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  • Covid-19 e ação genocida do governo Bolsonaro podem matar 28 mil índios

    Covid-19 e ação genocida do governo Bolsonaro podem matar 28 mil índios

    Por Julio Zelic, especial para os Jornalistas Livres

     

    Vivemos em um tempo tenebroso. O presidente Jair Bolsonaro, sem nenhum peso na consciência, ataca abertamente os povos indígenas. Em janeiro de 2020, por exemplo, Bolsonaro disse durante uma live em suas redes sociais que “Com toda certeza, o índio mudou. Está evoluindo. Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós” [2]. Em diversas outras ocasiões ao longo de sua carreira como deputado e, agora, como presidente, Bolsonaro proferiu discursos contra a demarcação de terras indígenas. Luiz Antonio Nabhan Garcia, secretário fundiário de Bolsonaro, disse, em novembro de 2019, que Hoje, o maior latifundiário do país é o índio [3] e, durante a pandemia, articulou uma instrução normativa com a FUNAI que facilita o roubo das terras indígenas.

    São tantas mentiras e imposturas racistas de Bolsonaro e seus aliados a respeito dos povos indígenas, que não é preciso pensar duas vezes antes de desconfiar de qualquer ação ou omissão do governo.

    A “gripezinha” como minimizou o Presidente, nesta quarta-feira (13/5), já ultrapassou as 12 mil mortes[4] em todo o País. O amparo do governo não é suficiente, e a economia, posta acima de tudo, está trazendo a sombra do medo e a morte para cima de todos.

     

    Para os povos indígenas, as consequências da pandemia se agravam ainda mais.

     

    A FUNAI (Fundação Nacional do Índio), hoje presidida pelo delegado da PF Marcelo Augusto Xavier da Silva, que atuou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da FUNAI, em 2016, como assessor da bancada ruralista, não está dando mínima assistência ou direito à saúde para os indígenas. Não atua para restringir o contato, para proteger a terra, para expulsar os garimpeiros ilegais que transmitem a doença para os índios. Quanto aos casos, hoje, conforme os dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), no site “quarentena indígena” já temos a presença do vírus em ao menos 34 aldeias. São 308 contaminados e 77 mortos[5]. Sem contar toda a subnotificação, sabidamente imensa, já que o Brasil é dos países que menos testes tem feito para a doença.

    É importante reparar que, se em 308 casos conhecidos da Covid-19 entre indígenas, registraram-se 77 óbitos, a probabilidade de o índio morrer ao apresentar sintomas é de 25%, enquanto, no Brasil como um todo, essa porcentagem está, hoje, em aproximadamente 7%. Temos portanto uma taxa de mortalidade entre os indígenas mais do que três vezes maior do que a taxa de mortalidade do País. Obviamente, essa situação reforçaria ainda mais a necessidade de ajuda, de tratamento, de EPI’s, de fiscalização. Mas o Estado está ausente, quando o assunto é salvar os povos indígenas de uma doença que não lhes pertence.

    É trágica a constatação de que esta pandemia ainda irá longe, e que muitos indígenas morrerão por omissão criminosa do governo e do órgão que lhes deveria proteger. Segundo o censo de 2010, temos 800 mil índios no Brasil. Se seguirmos a projeção do Bolsonaro, segundo a qual, 70% da população irá se contaminar, e levando em conta uma porcentagem de 80% de assintomáticos[6] (que ainda não sabemos como se aplica aos índios por não existirem pesquisas a respeito), teríamos 112 mil remanescentes dos Povos Originários apresentando sintomas que podem requerer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória. Desses, a prosseguir o alarmante índice de 25% de mortalidade, 28 mil perecerão até o fim da pandemia.

    Que isso não aconteça de novo em nosso país.

    "Cenário

    Vivemos em um tempo de medo e desestruturação no mundo inteiro, convivendo com uma pandemia que ameaça nossa existência e o modo de vida em sociedade. Esta sensação que temos agora já foi sentida pelos brancos há 100 anos, durante outra pandemia que ficou conhecida como Gripe Espanhola. Fato tão distante no tempo mostra quão extraordinário para a Sociedade Nacional é esse medo, essa angústia de adoecer, de ter a morte à espreita, essa incerteza sobre o amanhã de nossa gente.

    Porém, quando olhamos para os povos indígenas, para as culturas e as pessoas tornadas invisíveis pelo mundo do Capital e da especulação, a realidade é muito diferente: doenças e morte são um perigo constante.

    Ao ler diversos documentos históricos, arquivados no site Armazém Memória (aberto a todos), tive a oportunidade de perceber a luta que os povos indígenas travam para sobreviver em meio a uma sociedade que lhes fecha as portas da saúde e dos cuidados. Para além disso, pude encarar a perversão do Estado e da classe dominante quanto ao adoecimento nas aldeias: utilizam-se da fragilidade decorrente das doenças como ferramenta para tomar posse das terras, para expansão de latifúndios, para extração de minérios, para o desmatamento e comércio de madeira, para tudo que gere lucro independentemente das vidas que se perdem no meio dessa exploração desenfreada.

     

    Estado genocida

    Não podemos compreender as doenças que assolam os povos indígenas sem fazer paralelo com as ações do Estado brasileiro. Portanto, usaremos como referência os registros nos Anais do Congresso Nacional, que são documentos importantes para entendermos esta relação: Estado/Povos Indígenas/Epidemias.

    O primeiro ponto notável, antes mesmo de apresentar documentos, é o descaso dos deputados diante das questões indígenas. Podemos ver que a quantidade de discursos no Congresso sobre epidemia em povos indígenas, entre os anos de 1946 e 1996, ou seja, num intervalo de 50 anos, não atingiu a marca de 30, e muitos desses discursos apareceram apenas como uma citação no Dia do Índio, soando como um descarrego de má consciência, depois de terem ignorado as pautas indígenas durante o ano todo.

     

    "Funai liquidará com os índios" - Reprodução "Jornal do Brasil":
    Reprodução “Jornal do Brasil”

    O discurso do deputado Marcos Freire[7], em maio de 1972, apresenta acusações graves à FUNAI, que mesmo sendo um órgão do governo cuja função é ajudar os povos indígenas, tem sido, ao longo da história, incapaz, incompetente e inepta no cumprimento de seu papel. Marcos Freire, após as denúncias contra a FUNAI, anexa a seu discurso uma reportagem publicada no “Jornal do Brasil” a respeito da renúncia de Antônio Cotrim a seu cargo na Funai. Destacarei aqui alguns trechos da notícia:

     

    “Sertanista Antônio Cotrim abandona FUNAI para não ser um “coveiro de índios”

    (Antônio Cotrim) “Afirma que não pretende continuar sendo instrumento de um órgão que é um “blefe à opinião pública” nem colocar em prática uma política indígena errada, pois não procura conciliar os interesses de desenvolvimento da sociedade nacional com a proteção das sociedades primitivas.”(…)

    (…) Antônio Cotrim: “Quando estava entre os kubekrametis, em junho, foi avisado pela FUNAI que havia epidemia de gripe entre os jandeavis, transmitida durante a passagem pela aldeia da missão do Padre Antônio Carlos, da Prelazia do Xingu. Dos 76 índios, morreram 16.

    O sertanista pediu medicamentos à FUNAI, mas eles só chegaram 48 dias depois e em quantidade insuficiente. Essa falta de assistência acabou por revoltá-lo ao ponto de se decidir pela demissão em caráter irrevogável.”(…)

    (…) A morte de mais de 40 parakanãs, além de cegueira em oito, causadas por doenças venéreas transmitidas pelos próprios funcionários da fundação, é relacionada por ele como uma das razões que o está levando a se afastar do órgão.”

     

    A partir deste documento podemos perceber em primeiro lugar a falta de amparo da FUNAI aos povos indígenas. Além disso, vemos também, que nestes casos citados, como em muitos outros, foi o contato dos brancos com os índios que trouxe doenças. É importante ressaltar que as doenças chegam, mas os medicamentos não.

     

    Sobre o caso dos Parakanã, citado por Antônio Cotrim, temos ainda no discurso da deputada Lúcia Viveiros, em outubro de 1979[8], um anexo que prova a reincidência do erro descrito por Cotrim. Novamente representantes da FUNAI levando doença aos Parakanã. Toda repercussão do escândalo denunciado pelo sertanista não foi suficiente para a FUNAI rever sua conduta:

     

    “1976: Uma frente de atração da FUNAI efetua contato com o grupo de Parakanã, junto ao Rio Anapu nas proximidades de Altamira. A situação de saúde dos componentes da equipe de atração, logo antes do contato, era bastante precária (malária e gripe) sem alimentação adequada e apoio suficiente.

    A equipe não optou pelo retorno, como era de esperar, mas permaneceu até o encontro final.

    O resultado foi que, logo depois do encontro, 11 índios morreram de malária e a equipe voltou às pressas impondo aos índios uma transferência e contato violentos com a “civilização”, em condições completamente diferentes dos próprios padrões culturais.

    O grupo Parakanã do Lontra é transferido, pela 4.ª vez, para o atual aldeamento junto ao PI (Posto Indígena) da FUNAI chefiado nesta época por um enfermeiro. Além da mudança de aldeia, neste período várias transformações culturais são impostas ao grupo”

     

    Seguimos com a oportunidade que este documento nos traz de refletir sobre o quinto parágrafo do artigo 231 da Constituição[9]:

     

    “§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.”

     

    Esta lei é uma ferramenta que pode ser utilizada de forma positiva ou negativa, pois permite a remoção de povos indígenas de suas terras em casos de epidemia (entre outros casos descritos no parágrafo). Podemos pensar de maneira positiva quando a remoção dos índios de sua terra visa aos cuidados de sua saúde. Seguindo a lei, após cessados os riscos, os índios deveriam retornar imediatamente para sua terra. Porém, as eventuais boas intenções dos constituintes não impediram a malversação da lei, que se tornou então uma ferramenta a serviço da expulsão dos índios de seus territórios. Como vimos no caso dos Parakanã, o Estado leva a doença e em seguida tira de forma forçada o povo de sua aldeia, pouco se importando com a cultura e o sagrado que ficam na terra em que eles habitam. Ao longo da história, os Parakanã foram remanejados diversas vezes, sempre por conta de algum interesse capitalista. Não por coincidência, este povo tem sua história pontuada pela doença, peste e sofrimento.

     

    Em abril de 1979 o deputado Heitor Alencar Furtado proferiu um discurso muito forte[10], embasando, ainda mais, a denúncia ao Estado que fazemos neste texto.

     

    “Para desalojar tribos indígenas e tomar-lhes a terra, no processo de ocupação que se desenvolveu ao longo da História, o branco sempre se utilizou de métodos desumanos, na maioria das vezes com a conivência das autoridades governamentais. Conta o sertanista Villas-Boas que, no período de construção da Estrada de Ferro Noroeste, os índios durante a noite desmanchavam o que era feito durante o dia. Houve, então, quem sugerisse e, pior, quem pusesse em prática a violência numa de suas formas mais cruéis. Algumas camisas contaminadas com o vírus do tifo foram deixadas junto à estrada. Ocorreu então uma epidemia devastadora e milhares de índios morreram. Quem pagou, ou quem pagará por essas vidas? A quem responsabilizar por estes crimes, senão a uma administração falha e omissa?”

     

    Neste documento podemos ver que para além da incapacidade do governo de cuidar dos povos indígenas, o Estado é conivente com a violência do setor privado contra os povos, cujo objetivo é roubar as riquezas e as suas terras. Vemos também que as doenças foram utilizadas como ferramenta para fragilizar a luta indígena contra a grilagem de suas terras. De tal forma, doenças tornaram-se armas letais que se fingem como um infortúnio, uma fatalidade, mas que escancaram que o governo, além de omisso, é também cúmplice da maldade genocida dos capitalistas, pois não julga os crimes dos invasores e nem sequer presta socorro aos índios adoecidos.

    É preciso respeitar a Constituição e os direitos dos povos indígenas, garantir-lhes o direito à terra, cultura, saúde e à vida. É nosso dever participar da luta dos povos originários para devolver o que lhes pertence por direito inalienável.

     

    [1] Indígena em Manaus, durante pandemia de Covid-19 | Alex Pazuello/Prefeitura de Manaus

    https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/direto-do-confinamento-salvem-os-indios

    [2]https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/24/cada-vez-mais-o-indio-e-um-ser-humano-igual-a-nos-diz-bolsonaro-em-transmissao-nas-redes-sociais.ghtml

     

    [3] https://exame.abril.com.br/brasil/hoje-o-maior-latifundiario-do-pais-e-o-indio-diz-secretario/

     

    [4] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/12/casos-de-coronavirus-e-numero-de-mortes-no-brasil-em-12-de-maio.ghtml

    [5] https://quarentenaindigena.info/casos-indigenas/

    [6] https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca

    [7] para ver o discurso completo acesse o Centro de Referência Virtual Indígena: http://www.docvirt.com/docreader.net/DocIndio/120583

    [8] para ver o discurso completo acesse o Centro de Referência Virtual Indígena: http://www.docvirt.com/docreader.net/DocIndio/121005

    [9]Quadro histórico dos dispositivos Constitucionais – Artigo 231 CEDI – Câmara dos Deputados

    http://www.docvirt.com/docreader.net/LegIndio/1642

    [10] para ver o discurso completo acesse o Centro de Referência Virtual Indígena:

    http://www.docvirt.com/docreader.net/DocIndio/120963

     

     

    Leia mais sobre mortalidade de indígenas por Covid-19 em:

    Garimpo agrava os efeitos da Covid-19 entre os Povos Indígenas

  • BOLSONARO QUER IMPOR ESTADO POLICIAL

    BOLSONARO QUER IMPOR ESTADO POLICIAL

     

    BOLSONARO QUER IMPOR ESTADO POLICIAL

    NOTA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

     

    A invasão da sede do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (Sinteam) por agentes armados da Polícia Rodoviária Federal, na tarde de terça-feira (23), é uma gravíssima violação das liberdades constitucionais de reunião, organização e manifestação.

    É simplesmente inaceitável que agentes federais de segurança violem a sede de um sindicato de trabalhadores e interroguem os presentes sobre os preparativos de uma manifestação pacífica e democrática. E que o façam armados em cumprimento de “ordens do Exército”.

    Este episódio soma-se a uma série de violações de direitos e ameaças por parte do governo Bolsonaro, valendo-se do aparato do Estado para reprimir e intimidar quem denuncia seus abusos e se opõe a suas políticas de destruição dos programas sociais, dos direitos constitucionais e dos valores civilizatórios.

    Os frequentes ataques de Bolsonaro à liberdade de imprensa, as ameaças de parlamentares governistas aos jornalistas do site The Intercept Brasil, por terem denunciado os crimes da Lava Jato, e a incitação à violência contra a oposição e os movimentos sociais nas redes bolsonaristas atestam a intolerância e o autoritarismo deste governo de extrema-direita.

    O Partido dos Trabalhadores e suas bancadas na Câmara e no Senado denunciam ao país e ao mundo estes episódios. A imposição de um verdadeiro estado policial é a única resposta de Bolsonaro à justa resistência da sociedade a seus desmandos.

    Exigimos que a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Comando do Exército e o Ministério da Defesa se manifestem sobre o ataque ao Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Amazonas, apresentem e punam os agentes e, principalmente, os responsáveis pela ordem de violação.

    Em defesa da democracia, das liberdades de reunião, organização e manifestação.

    Brasília, 24 de julho de 2019

    Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT
    Paulo Pimenta, líder do PT na Câmara dos Deputados
    Humberto Costa, líder do PT no Senado Federal

  • A verdade de um fotógrafo sobre as ocupações urbanas de Manaus

    A verdade de um fotógrafo sobre as ocupações urbanas de Manaus

    Meu nome é Christian Braga, amazonense, fotógrafo documentarista, jornalista livre e ativista. Começo esse texto afirmando que a vida de um fotógrafo tem inúmeros objetivos e um deles é retratar a realidade. Tento não cair nas conversas do “disse me disse”, nas narrativas preconceituosas e discriminadoras. Procuro sempre entender de dentro o que vou fotografar.

    Em Manaus, onde nasci, cresci ouvindo que as “invasões” que rodeiam a cidade são lugares de bandidos, ladrões, traficantes, marginais. É incrível como são incontáveis os adjetivos excludentes, que só reforçam a segregação social e servem para desconsiderar os moradores pobres como população manauara. Essa “operação” ideológica fica ainda mais inacreditável quando se sabe que Manaus loteou apenas 4 bairros oficiais, sendo eles: Educandos, Praça 14, São Raimundo e Aleixo (bairros grandes na cidade). E o restante? São todas “invasões”? Ou podemos nomear de um jeito melhor? Como “ocupações”, por exemplo, inclusive o centro da cidade.

    Fui conhecer uma delas chamada Coliseu, no extremo da Zona Leste de Manaus. O nome coube perfeitamente bem para uma ocupação que sobreviveu a duas batalhas de reintegrações e continua de pé. Já são 4 anos de luta com mais de 1.500 famílias que moram no local e colecionam muita histórias para contar.

    Conheci pessoas de verdade, crianças, idosos, trabalhadores e trabalhadoras. Vi casas de alvenaria, vi hortas, vi comércio, vi campo de futebol, vi igreja. Eu vi vida de verdade. E tem problema? E onde não tem? Atualmente nossos maiores problemas estão nos ocupantes dos maiores cargos de comando da política nacional —homens ricos e brancos, em sua maioria. Mas eles são considerados pessoas influentes na elite brasileira. Destilam ódio na sociedade, reafirmam o racismo e a misoginia, fazem uma política machista e reforçam a desigualdade social.

    Manaus tem um déficit habitacional de 22,9%. Nada menos do que 128 mil pessoas vivem em área de risco, segundo dados da Fundação João Pinheiro. Enquanto isso, cerca de 50 mil imóveis estão ociosos, servindo à especulação imobiliária, só no centro da cidade, conforme o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-AM). De acordo com o CAU, só os imóveis do centro abrigariam mais de 200 mil pessoas.

    E de quem é a culpa desses números vergonhosos? Do povo, claro, pois a corda sempre quebrou do lado mais fraco.

    Abaixo o ensaio que realizei na ocupação Coliseu. Foi a minha forma de homenagear a vitalidade, coragem e determinação das crianças, mulheres e homens dessa comunidade, ainda tão discriminada pela narrativa das elites:

     

    Crianças assistem o jogo de futebol no campo do Coliseu – Foto: Christian Braga

     

    Roupas no Varal da ocupação que serão vendidas em um brechó na comunidade. – Foto: Christian Braga

     

    Crianças brincam com balde de água em frente as suas casas –  Foto: Christian Braga

     

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    Morador do Coliseu faz musculação em academia improvisada em frente a sua residência – Foto: Christian Braga
    Morador constrói sua residência na ocupação Coliseu – Foto: Christian Braga

    Moradores jogam futebol no campo de terra no Coliseu – Foto: Christian Braga
  • O dia em que a índigena Djuena Tikuna fez do palco sua aldeia

    O dia em que a índigena Djuena Tikuna fez do palco sua aldeia

    A noite do dia 23 de agosto de 2017 ficou marcada por um encantamento e diversidade jamais vistos no centenário Teatro Amazonas, em Manaus. Subiram ao palco, com suas vestimentas e instrumentos tradicionais, grupos de dança das etnias Sateré-Mawé, Tukano, Dessana e Tikuna para um pré-show do espetáculo inédito do lançamento do CD “Tchautchiüãne” (significa em português “minha aldeia”) da cantora e compositora indígena Djuena Tikuna, que canta na língua do seu povo, Tikuna – autodenominado Magüta.

     

    Um público de 823 pessoas, incluindo 300 indígenas convidados de diversas etnias, lotou o teatro, fundado 1896. No palco, a artista Djuena foi acompanhada pelo marido, Diego Janatã (na percussão e flautas), e pelos músicos Poramecú Tikuna (maracá e voz), Anderson Tikuna (violão), Antón Carballo (violino) e Agenor Vasconcelos (contrabaixo).

    Dividiram o espetáculo com ela a cantora Yra Tikuna, na canção “Ewaré”, e Marlui Miranda, na música “Maraká´Anandé”, canção tradicional do povo Ka´apor (do Maranhão). Marlui, que é etnomusicóloca, cantora e uma referência e pioneira em música indígena no Brasil, cantou ainda com Djuena a música “Araruna”, uma canção que fez parte do seu disco “Vozes da Floresta”, de 1996, inspirada na música tradicional dos índios Parakanã (Pará).

    O CD “Tchautchiüãne” de Djuena Tikuna tem 12 faixas, incluindo o Hino Nacional. Foi com a interpretação do hino brasileiro na língua Tikuna que a artista abriu sua apresentação no Teatro Amazonas acompanhada de crianças da comunidade Wotchimãücü e do imitador de pássaros Cleudilon de Souza Silveira, conhecido como Passarinho. Ele, que acompanhou a cantora em outras canções ao longo do show, assovia os cantos de 37 diferentes espécies da fauna amazônica, entre elas o bacurau, o sabiá-laranjeira e o tucano.

    As composições no CD “Tchautchiüãne” falam da resistência cultural, da identidade indígena, dos rituais e das ameaças aos direitos indígenas. O espetáculo foi dirigido por Djuena em parceria com o diretor de teatro Nonato Tavares, da Companhia Vitória Régia.

    Djuena Tikuna (“a onça que pula no rio”) nasceu na Terra Indígena Tikuna Umariaçu, município de Tabatinga, no Amazonas, região do Alto Rio Solimões, na fronteira entre o Brasil, Colômbia e Peru. O gosto pela música ela herdou da avó, Awai Nhurerna (em português Marilza), já falecida, a quem a cantora fez uma homenagem durante o espetáculo no Teatro Amazonas.

    Texto: Kátia Brasil / Amazônia Real

    Direção: Christian Braga
    Fotografia: Robert Coelho
    Câmeras: Christian Braga e Robert Coelho
    Produção: Renata Frota
    Assistente de Produção: Nadyne Oliveira
    Apoio: Jornalistas Livres, Greenpeace e Amazônia Real

  • “Do portão pra dentro é dos presidiários”, diz ex-detento em Manaus

    “Do portão pra dentro é dos presidiários”, diz ex-detento em Manaus

    João (nome fictício utilizado para preservar o entrevistado), era usuário e também vendia maconha. Tinha 21 anos e trabalhava como office boy quando, em 2007, foi preso sob acusação de ”tráfico de drogas”. Portava 12 cigarros de maconha.

    João começou a vender maconha para sustentar seu próprio consumo. Não tinha pretensão de enriquecer com a venda da planta e tampouco tirava seu sustento das vendas. Não era vinculado a organizações criminosas e, até então, não tinha antecedentes criminais. João entrou para as estatísticas da população prisional brasileira.

    Segundo dados de dezembro de 2014, divulgados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo (622.202). O líder do ranking são os Estados Unidos (com 2,2 milhões de presos). Dos 622.202 detentos brasileiros, 28% estão enquadrados na Lei de Drogas. A maioria da população prisional é composta por negros (67%) e por indivíduos de baixa escolaridade (53%).

    Quem é o responsável pelo massacre que ceifou as vidas de 60 homens no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj)? Seria da terceirizada Umanizzare, empresa privada que administrava a penitenciária, tendo recebido do governo do estado do Amazonas o equivalente a R$ 686 milhões entre os anos de 2013 a 2016? Ou o responsável seria o Estado, que deveria fiscalizar a terceirizada contratada para que cumprisse com os serviços inclusos no contrato, entre os quais se contam: prezar pela limpeza e conservação do complexo penitenciário, pela manutenção dos equipamentos que integram o sistema de segurança eletrônica, como câmeras de vídeo e pela alimentação dos detentos entre outros serviços.

    Lado mais fraco

    João é um exemplo dos milhares de detentos não só do Estado do Amazonas, mas também do Brasil. Esses que são esquecidos pelo Estado, responsável por eles enquanto estes estiverem sob sua custódia. João poderia ser um dos mortos no massacre.

    Por causa de 12 cigarros de maconha!

    E tem muita gente fora das cadeias pedindo mais mortes. “Morram todos!”

    O triste é que a maioria desses que gritam “bandido bom é bandido morto” quer uma sociedade mais justa –mas a solução imediatista que propõe só pune exatamente o lado mais fraco.

    O relato de João, um ex-detento do Compaj, nos leva a analisar a necessidade da descriminalização do consumo de todas as drogas, a analisar a omissão do Estado frente ao sistema penitenciário brasileiro e também, a refletir se estamos perdendo nossa humanidade ao difundir o ódio nas redes sociais.

    Jornalistas Livres foram ao encontro do ex-detento que é filho de uma diarista moradora da periféria de Manaus. O relato de João é sobre tudo que viveu enquanto esteve preso. Sobre sua história, sobre tudo o que viu, o que sentiu, e como é a vida atrás das grades. A entrevista a seguir foi feita pelos repórteres Macarena Mairata e Christian Braga de Manaus (AM), dos Jornalistas Livres.

    Vídeo: Christian Braga / Jornalistas Livres

  • Kassab, as franquias e o golpe na internet brasileira

    Kassab, as franquias e o golpe na internet brasileira

    por Hemanuel Veras, especial para os Jornalistas Livres

    Na última quinta-feira (12), o Ministro de Ciências, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab, afirmou em entrevista ao site Poder 360 que o governo federal participa de negociações junto a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e empresas operadoras de internet para mudar a forma com que a banda larga fixa é oferecida no Brasil, tornando possível a oferta com pacotes de franquias.

    A declaração foi alvo de duras críticas de associações de defesa do consumidor e muitas respostas negativas nas redes sociais, fazendo com que o MCTIC recuasse no dia seguinte, esclarecendo que não haverão mudanças no modelo atual, e que o presidente da Anatel afirmasse que a declaração do ministro foi um equívoco. Mesmo com esse recuo, essa declaração do ministro expõe uma relação próxima entre o Governo Federal e as grandes empresas de telecomunicação do Brasil.  

     

    Qual a diferença entre os modelos?

     

    A discussão sobre o modelo de franquias na internet fixa não é inédita. Em 2016, as grandes empresas declararam que iriam passar a oferecer o modelo de franquias, no qual o consumidor compra um pacote com limite de dados e tem o acesso interrompido caso ultrapasse esse limite, a exemplo do que já acontece no acesso á internet via telefonia móvel.

    A justificativa para o uso de franquias na internet móvel é técnica, uma vez que as antenas possuem menor capacidade de dados e as pessoas se locomovem enquanto utilizam a internet pelo telefone celular. Na internet fixa não existem essas mesmas dificuldades, apenas a possibilidade das empresas lucrarem mais em cima de um modelo que lhe força a pagar toda vez que ultrapassar o limite do pacote.  

    A comercialização desses pacotes de franquias também vai contra o Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, que em seu artigo 7 garante que a internet é essencial para democracia e proíbe a desconexão dos indivíduos, salvo em caso de não pagamento pelo serviço. No caso das franquias, se o consumidor ultrapassar a quantidade de dados prevista ele já estará impossibilitado de acessar a rede.

     

    O que pode mudar com o uso dessas franquias?

     

    O uso das franquias para internet fixa pode mudar a forma com que o brasileiro consome informações na internet e engessar processos em andamento de acesso à informação, educação e cultura. Segundo pesquisas do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação (Cetic.br), 51% dos domicílios brasileiros tem acesso a internet e 68% deles utilizam banda larga fixa, enquanto apenas 22% acessam a internet via conexão móvel. Desses domicílios com acesso a internet, 79% utilizam wifi e 16% compartilham wifi com vizinhos.

    O consumo por pacotes de franquias pode prejudicar o acesso à educação via internet, como cursos de Educação a Distância (EAD) ou mesmo a realização de pesquisas escolares. Segundo o Cetic.br, 43% dos usuários de internet no Brasil já realizaram pesquisas acadêmicas na internet, 37% já utilizou a rede para estudar por conta própria e 9% realizam cursos a distância. Em áreas longe dos grandes centros urbanos, os cursos a distância são uma possibilidade de dar continuidade aos estudos e ter acessos a novas formações.

    O consumo cultural também pode passar por grandes restrições, uma vez que o acesso a vídeos, música e jogos eletrônicos por streaming também serão prejudicados, pois demandam grande quantidade de dados. Nesse cenário os consumidores deveriam escolher com cuidado qual conteúdo iriam consumir e definir prioridades, como no caso de acesso a serviços públicos que exigem solicitações ou pedidos realizados pela internet.

    O uso das franquias também pode prejudicar a liberdade do usuário em escolher quais conteúdos quer acessar à medida que as empresas operadoras ofereçam zero rating – acesso gratuito a apenas determinados sites ou conteúdos após o fim da franquia, junto com os pacotes. Nesse cenário desanimador, grande parte dos consumidores ficaria com acesso restrito a apenas alguns sites e plataformas digitais. Ter acesso a um serviço gratuito quando você não tem mais dinheiro parece animador, mas não é necessário se continuarmos com o modelo atual de banda larga fixa, que possibilita total liberdade no acesso a rede.

     

    O que podemos fazer para evitar essa mudança?

     

    Uma forma de pressionar o governo a respeito desse tema é acessar a plataforma Diálogos da Anatel – http://www.anatel.gov.br/dialogo/groups/all, fazer o registro no site e deixar lá sua opinião a respeito do assunto. Essa consulta pública vai até abril e a opinião majoritária das pessoas irá fazer diferença no estudo técnico que a agência deve produzir a respeito do impacto que esse novo modelo teria no Brasil.

    Outra forma de pressionar o Governo Federal e as empresas contra essa decisão é apoiar e acompanhar a atuação de organizações que militam a favor do direito das liberdades na internet, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Coalizão Direitos na Rede, que milita por essa e outras pautas para manter a internet no Brasil livre e plural. A participação de todos é importante, assim como também é essencial vigiarmos os passos do Governo Federal e das grandes empresas de telecomunicação, para que eles não realizem um golpe na internet que construímos juntos no Brasil.