Jornalistas Livres

Categoria: PT

  • A radicalização da luta de classes no Brasil

    A radicalização da luta de classes no Brasil

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com charge de Paulo Batista

     

     

    Conforme vamos nos aproximando do dia 7 de outubro, fica cada vez mais óbvio que estamos diante de uma forte polarização. Que polarização é essa? É esta a pergunta que tento responder neste ensaio.

    Começo com uma afirmação forte, contundente: Bolsonaro é o candidato dos ricos e Haddad é o candidato dos pobres!

    Essa frase, assim, solta no ar, vira alvo fácil de desmentidos. Certamente, o leitor e a leitora estão pensando: “Conheço um monte de gente pobre que vota em Bolsonaro”. Daqui, eu replico: conheço um monte de gente rica que vota no Haddad.

    Segundo o TSE, existem hoje no Brasil 140,3 milhões de eleitores aptos a votar. Será mesmo que a minha percepção pessoal, que construo a partir daquilo que ouço da boca do meu vizinho, do meu primo, é o bastante para ter a visão do conjunto do eleitorado brasileiro?

    Não, não é!

    A análise não pode ficar restrita ao que vemos com nossos próprios olhos e ouvimos com nossos próprios ouvidos. Por isso, os dados estatísticos são tão importantes. São eles que nos permitem ter noção do que está acontecendo para além do horizonte, onde os olhos não alcançam, onde os ouvidos não escutam.

    Parto sempre do princípio de que os institutos de pesquisa sérios e confiáveis são o Ibope e o Datafolha, pois na série histórica mais acertaram do que erraram. O Vox Populi também poderia entrar nessa lista, mas, como ele costuma ser próximo de movimentos sociais ligados ao PT, fiquemos apenas com o Ibope a o Datafolha.

    Qualquer analista minimamente sério não briga com os dados do Datafolha e do Ibope. Isso é comportamento de eleitor/torcedor. O Ibope apresentou nessa semana dados qualitativos que ajudam a responder às perguntas que me parecem ser as mais importantes de serem feitas no atual momento da corrida eleitoral: quem é o eleitor de Jair Bolsonaro? Quem é o eleitor de Fernando Haddad?

    Dos dois lados da fronteira ideológica saltam respostas caricatas que pouco ajudam na compreensão da realidade. À esquerda, fala-se muito em um “fascismo” que teria se espalhado pela sociedade brasileira. À direita dizem que os eleitores do PT são o resultado de uma revolução cultural que o partido vem silenciosamente fazendo no Brasil, especialmente a partir das universidades, onde atuam os “professores doutrinadores de esquerda”.

    Para contraditar as caricaturas, aciono os dados divulgados pela pesquisa do Ibope publicada em 24 de setembro de 2018. Os números são cristalinos:

    Haddad lidera com 30% das intenções de voto entre os eleitores que vivem com menos de 1 salário mínimo por mês. Bolsonaro tem 16%. Se o corte for o da escolaridade formal, o cenário é bem parecido: entre os eleitores que estudaram até a 4° série do ensino fundamental, Haddad lidera com 28%. Bolsonaro tem 19%.

    A situação é oposta quando mudamos o filtro dos dados qualitativos:

    Entre eleitores com renda mensal superior a cinco salários mínimos, Bolsonaro lidera com impressionantes 42% dos votos. Haddad tem 15%. Entre eleitores com ensino superior completo, Bolsonaro lidera com 33%. Haddad tem 16%.

    As caricaturas de esquerda e de direita não sobrevivem aos dados: o tal “fascismo” não é um projeto da “sociedade brasileira”, mas, sim, dos mais ricos. As universidades não fazem “doutrinação ideológica de esquerda”, pois a parcela mais escolarizada da população (que tende a ser a também a mais rica) prefere Bolsonaro.

    É claro que existem as exceções!

    16% de pobres votam em Bolsonaro. É muita gente. Alguns deles salpicam aqui e ali nas nossas relações pessoais, o que pode nos levar a um erro de percepção. Nunca é demais lembrar o óbvio: se 16% dos mais pobres votam em Bolsonaro, 84% não votam. 84 é mais que 16, bem mais.

    O que os dados qualitativos mostram é que o eleitor típico de Bolsonaro é homem com diploma universitário, branco, proprietário, com renda mensal superior a cinco salários mínimos e com idade situada entre 25 e 40 anos. Podemos chamar esse tipo ideal de eleitor de “Maicon”.

    Já o eleitor típico de Haddad é eleitora. É mulher, é preta, com ensino fundamental incompleto e com renda mensal inferior a um salário mínimo. Vamos chamar esse tipo ideal de “Dona Nísia”.

    Maicon vota em Bolsonaro e Dona Nísia vota em Haddad.

    Agora, podemos avançar na discussão e apresentar outras perguntas: por que Maicon vota em Bolsonaro? Por que Dona Nísia vota em Haddad?

    Maicon vota em Bolsonaro, principalmente, porque é proprietário e está assustado com a violência urbana, que nas pesquisas de opinião é apresentada como o segundo maior problema do Brasil, perdendo apenas para a saúde.

    Alguns companheiros e companheiras se limitam a colar o rótulo de “fascista” em Maicon. Não me contento com atalhos argumentativos.

    A percepção da insegurança é especialmente forte junto aos proprietários, e por um motivo bem óbvio: quem tem propriedade tem mais a perder com a violência urbana.

    É claro que há outros elementos que formam a decisão eleitoral de Maicon: moralismo comportamental, machismo, homofobia. Mas o fundamental mesmo é o poder de sedução da utopia autoritária representada por Jair Bolsonaro, que se manifesta na tópica “bandido bom é bandido morto”.

    Para Maicon, a imagem do bandido é personificada no homem preto e jovem que lhe assaltou na semana passada. Maicon está convencido de que se Bolsonaro for eleito esse tipo social será exterminado e, com isso, sua propriedade estará protegida.

    Já Dona Nísia lembra com clareza o que aconteceu no governo Lula.

    Segundo as Nações Unidas, as mulheres chefiam 92% das famílias assistidas pelo Bolsa Família. Entendem, leitor e leitora? 92%! O Bolsa Família significa o empoderamento da mulher pobre. A Dona Nísia sabe disso, e sabe muito bem.

    Segundo dados do governo federal, as mulheres são proprietárias de 89% das unidades habitacionais financiadas pelo programa Minha Casa Minha Vida. Aquela mulher pobre, vítima de violência doméstica, que era obrigada a morar com o agressor porque não tinha para onde ir, foi empoderada pelo Minha Casa Minha Vida.

    O que podemos tirar disso tudo?

    Maicon vota em Bolsonaro movido pela expectativa de que o problema da violência urbana será resolvido por um governo autoritário e violento. Dona Nísia vota em Haddad porque já viveu a experiência do empoderamento, proporcionada pelas políticas públicas desenvolvidas e intensificadas pelos governos petistas. Os dois estão convictos dos seus votos. Não mudarão, não importa o que aconteça.

    Sim, leitor e leitora. Sem dúvida, vivemos um ambiente de polarização. Lulismo X Bolsonarismo; Petismo X Antipetismo.

    Mas a verdadeira polarização se dá mesmo entre Maicon e Dona Nísia. É conflito racial, é disputa entre gêneros. É, antes de qualquer coisa, luta de classes, a velha luta de classes. Desde sempre, a história humana é a história da luta de classes.

    De qual lado vocês estão?

     

  • Festival O POVO PODE: não dá pra perder!

    Festival O POVO PODE: não dá pra perder!

     

    Por Santiago Gómez, especial para os Jornalistas Livres

     

    A Ocupação 9 de Julho, do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), organiza o Festival “O povo pode”, para debater a conjuntura atual do Brasil, desfrutando da comida elaborada pelxs moradorxs na Cozinha da ocupação. A programação será intensa durante os dias 29 e 30 de setembro, com rodas de conversas, das quais participarão Valeska Teixeira Martins, advogada do Lula; a jornalista Laura Capriglione, dos
    Jornalistas Livres, entre outros convidados. O festival terá intervenções artísticas, shows e atividades para crianças. E põe artista legal nisso! Ana Cañas, Maria Gadú, As Baianas e a Cozinha Mineira, entre outrxs.

    O lugar mais lindo do mundo existe e fica em São Paulo – Foto de Marlene Bergamo

    O Festival é uma parceria entre a Ocupação 9 de Julho e agentes que compartilham a luta por causas sociais e democráticas, com o objetivo de criar um espaço de reflexão e troca de experiência sobre cultura, política e conjuntura atual; com atores que participam da luta dentro de movimentos sociais, coletivos artísticos, na disputa dentro do judiciário, a mídia, as universidades. O Festival também é uma oportunidade para divulgar a websérie e documentário de mesmo nome: O povo pode, de Max Alvim.

    Durante a tarde dos dois dias acontecerão mesas de debate, compostas por três convidados, que sempre serão mediadas por moradorxs da Ocupação. “Podemos como?” será a questão que vai perpassar todas as mesas, para poder ouvir histórias de experiências e não ficar só numa análise teórica ou intelectual sobre os problemas abordados. É por esse motivo que os convidados são pessoas envolvidas ativamente nos espaços nos quais agem.

     

    ANOTA O ENDEREÇO AÍ! Rua Álvaro  de Carvalho 427, Bela Vista. É só chegar!

     

    No sábado, serão as mesas: Resistência artística; Direito à Moradia; e Morar sem teto dentro e fora do movimento, na qual três mulheres da ocupação compartilharão a experiência de viver dentro de uma organização social, articulada sobre a solidariedade e a luta. Nos intervalos entre as mesas, se desenvolverão intervenções artísticas, com a participação de: Ilú Oba de Min, Ave Terrena, Mag Alegria, Renata Soares, Teatro O de Casa, Thaisa Barbosa, Anhaia x Prestes – Experimento Teatral”, Ava Terrena,  Flora Florentina, entre outrxs artistas. No domingo acontecerão as mesas: Mulheres peitando o golpe; Golpe sobre as minorias maiorias; e Democracia em risco.

     

    O Festival terá um espaço lúdico para crianças e adolescentes, que acontecerão na Brinquedoteca da ocupação. Rodrigo Bueno desenvolverá uma oficina para crianças. Mario Deganelli e Liz Mantovani apresentarão o Espetáculo de Contação de Histórias “Rosa e Tempo”. Haverá também uma roda de conversa sobre sexualidade e uma oficina sobre a Construção de Mapas Afetivos.

     

    Também contará com uma dinâmica de conversa aberta chamada Aquário, na qual serão debatidos “A comunicação como produção de um ‘comum’, no dia 29; e os “Desafios para a mídia: verdade ou mentira; compromisso ou isenção; como a política é indissociável da comunicação”, no dia domingo 30. No Aquário, as temáticas começarão ser discutidas pelxs convidadxs, mas com a possibilidade de interação direta do público, que pode tirar um dos participantes e ficar no seu lugar para dar continuidade ao debate. Entre os convidados estão: Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo; Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto), prof. titular da FaCHS e assistente para assuntos de Comunicação da Reitoria da PUC-SP

     

    Alma de bronze

     

    Na Ocupação 9 de Julho está acontecendo a exposição “Alma de bronze”, da artista Virginia de Medeiros. Em uma série de fotografias e depoimentos em vídeo, a exposição estabelece um diálogo – artístico, mas também existencial – com as militantes do MSTC. As fotografias foram colocadas em cada andar da ocupação, até chegar ao 14º andar, onde será possível ouvir as histórias das militantes, como foi que perderam o teto ou que chegaram na ocupação, e todas as dificuldades que tiveram de atravessar.

     

    Programação

    Endereço: Rua Álvaro de Carvalho, 247, Bella Vista.

     

    MESAS E RODAS DE CONVERSA:

     

    Sábado 29 de setembro

     

    14hs: Resistência Artística.

    15:30h: Direito à Moradĩa.

    17hs: Morar sem teto dentro e fora do movimento.

     

    Domingo 30 de setembro

     

    14hs: Mulheres peitando o golpe

    15:30hs: Golpe sobre as minorias maiorias

    17hs: Democracia em risco

     

    Aquário

     

    O Festival contará com uma dinâmica de conversa aberta grupal chamada Aquário, na qual serão debatidos No Aquário, as temáticas começarão ser discutidas pelxs convidadxs, mas com a possibilidade de interação direta do público, que pode tirar um dos particpantes e ficar no seu lugar para dar continuidade ao debate.

     

    Sábado 29 de setembro

     

    15:30 hs: A comunicação como produção de um “comum”

     

    Ricardo Teixeira

    Rogério da Costa

    Fabi Borges

     

    Domingo 30 de setembro

     

    15:30hs: Desafios para a mídia: verdade ou mentira; compromisso ou isenção; como a política é indissociável da comunicação

     

     

    Kiko Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

    Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto), Professor da FaCHS e assistente para assuntos de Comunicação da Reitoria da PUC-SP

    Max Alvim, Diretor de Cinema

     

    Shows:

    Sabado 29 de setembro

     

    Yanamoano

    Arismar do Espírito Santo

    Aila

    Samba Alegria

    Tamoyos

    Zé Cafofinho

    Debora Critian

    Batuque Lara

    Dj Oriundo

     

    Domingo:

     

    Ana Cañas

    Fernanda Ayme

    Grupo Oh de Casa

    Igor Veloso

    Pitayas e Zé Pereira

    As Bahias e a Cozinha Mineira

    Marcelo Preto

    Maria Gadu

    Thaisa Barbosa (performance)

     

    ANOTA O ENDEREÇO AÍ! Rua Álvaro  de Carvalho 427, Bela Vista. É só chegar!

     

  • Jornalista xinga Dilma e é punido pelo TRE

    Jornalista xinga Dilma e é punido pelo TRE

    A juíza Cláudia Costa Cruz Fontes, do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, concedeu, no sábado, “tutela de urgência” a representação apresentada por Dilma Rousseff e proibiu o jornalista Jaeci Carvalho, colunista de esportes no jornal “Estado de Minas”, de Belo Horizonte, de repetir a veiculação de um vídeo no Facebook e no Twitter em que chama a presidenta de “vagabunda, perversa e terrorista”.

    Caso o vídeo seja veiculado, será imposta uma pena de pagamento de R$ 5 mil por dia de descumprimento. Confira abaixo a íntegra da decisão mostrada pelas imagens:

     

  • OS USOS ELEITORAIS DO ANTI-PETISMO

    OS USOS ELEITORAIS DO ANTI-PETISMO

    RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com charge de Aziz 

    Neste texto, quero analisar os usos eleitorais do anti-petismo, tratando especificamente das estratégias adotadas pelas candidaturas de Geraldo Alckmin e Ciro Gomes.

    Vou fazer de conta que as eleições estão acontecendo em uma situação de normalidade democrática. Com algum constrangimento, finjo que não sei que o principal candidato foi retirado da disputa em um processo questionado pela comunidade jurídica nacional e internacional.

    Analiso as eleições mesmo tendo seríssimas duvidas se os perdedores aceitarão o resultado. Tenho muitas dúvidas se o vencedor será, de fato, empossado. A mídia hegemônica está tratando general do Exército como interlocutor político, o que é um absurdo em qualquer democracia saudável. O presidente da suprema corte trouxe um militar para o seu gabinete de trabalho, em um comportamento inédito na história recente brasileira. Ainda assim, prossigo examinando a corrida eleitoral, falando das campanhas, das estratégias mobilizadas pelos candidatos.

    Sigo com a análise, um tanto envergonhado, confesso.

    As candidaturas de Ciro Gomes e Geraldo Alckmin se encontram diante do mesmo impasse: não estão conseguindo construir hegemonia dentro dos seus respectivos campos ideológicos. Ao que tudo indica, a crer nos dados divulgados pelas pesquisas, Geraldo Alckmin será derrotado no campo da direita e Ciro Gomes será derrotado no campo da esquerda.

    Hoje, o cenário mais provável aponta para uma disputa de segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.

    As candidaturas de Geraldo Alckmin e Ciro Gomes, como não poderia deixar de ser, tentam reverter a situação, usando o anti-petismo como o retórica eleitoral.

    Alckmin tenta recuperar os votos anti-petistas que Bolsonaro abocanhou, usando como trunfo as simulações de segundo turno realizadas pelos principais institutos de pesquisa, principalmente o Ibope e o Datafolha.

    Os dados apresentam Bolsonaro empatado com Haddad, enquanto Alckmin venceria com alguma facilidade o candidato petista.

    É como se Alckmin estivesse dizendo para o eleitor anti-petista: “Comigo, teremos mais chances de derrotar o PT”.

    Já Ciro Gomes tem um outro fantasma na manga: Jair Bolsonaro.

    Desde o início da campanha, Ciro Gomes vem apostando alto, com coragem, tentando romper com o lulismo e estabelecer um novo alinhamento de forças dentro do campo progressista. Tal como Alckmin, Ciro Gomes também utiliza as simulações de segundo turno como trunfo eleitoral. Como já sabemos, os dados mostram Haddad empatado com Bolsonaro. Já Ciro venceria todos os outros candidatos.

    Ciro Gomes tem ainda outra narrativa: se vencer, diz a campanha cirista, Haddad não conseguirá governar por causa do anti-petismo.

    O argumento está colando em parte do eleitorado progressista, machucado e esgotado com uma crise que se arrasta há cinco anos.

    Cinco anos de crise esgota as energias de qualquer um.

    Mas o que seria mesmo esse anti-petismo? Trata-se de um problema com o PT? Algo semelhante a uma antipatia pessoal?

    Penso que situação seja muito mais complexa, que o buraco seja muito mais fundo, que o problema seja muito mais grave.

    Explico com um exercício de síntese histórica. O conhecimento histórico é útil à vida.

    Entre meados dos anos 1970 e fins dos anos 1980, o Brasil viveu aquilo que costumamos chamar de redemocratização. Foi a transição da ditadura para o governo democrático. O processo foi longo, cheio de idas e vindas, teve perfil conservador e foi tutelado pelos próprios militares.

    Se é verdade que nem tudo na vida são flores, também podemos dizer que nem tudo são espinhos. Mesmo sendo conservadora, a transição trouxe algo de bom: a mobilização de setores importantes da sociedade brasileira na crítica ao autoritarismo.

    Foram anos animados, com grandes atos públicos, engajamento de artistas e intelectuais, greves gerais, milhares de pessoas nas ruas. Desse clima, saíram dois partidos políticos que, cada um a seu modo, passaram a representar as demandas da sociedade civil por um país mais justo e democrático: PT e PSDB, que se tornaram os principais ocupantes do campo político progressista.

    Mas o que é o campo político progressista?

    São os grupos políticos que partem do princípio de que o Estado deve amparar o sofrimento dos mais vulneráveis, daqueles que no conflito social são mais frágeis.

    Os mais frágeis?

    Mulheres, pretos e pretas, comunidade LGBT e, principalmente, pessoas pobres.

    Do outro lado do campo progressista está o campo do atraso.

    O objetivo do campo do atraso é direcionar a riqueza social para uma minoria, justamente aqueles que já são mais poderosos: homens, pessoas brancas e, principalmente, ricos.

    Partidos diferentes, cada um com sua proposta: o PT mais próximo dos movimentos sociais de base. O PSDB mais preocupado em tomar a via da política institucional. Mesmo com as diferenças, não era raro ver PT e PSDB dividindo o mesmo palanque naqueles tempos da redemocratização.

    Isso ficou claro nas eleições de 1989, quando Mário Covas, importante liderança tucana, apoiou Lula no segundo turno das eleições.

    Mas por que fui lá atrás, na redemocratização, se o objetivo é abordar os usos eleitorais do anti-petismo hoje, em 2018?

    É que síntese histórica é igual a canja de galinha e cafuné. Sempre faz bem. Sempre ajuda.

    Estou querendo dizer pra vocês que nos anos da redemocratização o campo progressista brasileiro era formado por alguns partidos políticos: PT, PSDB, PDT e alguns outros com relevância menor.

    Ao longo da década de 1990, com o envelhecimento de Brizola, o PDT se tornou um partido pequeno. Já o PSDB aderiu à agenda do neoliberalismo internacional e se tornou um partido de centro-direita.

    Sobrou quem no campo progressista? Apenas o PT.

    O PT passou a ocupar sozinho esse campo político e, assim, chegou ao governo em 2002. Com todas as contradições e defeitos dos governos petistas, não dá pra negar que eles foram progressistas. Os números são muito reveladores.

    Pessoas pretas, pobres, mulheres tiveram suas vidas melhoradas por meio de políticas públicas. Foi menos do que precisava ser. Foi mais do que tinha sido feito até então.

    E o campo do atraso?

    Cada vez mais passou a odiar o PT. Como esse campo do atraso controla a maioria dos canais de comunicação, esse ódio se difundiu também para setores das classes médias. A espetacularização seletiva das denúncias de corrupção se tornou o combustível desse ódio. Temos aqui o tão falado ‘anti-petismo’.

    Vejam bem, leitor e leitora: não se trata, apenas, de um ódio ao PT. O ódio é direcionado ao grupo político que desde os anos 1990 ocupa sozinho o campo progressista. O ódio é direcionado à agenda progressista, a certo conceito de política, à ideia de que os recursos públicos devem ser usados em benefício dos mais vulneráveis.

    Se a estratégia corajosa de Ciro Gomes funcionar, veremos o estabelecimento de um novo equilíbrio de forças dentro campo progressista. Em questão de meses, o anti-petismo se tornará anti-cirismo, ou anti-pedetismo. Sei lá.

    Se Ciro Gomes vencer e implementar o seu plano de governo (um plano progressista), passará a ser ele o alvo das forças do atraso. Não à toa, bastou Ciro Gomes se destacar nas pesquisas para que aparecesse uma delação que o coloca na mira da Operação Lava Jato.

    Quem acha que o problema das forças do atraso é específico com o PT ainda não entendeu o Brasil.

    Não se trata de anti-petismo, meus amigos e minhas amigas. É só o velho Brasil tentando destruir todos os que modificaram as regras de distribuição da riqueza social. Nem carece de ter modificado muito. Basta ter bulido só um pouquinho.

    Pra concluir meu argumento: à direita e à esquerda, o anti-petismo é retórica eleitoral. Na campanha do PSDB, a retórica é até coerente com o projeto de Brasil das forças do atraso. Basta saber se o PSDB ainda representa essas forças.

    Já na campanha de Ciro Gomes, a retórica do anti-petismo combina oportunismo com ingenuidade. Oportunismo é normal em política, principalmente em época eleitoral. A ingenuidade é o pior defeito que uma pessoa adulta pode ter.

     

     

  • A SOLUÇÃO É LULA E UNIDADE

    A SOLUÇÃO É LULA E UNIDADE

    Do ponto de vista formal, a campanha para presidente começou no dia 11/9, quando Fernando Hadadd foi oficializado como candidato do PT. Daqui para frente, todos seremos bombardeados por pesquisas nunca totalmente confiáveis. Seja porque a maioria dos grandes institutos são filiais da grande mídia, seja porque os demais respondem a interesses específicos do tal mercado e gente assemelhada.

    Mesmo de detritos se aproveitam algumas coisas. Acima dos números, importa ver que todas apontam algumas tendências inexoráveis: Haddad, o candidato ungido por Lula, iniciou uma decolagem cujo teto ninguém é capaz de prever. Ciro patina e agora tem que disputar os votos de Lula de que pensara ser o beneficiário exclusivo.

    À direita, o panorama é de enterro antecipado (falaremos de Bolsonaro mais abaixo). Geraldo Alckmin, mesmo protagonizando tempo equivalente a um longa metragem no horário eleitoral, não sai do chão. Os motivos saem da boca de um dos cardeais de próprio PSDB, Tasso Jereissati. Em entrevista recente, apontou três pecados capitais do partido: contestou o resultado da eleição democrática que escolheu Dilma Rousseff; votou a favor de projetos só porque contrariavam o PT; e, passo definitivo, assumiu a bandeira golpista ao embarcar com armas e bagagens no governo Temer. A cereja do bolo ficou por conta dos telefonemas imorais do candidato Aécio Neves, prova cabal do apodrecimento do partido.

    Quanto ao restante, pouco mais há a falar. Meirelles, Amoedos, Alvaros Dias valem tanto quanto uma nota de 3 reais. Marina Silva, quem diria, a mais nova e esganiçada integrante do coro da reação, jogou uma pá de cal em sua biografia de defensora dos oprimidos. Assumiu de vez o papel de Derrota Régia. Aderiu a Aécio Neves, apoiou o golpe do impeachment e agora afirma que o lugar de Lula é mesmo na cadeia porque é corrupto e ponto final.

    E Jair Bolsonaro? Sua biografia de primata pessoal e intelectual já foi exaustivamente explorada. Só que, de repente, havia se transformado em tábua de salvação da direita que, na falta de candidatos de verdade, começou a operação tentando dourar o capitão acusado até de explodir quartéis do Exército. Seria um mero crooner de Paulo Guedes –banqueiro privatista, acusado de roubalheiras e defensor do mesmo programa que a quadrilha de Temer vem aplicando.

    Mas apareceu uma pedra, ou uma faca, no meio da estrada. Sem Bolsonaro, instalado num leito de hospital classe A, a campanha do milico tende a se esvaziar. Seu vice é um troglodita assumido e orgulhoso disso. Sua última contribuição à “democracia” foi a de propor uma Constituinte sem povo. Escrita por “notáveis”. Quem seriam eles? Só por hipótese: ele mesmo, o que sobrar de Bolsonaro, Brilhante Ustra numa sessão mediúnica, Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, Michel Temer, Donald Trump e por que não Adolf, sim, aquele mesmo, ainda que por homenagem?

    Apesar de tanto ineditismo, poucas vezes uma eleição sinalizou resultado tão antecipado: as forças progressistas têm tudo para interromper a trajetória de um golpe destruidor do Brasil. A palavra-chave é: unidade. Ciro e Haddad, se juntos, seriam imbatíveis já no primeiro turno. Haddad, por exemplo, tem que saber que a bênção de Lula vale ouro.

    Não se explica que, na sua mensagem final –único momento em que pôde falar sem ser interrompido 542 de vezes naquela pantomima montada pela rede Globo no Jornal Nacional–, não se explica que Haddad não tenha citado uma vez a injustiça contra o ex-presidente e afirmado que ele será Lula no poder. E sobretudo reafirmado as propostas que transformaram o ex-presidente na figura mais popular da história do país. Já Ciro tem que parar de acender velas a deuses e diabos e mirar no que é urgente e essencial.

    Deixadas de lado as mesquinharias partidárias, cumpre mirar no alvo fundamental: derrubar, no voto, pela democracia, em respeito à soberania popular, a quadrilha de saqueadores que assaltou os sonhos dos brasileiros. Até para se preparar contra os próximos golpes que certamente vão ocorrer até 7 de outubro.

     

    Jornalista Ricardo Melo

    Ricardo Melo*, 63 anos, é jornalista, ex-presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação)

  • AS CICATRIZES QUE A FACADA NÃO DEIXOU

    AS CICATRIZES QUE A FACADA NÃO DEIXOU

    RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia (UFBA), com ilustração de Jean Galvão

     

    Até a semana passada, a corrida eleitoral girava ao redor de uma questão capital: Lula, mesmo preso, irá conseguir transferir votos para Haddad?

    O protagonismo estava lá em Curitiba, na sede da Polícia Federal.

    A situação mudou no dia 6 de setembro, quando, em Juiz de Fora, Minas Gerais (praticamente Rio de Janeiro), um sujeito de ideias confusas e, ao que tudo indica, agindo sozinho e sem nenhuma articulação, enfiou uma faca na barriga de Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República.

    Bolsonaro, que até então contava com tempo muito pequeno de propaganda eleitoral na televisão, passou a estar sob os holofotes da mídia. O protagonismo foi, então, dividido, passando a ser encenado também em São Paulo, na porta do Hospital Albert Einstein.

    Surgiu, então, outra questão capital: o atentado é capaz de impulsionar Jair Bolsonaro?

    Acredito que, hoje, em 12 de setembro, quando estou escrevendo este texto, seja possível responder essa pergunta com mais segurança. Pra isso, são fundamentais os dados das pesquisas feitas pelo Ibope e pelo Datafolha.

    É este o meu esforço neste ensaio: utilizar os dados disponíveis para avaliar o cenário eleitoral. Se o resultado da eleição será ou não respeitado, se teremos mais golpe, se a crise irá terminar com a posse do governo eleito, são outras questões, relevantes demais e que pedem uma reflexão específica. Cada problema no seu tempo.

    Aqui, falo apenas das eleições, fazendo de conta que estamos em um ambiente democrático.

    Primeiro, algumas considerações sobre as pesquisas eleitorais: Numa sociedade de massa, pesquisa eleitoral é ativo político e exerce uma dupla função: identifica e reforça as tendências eleitorais.

    Como política é rio que corre para o mar, aparecer na frente nas pesquisas eleitorais significa ser visto como potencial vencedor, o que atrai ainda mais votos. As pessoas gostam de terem votado no vencedor. Ninguém gosta de perder.

    Por isso, em época eleição surgem pesquisas de tudo quanto é lado, feitas por todo tipo de instituto, alguns desconhecidos e com credibilidade questionável. Para reflexão que estou desenvolvendo neste texto, parto do princípio de que apenas os dados apresentados pelo Datafolha e pelo Ibope são dignos de confiança.

    Digo isso porque na série histórica esses institutos acertaram muito mais do que erraram. Ou em outras palavras: se formos pesquisar os dados apresentados pelo Datafolha e pelo Ibope nas pesquisas realizadas nas vésperas das eleições passadas, veremos que as projeções foram, quase sempre, confirmadas pelos resultados das urnas.

    Dito isso, vamos em frente.

    A pesquisa Datafolha foi divulgada na segunda-feira, 10 de setembro. A pesquisa Ibope foi divulgada na terça-feira, dia 11. A essa altura da corrida eleitoral, precisamos estar mais atentos às tendências do que aos dados estatísticos em si. Os dois institutos identificam as mesmas tendências:

    1) A facada não teve impacto eleitoral relevante, já que Bolsonaro se manteve relativamente estável e continua sendo rejeitado por mais de 40% do eleitorado, o que, na prática, o inviabiliza para o segundo turno. Bolsonaro é o adversário dos sonhos. Todos querem disputar o segundo turno com ele.

    2) Geraldo Alckmin está estacionado, o que sugere duas coisas: nos tempos das mídias digitais a TV já não é mais tão importante assim para o convencimento eleitoral; o PSDB foi engolido pelo golpe que financiou.

    3) Marina Silva despenca, o que me surpreende. Achei que ela fosse conseguir crescer com a tentativa de se apresentar como centro do espectro político.

    4) Haddad, que no momento em que os institutos foram a campo ainda não era oficialmente o candidato do PT, mais que dobrou suas intenções de voto. Haddad está em clara tendência de crescimento. Este é o dado mais relevante das pesquisas.

    5) Ciro Gomes cresce e já aparece sozinho na segunda colocação.

    Existem diferenças entre os dados estatísticos apresentados pelos dois institutos. Não são diferenças grandes, mas que devem ser destacadas.

    No Ibope, a situação de Bolsonaro é melhor: ele ganha algo entre 03 e 05% com a facada e é mais competitivo no segundo turno, contra todos os outros candidatos. Já no Datafolha, a situação de Bolsonaro é muito delicada: ele não cresce praticamente nada com a facada e perde de todos os outros candidatos no segundo turno.

    A diferença talvez se explique pelo momento em que os institutos foram a campo. O Ibope estava fazendo sua pesquisa entre os dias 6 e 7 de setembro, no auge da repercussão do atentado.

    Já o Datafolha estava em campo nos dias 9 e 10, quando Bolsonaro começava a dividir o noticiário com a unção de Haddad e com a morte do funkeiro carioca MR Catra. Penso que os dados do Datafolha revelam melhor a realidade da situação eleitoral de Bolsonaro do que os do Ibope.

    Bom, diante disso, com um olho nos dados e o outro nas tendências, apresento as minhas interpretações:

    A facada não beneficiou a candidatura de Bolsonaro. É que em uma eleição, os índices de rejeição são mais reveladores do que os índices de intenção.

    A intenção é volátil, pertence ao futuro, é algo que muda ao sabor das circunstâncias. Já a rejeição pertence ao passado, é dado consolidado. A rejeição até muda, mas leva tempo. Estamos a um mês das eleições e Bolsonaro é rejeitado por mais de 40% do eleitorado. Uma rejeição desse tamanho não muda do dia pra noite, nem mesmo com uma facada.

    Por que a imagem da vítima não colou no Bolsonaro?

    Primeiro, porque Bolsonaro é personagem amplamente conhecido no Brasil há, pelo menos, dois anos. Sua representação como um homem violento e autoritário já está consolidada no imaginário popular. Sem dúvida, ele cresce eleitoralmente com essa representação, principalmente entre eleitores homens, brancos e proprietários. Mas também perde, sendo rejeitado por mulheres e pobres.

    Mulheres e pobres são a maioria do eleitorado. Como alguém pode ser eleito presidente da República sendo rejeitado pela maioria do eleitorado?

    Além de tudo, o marketing da campanha foi inábil ao explorar o evento. Bolsonaro ainda corria risco de morte e Flávio Bolsonaro (candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro) já cantava a vitória no primeiro turno.

    A campanha abusou das fotos e vídeos no leito, o que alimentou a desconfiança de que tudo não passou de uma jogada de marketing.

    Quando era o momento de encenar a vítima, a campanha divulgou foto de Bolsonaro fazendo seu tradicional gesto da arma, o que reforça a representação do homem violento.

    Enfim, tudo indica que a facada não vai impulsionar Jair Bolsonaro. Ele não perde, mas também não ganha. Tudo continua como antes.

    Por outro lado, chama a atenção o crescimento de Ciro Gomes, que vem sendo alavancado por um eleitorado progressista que está assustado com a possibilidade de Bolsonaro ser eleito presidente da República. Como ainda existem dúvidas em relação ao potencial eleitoral de Fernando Haddad, a candidatura de Ciro Gomes está vendendo a ideia de que é a única capaz impedir a vitória do Bolsonaro.

    O combustível do crescimento de Ciro Gomes, na verdade, é o veto a Bolsonaro. Bolsonaro, hoje, é o principal ativo político de Ciro Gomes, que mobilizando uma espécie de retórica do medo está tentando refundar o campo progressista brasileiro.

    Por enquanto, a estratégia parece estar dando certo. A ver se esse crescimento vai se confirmar como tendência.

    Haddad cresce e tudo indica que crescerá mais. Se o ativo político de Ciro Gomes é Bolsonaro, o ativo político de Haddad é Lula. Creio que o leitor e leitora irão concordar que Lula é o ativo político mais valioso da história do Brasil. Acho muito difícil, mas muito difícil mesmo, que Haddad não herde, pelo menos, algo entre 50 e 70% dos votos que seriam de Lula, o que fatalmente o colocaria no segundo turno, talvez até mesmo na frente de Bolsonaro. A ver se essa tendência se confirma nas próximas pesquisas.

    Com essa disputa entre Haddad e Ciro, Marina perde espaço. Hoje, com os dados disponíveis, ela é a primeira derrotada das eleições. Eu ficaria muito surpreso se isso mudasse.

    Do outro lado da trincheira ideológica, Alckmin tenta desesperadamente recuperar o eleitorado de direita que foi abocanhado por Bolsonaro. Pra isso, o crescimento de Haddad será o seu trunfo.

    Haddad está para Alckmin assim como Bolsonaro está para Ciro: um fantasma capaz de seduzir o eleitor pelo medo. Alckmin vai tentar convencer o eleitorado de direita que Bolsonaro, por sua rejeição, não será capaz de derrotar o PT. Vamos ver se vai colar. O jogo continua sendo protagonizado pelo bolsonarismo e pelo lulismo, com suas sombras tentando crescer utilizando a retórica do medo.

    A facada não deixou cicatrizes. O impacto da peixeira de Adélio foi grande mesmo no intestino grosso de Bolsonaro. Na corrida eleitoral, não passou de um arranhãozinho.