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Categoria: Operação Ouvidos Moucos

  • ESPECIAL: Postagens inverídicas que levaram ao linchamento moral do reitor da UFSC continuam nas páginas oficiais da PF

    ESPECIAL: Postagens inverídicas que levaram ao linchamento moral do reitor da UFSC continuam nas páginas oficiais da PF

    Família apresentou ao Ministério da Justiça requerimento de abertura de inquérito para apurar a responsabilidade administrativa, cível e penal da delegada Érika Marena nos abusos de poder que culminaram com a prisão, afastamento da universidade, linchamento moral e suicídio de Cancellier

    Passados dois meses da prisão do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier de Olivo e 48 dias do seu suicídio, as informações comprovadamente inverídicas do anúncio da Polícia Federal sobre o seu envolvimento na Operação Ouvidos Moucos permanecem inalteradas nas páginas oficiais do órgão. A mesma postagem que levou ao linchamento moral e midiático do reitor continua no dia de hoje (19/11) alimentando julgamentos e informações caluniosas nas redes sociais e nos meios de comunicação. Uma representação contra a delegada da Superintendência da Polícia Federal em Santa Catarina, Érika Mialik Marena, foi protocolada e entregue ao ministro da Justiça e Segurança Torquato Jardim, no dia 31 de outubro, pelo irmão Acioli, em nome do irmão Júlio e do filho do reitor, Mikhail Vieira Cancellier de Olivo, mas até agora os advogados da família não obtiveram qualquer resposta. A denúncia requer a abertura de procedimento investigativo para “apurar com rigor responsabilidade administrativa, cível e penal da delegada pelos abusos e excessos cometidos no trágico desfecho e prevenir a ocorrência de novos episódios”.

    Representação contra a delegada federal assinada por Acioli Cancellier (ao centro), ladeado pelo irmão Júlio Cancellier e o o reitor (de branco).     Foto: Arquivo Pessoal

    Na postagem do dia 14 de setembro, a Polícia Federal anuncia que estava deflagrando uma batida no Brasil, com a prisão de sete integrantes da UFSC (incluindo o reitor), como suspeitos pelo desvio de verbas de R$ 80 milhões do Ensino a Distância dentro da autodenominada “Operação Ouvidos Moucos”. Essas informações induziram a mídia e seus leitores a tomarem a verba total repassada pela Capes ao Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) e aplicada em cursos, projetos e bolsas do Ensino a Distância no período de dez anos como o valor de recursos sob suspeita de desvio. No entanto, o valor investigado está, conforme amplamente esclarecido no dia seguinte pela universidade e reconhecido pela própria juíza Janaína Cassol, restrito a duas listagens de valores das bolsas supostamente transferidos indevidamente, uma no montante de R$ 300 mil e outra de R$ 200 mil. O valor sob suspeição não passa, portanto, de R$ 500 mil.

    Na representação, os familiares denunciam que no dia da deflagração da operação a delegada convocou coletiva de imprensa e deu entrevista ao vivo, divulgada pelo canal do Youtube da Polícia Federal para “denunciar” o suposto desvio de mais de 80 milhões de reais na UFSC, “antes mesmo de concluir a oitiva de Luiz, que durou mais de 5 (cinco) torturantes horas”.

    Essa informação oficial, seja na coletiva ou nas páginas do órgão, foi decisiva para o julgamento público que defenestrou a reputação pública de Cancellier, conforme argumenta o pedido de inquérito. Durante o velório do professor, no dia 2 de outubro, uma universitária deu a maior prova disso, ao interromper a cerimônia fúnebre para esmurrar o caixão em frente aos familiares e amigos ainda compungidos de dor gritando: “Ladrão, ladrão, devolva os R$ 80 milhões que roubou da universidade!”

    O documento mostra que as postagens e a entrevista coletiva da Polícia Federal no dia da prisão produziram uma segunda distorção, igualmente grave e incriminadora: a de que Cancellier, jornalista por profissão, graduado, mestre e doutor em Ciências Jurídicas, e professor de Direito Administrativo, havia sido indiciado por envolvimento nas suspeitas de desvio. (Veja aqui a coletiva convocada pela delegada da PF e publicada no seu canal do Youtube: http://(https://www.youtube.com/watch?v=n8nIa-NKcVU&feature=youtu.be)

    Veículos de comunicação que tomaram esses dados oficiais como verídicos e definitivos, sem ouvir o contraditório, tiveram que esclarecer na sequência que o reitor não era indiciado, nem sequer citado nas investigações da operação que apurava possíveis desvios praticados num período de seis anos atrás, fora, portanto da sua administração, iniciada em maio de 2016. Conforme foi retificado na sequência pela Reitoria da UFSC e pela juíza, a prisão se referia à denúncia de tentativa de interdição das investigações da Polícia Federal, levantada pelo titular da Corregedoria Geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, hoje afastado para licença de saúde de 61 dias. O processo da operação foi avocado pela Corregedoria Geral da União, que também responde pelo pedido de investigação da sua conduta, encaminhado pela reitoria da UFSC.

    A arguição mostra que a delegada extrapolou suas funções institucionais, acolhendo sem o menor cuidado denúncia infundada de um declarado desafeto político do reitor, contra o qual fez diversos pronunciamentos na imprensa local, inclusive o acusando de redução salarial. Soube-se mais tarde que o corregedor, ao contrário de Cancellier, não era mais um homem público de ficha limpa desde 2013. No momento em que fez a acusação, Hickel respondia a seis processos na justiça envolvendo crime de trânsito contra a coletividade, com tentativa de carteiraço e crime de calúnia e difamação com abuso de autoridade, pelo qual foi condenado na instância cível e penal. Além disso, respondeu a duas ações de indenização movidas pela ex-mulher e ex-noiva por tortura psicológica e física, conforme reportagem investigativa publicada pelos Jornalistas livres em 30 de outubro. https://jornalistaslivres.org/2017/10/exclusivo-corregedor-que-denunciou-reitor-a-pf-ja-foi-condenado-por-calunia-e-difamacao/

    O primeiro a observar a permanência da notícia caluniosa foi o próprio irmão do reitor, Acioli Cancellier de Olivo, matemático, pesquisador e professor de pós-graduação aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do MCTI em São José dos Campos, provocado pela insistência do erro de alguns veículos de imprensa, mesmo depois de amplamente corrigidos. A postagem da PF, que consta da representação da família, foi printada pelos denunciantes no dia 31 de outubro, com 789 curtidas e 159 compartilhamentos. Chama atenção o grau de ódio, proporcional ao grau de desinformação dos comentários:

    Vera Trancoso: “Parabéns, guerreiros, vocês são os heróis desta nação, pena que não há leis severas para eles e nem cadeias comuns para pagar as punições, abraços”.

    Selma Cabulon: “Parabéns PF. O povo só pode contar com vcs pra acabar com esse bando de corruptos sem vergonha o Brasil não tolera mais isso chega e enquanto isso o povo morre por falta de recursos”.

    Acompanhados sempre da hashtag de cunho promocional #EuconfionaPF, o texto das postagens da PF começa com o número de agentes mobilizados pela operação: “105 policiais federais para cumprir 16 mandados de busca e apreensão, 7 de prisão temporária e 5 de condução coercitiva, além do afastamento de 7 pessoas de funções públicas que exercem”. Informa ainda que a Operação Ouvidos Moucos, também sempre citada em formato de hashtag, “contou com o apoio do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União – CGU e do Tribunal de Contas da União – TCU para desarticular organização criminosa que desviou recursos para curso de Educação a Distância (EaD) da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC”. O texto é assinado também por hashtags promocionais da PF #euconfionapf e #issoaquiépf.  Abaixo do texto, a imagem-símbolo da campanha com a manchete sobreposta e acesa por detalhes em amarelo:

    #OpOuvidosMoucos

    Combate desvio de mais de R$ 80 milhões de recursos para EaD

    Com base nessas afirmações, o reitor foi acusado de ser o chefe da quadrilha e a UFSC, uma universidade com largo renome no país, um antro de corrupção, de acordo com o próprio desabafo que ele assinou , em artigo publicado em 28 de setembro, no jornal O Globo, quatro dias antes do suicídio.

    “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira… Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.” https://oglobo.globo.com/opiniao/reitor-exilado-21879420

    Em busca da uma informação atualizada ou revisada em outros canais da Polícia Federal, encontramos no seu site oficial, o release sobre a operação, com as seguintes afirmações comprometedoras:

    “As investigações começaram a partir de suspeitas de desvio no uso de recursos públicos em cursos de Educação à Distância oferecidos pelo programa Universidade Aberta do Brasil – UAB na UFSC. A operação policial tem como foco repasses que totalizam cerca de R$ 80 milhões. Foi identificado que docentes da UFSC, empresários e funcionários de instituições e fundações parceiras teriam atuado para o desvio de bolsas e verbas de custeio por meio de concessão de benefícios a pessoas sem qualquer vínculo com a Universidade. O programa UAB foi instituído em 2006 pelo Governo Federal com o objetivo de capacitar prioritariamente professores da rede pública de ensino em regiões afastadas e carentes do interior do país”.

    “Os alvos da operação são investigados pelos crimes de fraude em licitação, peculato, falsidade documental, estelionato, inserção de dados falsos em sistemas e organização criminosa. Também chamou a atenção dos policiais a pressão que a alta administração da UFSC exerceu sobre integrantes da Corregedoria da universidade que realizavam internamente a apuração administrativa, o que resultou na prisão de um integrante da alta gestão da instituição.” http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2017/09/pf-desarticula-organizacao-criminosa-que-desviava-recursos-da-ufsc

    Nota-se que o release oficial da PF revela a data de implantação do programa UAB na UFSC (2006), mas omite um dado fundamental, que poderia denunciar o próprio caráter ilógico e descabido da prisão: o período dos desvios, naturalmente bem conhecidos pela delegada e pelo corregedor que alimentou a operação. Eles eram anteriores à gestão de Cancellier, referentes aos anos de 2011 e 2015, conforme nota divulgada pela Administração Central nda UFSC no mesmo fatídico 14 de setembro.  Da forma como foi divulgado pela PF, o release leva ao engano de que os supostos desvios aconteceram na gestão atual.  Depois de disseminada a informação, não houve quem conseguisse conter a calúnia e difamação nas redes sociais e convencer os ardorosos fãs da PF e correligionários de Bolsonaro de que o reitor não tinha qualquer envolvimento pessoal com os alegados desvios de verbas. 

    A manutenção do erro na fonte oficial de informação explica, na avaliação de Acioli, porque a Folha de S. Paulo, por exemplo, persiste na divulgação do desvios de R$ 80 milhões, mesmo depois de uma errata do próprio jornal que chamou a atenção da ombudswoman Paula Guimarães e a levou a fazer uma vigorosa crítica à redação em sua coluna dominical.  Ainda assim, o erro continuou se repetindo, mesmo em artigos francamente favoráveis ao reitor e críticos dos desmandos da operação, como o de Élio Gaspari. (Leia aqui a coluna: http://m.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2017/10/1925311-jornalismo-de-ouvidos-moucos.shtml)

    Na denúncia, os irmãos alegam que Cancellier era réu primário, sem registro de nenhum antecedente criminal. “Nunca foi processado, sequer administrativamente, tendo fixado residência em Florianópolis nas proximidades da UFSC, que era a extensão de sua casa até o dia em que, como relatou em seu bilhete de despedida, foi defenestrado e banido daquele espaço público”. O documento também denuncia a “larga e instantânea cobertura da imprensa local e nacional, que, apesar do sigilo, contou com o fornecimento de informações processuais privilegiadas, a exemplo da exato momento de cumprimento dos mandados de prisão”. Essa espetacularização midiática foi confirmada durante entrevista coletiva ao reitor pró-tempore Ubaldo Balthazar pelo jornalista Carlos Damião, blogueiro e colunista do Notícias do Dia, que disse ter recebido o aviso da prisão do reitor no seu e-mail pessoal às 7:20 do dia 14 de setembro, antes portanto, da operação ser deflagrada. O requerimento de Aciolli copia a decisão que deferiu as medidas de prisão, busca e apreensão pela juíza Janaína Cassol, na qual foi determinado sigilo da operação, nos seguintes termos:

    De acordo com a Lei 4.898, de 1965, que regulamenta a representação nos casos de abuso de autoridade, dispõe, em seu artigo 4º, constitui abuso “submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei” e praticar “ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”, segundo enfatiza o requerimento. Alega a denúncia ainda que a autoridade policial “não só submeteu o falecido reitor à imensurável vexame ao conduzir sua prisão, em local inadequado (penitenciária), como causou mácula irreparável à sua honra, ao divulgar a informação de que ele estaria envolvido em suposto desvio milionário, quando o próprio caderno investigativo afirma que seu envolvimento estaria restrito à alegada interferência administrativa”.

    Coletiva convocada pela delegada para discutir reitor morto quebrou o sigilo determinado por lei

    A ausência do necessário sigilo garantido por lei, com a divulgação excessiva de informações equivocadas pela PF, foi decisiva na produção do discurso de ódio que viralizou como ato contínuo à prisão, avaliam os irmãos. “Todos os investigados foram estigmatizados, mas especialmente o reitor, em cuja figura a participação em um falso desvio milionário foi atribuída pela autoridade presidente do inquérito e, posteriormente, pela mídia”, argumenta Acioli. A divulgação de sua imagem de forma espetaculosa em primeiro plano pelos jornais e veículos de televisão personalizou e sintetizou na figura de Cancellier a representação máxima de um país onde a corrupção descontrolada teria tomado conta até das instituições universitárias.

     

    O pedido de inquérito afirma nas primeiras linhas: “Luiz Carlos Cancellier de Olivo não resistiu à pressão de ser humilhado publicamente pela injusta acusação por um fato anômalo jamais praticado (tentativa de obstrução administrativa), tendo este fato sido determinante para a prática do ato extremo que culminou em seu falecimento precoce e que tem acarretado danos irremediáveis aos familiares”. E conclui, ao final de seis páginas, afirmando: “Agora, além da imensurável tristeza para os familiares e amigos por esta insuperável perda, fica a reputação manchada por inverdades indevidamente divulgadas pela representada aos meios de comunicação, que se estendem a todos da família de Luiz Cancellier”.

    A Justiça brasileira levou 38 anos para reconhecer a culpa da Ditadura Militar pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog, por “tortura e maus tratos”. Quanto tempo a República de Temer e Mouro levará para admitir perante a comunidade universitária e perante todo o país a culpa pelo suicídio de Luiz Cancellier?

    Prestes a completar dois meses da tragédia que consternou o país, o Estado finge ignorar os escandalosos erros, abusos e excessos nesse caso, já denunciados pela Ordem dos Advogados do Brasil, bem como por renomados juristas e cientistas políticos. É notória “a ilegalidade, arbitrariedade, a forma absolutamente desproporcional como as duas medidas, a de prisão e de afastamento do cargo foram incorporadas”, diz o criminalista Fábio Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito Democrático (em entrevista ao jornalista Fernando Morais, do Nocaute). Mas a resposta da sociedade civil organizada vem crescendo como uma avalanche que tende a tornar o sacrifício de Cau um grande levante contra o Estado de Exceção.

    Essas manifestações extravasam da política para a linguagem artística, provocando apresentações teatrais, como Luz em Einstein, da diretora Carmem Fossari, que terminou sua estreia com a projeção de uma tela dedicando a obra, que fala do estado de exceção na ciência, ao reitor suicidado. “A peça remete ao tema da intolerância política e étnica que levou ao fascismo europeu nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial e que hoje retorna no Brasil e no cenário mundial em formas ainda mais sofisticadas, representando um profundo recuo civilizatório”, analisa o professor de arquitetura e vereador Lino Peres (PT).

    Um grito silencioso cortou a escuridão do campus universitário no dia 9/11 à noite, durante o Projeto Experimenta, da Secretaria de Cultura e Arte, quando a professora e “artivista” Clélia Mello exibiu uma montagem com todos os textos, manchetes, imagens de jornais, sites e páginas que ela foi capaz de recolher pela internet. Partindo da pergunta “Quem matou o reitor Cancellier?”, projetada ao centro, e a palavra “Silêncio” nas laterais, a intervenção impactou a comunidade universitária com a projeção dos recortes de mídia em ritmo motocontínuo, como ela explica. Cinco aparelhos simultâneos projetaram os textos e imagens em alta velocidade nas paredes da Reitoria da UFSC, “único lugar onde o reitor pôde adentrar na UFSC depois da invasão policial, já morto, para ser velado dentro de um caixão”, ela anota.

    Intervenção “artivista” de Clélia Mello, projetada à noite nas paredes da universidade

    Com as luzes da universidade completamente apagadas, seguiram-se 12 vídeos editados em frequências diferentes com fotofilmes dos protagonistas da operação, entre eles o corregedor, a delegada, a juíza, a delatora, a vice-reitora, os policiais que prenderam, algemaram e acorrentaram o reitor etc. “A partir da invasão da UFSC pela Polícia Federal, eu me centrei no estado policialesco que vai culminar com a morte de Cancellier como uma vítima de toda essa caça esdrúxula”. A professora do Curso de Cinema esclarece que não filtrou as mensagens, nem impôs um posicionamento a priori. O efeito de arrancar a comunidade universitária do silêncio causado pelo trauma surge da própria afecção e sensibilidade provocadas no inconsciente imagético das pessoas. “Cada um é despertado a fazer seu próprio balanço e sua própria síntese dos elementos que se interligam na tragédia”.

    Já são também pelo menos três documentários produzidos sobre o caso, um deles lançado na abertura do XXVI do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi), realizado na capital do Maranhão, São Luís, entre os dias 15 a 17 de novembro de 2017. O documentário CAU provoca uma profunda reflexão crítica sobre o papel e as ações que autoridades públicas e a mídia desempenham ao ferir as garantias fundamentais do direito.

    Em nome da Inocência: JUSTIÇA, outro documentário, é assinado por Jailson Lima da Silva, Lédio de Rosa Andrade e Sérgio Graziano. Será lançado junto com o livro homônimo,  em Sessão Especial proposta pelo deputado Rodrigo Minotto (PDT). A homenagem ocorrerá no plenário deputado Osni Régis da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, no dia 21 de novembro, às 19 horas.

    O terceiro documentário está sendo dirigido pelo cineasta Eduardo Paredes, autor do premiado Novembrada, que será exibido no Palácio Cruz e Sousa, no dia 30 de novembro, data do aniversário do célebre levante organizado por estudantes da UFSC e trabalhadores no apagar das luzes do governo do general Figueiredo em visita a Florianópolis. A sessão igualmente homenageia a memória do reitor, que participou desse protesto contra a ditadura militar quando era um jovem líder estudantil, em 1979.

     

    Sem provar nada contra seus indiciados, sem retificar as informações distorcidas que inflamaram o ódio na opinião pública e midiática, sem pedir desculpas aos familiares pela perda traumática de um irmão e de um pai inocente, a “hollywoodiana” operação Ouvidos Moucos, como é qualificada pela denúncia, conseguiu apenas arrancar do franciscano reitor o único bem que ele tinha, além de um apartamento de classe média: sua vida e sua reputação. A Justiça levou 38 anos para reconhecer a culpa da Ditadura Militar pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog, divulgando um novo laudo que comprova a sua morte por “lesão e maus tratos” no “II Exército (DOI-CODI)”. Quantos tempo a República “Ordem e Progresso” de Temer e Mouro levará para admitir perante a comunidade universitária e perante todo o país a culpa pelo suicídio de Luiz Cancellier?

    Sobre Vladmir Herzog https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/09/herzog-morreu-torturado-justica.html

     

    NO SENADO

    A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado realiza audiência pública na terça-feira (21), às 9 horas, para analisar as circunstâncias que levaram à morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. O requerimento para a audiência pública é da senadora Regina Sousa (PT-PI), atendendo ao pedido de investigação entregue no dia 31 de outubro por uma rede de mais de cem juristas brasileiros. Foram convidados para o debate Claudio Lamachia, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); José Sérgio da Silva Cristóvam, conselheiro estadual da OAB-SC; Diana Dias Sampaio, secretária-geral da Associação Nacional dos Técnicos de Nível Superior; Luis Eduardo Acosta, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; e Juliano Scherner Rossi, procurador federal junto a UFSC.

    Senadora acatou pedido de instauração de inquérito e já começa na terça, 21/11, a investigar episódios que levaram o reitor ao suicídio. Foto: Senado

    Antes, no dia 31 de outubro  já havia sido realizado uma sessão solene no Senado em homenagem ao reitor que se tornou um grande manifesto político multipartidário que tomou o caso do reitor da UFSC como um vigoroso exemplo de combate aos abusos de poder e ao Estado de Exceção. A título de ser uma homenagem ao professor suicidado, a cerimônia ocupou o espaço na tribuna para uma sucessão de discursos vigorosos contra as condições da prisão e afastamento do reitor da universidade, que revezaram ao microfone vozes de vários partidos, que vão do deputado Armindo Chinaglia (PT), o senador Roberto Requião (MDB histórico), o desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade, o ex-senador Nelson Wedekin (MDB histórico), o deputado Esperidião Amin (PP), até a ex-senadora e líder do governo Lula e Dilma Ideli Salvatti (PT). https://www.facebook.com/lediorosa/videos/10203996144980494/

    AULA PÚBLICA:

    SC se levanta contra Estado de Exceção na UFSC e no Brasil

    A partir da aula pública em Florianópolis deve se articular uma Frente Nacional de Luta contra o Estado de Exceção

    A Universidade Federal de Santa Catarina realiza a Aula Pública: “Resistência ao abuso de poder e ao fascismo: em defesa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e da Autonomia Universitária”, por iniciativa do Coletivo Floripa contra o Estado da Exceção, com aclamação unânime do Conselho Universitário. O evento ocorrerá no Teatro Garapuvu, no dia 27 de novembro, às 14 horas, com a participação do desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade, senador da República Roberto Requião, autor do projeto de Lei Cancellier contra o Abuso de Autoridade, o jurista e deputado Patrus Ananias, o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, o procurador de Estado João dos Passos Martins, o Padre Vilson Groh, da União Arquidiocesana das Comunidades Eclesiais de Base e o Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça.

    O Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção conclama todos os cidadãos que defendem a verdade e a justiça a divulgarem esse evento que se projeta como um marco nacional na defesa do Estado Democrático e de Direito. Toda a comunidade mais ampla está convidada a vir participar, compreender e debater o significado dos episódios de abuso de poder que violaram a autonomia da universidade, levaram à prisão ilegal de seis dos seus integrantes no dia 14 de setembro, humilharam e baniram o reitor Luiz Carlos Cancellier da UFSC, culminando com a sua perda trágica. O convite para a Aula Pública registra:

    “Que o suicídio do professor Cancellier, encarcerado no Presídio de Florianópolis sem a constituição de denúncia, nem direito à defesa, algemado nas mãos e acorrentado nos pés, alvo de uma acusação infundada e caluniosa agasalhada sem a devida verificação pela Polícia e pela Justiça Federal, sirva para levantar o Brasil contra a afirmação de um estado policialesco que tende ainda a vitimar muitos outros inocentes.”

     

     

     

    Senador Roberto Requião e Patrus Ananias estarão em Florianópolis no mesmo dia 27, junto com os deputados Pedro Uczai, Celso Pansera e Décio Lima para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Eletrosul. O ato que se insurge contra a privatização e entrega do setor estratégico de energia, ocorrerá às 9 horas no auditório Deputada Antonieta de Barros, na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Participam parlamentares federais, estaduais e municipais, Frente Brasil Popular, Intersul, Intercel e outras entidades que defendem a soberania nacional.

  • URGENTE – RENÚNCIA COLETIVA: anulação do afastamento de corregedor revolta comunidade universitária

    URGENTE – RENÚNCIA COLETIVA: anulação do afastamento de corregedor revolta comunidade universitária

    Reitora Alacoque ao lado do reitor suicidado: traição?

    A reitora da UFSC em exercício, Alacoque Lorenzini Erdmann, conseguiu provocar uma verdadeira rebelião entre os dirigentes na manhã de hoje por conta da revogação de uma portaria na tarde de ontem. Com a anulação, ela suspendeu o afastamento e a investigação do corregedor Rodolfo Hickel do Prado, apontado como o maior responsável pela morte do reitor Luiz Carlos Cancellier. No final da manhã desta quarta-feira, todos os sete pró-reitores e parte dos 10 secretários se reuniram num prédio separado da reitoria e decidiram renunciar ao cargo em discordância com a atitude unilateral tomada pela reitora. As demissões devem ser formalizadas ao longo do dia. Os membros do Conselho Universitário (CUN) estão estudando uma forma de anular a decisão dela e de afastar definitivamente o corregedor, que é servidor da Advocacia Geral da União, dos quadros da universidade. Um novo reitor também poderia ser escolhido por eleição direta a partir da reunião extraordinária do CUN, convocada para esta quinta-feira, às 14 horas, por exigência dos conselheiros. Antes, às 10 horas, Alacoque deve apresentar uma proposta de conciliação para levar ao CUN à reunião com os 15 diretores de Centro, solicitada hoje por eles, que também estão incomodados e indagando por providências para investigar as circunstâncias que levaram o reitor ao suicídio.

    Há forte pressão entre os dirigentes e representantes da comunidade para que Alacoque renuncie ao cargo e ela mesma chegou a se mostrar inclinada a fazê-lo. Ao saber da reunião dos pró-reitores sem a sua presença, também comunicou internamente sua intenção de renunciar, mas mudou várias vezes de opinião. Provocando uma grave crise institucional na gestão da UFSC, ela revogou na tarde desta terça-feira a portaria assinada na sexta (20/10) pelo gabinete afastando por 60 dias o corregedor interno, considerado o principal agente no processo difamatório e calunioso que culminou com o suicídio do reitor Cancellier. Assinada pelo chefe de gabinete, Áureo Moraes, a portaria determinava também a abertura de Processo Administrativo Disciplinar para investigar representação de graves denúncias de perseguição, intimidações e ofensas praticadas por Rodolfo contra o professor do Curso de Administração Gerson Rizatti Júlio. A reitora alegou ameaça de processo por improbidade administrativa por parte do Ministério Público Federal. Acusada de covardia, sua atitude consternou a família (veja carta abaixo) e foi considerada traiçoeira pelo movimento que busca estabelecer a verdade no caso do linchamento moral do reitor, o Floripa Contra o Estado de Exceção. “A autonomia da universidade foi duramente atingida”, afirmou o chefe de gabinete, que pediu demissão do cargo.

    Corregedor considerado o pivô do suicídio do reitor e dos abusos de autoridade que feriram a autonomia da UFSC

    Ontem, depois de um dia de forte tensão na tentativa de dirigentes e assessores chegarem a um acordo com Alacoque, grande parte dos pró-reitores já tinha decidido também acompanhar Áureo na entrega dos cargos.  A efetivação de uma demissão coletiva, contudo, dependerá da reunião de amanhã no CUN.

    A crise começou a se desenhar já na segunda-feira pela manhã, quando o corregedor impetrou um mandado de segurança para suspender seu afastamento. Em vez de concedê-lo, contudo, o juiz da 3ª Vara Federal, Osni Silva, deu o prazo de dez dias para que a Universidade apresentasse uma justificativa para a publicação da portaria suspendendo-o das funções. Pressionada, segundo fontes do gabinete, pelo próprio algoz do reitor, a vice-reitora anulou todas as possibilidades de afastar o agente externo quando ela mesma revogou o portaria anterior que estabelece a abertura do PAD.

    Com a medida, Alacoque fortaleceu o corregedor que, mesmo afastado, continuou exercendo influência, praticando abuso de autoridade e intimidando pessoas da comunidade universitária, inclusive determinando a proibição da entrada de professores no campus, como fez com o reitor.  “A reitora poderia ter deixado o juiz decidir, mas preferiu ela mesma tomar essa decisão que entrega de bandeja a autonomia universitária nas mãos do pivô de toda a desestabilização que levou a essa tragédia”, afirma o ex-procurador da UFSC, Nilto Parma. Essa opinião é compartilhada por grande parte dos membros do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção, que consideram neste momento fundamental salvaguardar a autonomia universitária, como o professor de jornalismo Samuel Lima, a advogada Rosângela de Souza e a médica Thaís Lippel.

    Assim que Alacoque emitiu a anulação da portaria, o chefe de gabinete Áúreo Moraes, professor do Curso de Jornalismo, publicou nas redes sociais carta anunciando sua demissão do cargo por discordância com o recuo sobre a investigação de Hickel, avaliando que ela capitulou à ingerência e aos desmandos de Rodolfo na universidade. Ao contrário do que foi alegado pela reitora em reunião com pró-reitores, garantiu que sua atitude foi transparente e que ela tinha plena ciência da publicação da portaria afastando o inquisidor. O pedido de exoneração de Áureo já foi aceito e publicado.

    Portaria da reitora em exercício revoga afastamento do inquisidor

    Atendendo a uma solicitação abaixo-assinada por 20 conselheiros, portanto, mais de 1/3 do total de membros do CUN (cerca de 50), a reitora já convocou a sessão extraordinária do CUN para esta quinta-feira (26), às 14 horas, na sala Professor Ayrton Roberto de Oliveira. O documento, encabeçado pelo diretor do Centro de Ciências da Saúde, Celso Spada, solicita a reunião para discutir a criação de uma Comissão de Apuração dos equívocos cometidos interna e externamente que tenham sido responsáveis pela morte do professor Cancellier. O outro item da sessão reivindicada é decidir a forma de contratar empresa especializada para analisar o impacto relacionado ao processo judicial envolvendo a UFSC, conforme deliberado na última reunião do CUN, no dia 17 de outubro. Naquela, reunião, Alacoque foi referendada como substituta de Cau Cancellier no cargo, mas essa decisão ainda não foi confirmada pelo MEC. É muito possível e até provável que ela seja afastada do cargo na próxima. Os nomes para uma disputa já estão sendo cogitados, entre eles o do ex-reitor Lúcio Botelho, médico e professor do Departamento de Saúde Pública e o de Ubaldo Baltazar, diretor do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), que foi professor de Cau Cancellier. Mas o que se reafirma na comunidade universitária é a perspectiva de abertura de eleições diretas, o que está previsto no regulamento quando há impedimento de ambos, reitor e vice.

    MEMO_CCS

     

    Sobre a pressão alegada pela reitora, o procurador do Estado Paulo Ricardo da Silva deu o seguinte depoimento:

    “Um absurdo! Se ela está sendo pressionada por agentes externos, que estão interferindo na autonomia da universidade, que denuncie isso abertamente para a sociedade. Não pode temer. Essa universidade não tem um corpo jurídico para defendê-la?” Na mesma linha, o ex-presidente do Sindicato do Serviço Público Estadual, Antonio Batisti, considera que com a decisão Alacoque legitimou Rodolfo Hickel do Porto como uma espécie de interventor na UFSC.

    Em nome da família, a cunhada de Luiz Cancellier, Ana Cristina Vieira, candidata a doutorado pela UFSC, fez o seguinte depoimento:

    “Luiz Carlos Cancellier deu sua vida à UFSC e ela pouco fez para protegê-lo. E nós estávamos um pouco menos tristes e deprimidos quando finalmente alguém tomou uma atitude digna e justa contra a pessoa que deflagrou o linchamento criminoso, cruel e absolutamente injusto que ele sofreu. Víamos uma luz. E agora estamos aturdidos e incrédulos. O Cau era um diplomata, trabalhador, honesto, humilde, íntegro, gentil e bondoso. Acreditava nas pessoas e na universidade pública e de qualidade. E vimos em seu velório manifestações de amigos, funcionários, professores. Depois manifestações nacionais e internacionais em respeito e apoio ao grande homem que ele foi. E fica muito difícil aceitar e entender que problemas administrativos estão acima de um homem que deu sua vida pela UFSC. Ele foi morto. E era o mínimo a universidade defender o seu nome. Tristeza. Aguardamos a reunião do CUN solicitada pelo Centro de Ciências da Saúde e os encaminhamentos. Temos que alimentar o que existe de bom, e não a maldade. Não podemos deixar que o mal cresça. Precisa florescer o bem e a justiça”.

                 Veja a carta do chefe de gabinete Áureo Moraes, que pediu exoneração:

    Chefe de gabinete: “reitora cedeu a pressões externas à UFSC, e que representam profundo abalo na nossa autonomia”. FOTO: Agecom/UFSC

    À Comunidade Universitária da UFSC e à sociedade

    Em respeito à Instituição que me acolheu como aluno em 1984 e, depois, como docente, em 1993, na qual tive oportunidades de fazer uma carreira no serviço público, de conhecer e conviver com pessoas maravilhosas, de aprender com meus alunos e alunas, de trabalhar com colegas brilhantes do Departamento de Jornalismo e, sobretudo, de atuar em diferentes gestões da UFSC nestes 24 anos, expresso, neste momento, minha absoluta frustração com a derrota que nos é impingida.
    Os fatos que me levaram a pedir dispensa da função de Chefe do Gabinete do Reitor não me ferem pessoalmente. Mas à UFSC como um todo. Minha decisão se deveu ao ato, legítimo, da Reitora em exercício, de anular a portaria em que eu, exercendo plenamente as prerrogativas da função, determinei a abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), com o consequente afastamento, do servidor Rodolfo Hickel do Prado, desde 20 de outubro passado.
    Não me interessam as razões que possam ter levado à decisão da Professora Alacoque, a quem respeito e admiro. Mas sei que parte delas é decorrente de pressões que a ameaçaram e partiram de entes externos à UFSC, e que representam um profundo abalo na nossa autonomia.
    A publicação da portaria de afastamento está administrativamente correta, formalmente fundamentada e é absolutamente defensável na esfera jurídica. Mas a decisão da Reitora foi, lamentavelmente, política. Com seu gesto ela optou pela manutenção de um servidor externo à UFSC, que desconhece a instituição, que a desrespeita, que a agride, que a ameaça, que a atemoriza, que a despreza. E pela saída de um colaborador de primeira hora, sempre disposto a apoiá-la desde o início da turbulência pela qual vivemos desde que nosso Reitor foi arrancado do nosso convívio.
    Em documento entregue à Reitora em exercício, com meu pedido de dispensa, fiz questão de desatacar que, não se pode recuar um milímetro no sentido de buscar a apuração rigorosa de todos os fatos descritos na representação que levou ao PAD e ao afastamento do servidor Rodolfo. E a deixei à vontade para que, se assim julgar, possa imprimir aos fatos que se sucederão, a condução que lhe parecer mais adequada.
    Agradeço à toda a equipe da gestão e à fantástica equipe do Gabinete do Reitor, pessoas de alto comprometimento e dedicação que me enriqueceram com seu convívio. Este grupo é inigualável.
    E agradeço à comunidade da UFSC com quem mantivemos relações produtivas, amigáveis e propositivas ao longo deste período.
    Continuo à disposição.

    Prof. Aureo Moraes
    Siape 1159850