olhar do jovem repórter. Ali, onde as pessoas genericamente vêem “mendigos”, “vagabundos”, “vítimas do sistema”, “craqueiros”, “coitados”, dependendo de onde o observador esteja no espectro político, Vinicius encontra histórias de vida, alegrias, tristezas, amores, escolhas, os porquês de estarem onde estão e fazendo o que fazem.

    Vinicius vai muito além dos estereótipos porque sabe que eles servem apenas para reforçar as barreiras da invisibilidade e, por que não?, justificar nossa insensibilidade diante da dor e do sofrimento do “Outro” —ele não é um ser como nós, dotado de sentidos como os nossos.

    Já foi moda no jornalismo o repórter se fantasiar de morador de rua, de imigrante turco na riquíssima Alemanha, de miserável no Império Americano. Maquiagem, roupas esfarrapadas, sotaque fajuto, tudo para “vivenciar na própria pele” o que o Outro sentiria na condição de marginalizado e excluído.

    Caô total. Verdadeiro estelionato.

    Primeiro, porque esse método de investigação jornalística cassa a palavra de quem já tem a palavra, quando não a própria existência, negada. Quem fala é o repórter fantasiado.

    Depois, porque nunca, nem com todos os artifícios, reproduz-se a singularidade das histórias de vida de quem acabou indo morar nas ruas. O máximo que se consegue é reverberar os preconceitos e clichês de quem se arvora a intérprete do “marginalizado e excluído”.

    Bem mais difícil foi o percurso investigativo escolhido por Vinicius para falar do amor que acontece nas ruas, pela voz dos próprios amantes. Porque pressupôs um trabalho delicado de prospecção e seleção dos cases apresentados. E porque exigiu o estabelecimento de uma profunda relação de confiança entre entrevistador e entrevistado, algo sempre difícil de obter no território inóspito das calçadas.

    Emocionante, delicado, veraz. Tudo isso poderia ser dito deste documentário, produzido como trabalho de conclusão de curso, sob orientação do professor Marcos Cripa, do jornalismo da PUC-SP. Prefiro dizer que é um pungente resgate jornalístico. Torna visível o que foi invisibilizado por camadas e mais camadas de estereótipos. Dá voz a quem sempre foi calado. Preenche com alma e amor os corpos desumanizados pelo preconceito.

    Você não olhará mais para um morador de rua como olhava antes. É para isso que serve o Jornalismo, afinal! Assista agora: